09 agosto, 2019

Impressões de uma viagem a Chelo, Lorvão e Paradela em 1914

[A Firma Barbosa, Fernandes & C.ª,  o Mosteiro de Lorvão e o Prof. Manuel Joaquim da Silva]


O Mosteiro de Lorvão em 1910

Envolto no escuro humedecido do ambiente pesado, Chelo de Penacova adejava-nos, hospitaleiro, com os braços abertos. Foi aí que pudemos tomar conhecimento do estado adiantado da nossa indústria paliteira. A Firma «Barbosa, Fernandes & C.ª" cumulando-nos de gentilezas e satisfazendo-nos as importunas curiosidades, não duvidou patentear-nos os seus aperfeiçoados mecanismos para a confecção das caixas em que apresenta, no mercado, todo o stock de palitos entrado nos seus armazéns.
Como outrora em Roma e ainda hoje nalgumas populações menos cultas, também em Chelo se prescinde, muitas vezes, da moeda para as transacções comerciais. Os palitos-moeda correm ali, entre comerciantes e consumidores, sem grande risco de falsificações. E tem largo curso no estrangeiro. . . 

A pensar em tudo isso, passámos nós momentos descuidados, como descuidada foi a noite, levada dum sono só. Nos tímpanos conservamos, ainda, os últimos sons da Portuguesa, executada com alma por um Zé Pereira de fama, á nossa chegada! Pareceu-nos que era a Portuguesa … 

Percorridos três quilómetros desde Penacova, surge-nos o velho convento «no meio de umas serras mui ásperas», — como diria Bernardo de Brito,— altivo, ainda, apesar dos séculos, com a sua cúpula altaneira e firme, desafiando o porvir com denodo e sobranceria. A sua fundação, em época não fixada exactamente, da qual o autor da Crónica de Cister, apenas, nos diz que o mosteiro é em sua fábrica antiquíssimo », não obstante pretender-se localiza-la na época do seu patrono. 

O convívio dos frades de S. Bento com os mouros tolerantes; o engrandecimento dos monges á custa da sua hábil política em detrimento dos mauritanos, apesar da brandura destes; a decadência moral dos opulentos beneditinos e a sua expulsão dali em 1200, pelo monarca D. Sancho I que entregou o convento a sua filha D. Tereza, rainha de Leão, onde ela professou segundo as regras da ordem de Cister; a transladação em 1715 dos restos mortais de D. Tereza e de sua irmã D. Sancha, fundadora do convento de Celas,canonizadas em 1705, para as urnas de prata que a abadessa do convento de Lorvão, D. Bernarda Teles de Menezes, mandara fazer ao artista portuense Manuel Carneiro da Silva; a extinção do convento, com a morte da sua última freira, no reinado de D. Luiz, e todos os vandalismos cometidos nos seus claustros, mobiliário e ornamentações — tudo isso nos parecia transpirar dos muros envelhecidos do grande monumento, recordando, quiçá com saudade, o seu esplendor, riqueza e vida dos tempos que passaram e não voltam. 

Entramos. E, devemos confessá-lo, experimentamos aqueles sentimentos de admiração e respeito que António Seco, no século passado, dizia serem comuns a quantos transpunham os limiares desse belo monumento. 

Ainda hoje, apesar dos estragos, inspira esses sentimentos. É toda uma preciosidade que o seu interior encerra, maravilhando os detalhes dos seus motivos decorativos. Lino de Assunção não duvidou escrever: «aspecto geral de grandiosidade, opulência, delicadeza e gosto”. 

O seu coro cadeiral, com graciosas talhas de efeito e duas ordens de artísticos assentos, está ao nível do pavimento da igreja, como, no dizer do autor de As Freiras de Lorvão, usavam os cistercienses, sendo separado da capela-mor por um gradeado de bronze, obra de subido valor feita, ao que parece, em 1784. 

Mas, tendo percorrido a única nave do templo, com o seu ar clássico de grandeza, pudemos saciar uma grande parte da nossa curiosidade, observando os seus retábulos e capitéis, os túmulos das filhas de D. Sancho I e os quadros agradáveis de Pascoal Parente, as suas particularidades interessantes e o seu conjunto admirável. 

