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quarta-feira, outubro 22, 2025

Morreu Francisco Pinto Balsemão: a opinião de Luís Pais Amante


Já era de esperar este desfecho para um Homem de que o nosso País vai ter saudades.

Amado por muitos, muitos; menos seguido por outros tantos, a verdade é que foi mais um amante da Liberdade que nos deixou.

Recordemos:

- Foi filho de Jornalistas;

- Foi “criador” de um Jornal de referência, para a minha geração, o Semanário Expresso, que continuamos a comprar em papel, cá em casa;.

- Era na pele do Jornalismo Livre e sem “baias” que gostava de trabalhar, ensinar e investir até quase tudo perder!

Eu não o conheci, pessoalmente, mas conheço facetas menos boas de alguns dos seus seguidores indefectíveis, sendo que, ainda assim, as situações que conheço, permitem-me afastar este Homem - que considero sério - de quaisquer problemas que se coloquem na senda da prática de irregularidades.

Pinto Balsemão era Meu Colega, Advogado.

E quer queiramos, quer não, esse rótulo simples (aliado ao Estatuto da Ordem dos Advogados) não só dá a tal Liberdade, como, também, ajuda a criar Homens “tesos”, como o são a generalidade dos seus amigos mais íntimos.

Homens Livres!

Que, infelizmente, já não se cultivam, nem produzem…


Francisco Pinto Balsemão foi Deputado da Assembleia Nacional que Deus tenha em descanso eterno e, podendo adaptar-se à situação política anterior ao 25 de Abril, lutou (à sua maneira) por uma libertação face ao regime Salazarista na Ala Liberal, entre 1969 e 1974, conjuntamente com outros Homens de Valor: José Pedro Pinto Leite, Francisco Sá Carneiro, Miller Guerra, Mota Amaral, Joaquim Magalhães Mota.

Puseram a nu as fragilidades do regime (Fascista) e abriram caminho à chamada Primavera Marcelista, que chegou ao poder, o amaciou, mas não mudou!

O Projecto de Revisão Constitucional de 1970 já continha “linhas de choque importantes”.

E, justamente, em 1973, Outubro, entrava para a Faculdade de Direito de Lisboa este vosso amigo, aqui signatário.

A Liberdade andava no ar…

E com a luta por ela, sem entraves ou freios, surgiu o 25 de Abril, em 1974.

Por onde andámos em campos opostos.

Já Balsemão tinha fundado o Expresso, que data de 6 de Janeiro de 1973, como jornal de imprensa independente.

Na onda do que Francisco Sá Carneiro tinha vaticinado para a Ala Liberal: “é o fim”!

Jornalista, Advogado, Empresário e Político, são pois as características de Francisco Pinto Balsemão.

Na Política, foi fundador do PPD (6 de Maio de 1974) conjuntamente com Sá Carneiro e Magalhães Mota.

E chegou a Primeiro Ministro; 

a ele estão ligadas actuações enérgicas para acabar com a manutenção dos Militares na direção política do País, o que veio a acontecer justamente na Revisão Constitucional de 1976, que colidiu com o Conselho da Revolução e com o General Ramalho Eanes, em particular.

Outras questões como a navegabilidade do Douro e a intervenção no Alqueva também lhe estão próximas.

Neste momento de dor, a sua Família está a lutar pela sobrevivência do Grupo Impresa, que agrega, entre outros, a Sic e o Expresso.

Infelizmente para ele, esta “guerra” da manutenção da direção dos destinos deste importante Grupo, ficou no campo de batalha.

Vamos assistir a muita intervenção, a muito depoimento, que enaltecerão o nome deste Português singular.

Pela minha parte (que, ao longo da vida não apoiei muitas das suas decisões e intervenções) quero afirmar:

1. Foi um Homem bom, leal e combativo, não bajulador;

2. ⁠Foi um Político que soube encarar a política no seu exacto pendor: sem disso tirar dividendos directos e sem risco;

3. ⁠Foi um Pedagogo do Jornalismo puro que, segundo me dizem nunca interferiu no trabalho dos seus colegas, sendo patrão de muitos, mesmo muitos (bons, assim assim, suficientes, maus … e até péssimos);

4. ⁠Foi um Homem honesto!

5. ⁠Que, muito provavelmente, teve razão antes do tempo…

E, como desses já não há fabrico ou produção:

- Merece a minha vénia!

Que descanse em Paz…

                          

              Luís Pais Amante

domingo, outubro 05, 2025

Evocar António José de Almeida neste 115º aniversário da Implantação da República


Hoje, 115º aniversário da Implantação da República em Portugal, dia em que o nosso concelho evoca o seu ilustre conterrâneo que foi uma das mais importantes personalidades da política portuguesa da época, transcrevemos, de seguida, o texto integral do artigo publicado na Ilustração Portuguesa, que apesar de extenso, merece ser aqui recordado, não só, mas também como documento histórico.

 A 31 de Outubro de 1937, era inaugurado o monumento a António José de Almeida, em Lisboa (oito anos após a sua morte), um projecto do arquitecto Porfírio Pardal Monteiro e do escultor Leopoldo de Almeida. Durante o Estado Novo (1933-1974), o monumento acabaria por se transformar num local de romaria da oposição ao regime, em datas simbólicas como o 5 de Outubro. 

Glorificação de um Caudilho: 

a inauguração do monumento a António José de Almeida

Revista Ilustração Portuguesa, º 286, Novembro de 1937

"Ninguém, entre os caudilhos da República, igualou António José de Almeida como condutor de multidões. Não era só o seu verbo inspirado, a sua palavra flamejante, a sua dominadora voz, que abalava, comovia, arrastava; era toda a sua presença — a sua figura insinuantíssima, os seus olhos espelhando entusiasmo, o ímpeto do seu vigoroso arcabouço, avançando no tablado como num arraial de combate, o ritmo ondulante do seu gesto largo, a vibração ardente, mediânica, de todo o seu ser — impressionando, comunicando ao auditório essa sugestão formidável que acorda as almas, num frémito de acção, num uníssono de entusiasmo. 

República! Esta palavra, nos seus lábios, tinha a magia das revelações religiosas, e, ora soava como uma prece, ora como um cântico, ora como um dies irae; evocava o fragor dos ingentes prélios, a fúria das imprecações, o desespero dos naufrágios, a miséria, a opressão, a iniquidade, concentrando o tumultuar da revolta, o clarão da vitória e o clamor da alvorada! 

República! Vocábulo omnimodo  que, à luz esplendorosa da sua alma, ao sopro do seu génio, se tornava alado, erguendo ao infinito todas as nobres aspirações, todas as ânsias de resgate, todos os sonhos de grandeza patriótica, todas as reivindicações de Justiça, todas as rútilas evidências da Verdade! 

República! E todos os corações pulsavam, apressadamente batiam, como se o mundo estremecesse num Tabor de transfiguração, ao assombro de cataclismos!... 

Guerra Junqueiro dizia-me: — António José de Almeida é como uma força da Natureza! 

De facto, ver este homem na tribuna era assistir a um deflagrar de tempestade. 

Tormenta caliginosa, apocalíptica, trespassada de relâmpagos, sulcada de raios! 

Ao estrondear da sua eloquência, desmoronavam-se todos os obstáculos: aluíam as muralhas seculares de preconceitos; ardiam as árvores do mal, milenárias; fundiam-se as cadeias de todas as servidões; e todas as imundícies dos Leviathans sociais se sumiam, arrastadas à voragem como por um dilúvio. 

Mas, ao fim, era como se arfasse o Mar; uma doce brisa passava, um arco-íris de esperança subia... O sol brilhava! 

E o sol era o seu coração! 

Como Jeová brandira os fuzilantes feixes da sua eléctrica cólera; espalhara, vingadoramente, a devastação, mas - o juízo implacável findo, jugulado o inimigo, impotente o mal - uma onda de piedade se levantava na sua alma. Submergia-se em infinita misericórdia o seu sagrado furor dc justiça. 

