25 outubro, 2010

Impressões e Emoções duma Viagem a Portugal e duma Visita a Penacova

 “ No meio de toda essa beleza de Lisboa, reservamos a quarta-feira 13 de maio, dia em que se comemora a Libertação dos Escravos aqui no Brasil, para conhecer Penacova, de onde vem a origem de meu sangue português, Telhado, terra de meu avô Afonso Rodrigues da Costa. Já a conhecia por fotos e filmes enviados por um amigo querido que localizou nossa família portuguesa em Midões, favor que jamais poderá ser pago materialmente. Mas a emoção que senti ao entrar na vila, ao descer do carro no Largo Alberto Leitão, ir até a Pérgola e ver o Rio Mondego tal qual nas fotos e filmes jamais conseguirei colocar em palavras, é algo, um sentimento que jamais senti, a ponto de ao agradecer a Deus na Igreja, em oração, começar a chorar muito, lágrimas portuguesas, com certeza. Era alegria, emoção de estar pisando o solo que meu avô (que nem cheguei a conhecer) pisou, ver, sentir o perfume, o cheiro dessa Terra e flores, ver sua gente, ouví-la, minha gente.”
                                                                                                            . Heliana Rodrigues da Costa
Ontem, dia 22 de outubro, lendo um artigo assinado por  Correia Borges, sobre Lorvão,  no Blogue Penacovaonline, voltei a pensar em como gostaria de escrever sobre Portugal e até se seria capaz de fazê-lo, expressando tudo o que minha viagem causou e o que mudou em minha vida.
DIÁRIO DUMA VIAGEM...
Fiz essa viagem de 22 dias em Maio graças a uma oportunidade com a participação da COMPANHIA DA CASA AMARELA, empresa de Teatro de meu irmão,  em dois Festivais, no Porto e Arcos de Valdevez.
Não terei,  por mais que busque, palavras para descrever tudo o que vivi nessa Terra amada que hoje considero minha segunda Pátria, e a transformação que ela me causou.
Preciso primeiramente esclarecer que desde criança gostava muito de Portugal e tudo a que ele se referia, música, comida, história, sua gente, seus heróis. Dançava e cantarolava as cantigas folclóricas portuguesas.
Bem conheci algumas cidades, como se diz aqui no Brasil, poucas sei hoje, tenho consciência do quanto não conheci, e que preciso muitos meses nesse país tão pequeno geograficamente comparado ao meu Brasil, mas de tão grande riqueza histórica e cultural.
Chegamos à Lisboa às 6:45 do dia 30/04/2009, tempo nublado com garoa, as luzes da cidade ainda acesas, lindo de se ver. Senti um impulso de beijar o chão do aeroporto, afinal estava em solo português, mas freei-me, seria ridículo! Quem entenderia? Somente meu coração, pela emoção que estava sentindo, parecia que estava de volta à minha Terra.
Fomos imediatamente, ou quase, para o Porto onde seria o primeiro Festival. Ah Porto, que boa gente, que acolhedor, quanta beleza. Praça da Batalha, descer pelo Funicular, passear pela Ribeira; no elétrico pela cidade, o vinho verde, saboreado pela primeira vez em Portugal. Ganhei de uma senhora portuguesa muito simpática, enquanto descia para a Ribeira, uma flor de nome Maia e junto a explicação do porquê os estabelecimentos comerciais a mantinham às portas ou janelas; descer à Ribeira pelas escadas então noutro dia foi algo indescritível, sentindo o coração, a vida portuguesa pulsando em seus degraus, nas paredes das casas, na beleza das flores, lanternas, comer bolinho de bacalhau, em Portugal... Ver o Rio Douro, sua barca de passeio e do outro lago Gaia. Nesta noite, no quarto do hotel chorei baixinho, para ninguém escutar, enquanto agradecia a Deus por estar e sentir que pertenço a essa Terra, essa gente.
Conheci o Bacalhau à Braga olhando as gaivotas voando ao longo do Rio Douro. Mais emoção, mais uma vez, indescritível.
Do Porto seguimos para Braga, cidade lindíssima, passeávamos todos os dias pela Av. Central até a Praça maior, lindos canteiros, arquitetura moderna misturada à medieval. Deus, que loucura, acho que vou explodir de tanta felicidade!!!.
Na igreja da Sé senti como os outros, uma emoção estranha, aliada a um silêncio respeitoso, algo emudecia-nos, tanta magnitude. Conhecemos também o Museu e Jardim dos Biscainhos, neste, três espaços sublimes, de uma vegetação sóbria e acolhedora que convidava a deitar-se na relva, mas não o fiz também.
Conheci muitas capelas, igrejas, Hospital, Ruínas Romanas, meu Deus, de novo, que emoção. Também o Teatro Circo, magnífico.