Subidos 125 degraus que nos conduzem ao circuito da cúpula, descobrimos em volta os restos mutilados do claustro e outras dependências que a incúria, ou a barbárie, dos encarregados da sua conservação deixou vandalizar há uns 10 ou 15 anos. Belas pechinchas o compadrio ali minou. Mas, para que recordar isso cujo remédio é já impossível? Todavia, um facto existe ainda que não abona demasiado o amor pela arte — o estarem arrendadas algumas celas do convento donde irradia com abundância o fumo suficiente para inundar toda a nave do velho convento! 

Foi isso que todos íamos dizendo quando, com saudade, abandonávamos Lorvão e, pela tarde serena e desanuviada, nos dispusemos a fazer o percurso até Paradela. 

Aqui, noite caída já, encontrámos um espírito original, em múltiplos ramos de aptidão artística, alimentando todos os ócios da sua situação de professor aposentado em variados motivos de reconhecida utilidade. Com agrado passamos algumas horas admirando-lhe os recursos de verdadeiro artista. Instrumentos de corda, moveis domésticos, manifestações diversas de talha, assuntos mecânicos, etc., são os. entreténs favoritos do sr. Manuel Joaquim da Silva. 

Mas, ninguém se prestara, naqueles sítios, a manufacturar palitos, à nossa vista, com aquela rapidez e perfeição que se tornou proverbial. Era domingo, dia "de descanso”. Alguém, porem, segreda-nos de lado que, sendo um fraco distante, poderíamos no dia seguinte voltar a Lorvão para satisfazer a nossa curiosidade, pois que, com à maior fatalidade, deveríamos gostar. Era curioso o informador. Declinamos o convite depois de ter agradecido. E, fazendo-nos de abalada, lua clara e amiga seduzindo-nos lá de cima com o seu brilhar de languidez poética, regressámos à cidade das luzes onde nos esperava um sono reparador. A lição foi longa, mas proveitosa.

A. A. DA CAPELA E SILVA
In Gazeta de Coimbra, 1914


06 agosto, 2019

Faz hoje 100 anos António José de Almeida foi eleito Presidente da República

António José de Almeida em 5 de Outubro de 1919
Em 1919 procedeu-se a nova eleição para o cargo de Presidente da Republica, de acordo com a lei constitucional de 1911. Esta eleição realizou-se em 6 de Agosto de 1919, para o quatriénio de 1919-1923 em reunião do Congresso, em sessão especial das duas câmaras, Câmara dos Deputados e Câmara dos Senadores, 

A eleição resolveu-se por 3 escrutínios por listas, tendo servido de escrutinadores Alboim Inglês e Lima Duque. Lima Duque que, como sabemos, foi uma figura muito importante na política penacovense e era genro do Conselheiro Alípio Leitão. 

No 1.º escrutínio, verificou-se que António José de Almeida obteve 87 votos, seguido de Manuel Teixeira Gomes com 82 votos, Francisco de Azevedo e Silva com 1 voto, Afonso Costa com 3 votos, Duarte Leite com 1 voto, Correia Barreto com 1 voto, Magalhães Lima com 1 voto e 5 listas em branco. 

Decorrido o 2.º escrutínio verificou-se terem sido votados: António José de Almeida com 93 votos, seguido de Manuel Teixeira Gomes com 83 votos, António Teixeira Gomes com 1 voto e 2 listas em branco. 

Finalmente, realizado o 3.º escrutínio, António José de Almeida obteve 123 votos, seguido de Manuel Teixeira Gomes com 31 votos e 13 listas em branco, sendo declarado, pelo presidente do congresso, eleito para o cargo de Presidente da República o mais votado.

