22 agosto, 2025

Silveirinho, Santa Quitéria e Pedro Henriques de Abreu

Neste fim de semana a aldeia do Silveirinho (S. Pedro de Alva) vai realizar as suas festas em honra de Santa Quitéria. Não temos elementos que nos esclareçam sobre a origem deste culto nesta localidade. No entanto, sabemos que no século XVII esteve em S. Pedro de Alva um padre muito erudito que escreveu um livro sobre a vida desta santa que, segundo a tradição, foi martirizada por defender os valores da sua fé. 


PEDRO HENRIQUES DE ABREU

Pedro Henriques de Abreu, licenciado em Cânones, foi Reitor da Igreja de S. Pedro de Farinha Podre entre 1632 e 1662. Nasceu em Évora de Alcobaça, mas  "as datas de nascimento e óbito ficaram até hoje ignoradas" - dizem os registos. 

Aparece referenciado como autor  no Dicctionnaire Universel de Sciences Eclesiastiques (Paris, 1868),  no Dicionário Bibliográfico Português e  também  no Dicionário da História da Igreja em Portugal.

Pedro Henriques de Abreu, ficou célebre devido à obra que publicou em 1651 intitulada, no original,  A vida e martyrion de S. Quitéria e de suas oito irmãs, todas nascidas de hum parto, portuguezas e prothomartyres de Hespanha. O livro inclui ainda “um discurso sobre a antiga cidade “Cinania”. São raros os exemplares existentes. A Biblioteca Nacional de Portugal possui uma cópia digitalizada da mesma. Esta obra foi muito apreciada, na época, por autores portugueses. 

O livro de Pedro Henriques de Abreu apresenta uma gravura de João Gomes, “figurando a Santa, decapitada, tendo a cabeça nas mãos, à altura do colo, em acto de ser coroada por uns anjos, que suspendem a respectiva coroa, por sobre a base do pescoço cortado ao meio.”

O titular da Comenda de S. Pedro, o famoso Francisco de Sousa Coutinho, que terá vivido algum tempo na Cortiça, foi seu amigo, ao ponto de lhe ter cedido "sem obrigação de pagar",  os "passais"  (que pertenciam à Comenda), enquanto ele fosse o vigário.

Também de Brás Garcia de Mascarenhas foi contemporâneo e mesmo amigo. Recorde-se que Brás Garcia teve inclusivamente por esta época os irmãos Manuel Garcia e Pantaleão Garcia como párocos de Almaça e de Travanca,  que visitaria com toda a certeza, não deixando de aproveitar a proximidade para contactar o reitor /vigário seu amigo. 


O CULTO DE SANTA QUITÉRIA

Em Portugal, o culto a Santa Quitéria terá começado no início do século XVI. Embora não seja das figuras hagiográficas mais conhecidas, a veneração desta jovem mártir está difundida um pouco por todo o país, incluindo as regiões autónomas, mas mais localizado em dioceses como Évora, Coimbra e Porto.

Na Madeira, Santa Quitéria deu nome a várias capelas: Curral das Freiras, Calheta e Madalena do Mar. Também no Funchal o Colégio / Igreja de São João Evangelista possui uma capela a ela dedicada. 

No conjunto das Festas de Santa Quitéria destacam-se as de Felgueiras e Pombeiro da Beira, aqui bem perto de nós. Igualmente em Ferrel (Peniche), em Mansores (Arouca), em Meca (Alenquer) e no Silveirinho (S. Pedro de Alva). De referir, ainda, a capela de Santa Quitéria, antiga sinagoga, em Vila Nova de Foz Côa.

Quer o Agiológio Lusitano de Jorge Cardoso (1666), quer a biografia de Frei Bento da Ascensão (1722), quer, como vimos, Pedro Henriques de Abreu, situam o nascimento e o martírio de Santa Quitéria em terras lusitanas. Por sua vez, o Martirologium Romanum , dos finais do século XVI, apresenta Santa Quitéria como mártir de Espanha, enquanto que  o actual Martirologium Romanum a situa na Aquitânia (região da França). 

"Jovem de linhagem influente, desde cedo consagrara a sua virgindade a Cristo e, como se negava a casar, o seu pai acabou por a decapitar, tendo surgido uma fonte no local do martírio. Outras versões referem que o seu martírio ocorreu a mando  de Euric, rei dos Godos, pelo facto de professar o catolicismo. Reza a lenda que após ter sido decapitada a jovem recolheu a sua própria cabeça e, guiada por um anjo, encaminhou-se para a igreja cujas portas estavam fechadas. Porém, ao aproximar-se, abriram-se de par em par. Desceu então as escadas que conduziam à cripta e, depois de se acomodar no sarcófago previamente preparado para sua sepultura, acabou de morrer». (Cf. Quitéria, uma santa da Lusitânia nas terras de Entre-Douro-e-Minho, de Luís Alberto Casimiro (2010).

Existem muitas outras versões lendárias, quer sobre Santa Quitéria, quer sobre as oito irmãs, que também terão sido martirizadas.

