18 março, 2015

Cartas Brasileiras

Crónica de 
Paulo Santos

                                             DEVOLVA O ANEL

           
            De uns tempos para cá, as coisas andam por demais estranhas no meu país, fica cada vez mais difícil saber o que é ético e moral.
Vozes irão se levantar para dizer que a estranheza  não é de hoje, começou em 1808, com a chegada de Dom João VI e sua a corte, e que o “apadrinhamento”, inchaço da máquina pública, vem desde aquela época, pois que na fuga de Portugal, entre 10 e 15 mil portugueses vieram para o Brasil. Claro, o “povo” lá ficou não por não temer Napoleão, mas por tão ter como vir.
O tal “déficit  público” é  herança maldita; treze anos após a chegada da Família Real o buraco no orçamento tinha aumentado mais de vinte vezes. Já  naquele tempo contratavam artistas com o dinheiro “da viúva” e esbanjavam o que não tinham com viagens dos integrantes da “corte” (um dia vi pela TV Senado aprovarem o requerimento para que um senador se ausentasse do país para participar de um congresso em Saigon; 30 dias!).
O Banco do Brasil  criado em 1808 estava arruinado em 1820, seus depósitos em ouro, que serviam para de garantia para a emissão de moeda, representavam apenas 20% do total em dinheiro; 80% era “moeda podre”. Não fizeram o reajuste fiscal!
A “caixinha” corria solta nas concorrências e pagamentos dos serviços públicos; se o interessado não “comparecesse” com os 17% os processos simplesmente paravam de andar. Portanto, por que reclamar tanto do que acontece na Petrobrás!  
Ora, como se vê, dirão para se justificar, as coisas por aqui desandam desde o tempo da coroa. Verdade! Os que aí estão não foram os únicos, mas isso pouco resolve, não limpa a alma de ninguém; padrões éticos estão mais na vergonha de cada um.   
Imagine, alguém que tendo cometido um assalto com sua quadrilha,  presenteia a mulher com o anel de brilhante que roubou! Ainda que ela desse uma de Dona Maria, a louca, e dissesse que não sabia que o marido era ladrão, que o anel era roubado, ou preferisse desconhecer a origem do bagulho, poderia querer ela ficar com o produto do roubo! Certamente que não, diremos nós; há os que acham que pode.
Tudo bem que não deva ser presa, pensamos nós, mas que devolva o anel! 

P.T.Juvenal Santos
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Nota: 1) As citações sobre a chegada da família real foram obtidas no livro 1808 de Laurentino Gomes, um livro de história do Brasil e Portugal, publicado em 2008. O autor recebeu o prêmio de melhor Livro de Ensaio da Academia Brasileira de Letras e Prêmio Jabuti de Literatura. Escreveu 1882 e 1889 completando a trilogia.

CLIQUE NA IMAGEM PARA VISUALIZAR O VÍDEO

Nota: 2) Dia 15 de março de 2015, a população saiu às ruas no Brasil para protestar contra a corrupção, contra o verdadeiro assalto cometido contra a Petrobrás, a nossa empresa queridinha. O Ministério Público, recebendo as denúncias da chamada Operação Lava Jato indicia por diversos crimes, empreiteiros,  diretores da Petrobrás e políticos. O esquema enriquecia os donos das empreiteiras, os diretores da Petrobrás, e fornecia dinheiro para partidos políticos principalmente para os integrantes da base aliada do Governo: PT. PMDB e PP, financiando inclusive campanhas eleitorais.  É disso que trata o vídeo.                                     

16 março, 2015

Bizarros comportamentos com 480 milhões de anos

Ainda sobre o assunto que temos vindo a tratar relacionado com a tal "Pedra Curiosa", acrescentamos hoje mais alguma informação, especialmente dedicada àqueles que estão empenhados e estão a levar a sério a hipótese de termos na Livraria do Mondego mais um elemento que enriquecerá aquele local. Poder, aí, onde há  100 anos foi encontrado, observar aquele icnofóssil (ou uma réplica) ainda preservado e visitável no Museu Geológico da Universidade de Coimbra, seria sem dúvida mais um ponto de interesse a acrescentar àquele sítio.

O texto que se segue, referente a Penha Garcia, muito bem se poderia aplicar à Livraria do Mondego, dado que as condições materiais e temporais são as mesmas. Por isso onde se lê Penha Garcia, poderíamos ler  Livraria do Mondego, Entre Penedos...


Icnofósseis de Penha Garcia

Cruziana furcífera - Penha Garcia
Fotografia de Pedro Martins

Penha Garcia há 480 milhões de anos. Um mar negro pela noite austral é varrido por ventos ciclónicos que erguem ondas colossais. Nesta paisagem de trevas , pouco mais se vislumbra do que pequenos baixios arenosos despojados de vida, um mar gélido estende-se para além do horizonte. Terra firme existe a algumas centenas de quilómetros, uma gigantesca massa continental onde se individualizam apenas maciços rochosos, desertos pedregosos, lagos e rios cor de terra. O verde não existe.

As primeiras plantas terão um papel decisivo na formação e fixação de solos apenas 65 milhões de anos mais tarde.

Assim, pouca coisa vai sucedendo na terra, para além de uma rápida erosão causada pelos rios numa paisagem desértica.

Abaixo da superfície líquida crispada, a vida floresce  e fervilha de emocões. Colónias de vermes poliquetas e foronídeos sedentários estendem os seus apêndices plumosoas às correntes marinhas a partir das suas tocas verticais  ou em forma de U, quais redes para a pesca  de minúsculas partículas orgânicas em suspensão nas águas agitadas.

passagem de um grande artrópode  filocarídeo ( semelhante a um camarão encerrado numa concha) nadando sobre estas colónias de “pescadores” faz com  que , num piscar se olhos,  os poliquetas e foronídeos se escondam no interior dos seus tubos escavados nos fundos arenosos.