Assim Jeová se humaniza, e Cristo surge! 

Eterno símbolo das almas fortes esta dualidade psicológica, que, a nossos olhos mortais, tão sublime se revela que, para a encarnar, os homens criaram os Deuses. 

Esta dualidade explica o político que foi António José de Almeida. 

A trajectória da sua acção dir-se-ia pontuada de hesitações. Algumas das suas atitudes desconcertaram os seus maiores amigos, os seus mais fervorosos admiradores. Como quando à peroração célebre: "Se vos pedirem água, dêem-lhes água-raz; se vos pedirem pão, dêem-lhes balas!, referindo-se àqueles portugueses que além fronteiras, se armam para invadir Portugal, sucede, apenas vencidos, um frenesi de perdão, uma obsediante clemência tal, que a sua vida vem a correr risco como a dum traidor. 

Ainda que cometesse então um erro de visão política, nunca foi mais bela a sua figura de lutador.

 Ele foi sempre tão inquebrantável no ódio como no amor, pois que o seu ódio e o seu amor não eram mais do que aspectos, só aparentemente contraditórios, da sua magnanimidade, duas faces da sua sempre ansiosa fraternidade, do seu sonho imperecível de igualdade, da sua aspiração indómita de liberdade! 

Qual foi a hora mais alta da sua vida Política? — pergunta-se. 

Horas altas na sua vida contam-se muitas, tantas viveu em nobilíssimo combate em exaltação de civismo - a sua devoção patriótica não esmorecendo até ao último alento, e a sua bondade acrisolando-se até limites sobre-humanos, na dor, nos flagícios, na provação incomparável dos últimos anos para todos nós tão entenebrecidos. 

Mas o momento mais solene da sua vida foi, sem dúvida, o da União Sagrada. 

Para ela trouxe, em holocausto, votivamente, como no altar da Pátria, tudo o que podia dar à Nação, bem mais do que podia exigir-se a um cidadão, mesmo em tal hora, e ainda quando o cidadão fosse de tão singular envergadura. Ele trouxe-lhe o sacrifício da sua posição de chefe de partido - nos seus olhos turbando-se o olhar inquieto dos seus correligionários dedicadíssimos, que tinham para ele a cruel censura de abandono; — arrostou com a maledicência infamante, que interpretaria a sua extrema abnegação, como vil cobiça do poder, e calcou aos pés, humilde, estoicamente, todo o seu orgulho de homem. 

Sem esta inultrapassável prova, sem esta decisão suprema. a intervenção militar de Portugal na Grande Guerra seria impossível — os nossos destinos históricos irremediavelmente comprometidos. 

Estamos salvos! — E o grande Junqueiro, proclamando-o, tinha lágrimas de alegria heróica. 

E estávamos — apesar de tudo…

Desviemo-nos do espectáculo tremendo do fim do ano de 1917. Apaziguemos a melancólica tristeza que causa o horror da guerra civil, volvendo ainda à luminosa vida de António José de Almeida. 

                                                              *

                                                          *     *

O "ultimatum” de 1890 desperta Portugal dum leal marasmo. Todo o país reage à afronta; a Nação vive! 

É nesse momento que António José de Almeida surge para a acção política. 

Entre tantos moços cujo talento e hombridade avultam até à consagração pública — como Afonso Costa, João de Menezes, Augusto Barreto, Silvestre e Paulo Falcão, Barbosa de Andrade,  Arnaldo Bigotte, Fernando de Brederode, Malva do Vale — António José de Almeida impõe-se como um verdadeiro chefe. 

Não era o seu talento só que destacava; desde logo a perfeita unidade da sua vida mental e moral se afirmava, prestigiosamente. 

Havia nele mais que a força de pensamento; a absoluta sinceridade da sua fé firmava o seu fervor de apostolado. 

Desde o inicio, a sua eloquência é magnética; o seu verbo flui, alteroso, envolvente, subjugante. Não convence somente; funde espírito e coração, alicia, invade, possui. 

Há quem, cortejando a popularidade, demande situações vantajosas, estabeleça influência, crie renome de que aproveitar, ponha a render os belos gestos. 

António José de Almeida não reserva nada para si, para a sua vaidade, para o seu interesse; este apóstolo e caudilho vai pelo seu caminho pregando a verdade, espalhando o bem, afirmando a coragem, combatendo e cantando, como uma torrente benéfica, sempre a acudir à sede de justiça, sem pedir salário. 

Nem sente a sua grandeza... Ela é tão do seu natural! 

A sua mocidade é um bloco de amor —de bondade, de energia, de civismo, de abnegação— toda nimbada dum clarão astral. 

Uma cabala de lentes exclui-o do professorado universitário, a que ascenderia pelas suas classificações, bem ganhas. Num relâmpago de cólera, liquida o incidente pessoal, como se fora, na sua carreira, um simples episódio sem importância; mas porque a miséria de tais lentes tenha, socialmente, um significado alarmante, no seu livro "Desafronta”, marca-os a fogo, como réprobos. Não sem inscrever, a bronze e oiro — este homem é sempre o mesmo! — como incentivo e exemplo, os nomes de três verdadeiros mestres e indefectíveis Daniel de Matos, Refoios e João Jacinto, que, ligados ao seu nome imperecível, quero hoje recordar aqui, saudosamente.

Nesse livro há um capítulo consagrado à revolta de 31 de Janeiro, no qual brilham páginas de uma magnífica e perturbante beleza. 

É isto por 1895: a derrota do Porto e a morte de José Falcão dir-se-ia terem apagado todos os estímulos de acção republicana. 

E António José de Almeida, vai aquecer o seu coração ao sol dos trópicos —concentrar luz e calor com que converta, mais tarde, em labareda, o arrefecido resquido do Ideal. 

Quanto ele moureja! E a sua bondade, a sua inteligência e o seu carácter são uma constelação, perante a qual desmaia o Cruzeiro do Sul! 

Através de longos dias de labor estrénuo, de cansados dias de exílio escaldante. António José de Almeida sente como uma imposição do Destino: - implantar a República em Portugal! 

E quando nove anos depois, desembarca em Lisboa, quais são as suas primeiras palavras? 

— Pois vamos lá então fazer a República! 

A sua voz soa como um clarim de batalha. Chama a todos, acorda a todos, sacode-os, põe-nos de pé, condu-los à fileira e leva-os atrás de si! 

E cabouca, e procura o fixe, enche de alicerces, de dedicações, de inauditos sacrifícios, e passa dias e noites, meses e anos, trabalhando, no afã ciclópico! 

Enfim - em 5 de Outubro de 1910 a República é proclamada. 

Na história contemporânea não há nada que exceda ao arranque de coragem e generosidade, este  assombroso sucesso. 

Em 5 de Outubro é todo o povo português que aclama a República. Mas dos milhões de homens que conta a Grei, quantos não deixariam de tomar por visionário este homem simples. despretensioso,  pobre, quando, ao desembarcar S. Tomé, proclamara: - Pois vamos lá então fazer a República!? 

A muitos portugueses enche de glória esse imorredoiro 5 de Outubro."

LOPES D’OLIVEIRA






sexta-feira, setembro 26, 2025

A Batalha do Buçaco descrita por Wellington

Em véspera da Batalha do Buçaco, o Penacova Online, recorda alguns pormenores sobre um dos mais relevantes episódios da Guerra Peninsular, ocorrido há 215 anos. Para tal, trazemos aqui algumas notas tendo como base um excerto do artigo “A última campanha napoleónica contra Portugal [1810 1811]”, da autoria do coronel José Custódio Madaleno Geraldo, publicado na Revista Militar (nº 2501/2502 - Junho/Julho 2010).