Sobre o culto de Santa Quitéria no Silveirinho não conhecemos nenhum documento ou referência a esse respeito. Fica a hipótese de estar relacionado com a presença do Padre Pedro Henriques de Abreu nestas terras da Casconha. 



14 agosto, 2025

O culto de Nossa Senhora dos Remédios em Penacova, em Portugal e no Mundo


O culto de Nossa Senhora dos Remédios é muito antigo. Sendo originário de França, foi introduzido na Península Ibérica nos séculos XII-XIII, tendo ainda hoje uma presença marcante.  Nossa Senhora dos Remédios, invocação que, na sua origem não tinha o sentido de “medicamento”, ou a relação com doenças propriamente ditas (como Nossa Senhora da Saúde) mas Senhora dos Remédios, como Mediadora (Re-mediadora) no sentido de que a Mãe de Deus, estando entre Deus e os Homens, é autêntica mediadora entre o Céu e a Terra. Este sentido de “meio / remédio” pode encontrar-se ainda hoje nas expressões “não tenho outro remédio”, isto é, não tenho outro meio, ou noutra como “é uma pessoa remediada”, isto é, que tem meios de subsistência. Esse sentido de "remédio" estará mais presente, por exemplo, nos festejos que se realizam em Rio de Moinhos. Penafiel, em honra do "Senhor dos Remédios".

Estudiosa desta temática, Ana Santiago Faria (a quem agradecemos a partilha de muita documentação sobre o assunto) fez também um levantamento do concelho de Penacova, assinalando seis localidades onde Nossa Senhora dos Remédios está presente, seja através de antigas imagens, seja da realização de festas em sua honra.

Começaremos por Travanca do Mondego, que amanhã tem a sua festa anual, precisamente, em honra de Nossa Senhora dos Remédios. A Drª Ana Faria, defende que o retábulo é do séc. XVII/XVIII e a imagem, do séc. XVI, portanto muito antiga. Muito antiga é também a festa que aqui tem lugar no dia 15 de Agosto. 

Outro aspecto, talvez menos conhecido, é sublinhado por esta historiadora, há muitos anos radicada no nosso concelho. É o caso do Montalto de Penacova, que quase ninguém associa a Nossa Senhora dos Remédios. No entanto, é um facto que a imagem mais antiga (não a actual que é do séc. XX) tida como sendo do séc. XV /XVI. De pedra de Ançã, a Senhora está a sorrir e o Menino brinca com o pé. A capela tem igualmente na sua origem, a invocação de Nª Srª dos Remédios.

Continuando a percorrer o concelho, temos Contenças (Sazes) com a Capela, o Nicho, à entrada da aldeia, com imagem de N. S. dos Remédios e algumas fontes com a mesma invocação. De referir também Lufreu, cuja festa tem lugar no 1º Domingo de Setembro, sendo neste ano de 2025 de 5 a 7 do próximo mês.

Em Lorvão, a antiga imagem de Nossa Senhora dos Remédios, que chegou a ter lugar de destaque nos altares, “perdeu a identidade”, conforme reparo de Ana Faria, na medida em que actualmente está “legendada” como “Virgem e o Menino”.

E..por fim, o caso de S. Mamede, que em 2005 ainda tinha pintada na base a inscrição de Nª Sª dos Remédios, mas  acabou por mudar de nome para “Senhora dos Bons Caminhos”…

Pelo país fora, temos por estes dias, aqui na região centro, os festejos de Nª  Sª dos Remédios no Bom Sucesso, Figueira da Foz. Mas refiram-se mais locais, de Portugal e de Espanha onde existem igrejas e capelas dedicadas à Senhora dos Remédios. Em Portugal: Castro Verde (igreja), Fontelo-Viseu (capela), Sanfins Valença, Castelo Mendo (igreja), Torre de Moncorvo (capela), Herdade do Esporão (capela), Alcaria Ruiva-Mértola (igreja), Lamego (santuário), entre muitos outros locais; em Espanha, a lista é igualmente extensa. Refiram-se, Zamora (capela), Duenas-Palência (capela), Valência de Alcântara ...

A iconografia de Nossa Senhora dos Remédios é muito variável, mas dum modo geral a Senhora é Coroada (porque é Rainha), segura um Ceptro, é envolta por Anjos, tem o Menino no braço esquerdo (raramente do direito) e este segura um Globo / Mundo (não fosse Ele o Senhor do Mundo)…

Variável é também a data da Festa. Maioritariamente realiza-se a 8 de Setembro, seguindo-se o dia 15 de Agosto. No entanto, os festejos acontecem um pouco ao longo de todo o ano.

O culto de Nª Sª dos Remédios alargou-se a muitas partes do mundo, levado principalmente pelos portugueses, a partir da época dos Descobrimentos: Madeira, Açores, Ceuta, Canárias…Macau, Timor, Brasil… Por todo o Mundo há ainda hoje, inúmeros santuários onde se cultua esta invocação, com uma grande expressão popular, movimentando muitos milhares de pessoas nas suas romarias e festas.

