27 novembro, 2024

Da minha janela: E como o Fundo da Vila renasce!



E como o Fundo da Vila renasce!

No dia em que início esta minha crónica, o meu velho coração está a transbordar de alegria.

Recebi uma fotografia do perímetro do Mirante, no Fundo da Vila, em Penacova, já sem o edifício do antigo hospital, que se encontrava numa degradação que me deixava entristecido, cada vez que lá passava ou que para lá olhava.

Efectivamente, nenhum Menino do Cruzeiro -com toda a carga emotiva que essa caracterização representa- podia tolerar o tempo, o modo e a incúria, que “conspurcava” perdoem-me a expressão, uma das paisagens mais belas do mundo.

Do mundo, repito!

Tenho escrito muito sobre o Fundo da Vila; o sítio onde fui uma criança feliz; onde passei o melhor tempo da minha vida; onde retornei -dando o exemplo prático de como bem elevar a minha terra- no caso com um investimento que orgulha a minha família toda, na recuperação/reconstrução da Casa Azul, local onde fixei residência, também para lá pagar uma carga grande de impostos, que nalguma coisa reverte para o nosso Município.

Fiz um poema que está publicado no meu Livro A Liberdade Actual, 35, pág. 88., onde “gritei”, registando “…Não chego a nenhuma conclusão, todavia / A não ser que se fez murchar este recanto na sua beleza / Com inação sucessiva que confronta a natureza / E comove a própria degradação…”.

Antes disso - publicado nos Livros Reflexos e Penacova Intemporal, 9, pág. 55 - diz o poema Cruzeiro de Penacova: “…Símbolo da nossa forte identidade / Quase milenar / Referência da nossa enorme capacidade/Para resistir /…Para não se deixar perder / Ou destruir”…

E, seria muito injusto da minha parte, não realçar hoje, aqui, “Da minha Janela” -onde via aquele “mamarracho triste”- que a sua demolição só foi possível pela persistência de um Menino do Cruzeiro, o Álvaro Coimbra” (que até foi o diseur do poema, no lançamento do Reflexos)!

Independentemente de “politiquices” eu gosto muito de reconhecer o que se faz bem, com tenacidade, com foco e, sobretudo, cumprindo o dever do que se traçou como objectivo; esperemos pela evolução…

Muito obrigado!

Luís Pais Amante


26 novembro, 2024

Notas breves para a história do Hospital da Misericórdia (I)

Em cima: construção original de inícios dos anos trinta; 
em baixo: após remodelação em 1961

A ideia de se construir um hospital em Penacova remonta aos inícios do século XX. Em 1901, respondendo a um repto do Jornal de Penacova, a comunidade emigrante  penacovense radicada na região de Campinas (Brasil), liderada por Álvaro Leitão, de Vila Nova, lançou uma campanha no sentido de angariar fundos para esse fim. No ano seguinte, no Pará, Abel Pinto Guedes lançou uma subscrição junto dos compatriotas emigrados. A imprensa da época refere ainda o apoio de António Pita e a oferta de um terreno por um anónimo. Para suporte institucional dessa obra havia Artur Leitão criado a Irmandade de Nossa Senhora da Guia, que para além da sua função religiosa, tinha como fim a criação e manutenção de um hospital. Falecido prematuramente não foi possível obter fundos e rendimentos suficientes. 

Cerca de quinze anos mais tarde, aquela aspiração volta ao de cima, com o legado de quinze contos feito por António Maria dos Santos (que também destinara, em testamento, uma verba para a Escola que se viria a chamar Escola Maria Máxima, em homenagem à sua mãe). Na mesma altura, Alípio Augusto dos Santos fez, igualmente,  um legado de dois mil escudos para uma futura unidade hospitalar.

Por volta de 1918 discute-se como aplicar aquelas verbas ao mesmo tempo que são feitos apelos à união da Câmara, das Juntas, das Irmandades, dos “Proprietários e Negociantes” no sentido de ser construído um edifício com alguma dimensão.

No entanto, só nos finais da década de vinte se começa a concretizar aquele propósito. Numa entrevista no Notícias de Penacova (1932) Luís Duarte Sereno, conta que verdadeiramente quem arrancou com as obras fora a Comissão Concelhia de Assistência, enquanto estava em organização a Misericórdia (1). De facto, a Irmandade de N. S. da Guia assume o estatuto de Misericórdia, tendo como Provedor Duarte Sereno. Contando também com a intervenção do Dr. Sales Guedes (2) o objectivo de criar o Hospital da Misericórdia vai ganhando forma. Conta-se que foi ele próprio que elaborou o projecto do edifício aproveitando as paredes da capela de Nª Sª da Guia, com excepção da frontaria. 