Enquadrando o acontecimento, escreve ROBINSON * (Charles Walker Robinson, 1836 –1924):

 “Wellington, achando-se situado detrás das cristas da Mucela, e tendo oficiais colocados nas montanhas com o fim de observarem a direcção da marcha dos franceses, determinou que se procurasse impedir o caminho a Massena na serra do Bussaco, com o fim não só de levantar o espírito dos seus próprios soldados e do povo português, mas também de ganhar tempo, que lhe permitisse poder retirar os seus armazéns de Coimbra e Condeixa, e auxiliar os camponeses na destruição das suas colheitas, e na devastação dos campos. 

Esta serra oferecia uma posição muito forte, e havendo nesta ocasião chegado Hill e Leigh (o primeiro por se haver antecipado ás determinações de Wellington, marchando a reunir-se a este general logo que soube que Reynier seguira a encontrar-se com Massena, e o segundo vindo de Tomar).

Wellington formou, no dia 26 de Setembro, o seu exército em ordem de batalha sobre ela, com excepção das poucas tropas que tinha deixado na outra margem do Mondego em observação, e da cavalaria que fôra postada na estrada do Porto, ao sul do Sardão, vigiando a esquerda. 

Wellington ordenou também que algumas milícias portuguesas saíssem de Lamego sobre Sardão e o desfiladeiro de Boialvo, para obstarem a que os franceses o torneassem por aquela estrada. 

Quanto á estrada de Pena Cova era desnecessário guardá-la, por estar exposta ao fogo de artilharia da serra.

Massena aproximou-se no dia 26, e julgando que os ingleses estavam em menor força do que realmente [estavam], pois ignorava o facto da junção de Hill e de Leigh, tentou forçar a posição no dia 27 (com Ney e Reynier na frente e Junot na reserva), e deu a batalha do Bussaco. Nesta batalha os aliados eram em número de 49 000 e os franceses de 66 000” 

*ROBINSON, C. W. - A Guerra da Península: 1808-1814. Lisboa: Typographia de Mattos Moreira & Cardosos, 1883, p. 102. (Texto com grafia actualizada)

 Ofício de Lord Wellington a D. Miguel Pereira Forjaz

Escreve o Coronel José Custódio Madaleno Geraldo que nas suas pesquisas se deparou “com três descrições sobre os acontecimentos da Batalha do Buçaco, todas elas primeiras edições, de primeira água”, descritas na Gazeta de Lisboa, no Correio Braziliense e Recueil Choisi des Dépêches et des Ordres du Jourdu Field-Maréchal duc de Wellington, editados respectivamente em Lisboa (1810), Londres (1810) e Bruxelas (1843). 

Perante tanta riqueza deixada por Wellington, resolvemos – escreve Madaleno Geraldo -  seguir o texto que nos traz a primeira fonte ora descrita, isto é o Ofício de Lord Wellington a D. Miguel Pereira Forjaz, de 03 de Outubro de 1810. (Gazeta de Lisboa, n.º 237, Lisboa, 3 de Outubro de 1810). 

[...] Às 6 da manhã do dia 27 o inimigo fez dois desesperados ataques sobre a nossa posição, um na direita, e outro sobre a esquerda do mais alto ponto da Serra. O ataque sobre a direita foi feito por duas divisões do segundo Corpo naquela parte da Serra, ocupada pela terceira divisão de infantaria. Uma divisão francesa chegou ao cume da cordilheira a tempo e foi atacada com a mais bizarra maneira pelo regimento 88, comandado pelo Tenente Coronel Wallace, e pelo regimento N.º 45 pelo muito honrado Tenente Coronel Meade, e regimento Português N.º 8, comandado pelo Tenente Coronel Douglas, dirigidos pelo Major General Picton. Estes três regimentos avançaram com baioneta calada, e fizeram retroceder a divisão do inimigo do terreno vantajoso que havia obtido. A outra divisão do segundo Corpo atacou a maior distancia na direita, pela estrada que vem por Santo António do Cântaro, igualmente em frente da divisão do Major General Picton. Esta foi repelida antes que tivesse chegado ao cume da Cordilheira pelo regimento N.º 74 comandado pelo honrado Tenente Coronel Trench, e pela brigada de infantaria Portuguesa, comandada pelo Coronel Champalimaud, dirigida pelo Coronel Makinnon. O Major General Leith igualmente se moveu para a sua esquerda, para apoiar o Major General Picton, ajudando a destroçar ao inimigo nesta parte o terceiro batalhão do regimento das Reaes, o primeiro batalhão do regimento 9, e o segundo batalhão do regimento 38. Nestes ataques distinguiram-se os Majores Generais Leith e Picton, os Coroneis Makinnon e Champalimaud no serviço Português, (e o qual foi ferido), o Tenente Coronel Sutton do regimento Portuguez N.º 9, o Major Smith do regimento 45, o qual infelizmente foi morto, o Tenente Coronel Douglas, e o Major Bermingham do regimento Portuguez N.º 8.

O Major General Picton reporta boa conduta dos regimentos Portugueses N.º 9 e 21, comandados pelos Tenentes Coronéis Sutton, e Araujo Bacellar, e da artilharia Portuguesa, comandada pelo Major Arentschild.

Tenho igualmente a mencionar de uma maneira muito particular a conduta do Capitão Dansey do regimento 88.

O Major General Leigth reporta a boa conduta do regimento Real, e do primeiro batalhão do regimento 9, e segundo batalhão do regimento 38; e peço permissão para assegurar a V. Ex.ª que nunca presenciei um mais bravo e denodado ataque do que aquele, feito pelos regimentos 88, 45, e pelo regimento Português N.º 8 sobre a divisão do inimigo, que havia subido a Serra.

Na esquerda o inimigo atacou com três divisões de infantaria do oitavo Corpo aquela parte da Serra, ocupada pela divisão de tropas ligeiras, comandadas pelo Brigadeiro General Crawford, e pela brigada Portuguesa, comandada pelo General Pack.

Uma única divisão de infantaria inimiga fez algum progresso na subida para o cume da Serra; porém foi imediatamente carregada à baioneta calada pelo Brigadeiro General Crawford com os regimentos 43, 52 e 95, e o regimento de caçadores Portugueses N.º 3; e obrigados a retroceder com imensa perda.

A brigada Portuguesa de infantaria, comandada pelo Brigadeiro Colemans, que estava em reserva, foi movida para suportar a direita da divisão do Brigadeiro General Crawford; e um batalhão do regimento Português N.º 19, comandado pelo Tenente-coronel Mack-Bean, fizeram um denotado e bem sucedido ataque contra um corpo de outra divisão do Inimigo, que estava procurando penetrar naquela paragem.

Neste ataque o Brigadeiro General Crawford, o Tenente-coronel Beckwith do regimento 95, e Barclay do regimento 52, e os Oficiais comandantes dos regimentos empregados nesta parte da acção distinguiram-se todos individualmente.

Além destes ataques as tropas ligeiras de ambos os Exércitos bateram-se durante todo o dia 27, e o regimento de caçadores Português N.º 4, e os regimentos N.º 1 e 16 dirigidos pelo Brigadeiro General Pack, e comandados pelos Tenentes Coronéis Rego, Barreto e Hill, assim como o Major Armstrong, mostraram grande firmeza e bravura.

A perda que o Inimigo sofreu neste ataque do dia 27, foi enorme.[...]

Wellington.”

Com adaptações e correcções de texto para a actualidade.



segunda-feira, setembro 22, 2025

Ferreira de Castro e Maria Lamas em Penacova


O escritor Ferreira de Castro terá mantido, entre 1930 e 1973 (um ano antes da sua morte) uma relação de "amizade amorosa" com a escritora e jornalista Maria Lamas. Foi público terem sido muito amigos.  

É o próprio neto desta, José Pereira Bastos, investigador e historiador, que admite que Maria Lamas e Ferreira de Castro tiveram um envolvimento amoroso forte, para além da amizade pública. 