De Braga, fomos a Arcos de Valdevez, cada vez que passávamos por uma estrada, via Portugal em seu interior, e se via uma casinha no campo, era lá dentro dela que desejava estar, uma casa portuguesa, com certeza, como cantava desde criança com Amália ao aparelho de som.
Em Arcos de Valdevez, cidade que chamei de "MÁGICA", e não existe outra palavra para descrevê-la, já vimos de imediato a Casa de Cultura, a praça na qual a mesma se localiza, é linda, tem árvores centenárias, uma igreja, uma ponte... vimos também o largo do Mercado Municipal, o relógio d'água, uma capelinha medieval sem bancos, uma relíquia, emoção até ao tocar suas paredes.
Lá conheci o Bacalhau ao Minho, o arroz malandro. Muito bom.
Fotografei Arcos da sacada da Biblioteca, onde fiquei muito tempo olhando aquela visão mágica. No teatro ouvimos um Coral Búlgaro, e com esta experiência eu não contava, maravilhosa. Consegui tomar um café `margem do Rio que já não me lembro o nome, ouvindo suas águas, sentindo sua energia.
Partimos para Lisboa para ficarmos por uma semana e voltarmos ao Brasil.
Nesta capital que pretendo conhecer muito melhor noutros dias, conheci o Parque Eduardo VII, a Torre de Belém, o Tejo, ah o Tejo.., o Castelo de São Jorge, a Mouraria, indescritível também, o Mosteiro dos Jerônimos, o Chiado, a Ponte Vasco da Gama, o Parque das Nações com seu Oceanário, Jardim das Águas, Passeio de Ulisses, o lado moderno de toda metrópole.
No meio de toda essa beleza de Lisboa, reservamos a quarta-feira 13 de maio, dia em que se comemora a Libertação dos Escravos aqui no Brasil, para conhecer Penacova, de onde vem a origem de meu sangue português, Telhado, terra de meu avô Afonso Rodrigues da Costa. Já a conhecia por fotos e filmes enviados por um amigo querido que localizou nossa família portuguesa em Midões, favor que jamais poderá ser pago materialmente. Mas a emoção que senti ao entrar na vila, ao descer do carro no Largo Alberto Leitão, ir até a Pérgola e ver o Rio Mondego tal qual nas fotos e filmes jamais conseguirei colocar em palavras, é algo, um sentimento que jamais senti, a ponto de ao agradecer a Deus na Igreja, em oração, começar a chorar muito, lágrimas portuguesas, com certeza. Era alegria, emoção de estar pisando o solo que meu avô (que nem cheguei a conhecer) pisou, ver, sentir o perfume, o cheiro dessa Terra e flores, ver sua gente, ouví-la, minha gente.
Encontramos nosso amigo português à hora do almoço e com ele fomos conhecer Telhado,  Midões e a família, momento que também não existem palavras para relatar.
Conheci o Mosteiro do Lorvão, sua clausura calma e serena,  o Café Turismo, compramos lembranças, ganhamos uma caixa de Nevada, que claro, precisávamos experimentar.
Foi muito rápida a estada em Penacova, um dia, que valeu por uma vida, deixando marcas que ficarão para sempre em meu coração.
Partimos para Lisboa novamente com destino para o dia seguinte à Sintra com toda sua ambiguidade: a imponência do Castelo da Pena, com seus ventos, sua ostentação e por outro lado o Convento dos Capuchos com aquela simplicidade que emociona, envolve, fazendo-nos buscar intimamente o que temos de mais simples. Conhecemos também o Castelo dos Mouros e sua vista panorâmica que faz voar a imaginação e extasiar-se com toda a beleza.
Após dois dias, pegamos o avião de volta ao Brasil, meu espírito em êxtase de tanta beleza, emoção, cultura, afetos.
Quando na tela de informação do avião mostrava a distância de Portugal que já não era mais visto, lágrimas começaram a correr pela minha face e embora tivesse muitas razões e laços à minha espera, meu coração dizia: fique, fique, fique.
Difícil para alguns, talvez mais fácil para outros. Entender sentimentos, eles não precisam ser entendidos, somente sentidos e respeitados.
Sei que amo Portugal, amos sua gente, sua história e hoje ele faz parte de mim tanto quanto o Brasil, através de minhas recordações, lembranças, videos, fotos, mas principalmente pelos laços que criei e os novos que faço virtualmente, e são muitos.
Sinto que cresci, após essa viagem tornei-me mais ainda estudiosa, faço muito mais planos, pretendo voltar o mais breve possível, estou tornando-me uma Internauta aos 52 anos.
De qualquer forma orgulho-me disso e fico muito feliz quando alguém, lusitano, pela Internet pergunta-me:  Heliana  és portuguesa ou brasileira?
Aí , como se diz no Brasil: É A GLÓRIA!!!!.
_________
Nota: Títulos da responsabilidade da Redacção do Penacova Online

