13 dezembro, 2013

Cartas Brasileiras: ainda o tema da emigração de penacovenses para o Brasil


Um dos navios da minha  sogra

Contar como famílias portuguesas vieram para o Brasil, falar sobre aqueles que deixaram Penacova para fazer a América é também contar um pouco da história da nossa gente. Na carta anterior falei sobre o navio que trouxe meu avô português, na de hoje falarei sobre o da avó  que adotei, por ser a da minha mulher.

O Highland Brigade

E, mudando o curso, falarei sobre o navio de minha sogra, porque ela veio com a mãe e o irmão, desembarcando em Santos no dia 6 de março de 1934. Veio mesmo de navio, como está comprovado, o que me impede de dizer a asneira de que teria vindo montada em uma vassoura, como dizem os genros desalmados; não ela, especialmente ela.
 
O interessante é que, como se observa no documento aqui já publicado em carta anterior, no Passaporte de Viagem contam dois navios: Highland Brigade e Ruy Barbosa. Segundo ela, a data da  viagem, depois de tudo pronto, foi alterada, talvez por isso constem os nomes de dois vapores, porque não trocaram de navios, nem na parada ocorrida em Recife (Pernanbuco- Brasil).
 
Sobre o vapor inglês Highland Brigade, reproduzo fragmento extraído do livro “O ano da morte de Ricardo Reis”, do famoso escritor português José Saramago:

“...Um barco escuro sobe o fluxo soturno, é o Highland Brigade que vem atracar ao cais de Alcântara. O vapor é inglês, da Mala Real, usam-no para atravessar o Atlântico...enfim entrará o Tamisa como agora vai entrando o Tejo, qual dos rios o maior, qual a aldeia.”
 
Como era o vapor? Deixemos que o mesmo Saramago nos diga:

“ Não é grande embarcação, desloca catorze mil toneladas, mas aguenta bem o mar, como outra vez se provou nesta travessia, em que, apesar do mau tempo constante, só os aprendizes de viajante oceânico enjoaram, ou os que, mais veteranos, padecem de incurável delicadeza do estômago... provido de tombadilho espaçosos para sport e banhos de sol, pode-se jogar, por exemplo, o cricket, que, sendo jogo de campo... Em dias de amena meteorologia ...é jardim de crianças e parada de velhos, porém não hoje, que está chovendo e não iremos ter outra tarde...”
 
Possuía acomodação para 150 passageiros na 1ª classe, 70 na segunda, e 500 na 3ª, na qual vieram Vó Maria com os filhos: Lucília (a sogra), com 6 anos e Orácio (como grafado) com 4 anos, que partindo de Povoa da Figueira, passaram por Souselas, de trem para o Porto onde embarcaram rumo a  Lisboa, desembarcando em Santos (Brasil).  

Em 1940, e durante a II Guerra Mundial foi transformado para transporte da tropa inglesa. Com o fim da guerra voltou aos antigos proprietários, vendido em 1959 para um armador grego, passou a se chamar Henrietta, fazendo rotas entre Gênova e Austrália, posteriormente foi rebatizado de Marianna em 19660, e finalmente, em 1965 foi levado para ser demolido no estaleiro de Kaohsiung, em Taiwan.

Sobre o outro navio falarei em outra carta.

Abraços  - Paulo T J Santos – ptjsantos@bol.com.br

30 novembro, 2013

Penacova, 1 de Dezembro de 1910


De acordo com notícias da época, o 1º de Dezembro de 1910 foi assinalado em Penacova com uma sessão solene que se realizou na Câmara Municipal.
Pelas 11 horas a Tuna de Lorvão tocou o “Hino da Restauração” dando início às celebrações. Na sessão solene discursaram António Moncada, Presidente da Comissão Administrativa e Amândio Cabral, Administrador do Concelho. António Moncada recordou que, quer em 1640, quer em 1910, fora “ o povo, e só este” que derrubara “a tirania”.
 
Joaquim Maria da Silva, em nome do povo de Lorvão, leu uma “calorosa” mensagem de saudação à República e ao Governo Provisório.
A Filarmónica de Penacova também esteve presente, executando o novo Hino “ A Portuguesa”.
Recordando o 1º de Dezembro de há 103 anos são de referir outros dois acontecimentos: 
 
- a inauguração, na Av. 5 de Outubro, do Centro Republicano de Penacova tendo como patrono António José de Almeida.
 