Este dado pode não ter nada a ver com a presença, em datas diferentes, quer de um quer de outro, em Penacova. 

De acordo com notícia de 1932 (Notícias de Penacova) Maria Lamas esteve em Penacova de visita à sua prima Maria Lúcia Namorado, que como sabemos aqui viveu durante alguns anos. Por sua vez o mesmo jornal, uns bons anos mais tarde, refere que Ferreira de Castro permaneceu na vila, onde terá usufruido dos "bons ares" e escrito algumas páginas das suas obras. 

Duas personalidades marcantes da vida literária e jornalística do nosso país que, curiosamente, conheceram Penacova onde permaneceram algum tempo.  

Recortes do jornal Notícias de Penacova:



Notas biográficas

Maria Lamas (1893-1983) foi uma escritora, jornalista, tradutora e ativista feminista portuguesa, pioneira da imprensa feminina e figura proeminente na luta pela emancipação das mulheres e pelos direitos humanos em Portugal, especialmente durante a ditadura do Estado Novo. Nascida em Torres Novas, dedicou a sua vida à escrita e ao ativismo, sendo presa e exilada devido às suas convicções, e voltou a Portugal após a Revolução de 25 de Abril de 1974, sendo homenageada diversas vezes. 

Carreira e Ativismo:

Jornalismo: Foi uma das primeiras mulheres jornalistas profissionais do país, dirigindo o suplemento "Modas e Bordados" da revista "O Século" e colaborando em diversas outras publicações. 
Ativismo Feminista: Em 1928, juntou-se ao Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas (CNMP), tornando-se sua presidente em 1945, posição que a levou a enfrentar a repressão do Estado Novo. 

Resistência à Ditadura: Participou ativamente em organizações antifascistas e campanhas políticas, o que resultou em perseguições e detenções pela PIDE. 

Exílio: Foi forçada a exilar-se em Paris em 1962, retornando a Portugal apenas após a Revolução dos Cravos. 

Obra e Legado:

Escrita: Autora de diversos géneros, incluindo poemas, crónicas, novelas e obras para crianças e mulheres. 

História das Mulheres: Foi uma investigadora pioneira e autodidata na História das Mulheres em Portugal, dedicando-se a recuperar e divulgar o seu papel na sociedade. 

Reconhecimento

Após o 25 de Abril, recebeu diversas homenagens, incluindo a Ordem da Liberdade (1980) e uma homenagem da Assembleia da República (1982). Maria Lamas é reconhecida como uma figura notável do século XX português e uma cidadã europeia que marcou o seu tempo pela sua inteligência, coragem e luta por um país mais justo e igualitário. 

Ferreira de Castro (1898-1974) foi um proeminente escritor e jornalista português, nascido em Ossela, Oliveira de Azeméis, conhecido pela sua obra de corte social realista, que aborda as questões dos desfavorecidos e da experiência da emigração, como em A Selva e Emigrantes. Após emigrar para o Brasil na infância, trabalhou numa floresta amazónica, experiência que inspirou A Selva. Após o regresso a Portugal, construiu uma carreira jornalística e literária, tornando-se um dos autores mais lidos e traduzidos, e um opositor do regime do Estado Novo. 

Primeiros Anos e Emigração

Nasceu a 24 de maio de 1898, em Ossela, Oliveira de Azeméis. 
Com doze anos, emigrou para o Brasil, onde viveu e trabalhou como seringueiro na Amazónia. 
Esta vivência na selva amazónica serviu de base ao seu mais famoso romance, A Selva, publicado em 1930. 

Carreira Literária e Jornalística

Começou a carreira na imprensa do Brasil, onde escreveu contos e crónicas, e fundou o jornal Portugal. 
Regressou a Portugal em 1919 e continuou o seu trabalho como jornalista, colaborando em jornais como O Século e A Batalha, e dirigindo jornais como O Diabo. Publicou o seu primeiro romance, Criminoso por Ambição, em 1916. Em 1928, lançou Emigrantes, um romance que o consagrou e marcou a transição para o neo-realismo na sua obra. Outras obras marcantes incluem Eternidade (1933), Terra Fria (1934) e A Lã e a Neve (1947). 

Legado e Reconhecimento

Tornou-se um dos autores portugueses mais lidos e aclamados em Portugal e no estrangeiro, com obras traduzidas para várias línguas. É considerado um dos pais do romance social-realista em Portugal, que se debruça sobre as questões do povo e das classes trabalhadoras. Foi proposto várias vezes para o Prémio Nobel de Literatura, embora tenha recusado a nomeação. Morreu no Porto a 29 de junho de 1974, e o seu corpo repousa na Serra de Sintra, conforme o seu desejo. 

quinta-feira, julho 31, 2025

"125 Nomes da História de Penacova": novo livro apresentado no Dia do Município '25

 

O jornal A COMARCA DE ARGANIL, na edição de hoje, publica a notícia do lançamento do livro 125 NOMES DA HISTÓRIA DE PENACOVA, que aborda os percursos de vida de figuras marcantes do concelho, de A a Z, de Abel Fernandes Ribeiro a Zulmira da Fonseca... (veja aqui ).  Além da transcrição do texto de A Comarca, ficam também algumas fotografias do evento.


"Integrada no programa das comemorações do Dia do Município (17 de Julho), que assinala a data
de nascimento do ilustre penacovense António José de Almeida, teve lugar no Auditório Municipal a apresentação do livro 125 Nomes da História de Penacova da autoria de David Almeida. 

Com prefácio de Ana Santiago Faria e apresentação de Maria da Luz Pedroso, esta obra tem a chancela editorial da Câmara Municipal de Penacova. A sessão foi presidida por Álvaro Coimbra, presidente da Câmara.

Na nota de apresentação, assinada por Álvaro Coimbra, lê-se que o livro "125 Nomes da História de Penacova é uma obra de inegável valor histórico, cultural e identitário” para o município, na medida em que ”ao reunir, com rigor e sensibilidade, os percursos de vida de figuras marcantes”, este trabalho é mais do que “um repositório biográfico”, assumindo-se como “um verdadeiro testemunho da memória coletiva de Penacova” e, igualmente, como “um contributo inestimável para a preservação da identidade e para a valorização do conhecimento histórico no plano municipal” ou mesmo como “uma referência fundamental para todos quantos estudam ou se interessam pela história viva” do secular concelho.

Ana Santiago Faria, Licenciada em História, Investigadora e Mestre em História e, igualmente, em Turismo, agraciada com a Medalha de Honra do Município de Penacova em 2009, escreveu no prefácio que o livro agora apresentado, mostra a “preocupação” do autor “em dar a conhecer aos públicos de agora e do futuro, nomeadamente a todos os que têm ligação familiar ou afectiva a Penacova, as figuras
que no passado, marcaram indelevelmente” o concelho. Salienta, de igual modo, que “o trabalho de investigação a que há muito se dedica” lhe permite “apresentar homens e mulheres nascidos em Penacova, ou de algum modo a ela ligados, que pelas suas qualidades humanas, souberam empenhar-se no desenvolvimento da sua terra e do seu País, abraçando causas diversas e pondo os seus carismas ao serviço de todos.” Enquanto historiadora e cidadã empenhada e interveniente, frisa também a “importância da História Local e Regional, no contexto da História Nacional, que ajuda a edificar e a melhor compreender, contribuindo através das vivências comuns, para o desenvolvimento de uma consciência de pertença a uma comunidade. “

Por sua vez, Maria da Luz Pereira Pedroso, Professora, Mestre em Gestão e Administração Escolar e Vereadora do Município de V. N. de Poiares, ao apresentar a obra classificou o autor, David Almeida, como um verdadeiro “curador e guardião de memórias”, um “detective de histórias esquecidas”, um “contador de vidas que merecem ser contadas, algumas dramáticas, outras heróicas e muitas surpreendentes”, algumas delas que podiam muito bem inspirar um romance histórico “daqueles que se lêem de uma assentada.”

