02 abril, 2014

Cartas Brasileiras: COISA CHIQUE É OUTRA COISA

          
Não sei como as esbeltas e espichadas manequins conseguem se equilibrar desfilando com todo aquele rebolado nas passarelas. Fico até na torcida para que não tropecem nas próprias pernas; elas caminham trocando passos  quase de malabaristas.
Exibem criações de famosos estilistas, roupas que depois ninguém mais vê, nem mesmo em festas; creio que sejam criações apenas para desfiles. Também, cada roupa mais estrambótica do que a outra.
Roupas feitas por estilistas e costureiros renomados é coisa para pouca gente, por isso o que mais se vê nas ruas é quase tudo “prêt-à-porter”,  de lojas de grife, ou  de redes mais populares, a depender do cacife.   
Nas lojas mais sofisticadas uma roupa “prêt-à-porter” pode até ser exclusiva, enquanto que nas populares os “modelitos” são feitos em série estão, em todos os tamanhos, e cores variadas. É só vestir e sair pela rua torcendo para não encontrar ninguém vestindo igual.
Toda essa conversa é muito mais dirigida às mulheres,  porque são elas as mais preocupadas com a moda. E essa coisa da moda é muito interessante. Cada estação uma novidade, não sei como, definem a cor predileta, se as roupas serão mais brilhantes ou não, se acima dos joelhos ou na altura das canelas, se os sapatos serão plataforma e as sandálias “rasteirinhas”. As mulheres ficam agitadas, todas correm para encontrar as novidades, nenhuma quer se sentir “démodé”;  querendo ser originais ficam quase sempre iguais.
           Contam que em 1808, quando D. João VI partiu de Portugal rumo ao Brasil levando  a família real, a fugir de Napoleão Bonaparte, houve uma peste de piolhos no navio.  Todas as mulheres, inclusive a Rainha e princesas tiveram que raspar a cabeça e jogar as perucas fora. No desembarque, elas se sentindo incomodadas por estarem com os cabelos raspados cobriram as cabeças com lenços ou turbantes.
As grã-finas do Rio de Janeiro, ao verem as mulheres da realeza usando turbantes, imaginaram tratar-se de “nova moda” na Europa, aderiram à novidade mais do que depressa, afinal, moda é moda.     
A curiosa passagem fiquei sabendo ao ler ao “1808” de Laurentino  Gomes, sobre a fuga da corte portuguesa de D. João VI para o Rio de Janeiro. É dele também “1822”, sobre a Independência do Brasil. O terceiro livro “1889”, trata da Proclamação da República. O autor ganhou vários prêmios: Premio Jabuti de Literatura, Melhor Ensaio de 2008 pela Academia Brasileira de Letras. É formado em Jornalismo pela Universidade Federal do Paraná, com pós-graduação em Administração pela Universidade de São Paulo, é membro titular do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo e da Academia Paranaense de Letras.

P.T.Juvenal Santos

           ptjsantos@bol.com.br

21 março, 2014

Récita em Sábado de Aleluia e outras histórias sobre Teatro em Penacova

Já, por diversas vezes,  fizemos referência às crónicas IN ILLO TEMPORE assinadas por Zé do Mirante. Desta feita, é um texto publicado em 1952 no Notícias de Penacova que nos fala da tradição teatral na vila, tema que abordámos recentemente. Espaços, pessoas, vivências culturais que nos transportam à Penacova dos finais do séc. XIX.