A Senhora dos Remédios a partir do sec. XVII, entra em declínio, embora ainda surjam bastantes imagens com esta invocação no sec. XVIII e mesmo locais de culto (Capelas, Igrejas, ...). Mas por outro lado, nos finais do sec. XVII, ela começa a ser substituída pela Senhora da Conceição (1).

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(1) Um documento em que numa substituição de pároco, o Rei D. João IV, que não apenas reconquistou o trono de Portugal, após a aquele período que todos nós conhecemos de concretização da União Ibérica, com os FiIipes... aliou-se com a França e entalou a Espanha, mas necessitava do apoio e do aval do cristianíssimo Vaticano: para isso “hipotecou” o País à Senhora da Conceição, que entronizou como Rainha em Vila Viçosa, como toda a gente sabe. Mas não contente com isso, usou da “força régia” para a impôr como culto no país. E assim, todas as Igrejas e Capelas da Padroado Real, foram tendo que colocar a Senhora da Conceição e retirar as outras Senhoras que até aí eram cultuadas nesses locais. Foi o que aconteceu com a “minha” Senhora dos Remédios: nesse documento o rei diz explicitamente, que só coloca novo pároco, se os fiéis retirarem a imagem da Senhora dos Remédios e puserem no altar-mór a Senhora da Conceição. E aqui está uma das razões, porque a Sra dos Remédios desaparece, refugia-se na Sacristia3, ou nos altares laterais.... também muda de nome, muitas vezes, por outras razões.... etc... para além do desgaste do tempo e da moda!... porque os Santos e as invocações também têm modas! - salienta Ana Santiago Faria.


 




 



12 agosto, 2025

O "Palito Métrico", lavrado no Lorvão da Pachorra...


“Os palitos (...) serviram mesmo de título para um folheto intitulado Palito Métrico, publicado em 1746. Trata-se de um texto irónico sobre os costumes universitários, produzido por António Duarte Ferrão, pseudónimo de João da Silva Rebelo (1710-1790), que teve muitas outras edições e acrescentos. 

É uma colectânea de poemas, cartas e recomendações escritas em latim macarrónico, cujo título completo é: Palito Métrico, lavrado no Lorvão da Pachorra com a Ferramenta da Cachimónia embrulhado no titulo de Calouriada e oferecido aos Regalões do Parnaso no Esquipático Pires de um Poema Mestiço, por António Duarte Ferrão, Oficial de Estudante na Universidade de Coimbra. 

Descodificando o título: métrico, na poética, implica uma estrutura em verso, pelo que se infere que cada verso foi laboriosamente tratado à mão como um palito, utilizando a ferramenta (canivete) da pachorra, isto é, muita paciência, embrulhado no título de calouriada, ou seja, inspirado na vida dos caloiros (estudantes universitários do primeiro ano), e oferecido aos Regalões do Parnaso, isto é, aos que se regalam com Parnaso, sendo este termo alusão ao Monte Parnaso que, na mitologia grega, era residência do deus Apoio e das musas, e que passou a designar a poesia em geral, bem como o conjunto dos poetas. "

In Na Espuma do Outro Lado do Tempo, tomo I, J. Alveirinho Dias, ed de autor, ebook, 2025

“Em 1746 foi editado em Coimbra um folheto de 14 páginas intitulado Palito Métrico, o qual contava, em versos humorísticos, as desventuras de um novato (caloiro) que veio do país longínquo até Coimbra, para fazer matrícula e exame de entrada na Universidade. 

Para além de mil peripécias que lhe aconteceram pelo caminho – nas quais perdeu o macho, o farnel e o criado – mal chegou a Coimbra, o desgraçado caiu nas mãos dum grupo de veteranos que o fizeram passar tratos tais que o moço se viu obrigado a regressar à terra, chumbado e sem ter conseguido entrar para a Universidade. 

Mas como ao chegar a casa foi recebido em festa, não teve coragem de contar o sucedido e fez-se passar por doutor; até que, descoberto o embuste, o pai lhe passou um atesto de pancada em cima do lombo e o mandou guardar cabras.

Desta obra-prima se publicaram pelo menos 11 edições ao longo de 200 anos, sob designações diversas, sendo a mais comum Palito Métrico e Correlativa Macarrónea Latino-Portuguesa, abreviadamente, Palito Métrico.

 Blogue Penedo da Saudade, set 2011

“O "Palito Métrico" está inserido numa obra mais vasta denominada "Macarronea Latino-Portugueza" que, além do "Palito", contém outras obras de diversos autores, todas escritas em latim macarrónico - umas em prosa, outras em verso.

Teve inúmeras edições e funcionou durante largas décadas como breviário das praxes académicas de Coimbra. 

O título, aliás, baseia-se numa praxe antiga que obrigava os caloiros a medirem determinada distância com um palito…É, assim, o antecessor do Código da Praxe de Coimbra.

 Blogue Notas e Melodias, Julho 2008