“Conseguiu reunir, com paciência de arqueólogo e coração de penacovense, 125 nomes que moldaram, inspiraram e deram forma ao que é hoje Penacova. E não, não é um catálogo telefónico antigo, ou um dicionário é muito mais do que isso” – sublinhou ainda.

Escrevendo “com emoção e responsabilidade ao nível educativo para as gerações vindouras (fazendo com que a memória local, não seja apenas um eco distante, mas sim, uma força viva, que inspira, educa e une), sem qualquer interesse financeiro”, ofereceu este seu trabalho ao concelho, “um documento do qual todos nos devemos orgulhar, que resgata do esquecimento, tudo aquilo que merece ser lembrado.”

Ao usar da palavra, o autor referiu-se à relação entre Memória e História, afirmando que “mais do que um trabalho científico, que implicaria a análise crítica e interpretação dos acontecimentos, este é um livro de memórias”, uma espécie de “Memorial”, na medida em que, “directa ou indirectamente, assume algum carácter de homenagem póstuma a muitas pessoas, não só àquelas que aqui nasceram e viveram, mas igualmente àquelas que, deixando o seu berço, se fixaram noutros pontos do país e do mundo”, quer ainda, a muitas outras “que, por adopção, se tornaram verdadeiros penacovenses, colocando as suas vidas ao serviço desta terra.”

Referiu que o livro não trata só de “individualidades que atingiram elevados patamares sociais e políticos”, mas também de “pessoas que no seu dia-a-dia se dedicaram, porventura com menor visibilidade, mas com o mesmo empenho, na construção do bem comum. Pessoas que, por diversos motivos, se tornaram conhecidas, admiradas e respeitadas, no meio social e cultural em que viveram.”

Na introdução, David Almeida esclarece que além destes 125 “verbetes” de carácter biográfico, seria “de toda a justiça, incluir, em jeito de apêndice e como memorandum para futuros estudos e/ou publicações, uma listagem de muitos outros nomes que merecem ser recordados: combatentes da I Grande Guerra e da Guerra do Ultramar, que tombaram no campo de batalha, liberais penacovenses, alguns deles inocentes, que não escaparam ao pelotão de fuzilamento durante a Guerra Civil (1832 a 1834), comandantes dos Bombeiros que nos quase cem anos de existência se dedicaram à causa humanitária, professores e educadores, médicos, dirigentes associativos, políticos, beneméritos…”.

Assim, no capítulo “Proposta de Guião para um segundo volume” são referidos mais 200 nomes, com maior ou menor desenvolvimento, mas que fornecem alguns dados que podem ser o ponto de partida para posteriores investigações.

Quer no texto introdutório, quer na sessão de apresentação, o autor salientou que mais do qualquer compensação financeira ou interesse comercial – que não tem, bem pelo contrário – é “muito gratificante saber que este trabalho de longas horas pode vir a ser útil para futuras e mais aprofundadas investigações” sobre o município e, pode, igualmente, “ser um contributo para a preservação da memória local e para uma melhor compreensão de alguns aspectos da história de Penacova, fortalecendo, desse modo, a identidade, a coesão e o sentido de pertença” a este território, que é
Penacova. 

Agradeceu a presença da vasta assistência e, a terminar, deixou um agradecimento especial à Câmara Municipal de Penacova, na pessoa do seu Presidente, Álvaro Coimbra, tendo em conta “a valorização deste trabalho e subsequente edição com a chancela do Município”, o que muito o “honra”."
























sexta-feira, setembro 27, 2024

A Batalha do Buçaco relatada por um ajudante de campo de Massena


Naquele dia 27 de Setembro deu-se a maior e mais sangrenta batalha travada em Portugal durante a Guerra Peninsular. 

Depois de terem invadido Portugal por duas vezes, em 1807 e 1809, os exércitos napoleónicos, comandados pelo Marechal Massena, voltaram, no Verão de 1810, a atacar as nossas fronteiras.

As tropas francesas entraram em Almeida em Julho de 1810, depois de terem tomado Ciudad Rodrigo. No âmbito do plano de defesa da península, as tropas aliadas comandadas pelo General Wellesley, Duque de Wellington, e compostas por soldados ingleses e portugueses, tinham já iniciado a construção das Linhas de Torres, cujo objetivo era a defesa da cidade de Lisboa. A marcha dos franceses com destino a Coimbra, foi interceptada por Wellington no Buçaco. 

Aceda AQUI ao relato de Marbot, na altura segundo ajudante de campo e mais tarde general. Pode também LER AQUI outros apontamentos que o Penacova Online tem vindo a publicar sobre a Guerra Peninsular.


sexta-feira, setembro 13, 2024

Invasões Francesas: para lá do "espectáculo da batalha", o horrível sofrimento do povo anónimo das nossas terras

Na diocese de Coimbra, em 290 paróquias, apenas em 26 delas não terão entrado os franceses, principalmente aquando da retirada em Março de 1811. Os cálculos das mortes estão subestimados, mas, no mínimo, três mil pessoas foram assassinadas e em consequência da epidemia que se seguiu teriam morrido também 35 mil habitantes da nossa diocese. 

Veja-se com atenção o quadro que elaborámos, demonstrativo das mortes, pilhagens e destruição no concelho de Penacova com base nos relatórios paroquiais que consultámos no Arquivo da Universidade de Coimbra: 

Afirma a historiadora Maria Antónia Lopes, historiadora e professora na Universidade de Coimbra, que “nunca mais a população portuguesa voltou a sofrer tanto como na terceira invasão francesa” – 

Em Maio de 2021 esta investigadora concedeu ao Diário de Notícias uma entrevista que sintetiza esta tragédia da nossa história. Passaremos a transcrevê-la:


 Nunca mais a população portuguesa voltou a sofrer tanto como na terceira invasão francesa” – afirma a historiadora Maria Antónia Lopes

ENTREVISTA LEONÍDIO PAULO FERREIRA

Diário de Notícias Terça-feira 4/5/2021 15

Das três invasões ordenadas por Napoleão a Portugal, a terceira, em 1810-1811, comandada pelo marechal Massena, é tida como a mais terrível para os portugueses. O que a distingue das anteriores?

Foi, sem dúvida, a mais terrível pelo número de assassínios, violações e maus-tratos infligidos à população civil, destruição de campos agrícolas e aldeias, pilhagem sistemática das cidades e vilas, fugas em pânico de multidões.

O que a distingue? A política de terra queimada ordenada pelos ingleses: evacuação total das povoações com destruição de searas, moinhos e tudo o que não pudesse ser transportado, para vencer os invasores pela fome. Agora imagine-se a violência de um exército esfomeado, a deitar mão a tudo o que pode e a perseguir os/as camponeses/as que encontra para que revelem onde esconderam os víveres. Um médico de Leiria refere-se ao “horroroso quadro, quando voltei para este desgraçado território: aldeias desertas, todo o território inculto, uma solidão espantosa, não aparecendo nem quadrúpedes nem voláteis, casas incendiadas ou derrotadas, imundícies amontoadas, vivos agonizantes, esqueletos ambulantes formavam então um espetáculo estranho, pavoroso e mortificante”. Seguiu-se a epidemia e os preços dos géneros dispararam. Só muito lentamente a situação se normalizou. Nunca mais a população civil portuguesa voltou a sofrer assim. Por isso as invasões persistem na memória popular. Cresci [no norte da Beira Alta] a ouvir contar histórias “dos franceses”. A dimensão da tragédia que se viveu em toda a região centro não tem sido devidamente realçada pela historiografia.

A região de Coimbra, e o centro do país em geral, foi a mais afetada pela guerra, mas não a cidade, certo?

