Ainda sobre o assunto que temos vindo a tratar relacionado com a tal "Pedra Curiosa", acrescentamos hoje mais alguma informação, especialmente dedicada àqueles que estão empenhados e estão a levar a sério a hipótese de termos na Livraria do Mondego mais um elemento que enriquecerá aquele local. Poder, aí, onde há 100 anos foi encontrado, observar aquele icnofóssil (ou uma réplica) ainda preservado e visitável no Museu Geológico da Universidade de Coimbra, seria sem dúvida mais um ponto de interesse a acrescentar àquele sítio.
O texto que se segue, referente a Penha Garcia, muito bem se poderia aplicar à Livraria do Mondego, dado que as condições materiais e temporais são as mesmas. Por isso onde se lê Penha Garcia, poderíamos ler Livraria do Mondego, Entre Penedos...
Icnofósseis de Penha Garcia
Cruziana furcífera - Penha Garcia Fotografia de Pedro Martins |
Penha Garcia há 480 milhões de anos. Um mar negro pela noite
austral é varrido por ventos ciclónicos que erguem ondas colossais. Nesta
paisagem de trevas , pouco mais se vislumbra do que pequenos baixios arenosos
despojados de vida, um mar gélido estende-se para além do horizonte. Terra
firme existe a algumas centenas de quilómetros, uma gigantesca massa
continental onde se individualizam apenas maciços rochosos, desertos pedregosos, lagos e rios cor de terra. O verde não existe.
As primeiras plantas terão um papel decisivo na formação e
fixação de solos apenas 65 milhões de anos mais tarde.
Assim, pouca coisa vai sucedendo na terra, para além de uma rápida
erosão causada pelos rios numa paisagem desértica.
Abaixo da superfície líquida crispada, a vida floresce e fervilha de emocões. Colónias de vermes poliquetas
e foronídeos sedentários estendem os seus apêndices plumosoas às correntes
marinhas a partir das suas tocas verticais
ou em forma de U, quais redes para a pesca de minúsculas partículas orgânicas em suspensão
nas águas agitadas.
A passagem de um grande artrópode filocarídeo ( semelhante a um camarão
encerrado numa concha) nadando sobre estas colónias de “pescadores” faz com que , num piscar se olhos, os poliquetas e foronídeos se escondam no
interior dos seus tubos escavados nos fundos arenosos.
As fortes correntes de fundo que modelam a areia numa sucessão
de cristas paralelas e levantam nuvens de finas partículas também são o fulcro
do alimento para os braquiópodes linguliformes. No entanto estes seres vivem
enterrados na areia no interior da sua concha
bivalve, mantendo uma ligacão com o exterior para respirar e obter alimento.
A maior profundidade milhares de trilobites revolvem o fundo arenoso em busca de alimento,
adoptando várias e inovadoras estratégias de comportamento que lhes permitem
obter mais comida com menos esforço ( Neto de Carvalho, 2006). Basicamente as
escavações que as trilobites produzem entre níveis de areia e argila, num acto continuado
de assimilação dos abundantes detritos orgânicos, correspondem sulcos bilobados
provocados pelo movimento síncrono de mais de 13 pares de patas. Neste colossal
fast food de Penha Garcia não é raro
ver o trabalho de algumas das maiores trilobites que alguma vez terão existido,
com quase meio metro de comprido: verdadeiros gigantes no mundo dos
invertebrados! São animais que se alimentam em grupos compostos por dezenas de
indivíduos da mesma idade.
Afastados destes gigantes couraçados, verdadeiras escolas de trilobites com pouco
mais de 4mm de comprido testam as estratégias de alimentação e os modos de vida
que fizeram deste, um dos mais bem sucedidos grupos de artrópodes de sempre,
até desaparecerem definitivamente dos oceanos
230 milhões de anos mais tarde.
São janelas temporais deste mundo perdido há muito que poderá
encontrar ao longo da Rota dos Fósseis, em Penha Garcia.
Cada camada de quartzito, hoje verticalizada, conta um
instante passado no fundo marinho de há 480 milhões de anos. Aprender a ler
este livro sobre a História da Terra é despertar para a solução de múltiplos
enigmas que constituem a evolução da
Vida.
capa do livro em referência |
Carlos Neto de Carvalho (texto) e Pedro Martins (Imagens) Geopark
Naturtejo da Meseta Meridional - 600 milhões de anos em imagens. Edição:
Naturtejo, E.I.M. – Câmara Municipal de Idanha-a-Nova, 2007
in Carlos Neto de Carvalho e Pedro Martins ,op. cit. |
Se não conhece Penha Garcia, deixamos a sugestão de uma visita!
Ex.mo Senhor Pedro Martins
ResponderEliminarApresentamos as nossas desculpas pelo omissão do seu nome, que de modo algum foi intencional. Quanto à publicação das fotografias pedimos também desculpa. O facto de apresentar a capa do livro e a referência bibliográfica (apesar de incompleta) e o apelo a uma visita a Penha Garcia, revela a nossa intenção de divulgar o vosso excelente trabalho. Foi de boa fé que nos socorremos do mesmo.
Cumprimentos
David Almeida