22 outubro, 2010

A caminho de Lorvão...

Um silêncio profundo envolvia tudo em redor. Dir-se-ia que
recuáramos cem anos no tempo, acudindo-me a lembrança
triste das últimas freiras que resolviam morrer à fome para
não quebrarem a clausura, a mendigar por estes caminhos.


"Mas Lorvão esperava por nós. Por entre a ramaria dos pinhais faiscavam ao sol os azulejos do zimbório, como se fossem de prata."

Pouco passava das oito horas da manhã quando deixámos para trás a Carapinheira e o Dianteiro e, ao descermos a encosta para Vale Bom, talvez por já nos encontrarmos na freguesia de Lorvão, tudo nos parecia um pouco mais familiar.
No fundo desse vale diz a lenda que andou a Rainha D. Teresa edificando convento para se retirar da corte, mas seria Lorvão que lhe estaria destinado. É daqui, ao subir a encosta que nos levaria ao Roxo e sentando-me uns momentos junto de uma moiteira, donde uma perdiz saiu esvoaçando, daqui, deste cenário quase seu contemporâneo, que eu a revivo, lá no fundo da Idade Média, por entre matagais agrestes, vivendo o seu infortúnio, acompanhada pela dedicação das irmãs e de nobres damas que a seguiram nos votos. Imagino-a subindo a mesma encosta, com a sua mula carregando o cadáver da irmã Sancha acabada de expirar nos seus braços em Celas; velando pelas suas irmãs Branca e Berengária, a triste infanta, que foi rainha da cinzenta Dinamarca, chorando com saudades do sol e da terra perdida… “ Sinto” o seu ânimo inquebrantável, opondo-se ao irmão feroz que lhe usurpava os castelos e as terras deixados por seu pai.
A paz e a tranquilidade do verde que nos rodeava favorecia sem dúvida estas cogitações mas o grasnar longínquo de alguns corvos, sem localização no tempo e no espaço, trouxe-me à realidade da natureza circundante. A manhã cobrira de névoa os cabeços dos montes, o que não dava menor beleza ao quadro. Após alguns momentos contemplativos, prosseguimos o passeio pelo caminho acima, aberto na lapa chistosa, aqui e além entremeada de alvos rochedos de quartzo.
Já perto do Roxo um pastor, com seu rebanho de ovelhas e poucas cabras, correspondeu à nossa saudação com um sorriso etrusco. Passadas as alminhas e o pequeno chafariz, eis-nos finalmente no Roxo, a mais soberba varanda do distrito de Coimbra onde o panorama é emoldurado pelas serranias do Buçaco, estrela, Lousã e pelas distantes areias doiradas do atlântico. Porém, nem lobrigámos o pico do Caramulinho, nem a cidade dos doutores, ou Santa Clara com o venerando convento da Rainha Santa, nem enxergámos as povoações alapadas nas lezírias do Mondego, ou o velho castelo de Montemor, baluarte do abade João contra os moiros e das Infantas contra o Gordo, nem tão pouco a risonha e úbere região bairradina. Denso capacete de nevoeiro envolvia o Roxo, privando-o das suas soberbas vistas. Nas ruas nem viva alma. Apenas uma mulher franzina, de xaile embiocado pela cabeça nos lançou um “ bom dia nos dê Deus!” com um olhar de curiosidade, como que duvidando que alguém pudesse ter interesse em peregrinar àquelas paragens…
Deixámos o Roxo entregue à sua névoa centenar e simbólica e descemos à Ribeira dos Arcos por escarpada vertente, quase a pique, coberta de fetos rasteiros, em busca do desconhecido. Descidos mais de 150 metros de altitude, eis-nos no fundo do vale, cheio de mimosos campos de cultivo, onde os milheirais e feijoais avultam. Não lhes ficam atrás as parreiras carregadas de belas uvas.
Existem aqui ainda – nem sei como têm resistido às transformações sociais! – algumas azenhas das que os árabes cá nos deixaram. A mesma escada de pedra, conduzindo ao andar onde uma mó gira sobre a outra fixa. Por cima da primeira, a moega, pejada do grão que desliza para a quelha , agitada pelo cadelo com a rodela que saltita nas cavidades da mó. Cá fora a água caindo sobre a roda, fonte de energia e de vida.
Mais uma encosta a subir, desta vez para S. Mamede, por caminho bastante razoável, avarandado sobre o vale poderosamente cavado, e bordejado por perfumados tufos de estevas e rosmaninhos. Extasiou-se a vista de um monte fronteiro, completamente atapetado pelo matiz doirado a flor do tojo, aqui e ali pontilhado pela flor roxa das urgueiras, e ao fundo, o admirável presépio do Caneiro, trepando a encosta recortando-se sobre o Mondego. Na verdade há tanto de belo e desconhecido neste nosso Portugal!
E assim, completamente subjugados pelo domínio do sensorial subimos a S. Mamede, ruidoso, estuante de vida, já cheio de sol, e feliz por sua estrada nova. Mas Lorvão esperava por nós. Por entre a ramaria dos pinhais faiscavam ao sol os azulejos do zimbório, como se fossem de prata.
Um silêncio profundo envolvia tudo em redor. Dir-se-ia que recuáramos cem anos no tempo, acudindo-me a lembrança triste das últimas freiras que resolviam morrer à fome para não quebrarem a clausura, a mendigar por estes caminhos. Mas não. Um carro rodando na estrada poeirenta da Rebordosa, trouxe-nos ao tempo hodierno.
Lorvão, Agosto de 1970
Correia Borges
( Notícias de Penacova de 15 de Janeiro de 1972; transcrito também no PenacovaOnline de Agosto 2008)