Em 1 de outubro de 1810, quando os franceses entraram em Coimbra depois da batalha do Buçaco, encontraram a cidade deserta, evacuada por ordem de Wellesley. Foi saqueada pelas tropas invasoras durante três dias, até ser reconquistada pelas milícias comandadas pelo coronel Trant. Só a universidade escapou parcialmente, protegida pelos cuidados dos oficiais portugueses que integravam o exército napoleónico. Nem as residências mais humildes foram poupadas. Às pilhagens dos franceses seguiram-se as do povo que voltara e as dos refugiados. Em inícios de 1811 viveu-se na cidade um cenário dantesco. Os habitantes de Miranda do Corvo, Lousã e vizinhanças até ao rio Alva haviam sido obrigados a retirar para norte do Mondego e acorreram a Coimbra. Os dirigentes da Misericórdia registam em ata tratar-se de “uma calamidade incomparável, de que não há memória nos séculos passados”. Em dezembro de 1811, o provisor da diocese de Coimbra afirma que a miséria é geral pois em “290 paróquias, apenas contará 26 delas onde não entrasse o inimigo”. Segundo os seus cálculos, morreram às mãos dos soldados 3 mil pessoas e em consequência da epidemia que se seguiu teriam falecido, no mínimo, 35 mil habitantes da diocese. Os cálculos das mortes estão subestimados. Já contabilizei 3305 civis assassinados, representando as mulheres quase 30%, e as fontes estão incompletas. Também não estará muito empolado o número de mortos por doença. Na Figueira da Foz, onde não houve assassínios porque os invasores não passaram por aí, terão sucumbido na epidemia umas 4 mil pessoas, entre naturais e refugiadas. Contudo, a julgar pela distribuição dos auxílios em 1811, a devastação foi muito maior nos atuais distritos de Guarda, Leiria, Santarém e Cas-telo Branco. O assunto carece de investigação.

A violência pior contra civis aconteceu durante a invasão ou já aquando da retirada, quando as forças luso-britânicas do general Wellesley, futuro duque de Wellington, se mostraram superiores às francesas?

A violência contra os civis aconteceu desde o início, agudizou-se quando os franceses estiveram imobilizados nas linhas de Torres Vedras e ainda mais na retirada, a partir de março de 1811. Durante a permanência nas Linhas de Torres, a pilhagem foi organizada pelas chefias em larga escala e em zonas distantes. Quando retiraram, desesperados pela fome, buscando mais a sobrevivência do que o combate, os soldados intensificaram as atrocidades. A 19 e 20 de março, sem encontrarem nada para comer, espalhavam-se por Pinhanços, Sandomil, Penalva do Castelo, Celorico da Beira, Vila Cortês, Vinhó, Gouveia, Moimenta da Serra, etc.

Os chefes militares franceses mostraram-se incapazes de controlar assassínios, violações e pilhagens pelos soldados? Tentaram, pelo menos?

Nas memórias que conheço de antigos oficiais franceses não encontro essa preocupação. Omitem-se homicídios, torturas e violações. E estas aconteceram em massa. Quanto às pilhagens, eram imprescindíveis e podiam ser planificadas superiormente, como relata, por exemplo, o general Marbot. Mas os militares aliados também pilhavam. Segundo uma testemunha de Arganil, “por onde passou a tormenta nada absolutamente ficou, nem de mantimentos, nem de carnes, nem de hortaliças. E se alguma coisa escapou ao inimigo, o limpou a nossa tropa e assim mesmo os pobres soldados vão mortos de fome”.

É verdade que a destruição foi tanta que, no âmbito da estratégia geral de combate a Napoleão na Europa, a Grã-Bretanha teve de enviar ajuda humanitária para o seu aliado

Sim, a tragédia suscitou uma campanha de auxílio na Grã-Bretanha, onde o parlamento e a população arrecadaram mais de 60 milhões de réis destinados às vítimas portuguesas da terceira invasão. Para organizar a repartição das verbas, foi constituída uma comissão central em Lisboa, a Junta dos Socorros da Subscrição Britânica, dirigida pelo cônsul inglês. O donativo foi distribuído pela população miserável (dinheiro e pano para roupa), por lavradores para sementeiras e por instituições de assistência.

A imagem de Napoleão foi manchada irremediavelmente no imaginário popular, apesar de alguns nas elites defenderem as suas ideias, depois desta terceira invasão?

Sem dúvida, era inevitável. Surgem por todo o lado folhetos que o diabolizam e isso foi alimentado e aproveitado pelas forças políticas conservadoras. Mas parte das elites estava conquistada pelas ideias políticas liberais, que eram também, não esqueçamos, as dos aliados ingleses.

O povo sentia-se abandonado pela família real, que a primeira invasão napoleónica, em 1807, tinha levado a embarcar para o Brasil?

A avaliar pelos relatos das testemunhas e as petições das vítimas, não era assunto que as preocupasse. Referiam-se à tragédia sem invocar as causas da invasão nem cenários que a tivessem impedido. Era como se de um terramoto se tratasse, sem outros responsáveis que não a própria catástrofe. 

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Penacova vai, mais uma vez, recriar alguns episódios da Guerra Peninsular ocorridos às nossas portas. Que além do enaltecimento da vitória anglo-lusa no Bussaco, nos lembremos também do "desgraçado" povo humilde do nosso concelho, dos familiares remotos de muitos de nós que foram assassinados, que viram as suas casas incendiadas, que ficaram sem os seus escassos víveres, que viram o património religioso roubado e profanado...


terça-feira, julho 16, 2024

O(s) porquê(s) do 17 de Julho...


Foi na sessão de 28 de Maio de 1977 que a Assembleia Municipal de Penacova, no uso da faculdade prevista no Decreto n.º 394/74 de 28 de Agosto, deliberou que o feriado municipal, que em tempos longínquos teria sido o Dia de S. João, fosse o dia do aniversário do nascimento de António José de Almeida.

Aquele órgão do Poder Local, onde estavam representadas todas as correntes políticas mais significativas do concelho, aprovou por unanimidade a data de 17 de Julho, proposta pelo Executivo Municipal.

Em declarações ao Notícias de Penacova, em 1977, o Dr. Artur Manuel Sales Guedes Coimbra, à época Presidente da Câmara, apresentou alguns dos motivos da predileção por aquela efeméride, referindo que a Câmara entendera ser aquela data “como a mais capaz, não só de reunir um consenso geral como também mais capaz de realçar um importante factor histórico da luta em Portugal pela República e pela Democracia.”

Explicou ainda que haviam sido consideradas outras datas como o dia de S. João e o dia de Nossa Senhora do Monte Alto, mas que haviam sido “postas de parte” pela circunstância de serem “Dias Santos para a Igreja Católica e que sendo um Feriado uma data histórica ou política”, se entendera “não fazer coincidir os dois poderes.”

Outras datas foram equacionadas, por exemplo a data de atribuição do foral por D. Sancho I “mas foi impossível conseguir descobrir a data em que se processou tal acontecimento.” Ainda a data da batalha do Buçaco, parte da qual se desenrolou no nosso concelho, foi alvitrada,”mas julgou-se que diria mais respeito ao concelho da Mealhada”.

“Chegou-se assim à data de 17 de Julho que representa o aniversário de nascimento de António José de Almeida que foi o mais ilustre penacovense no processo político que desde a monarquia tem procurado instaurar e consolidar a República e a Democracia em Portugal. Orador brilhante e político esclarecido, foi um homem ouvido e respeitado aquém e além fronteiras, admirado e considerado por todas as correntes de opinião que tinham e têm por base a instauração de um regime republicano e democrático”, justificou Artur Coimbra, ao mesmo tempo que vincou o facto daquela proposta da Câmara Municipal pretender ser “uma homenagem do Povo deste concelho, sem dúvida, democrático e republicano, à mais alta figura de sempre”, ao mesmo tempo que visava ainda “um chamar de atenção a todos os penacovenses para essa época histórica, reavivando o nome do Dr. António José de Almeida no espírito de cada um de nós e no conhecimento de todos aqueles a quem não foram dadas as possibilidades de pelo menos terem estudado um pouco de história de Portugal.”

quinta-feira, julho 04, 2024

Efemérides (1): 120º aniversário da morte de Alves Mendes


Falamos hoje, 4 de Julho, de Alves Mendes, passados que são 120 anos após a morte deste penacovense ilustre que, no nosso entender, a seguir a António José de Almeida, mais longe levou  o nome de Penacova.  