"Pequenino, mas um amor de elegância"

“O teatro era onde hoje está instalado o posto da GNR. Pequenino, mas um amor de elegância. Além da plateia tinha um balcão, em forma de lira, unicamente reservado às senhoras. Havia somente um cenário, de duas faces-um pobre, outro rico; o pano de boca era pesado, mas da leveza do coração para os penacovenses – era o panorama de Penacova, vista da Cheira, pintada pelo artista António Eliseu; do mesmo era o cenário e toda a decoração do teatro, do qual não era estranha a a sensibilidade e delicado gosto do Sr. Joaquim Carvalho.
Não havia mobiliário próprio; mas em dia de récita não faltava no palco a mais insignificante parcela decorativa ou indumentária dos figurantes. Com orgulho se poderia afirmar que o nosso teatrinho não envergonharia qualquer vila provinciana.
Teve três fases - uma brilhante, outra sombria e outra de escuridão.
Nos dois primeiros períodos, passaram por ali artistas de Lisboa em digressão pela província e companhias ambulantes, que davam duas ou três récitas; uma houve que esteve nesta vila quase dois meses, dando dois espectáculos por semana e sempre casa à cunha.
"O Morgado de Fafe" foi uma das peças
representadas em Penacova por pessoas da terra.

Nesta foto: João Guedes, Alda Rodrigues e Ruy Furtado em “O Morgado de Fafe Amoroso”*, de Camilo Castelo Branco, com encenação de António Pedro (TEP 1958). Fotografia de Fernando Aroso

Ali se representou o Santo António, a Senhora da Nazaré, Inês de Castro, Filha do Saltimbanco, Morgadinha de Vale Flor, Burro do Sr. Alcaide, Gaspar Serralheiro; dramas e comédias então em voga e pelos amadores de Penacova o Morgado de Fafe (lembram-se de D. Raimunda, D. Maria de Melo e Sr. Alipinho? ). Foi nesse período brilhante que se notaram vocações e habilidades de amadores locais. Destacamos José Oliveira, pai do Dr. Aristides, candidato a Medicina e ao Matrimónio…
Aquele amador, logo que pisava o palco, sem dizer uma única palavra, desarticulava os espectadores, com um nunca acabar de rir! Personagem labrego ou agalegado, tinham em José Oliveira uma graça, um cómico tal, que algumas vezes descia o pano, findava a peça sem ele poder dizer o seu recado! Tentava-se o prosseguimento mas o público não se continha…e era ele que representava a rir, enquanto o José Oliveira no palco, somente com um simples gesto…era o espectador!
Foi no período da escuridão, com o teatro há anos fechado, aos ratos, às aranhas, ao pó, que num final de patuscada de chouriços e ovos, tirados a cantar as Janeiras pelos Reis, que o António Dias lamentava o abandono a que estava votado o teatro-escola de educação e recreio. Logo ali se constitui uma companhia para animar a Arte e para distracção do povo, já familiarizado como o borralho, a má-língua dos soalheiros ou a fatídica taberna.
O grupo compunha-se de António Dias, José Alves, Pinheiro, Augusto (o Pilica), Alípio Flórido, Duarte Mamede, J. R., Maria, Júlia, Laura e…não me recordo de quem mais. Com excepção do primeiro, todos os outros nunca tinham pisado o palco e, da Nobre Arte, só conheciam a dos saltimbancos, ao ar livre do Terreiro, pelo preço de 5 reis, ou pela fuga a tempo de beber um golo de água fresca da fonte…enquanto durava o peditório. Eu já era familiarizado com o meio teatral, por um dia ser encarregado de receber os bilhetes que davam acesso ao balcão…
Imediatamente a nova companhia se responsabilizou com o senhorio pela s rendas em dívida e logo no domingo seguinte ao dia de Reis – há mais de 50 anos – se tiraram as teias de aranha e se fez limpeza geral, ficando tudo como um brinquinho, procurando cada um fazer mais e melhor. Bons tempos!
Escolheram-se peças e figurantes e com o entusiasmo que a mocidade é capaz, se resolveram dificuldades e se iniciaram os ensaios de forma a dar-se a primeira récita em sábado de Aleluia.(...)"

*Quatro anos após o sucesso público d’O Morgado de Fafe em Lisboa [1861], e no contexto de assombrosa operosidade criativa, Camilo Castelo Branco publica uma nova comédia de costumes com o mesmo protagonista, O Morgado de Fafe Amoroso [1865], comédia em três actos, cuja acção decorre agora na Foz do Douro, em 1862.