- a inauguração da “luz acetylene” na vila  apesar do dia de temporal que se fez sentir. “ Com vagar embora, o Progresso vai penetrando na nossa  terra “ – dizia o Jornal de Penacova.
 
À noite, os republicanos reuniram-se  ainda à volta de  um jantar no “Hotel da Srª Altina Amaral”.
 
Breves notas* sobre o feriado do 1º de Dezembro

Capa da obra referida onde
surge em 1º plano António
José de Almeida
A comemoração do 1º de Dezembro foi determinada logo nas cortes de 1641, mandando “celebrar anualmente Te Deum” em todas as Sés.
Ao longo de toda a Monarquia foi considerado apenas como dia de “simples gala”, apesar de, em 1892,  a Comissão Central 1º de Dezembro ter solicitado ao rei D. Carlos e ao Governo que a data fosse promovida a “dia de grande gala”, aspiração que não foi atendida.
Com a implantação da República o 1º de Dezembro  foi proclamado Feriado Nacional. Logo no dia 12 de Outubro aquele dia foi proclamado como Feriado Nacional e também foi escolhido para a  “Festa da Bandeira Nacional” em que seria apresentada oficialmente a nova bandeira .

*Ver Feriados em Portugal, Luís Oliveira Andrade, Luís Reis Torgal. Imprensa da Universidade, Coimbra, 2012 

Comemorações da Restauração da Independência em Lorvão.
A Filarmónica Boa Vontade Lorvanense celebra, no próximo dia 1 de dezembro, a Restauração da Independência Nacional, tradição anualmente realizada por esta Filarmónica desde a data da sua fundação em 1 de agosto de 1920.

Personificando o grupo de 40 fidalgos que atacaram os espanhóis, em Lisboa, no dia 1 de dezembro de 1640, os músicos da Filarmónica Boa Vontade Lorvanense saem, pelas 09H30, da sede da Filarmónica, na rua Bissaya Barreto, em Lorvão, e dirigem-se, em silêncio, municiados com os seus instrumentos, ao Mosteiro de Lorvão, para apanharem os espanhóis de surpresa.
Subindo pela estreita escadaria até ao zimbório poligonal, sob as ordens do Maestro Paulo Almeida, entoarão, o Hino da Restauração de 1640.

Pelas 15H30, a sede da Filarmónica Boa Vontade Lorvanense será palco do Colóquio "1º de dezembro e os Feriados Nacionais", em que serão intervenientes o Prof. Doutor Reis Torgal e o Dr. António Calhau.
( Texto: website da Câmara Municipal)

29 novembro, 2013

Foral Manuelino: resgatado do balcão de uma loja onde chegou a servir de suporte a balança conseguiu completar 500 anos em terras de Penacova


Por pouco - a fazer fé na crónica do Dr. José Albino Ferreira (A Carochinha) - que o exemplar concelhio do Foral de 1513  não desapareceu no monte de papéis velhos. Aqui se conta como, graças ao antigo Secretário da Câmara, Alípio Correia Leitão, esta preciosidade foi salva do desleixo (ou intenção) de quem se quis desfazer dos testemunhos da nossa história . Felizmente que o podemos observar ainda hoje em bom estado, depois do seu restauro no último mandato do Engº Maurício Marques, enriquecido com a  publicação de uma edição fac-similada do mesmo.
O Dr. José Albino Ferreira que faleceu no início dos anos quarenta, foi notário e também padre. Foi várias vezes Presidente da Câmara. Nessa qualidade inaugurou, por exemplo, o Mirante em 1908. Era uma pessoa com uma vasta cultura e muito reconhecida em Penacova. Vamos, pois, acreditar na veracidade destas peripécias.


A crónica começa assim:

As crónicas publicadas no Notícias de Penacova
“Era o foral o estatuto fundamental, a carta constitucional do concelho, que devia ser religiosamente guardada com os livros e papéis da secretaria da Câmara.
A guerra civil em que o povo português se envolveu, dividindo-se em dois partidos, o conservador chamado legitimista e o liberal ou constitucional, teve em Penacova grande repercussão. Dividiram-se e hostilizaram-se rijamente os penacovenses.