António Alves Mendes da Silva Ribeiro nasceu em Penacova no dia 19 de Outubro de 1838, filho de Joaquim Alves Ribeiro e Joaquina Mendes da Silva. Faleceu no Porto no dia 4 de Julho de 1904.

Em Coimbra frequentou o Liceu (1853 a 1858) e o Curso Superior do Seminário (1856 a 1858). Também nesta cidade cursou Teologia na Universidade (1859 a 1863), formando-se a 8 de Julho de 1863.

Em 17 de Novembro do referido ano foi nomeado Cónego da Sé do Porto. No Seminário Diocesano da Invicta foi professor durante doze anos, regendo a cadeira de Pastoral e Eloquência Sagrada.

“Do modo como ele aí ministrava o ensino há ainda saudosa memória em quantos foram seus discípulos” – escreveu Manuel M. Rodrigues na revista O Ocidente de 21 de Julho de1888. Também J. Alves das Neves (in Autores da Beira Serra) refere que os seus discursos, “românticos pelo verbalismo”, eram “clássicos pela correcção linguística”. Também Mendes dos Remédios reconheceu que Alves Mendes fora um “burilador de frases e um joalheiro de linguagem”.

Por ocasião da trasladação dos restos mortais de Alexandre Herculano para o Mosteiro dos Jerónimos (1888), que se encontravam no jazigo da família Gorjão, em Santa Iria da Azóia, o jornal Pontos nos ii, escreveu sobre Alves Mendes que “o verbo entusiástico do eloquentíssimo orador elevou-se correcto, artístico, literário, ora bramindo de vibrações metálicas, ora suspirando de maviosíssimos acordes, assombrando quantos o ouviram, petrificando quantos o escutavam, crentes e não crentes – os apóstolos da religião de Deus, como os apóstolos da religião do Belo!”

Era habitual ser Alves Mendes a fazer os grandes discursos nas comemorações anuais da Batalha do Buçaco. Conta-se que passou a ser tradição, no final daquelas cerimónias, montado na égua branca do “ti Joaquim Cabral Velho” e acompanhado pelo compadre José Craveiro, rumar a Penacova, onde no dia seguinte “abria as quatro sacadas da sua casa” para receber os seus conterrâneos e admiradores que lhe iam apresentar as boas-vindas. Igualmente, sempre que ia pregar ou participar em cerimónias no Algarve, no Alentejo ou em Lisboa, aproveitava para, na passagem, descansar uns dias na sua terra natal, onde vivia a irmã Altina. Eram frequentes as visitas aos “Ribeiros”, seus primos, que viviam na Chã, e, de passagem, aproveitava também para entrar na Capela do Monte Alto.

Desta “figura eminente das letras portuguesas”, deste “burilador de frases” e “joalheiro da linguagem”, para citar as palavras de Alexandrino Brochado, além dos sermões, outras obras se encontram publicadas: Itália. Elucidário do Viajante (1878); O Priorado da Cedofeita (1881); Os Meus Plágios (1883); Tomista ou Tolista? (1883); Um Quadrúpede à Desfilada (1884); D. Margarida Relvas (1888) e D. António Barroso: Bispo do Porto (1899). Colaborou em imensas revistas literárias: Anátema, Caridade, Nova Alvorada, Correspondência do Norte, Braga-Bom Jesus, Cáritas, A Federação Escolar, Sobre as Cinzas, Kermesse, A Máquina, Filantropia e Fraternidade, entre outras. De referir ainda as suas interessantes crónicas de juventude publicadas na imprensa regional. No jornal O Conimbricense (nº 575, 29 de Agosto de 1857) escreveu, quando estudante em Coimbra, um interessante folhetim com o título “Umas Férias em Penacova”.

O Cónego Alves Mendes foi Provedor da Irmandade das Almas, na Rua de Santa Catarina, no Porto, e pertenceu às Ordens da Trindade e do Carmo e às principais Irmandades daquela cidade.

Do Rei D. Carlos recebeu, em1902, a Mercê de Arcediago de Oliveira [do Douro]. Conta O Primeiro de Janeiro que, foi no final do Discurso no Mosteiro da Batalha que aquele monarca, ao endereçar-lhe felicitações, lhe comunicou também que o promovia, de Cónego da Sé Catedral do Porto, à dignidade de Arcediago da Sé portuense, com o título de “Arcediago de Oliveira”. Noticiou igualmente o Jornal de Penacova que na sua casa, na vila de Penacova, muitas pessoas o felicitaram por aquele reconhecimento. Na ocasião, também a Filarmónica Penacovense “executou, à sua porta e em casa, alguns trechos de música, surpresa que muito o penhorou e comoveu”.

Alves Mendes privou com Camilo Castelo Branco tendo, inclusivamente, desempenhado um papel decisivo no casamento tardio do escritor em 1888 e tendo mesmo sido testemunha oficial do acto.

De 1935 a 2001 foi Presidente Astral da Filial de Petropolis (Brasil) do Racionalismo Cristão. Daquela filial, onde se encontra a “Sala de Estudos Alves Mendes”, é também Patrono Espiritual (in racionalismocristao.org, acedido em 30/5/2011).

Morreu na Rua Alexandre Herculano, no Porto, onde residia, no dia 4 de Julho de 1904, sendo sepultado no cemitério do Prado do Repouso. No seu testamento deixou escrito que queria ter um funeral discreto, “sem o menor aparato fúnebre” que, conforme escreveu, “é uma vaidade miserável e vazia de sentido elevado e ponderoso.”

Escreveu o Primeiro de Janeiro, por ocasião da sua morte, que a fama de eminente orador se generalizara e radicara, podendo ser, com toda a razão, considerado como “uma das maiores ilustrações do púlpito português”.

O reconhecimento de Penacova consubstanciou-se, em1902, sendo Presidente da Câmara o Dr. Daniel da Silva, com a atribuição do seu nome a uma das principais ruas do centro histórico da vila: Rua do Arcediago Alves Mendes. 


sexta-feira, maio 26, 2023

Alves Mendes: notas para melhor conhecer este ilustre penacovense

 


Alves Mendes é uma das grandes figuras nascidas em Penacova e que deixaram o seu nome inscrito nas páginas da história e da cultura portuguesas. 


Encontramos muitas vezes em jornais e revistas referências a este ilustre penacovense. O primeiro excerto que a seguir transcrevemos foi publicado no jornal “Voz Portucalense” e o segundo num blogue de Penafiel. São elementos interessantes a juntar ao que temos vindo a publicar, quer no Penacova Online, quer no Penacova Actual.


Alves Mendes e a Capela das Almas (Porto)

Alves Mendes é uma figura eminente das letras portuguesas. Nasceu em Penacova e morreu em 4 de Julho de 1904, no Porto. Está sepultado no cemitério do Prado do Repouso. Formado em Teologia, foi cónego da Sé do Porto e professor do Seminário Maior desta cidade.

A sua fama de orador sagrado firmou-se principalmente desde que, em Lisboa pronunciou a oração fúnebre de Alexandre Herculano, por ocasião da transladação dos restos mortais do grande historiador para os Jerónimos. Pregou depois em idênticas solenidades, comemorando a morte de vultos insignes como Fontes Pereira de Melo e Barros Gomes. Uma das suas orações mais notáveis foi pronunciada no Mosteiro da Batalha, quando para ali se fez a transladação dos restos mortais do príncipe de Avis.