Aconteceu que, quando o edifício já estava bastante adiantada a construção, Bissaya Barreto foi convidado por Sales Guedes para visitar as obras, ficando segundo se consta, deveras “encantado” com o que via. Na sua mente germinava a ideia de construir na região centro uma casa para receber crianças pertencentes a famílias atingidas pela tuberculose. Passado pouco tempo a Junta Geral do Distrito a que presidia propõe à Misericórdia o seguinte: esta cederia à Junta Distrital o edifício em construção bem como o largo adjacente. Por sua vez, a Junta Distrital ficaria com o compromisso de apoiar a construção de um novo edifício hospitalar nas imediações e “subsidiar” o seu funcionamento. As obras contaram com o dinheiro do legado de António Maria dos Santos (15 000$00), bem como de outros legados, como o já referido de Alípio Santos e também de Manuel Lopes Serra (3 000$00) a que se juntaram 5 000$ de Evaristo Lopes Guimarães. Estas importâncias estavam na posse da Misericórdia de Coimbra e com a criação da Misericórdia em Penacova foram para esta transferidas.  

Em Janeiro de 1933 o Jornal de Penacova noticia a abertura para breve do Hospital (cuja construção havia sido "arrematada" por 71 000$00)  descrevendo o seu interior: enfermaria para mulheres com oito camas e um quarto de isolamento, outra sala idêntica para homens; sala de operações, dispensário, raios X, farmácia e laboratório; quartos particulares com casa de banho privativa, balneários públicos e alojamento para o pessoal. 

Para sustentar o funcionamento do hospital, a Misericórdia contava com: - apoio da Junta Geral do Distrito, nos termos acordados; - um subsídio anual de 10 000$00 da Câmara Municipal ; - Juntas de Freguesia, 3 000$00 destinados ao dispensário; 
- "parcos" rendimentos próprios da Misericórdia.

Poucos anos mais tarde, escreve o Dr. José Albino Ferreira: “O Castelo que fora de grande poder defensivo contra os Mouros e a capela de N. S. da Guia bom farol para os navegantes, deram lugar a novas fortalezas contra as doenças, especialmente a tuberculose”.

Em 1961 o Hospital, que se tornara exíguo e inadaptado às exigências da moderna cirurgia, teve obras de restauro e remodelação (sob alçada do empreiteiro Alípio Pereira, da Cheira) que foram solenemente inauguradas em 17 de Setembro. Nesta data foi também descerrada a lápide que deu o nome de Bissaya Barreto à rua em frente do Hospital e do Preventório.

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(1) A 2 de Fevereiro de 1928 reuniu a Irmandade de N. Sª da Guia para aprovar os estatutos que instituiriam a Misericórdia na vila de Penacova. Foram aprovados por unanimidade. Assinaram a acta o Juiz, Padre António Pinto e os seguintes Irmãos: Dr. Daniel Silva, Dr. Luís Duarte Sereno, Albino dos Santos Júnior, Joaquim Correia de Almeida Leitão, Joaquim Augusto de Moura Cabral e Gualter Pereira Viseu.

(2) Manuel Ferreira Sales Guedes foi Presidente da Câmara de Penacova de 5 de Novembro de 1936 até finais de 1937, sucedendo a José de Gouveia Leitão. Pertenceu à Mesa da Misericórdia, quando era Provedor o Dr. Luís Duarte Sereno. O seu mandato não foi mais longo porque entretanto saiu uma lei que proibia os Médicos Municipais, ou qualquer outro funcionário municipal, de ocupar a Presidência da Câmara. Sales Guedes era natural de Poiares (Régua).

David Almeida

Fonte: Patrimónios de Penacova – J. Leitão Couto e David Almeida, 2012








20 novembro, 2024

𝔻𝕒 𝕞𝕚𝕟𝕙𝕒 𝕛𝕒𝕟𝕖𝕝𝕒: o deslumbramento dos Telhados



O deslumbramento dos Telhados


Os Barcos Rabelos d’agora
E outros que giram borda fora
Passam a ponte junta à Alfândega
Subindo o Rio Douro
Já bem perto da Foz
A corrente fica forte
Quando passa na Ribeira
Outrora sem eira nem beira
Estará embriagada, talvez
Com o “éter” das marcas seculares

Que se viram pr’ali em sucessivos patamares

As gaivotas gritam bem alto
E querem passar o socalco
Dos Telhados desnivelados
Que se põem caprichados
Na beleza que nos apresentam
São milhões de milhões de telhas
Umas novas, outras já feitas velhas
Pela humidade a bailar
Trazida de perto do mar

Lá da Foz, agarrada a São Pedro da Afurada

É bonito o rodopio do Rio
Belo o ar tranquilo do casario
Encantadora a arquitectura com brio
Notável o entrosamento das Cidades
Apetecível o cheiro dos petiscos
Agradável o palato após provas
Inconfundível o casamento das casas
Tanto novas como velhas
Mas deslumbrante, mesmo são as telhas

Na sua função de dar cobertura à ação, em fusão

Dos negócios da modernidade
Envoltos na novidade calibrada
Que desponta a cada esquina
Muitos provocando o Norte da vaidade
São telhas de todos os tipos
Cobrem os telhados dos pobres e dos ricos
Telhas cerâmicas, telhas de betão, telhas de ardósia
Lisas, de capa e canal, romanas, de marselha e de encaixe
E a boa telha lusa-predominante-que ao olhar traz relaxe

Sobretudo quando, ao pôr do Sol, se reflectem no espelho d’água no Rio

Luís Pais Amante
A minha “vista” a partir do “The Yaetman Oporto Hotel”