Vencidos os legitimistas que queriam para seu rei D. Miguel, houve por cá também liberais vencedores que acharam que a história de Penacova devia começar só em 1834, ou, quando muito, em 1820. Era preciso fazer desaparecer tudo o que contrariasse os ideólogos do liberalismo. Despedaçaram o pelourinho e não se sabe o que fizeram dos livros e dos papéis do Arquivo Municipal.
O certo é que na Secretaria da Câmara, só existe dos tempos anteriores, o foral de D. Manuel e este mutilado, faltando-lhe a primeira folha, a traça e o tempo dilaceraram gravemente a forte encadernação, mas respeitaram admiravelmente o pergaminho das folhas e as vivas cores das letras.

Um dia encontrou-se na secretaria da Câmara, a Carochinha, com o ilustre penacovense que foi grande orador sagrado, Alves Mendes, e apresentou-lhe o foral, lamentando o desaparecimento da primeira folha. Alves Mendes viu e disse: Olhe, sabe a razão? É que havia, sem dúvida, como era de uso, a iluminura artística da primeira letra. Algum amador a viu e cobiçou para a sua coleção, e…foi um ar que lhe deu…
Referência aos 5oo anos do Foral
in Revista Municipal
Não ficaram por aqui as desventuras do foral.

Quando, há poucos anos se aposentou Alípio Leitão, que durante mais de 30 anos foi secretário da Câmara, encontrou-se na Pérgola a Carochinha com o saudoso penacovense Dr. Daniel da Silva que lhe disse: sabe, apareceu o foral!
A  Carochinha que ignorava o seu desaparecimento estranhou o caso. O Dr. Daniel continuou:

Eu sabia, porque me tinham dito, ignorando-se como se dera o facto. Eu suspeitava que tivesse sido o meu amigo que o houvesse escondido, não para ficar com ele, mas para o ter mais bem guardado…
Nada disse e perdoei logo ao Dr. Daniel a injusta suspeita.

Agora o Alípio Leitão fazendo entrega da Secretaria ao sucessor, apresentou-lhe uma caixa em que tinha guardados vários papéis e bem assim o foral que se julgava perdido…
Logo que a Carochinha se encontrou com Alípio Correia disse-lhe: então tu sonegaste o Foral fazendo que durante mais de 20 anos pesasse sobre mim a suspeita de o ter roubado?!
O meu amigo Alípio Correia, então, diz-me muito naturalmente:
Eu fui a uma mercearia cá da terra e vi, sobre o balcão o foral sobrecarregado com as balanças da loja!... Fiquei surpreendido, mas não disse nada. Voltei no dia seguinte e lá estava o foral na mesma tortura. Ainda desta vez nada disse ao logista. Ainda nesse dia voltei, não encontrando ninguém no estabelecimento. Peguei no foral e levei-o para a Secretaria, onde ele devia estar sob minha guarda e pu-lo numa caixa fechada onde tinha outros papéis que guardei no fundo duma gaveta.
Nunca ninguém me perguntou pelo foral e por isso a ninguém disse onde o tinha.
Eu louvei muito a discreta prudência do Secretário…

Carochinha “

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Em 17 de Julho de 2008 foi apresentado o livro

"Os Forais de Penacova", edição fac-similada com  nota introdutória, transcrição, tradução e glossário da Prof. Doutora Maria Alegria F. Marques
Apresentação da edição fac-similada dos Forais de Penacova
(Foral Sanchino e Foral Manuelino) em 17 de Julho de 2008.

Sobre o Foral Manuelino ter também em consideração a seguinte obra:
Análise codicológica do Foral Manuelino de Penacova*
Monografia
Autor : Queirós, João Paulo dos Santos
Editor Coimbra [J. P. S. Queirós], 1998
•Trabalho realizado no âmbito da cadeira de Codicologia do Curso de Especialização em Ciências Documentais da Fac. de Letras da Univ. de Coimbra.
Desc. Física 40 f. : il. ; 30 cm.
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Comentários:
Antonio Calhau   O falecido meu estimado amigo e colega Dr Homero Pimentel , grande professor do nosso concelho disse-me há cerca de 30 anos exatamente o que aqui está escrito e referiu que a 1ª página do foral poderia ter servido de cartucho nessa referida mercearia. (através do Facebook)