Além os discursos Alves Mendes publicou um livro de viagens, "Itália", que originou uma polémica, tendo sido acusado de plagiário de E. Castelar, escritor espanhol que publicou "Recuerdos de Itália". Em discussão acesa com Almeida Silvano sobre filosofia tomista, escreveu: "Um Quadrúpede à Desfilada" e "Tomista ou Tolista", obras que, no género, são verdadeiramente notáveis pelo vigor e sarcasmo da linguagem.

Além de orador sagrado, Alves Mendes foi um burilador de frases e um joalheiro de linguagem. Basta atentar nas frases escritas no seu túmulo, no Cemitério do Repouso.

Pois este escritor notável está duplamente ligado à Rua de Santa Catarina: pelo casamento de Camilo aqui realizado e porque desempenhou o lugar de Provedor da Irmandade das Almas, erecta na Capela das Almas, da mesma rua.

Lê-se no Livro das Actas da Capela das Almas que "No dia 8 de Maio de 1899, pelas oito horas da noite, foi eleito Provedor o Doutor Cónego Alves Mendes". Em 21 de Maio de 1900 volta a ser eleito para o triénio de 1900-1902, o Cónego António Alves Mendes da Silva Ribeiro, Arcediago d'Oliveira (a primeira vez que aparece este título honorífico). Em 2 de Maio de 1903, o Cónego Doutor Alves Mendes, Arcediago d'Oliveira, é reeleito, pela última vez, Provedor da Irmandade das Almas. E a partir deste momento não aparece mais qualquer alusão ao notável orador sacro que faleceu em 4 de Julho de 1904.

Pareceu-nos que uma referência a este escritor e orador sacro, célebre no seu tempo, não ficaria mal, já que o tempo vai diluindo a memória de todos, mesmo dos vultos mais eminentes. O tempo atreve-se a tudo.


Alexandrino Brochado, in “Voz Portucalense”

[Inauguração do culto de uma nova imagem do Sagrado Coração de Jesus no dia 24 de Junho de 1881 em Penafiel]

(…) Na sexta-feira dia 24, as cerimónias religiosas foram presididas pelo cónego da Sé do Porto Alves Mendes, que foi orador tanto da parte de manhã como de tarde.

O padre de seu nome completo, António Alves Mendes da Silva Ribeiro, era um pregador sobejamente conhecido pela elevação dos seus discursos e fascinação do seu estilo. A sua fama de orador sagrado firmou-se principalmente desde que, em Lisboa pronunciou a oração fúnebre de Alexandre Herculano, por ocasião da transladação dos restos mortais do grande historiador para os Jerónimos. Uma das suas orações mais notáveis foi pronunciada no Mosteiro da Batalha, quando para ali se fez a transladação dos restos mortais do príncipe de Avis.

Como escritor e orador sagrado, Alves Mendes foi um burilador de frases e um joalheiro de linguagem.”


in http://penafielterranossa.blogspot.com/2019/03/

terça-feira, novembro 08, 2022

Vida e obra de António José de Almeida: fragmentos (1)

EVOCANDO O 93º ANIVERSÁRIO DA SUA MORTE E O CENTENÁRIO DA VISITA PRESIDENCIAL AO BRASIL transcrevemos as referências feitas a António José de Almeida, ilustre penacovense, pela REVISTA DA SEMANA na edição de 9 de Novembro de 1929 publicada no Rio de Janeiro 


Um grande vulto que desaparece

“A morte do eminente estadista português António José de Almeida, ocorrida em fins da semana última, repercutiu dolorosamente na alma brasileira, por isso que o grande morto – figura inconfundível de revolucionário, de médico, de orador – era para os Brasileiros um vulto quase familiar: era um “cidadão carioca”, título que lhe foi conferido quando da sua honrosa visita, na qualidade de Presidente de Portugal, ao Brasil. Homenageando a memória do grande morto, reproduzimos nesta página dupla alguns aspectos fotográficos tirados há sete anos, quando da visita de António José de Almeida ao Rio de Janeiro, publicando em outro lugar a nota de redacção sobre o pensamento do eminente estadista.

 ***
“Com a morte do Dr. António José de Almeida, perdeu Portugal uma das figuras mais belas, mais luminosas da sua Política. E a nobre língua de Camões e de Eça de Queiroz – do poeta genial e do artista perfeito – apagou-se numa das suas mais altas fulgurações, num dos seus surtos solares de maior esplendor verbal . Porque se extinguiu para sempre o fogo estelar daquela voz e o turbilhão de ouro daquele espírito. Quem quer que o ouvisse sentia o fascínio do milagre. O talento é chama, o génio é incêndio criador de mundo e é dele que nasce a harmonia das coisas – na frase divina de Pitágoras.

Os fins do século XIX, que assistiram aos últimos esplêndidos crepúsculos da palavra arrebatadora de Emílio Castelar, na Espanha, iluminaram-se de súbito com a oratória flamejante do moço português que, ainda envolto no mistério da sua capa negra de “Coimbra Doutora”, lançava já no silêncio das multidões atónitas o gesto da fascinação maravilhosa e o sortilégio delicioso das imagens resplandecentes.

Aos vinte e quatro anos, surgiu António José dos bancos obscuros de estudante para a batalha, para a epopeia da Inteligência. A imprensa e a tribuna foram o seu largo campo de acção. Portugal lentamente despertava, a sua alma iluminava-se de princípios novos, de ideias novas. E António José ia ser o orador jovem, capaz de traduzir vigorosamente as aspirações e transformações da sua pátria. Ele aparecia assim, na agitação intelectual e social do país, como um renovador, um perdulário de ideias, um semeador de valores espirituais.

Revestido do fulgor da sua palavra como de uma armadura de aço faiscante – era ela o apóstolo do povo, o cavaleiro iluminado das multidões sem voz e sem defesa; e quando subia à tribuna, envolto numa auréola de predestinado, era como se realmente na sua voz se acendessem todas as vozes obscuras da pátria, todas as angústias anónimas do povo.

Ardente como um condottiere, sendo sempre a figura de primacial simpatia em todas as revoluções, republicano a sonhar uma República de nobreza e de liberdade, António José foi o poeta da acção, o idealista do progresso, arrecadando da forte e nobre alma portuguesa – que dera ao mundo os épicos navegadores do século XVI – estos de heroísmo e intensas vibrações patrióticas.

Esse irmão peninsular de Danton, talvez mesmo enamorado um tanto romanticamente das figuras violentas e decorativas da revolução Francesa, foi – na sua dialéctica luminosa e na grandeza demosténica do seu verbo um esplêndido espírito revolucionário, um eloquoentíssimo professor de energia.

Todavia, ao invés de cobrir a face com a máscara de ferro da acção fria e calculista, preferiu cobri-la com a máscara de ouro da beleza brilhante e imaginosa, tornando-se assim em toda a sua vida política um prodigioso fascinador, um harmonista cintilante de períodos rútilos, capaz de dominar pela suprema música da sua inteligência a multidão imensa e inquietante – que é uma serpente de mil cabeças.

Os brasileiros que tiveram a fortuna de ouvi-lo, quando da sua viagem ao Brasil em 1922, de certo não esqueceram a lapidar maravilha dos seus improvisos, a prestidigitação sonora das suas imagens que sugeriam um microcosmo de lendas, frases de diamantes e de rosas, cheias do sortílego poder de transformar miríades de vocábulos inertes em miríades de cintilações de pensamento.

Agora, está morto o homem extraordinário. A morte capaz de todos os sacrilégios, transformou numa fria boca de mármore aquela boca onde turbilhonaram tempestades de sóis e harmonias universais.”

in Revista da Semana, Ano XXX, nº 47, 9 de Novembro de 1929