António José de Almeida, foi o primeiro e único Presidente da I República eleito que cumpriu o seu mandato por inteiro. Tomou posse em 5 de Outubro de 1919,




Lima Duque, estava ligado a Penacova pelo casamento (era genro de Alípio Leitão)

22 julho, 2019

Centro Interpretativo da Primeira República e Casa Museu em Vale da Vinha

João Paulo Avelãs Nunes, do CEIS20, apresentando as linhas embrionárias do projecto

No contexto da celebração do feriado municipal – 17 de Julho – foi apresentado, ainda em fase muito embrionária, na presença do Presidente da República, o projecto de criação de um Centro de Interpretação da I República e Núcleo Museológico em torno da figura de António José de Almeida.

De acordo com as palavras de  João Paulo Avelãs Nunes, do Centro de Estudos Interdisciplinares do Séc. XX (CEIS20), a quem coube a apresentação do projecto, o mesmo terá um carácter “transversal a diversas áreas” e pretende-se que seja “não instrumento de conflito mas, pelo contrário,  de consensualização de valores.” Terá uma vertente de formação cívica, “sem um discurso, uma mensagem ou moral pré-definida, mas com carácter aberto, facilitador do debate de ideias.”

O futuro Centro de Interpretação e Núcleo Museológico, a instalar em Vale da Vinha,  constará de um piso térreo, reservado para a instalação de valências técnicas e de um 2º piso, correspondendo ao espaço nobre da antiga casa. No entanto, não  teremos propriamente a reconstituição do espaço familiar, já que ele foi desaparecendo com a degradação do edifício. 
Edifício que vai ser recuperado para instalação do Centro Interpretativo / Casa Museu

Um dos primeiros núcleos de caracterização será a origem de António José de Almeida, a história familiar e local, a ligação à comunidade de origem. Contará  a história  de  António José de Almeida e de Portugal, desde o final do séc. XIX até aos anos trinta do século XX.

Um segundo espaço versará sobre  o início da actividade profissional de António José de Almeida que, neste caso, permitirá  uma ligação ao Império Colonial da época, com uma outra parcela da realidade portuguesa (S. Tomé).

Seguir-se-á  o período em que António José de Almeida foi um dos principais dirigentes do partido republicano, quer na fase de propaganda, quer na conquista do poder politico. A implantação da República, a fase de governação e o papel de António José de Almeida,  a desagregação da Primeira República, a sua substituição por outro tipo de serão outros aspectos a contemplar.

O investigador do CEIS 20 referiu que o Centro de Estudos fora também  convidado para, além deste projeto,  colaborar  noutros mais a criar na região: “uma espécie de rota de museologia em torno das questões políticas em Portugal  desde finais os séc. XIX até ao final do Estado Novo.”

Mais concretamente, núcleos museológicos ligados a personalidades marcantes: “em primeiro lugar, obviamente António José de Almeida, em Penacova;  em segundo lugar,  “não propriamente António de Oliveira Salazar,  mas um Centro de Interpretação  sobre o Estado Novo”, em Santa Comba Dão. Também no concelho de  Carregal do Sal, um Centro de Interpretação sobre o holocausto e Casa Museu Aristides de Sousa Mendes. Numa fase mais atrasada de negociação, Afonso Costa em Seia, irmãos Lacerda, no Caramulo e eventualmente um novo projeto em torno de escritores, incluindo Mortágua e outros locais.  

“Isto permite criar uma rede que pode ter várias entradas. Uma delas e a mais óbvia seria Coimbra não só por ser Património Mundial da UNESCO, mas também através do Portugal dos Pequenitos, um ícone da memória do Estado Novo.” – adiantou João Paulo Avelãs Nunes.

Este conjunto de projectos  envolve não  apenas as câmaras municipais mas também as comunidades intermunicipais. Além disso, “procurar-se-á  criar um Conselho Consultivo que representará  várias entidades, entre elas o Museu da Presidência, e será o garante da qualidade científica, e do rigor intelectual e ético.”

Projectos que implicam recuperação de património, atividade museológica, formação cívica, educação e  turismo: “Teremos não apenas a divulgação cultural e científica, mas também a turística. Em territórios de chamada baixa densidade podem ser uma estrutura muito positiva e significativa.” - afirmou Avelãs Nunes.