As fortes correntes de fundo que modelam a areia numa sucessão de cristas paralelas e levantam nuvens de finas partículas também são o fulcro do alimento para os braquiópodes linguliformes. No entanto estes seres vivem enterrados  na areia no interior da sua concha bivalve, mantendo uma ligacão com o exterior para respirar e obter alimento.

A maior profundidade milhares de  trilobites revolvem o fundo arenoso em busca de alimento, adoptando várias e inovadoras estratégias de comportamento que lhes permitem obter mais comida com menos esforço ( Neto de Carvalho, 2006). Basicamente as escavações que as trilobites produzem entre níveis de areia e argila, num acto continuado de assimilação dos abundantes detritos orgânicos, correspondem sulcos bilobados provocados pelo movimento síncrono de mais de 13 pares de patas. Neste colossal fast food de Penha Garcia não é raro ver o trabalho de algumas das maiores trilobites que alguma vez terão existido, com quase meio metro de comprido: verdadeiros gigantes no mundo dos invertebrados! São animais que se alimentam em grupos compostos por dezenas de indivíduos da mesma idade.

Afastados destes gigantes couraçados,  verdadeiras escolas de trilobites com pouco mais de 4mm de comprido testam as estratégias de alimentação e os modos de vida que fizeram deste, um dos mais bem sucedidos grupos de artrópodes de sempre, até desaparecerem  definitivamente  dos oceanos  230 milhões de anos mais tarde.

São janelas temporais deste mundo perdido há muito que poderá encontrar ao longo da Rota dos Fósseis, em Penha Garcia.

Cada camada de quartzito, hoje verticalizada, conta um instante passado no fundo marinho de há 480 milhões de anos. Aprender a ler este livro sobre a História da Terra é despertar para a solução de múltiplos enigmas  que constituem a evolução da Vida.


capa do livro em referência
Carlos Neto de Carvalho (texto) e Pedro Martins (Imagens) Geopark Naturtejo da Meseta Meridional - 600 milhões de anos em imagens. Edição: Naturtejo, E.I.M. – Câmara Municipal de Idanha-a-Nova, 2007



in Carlos Neto de Carvalho e Pedro Martins ,op. cit.


 Se não conhece Penha Garcia, deixamos a sugestão de uma visita!

15 março, 2015

Cartas Brasileiras: Com Cópia Oculta


Ao enviar email em cadeia para meus amigos, utilizo sempre o recurso CCO (Com Cópia Oculta); evito expô-los. Em uma dessas mensagens, encaminhava a todos as respostas recebidas, sem que ninguém soubesse de quem era. O incrível era que eu não conhecia pessoalmente um dos meus grandes amigos.
Como ter amigo que não se conhece? Se eu contasse veria que pode.
Título do email: "Eu não estou me comportando mal"; o qual escondia uma mensagem cifrada. No texto, a morte de Robin Williams, e um link para que ouvissem uma música, uma descoberta, então recente; desconhecia a música e o intérprete, mesmo sendo preciosidade dos anos 40! A beleza nem sempre se nos apresenta, temos que buscá-la.
Logo veio a primeira resposta de um o amigo que se valeu de Saramago:  "Ninguém está falando que está"; ou seja, que eu estivesse "enchendo". Passou ele batido pelo texto cifrado. E seguiu falando do ator: ”atuação extraordinária em Bom dia, Vietnã. Acho que o diretor deixou-o fazer o que quisesse. Outra atuação maravilhosa é a do professor, em Sociedade dos Poetas MortosÉ isso aí. Matarei a saudade, revendo seus filmes”.
O amigo “desconhecido” comentou: “Devo dizer-lhes que estou ouvindo a canção; eu ainda não há conhecia, foi amor à primeira vista; incrível, como pude não conhecer essa maravilha! Como não sabemos de nada!”
            Outro escreveu: “ah, eu também sou fã de Robin Williams, digo sou, porque sou fã de Burt Lancaster, James Stewart, Audrey Hepburn, Ava Gardner, etc., etc.”.
Animado, um queria mais: “espero que nos encontremos novamente nas próximas mensagens, estou adorando essas conversas;  a música é adorável!
            Há sempre os mais comedidos: “Obrigado pela música, de extremo bom gosto; enfeitou meu sábado”.
            A morte do ator provocou mais comentários: “concordo, foi sim um belo filme. Linda canção! Bom final de semana, boas viagens. Abraços do amigo de sempre.”
          Como eu, um saudosista: “adorei Sociedade dos Poetas Mortos;  não tenho visto mais filmes tão lindos assim. Ou eu me tornei um chato, ou não fazem mais daqueles filmes”.
O fim daquela conversa veio com o email que enviei: “Interessante, amigo de sempre não é aquele que é desde a eternidade, mas aquele que ao se tornar permanece assim. Abraço a todos. Tenho que ir, minha mulher já me telefonou para o almoço; explico, meu netinho quer comer comida chinesa no Shopping, eles foram eu fiquei, agora lá vou eu.”
            Não me censurem pela brincadeira de “Eu não estou me comportando mal”, segue o link para que ouçam “Ain´t Misbehavin´ ”; é linda!


PS: o amigo que não conhecia partiu de repente, tive que apagá-lo dos meus contatos. Muito triste.  Ah! Ele adorava a música “Misty”