14 agosto, 2025

O culto de Nossa Senhora dos Remédios em Penacova, em Portugal e no Mundo


O culto de Nossa Senhora dos Remédios é muito antigo. Sendo originário de França, foi introduzido na Península Ibérica nos séculos XII-XIII, tendo ainda hoje uma presença marcante.  Nossa Senhora dos Remédios, invocação que, na sua origem não tinha o sentido de “medicamento”, ou a relação com doenças propriamente ditas (como Nossa Senhora da Saúde) mas Senhora dos Remédios, como Mediadora (Re-mediadora) no sentido de que a Mãe de Deus, estando entre Deus e os Homens, é autêntica mediadora entre o Céu e a Terra. Este sentido de “meio / remédio” pode encontrar-se ainda hoje nas expressões “não tenho outro remédio”, isto é, não tenho outro meio, ou noutra como “é uma pessoa remediada”, isto é, que tem meios de subsistência. Esse sentido de "remédio" estará mais presente, por exemplo, nos festejos que se realizam em Rio de Moinhos. Penafiel, em honra do "Senhor dos Remédios".

Estudiosa desta temática, Ana Santiago Faria (a quem agradecemos a partilha de muita documentação sobre o assunto) fez também um levantamento do concelho de Penacova, assinalando seis localidades onde Nossa Senhora dos Remédios está presente, seja através de antigas imagens, seja da realização de festas em sua honra.

Começaremos por Travanca do Mondego, que amanhã tem a sua festa anual, precisamente, em honra de Nossa Senhora dos Remédios. A Drª Ana Faria, defende que o retábulo é do séc. XVII/XVIII e a imagem, do séc. XVI, portanto muito antiga. Muito antiga é também a festa que aqui tem lugar no dia 15 de Agosto. 

Outro aspecto, talvez menos conhecido, é sublinhado por esta historiadora, há muitos anos radicada no nosso concelho. É o caso do Montalto de Penacova, que quase ninguém associa a Nossa Senhora dos Remédios. No entanto, é um facto que a imagem mais antiga (não a actual que é do séc. XX) tida como sendo do séc. XV /XVI. De pedra de Ançã, a Senhora está a sorrir e o Menino brinca com o pé. A capela tem igualmente na sua origem, a invocação de Nª Srª dos Remédios.

Continuando a percorrer o concelho, temos Contenças (Sazes) com a Capela, o Nicho, à entrada da aldeia, com imagem de N. S. dos Remédios e algumas fontes com a mesma invocação. De referir também Lufreu, cuja festa tem lugar no 1º Domingo de Setembro, sendo neste ano de 2025 de 5 a 7 do próximo mês.

Em Lorvão, a antiga imagem de Nossa Senhora dos Remédios, que chegou a ter lugar de destaque nos altares, “perdeu a identidade”, conforme reparo de Ana Faria, na medida em que actualmente está “legendada” como “Virgem e o Menino”.

E..por fim, o caso de S. Mamede, que em 2005 ainda tinha pintada na base a inscrição de Nª Sª dos Remédios, mas  acabou por mudar de nome para “Senhora dos Bons Caminhos”…

Pelo país fora, temos por estes dias, aqui na região centro, os festejos de Nª  Sª dos Remédios no Bom Sucesso, Figueira da Foz. Mas refiram-se mais locais, de Portugal e de Espanha onde existem igrejas e capelas dedicadas à Senhora dos Remédios. Em Portugal: Castro Verde (igreja), Fontelo-Viseu (capela), Sanfins Valença, Castelo Mendo (igreja), Torre de Moncorvo (capela), Herdade do Esporão (capela), Alcaria Ruiva-Mértola (igreja), Lamego (santuário), entre muitos outros locais; em Espanha, a lista é igualmente extensa. Refiram-se, Zamora (capela), Duenas-Palência (capela), Valência de Alcântara ...

A iconografia de Nossa Senhora dos Remédios é muito variável, mas dum modo geral a Senhora é Coroada (porque é Rainha), segura um Ceptro, é envolta por Anjos, tem o Menino no braço esquerdo (raramente do direito) e este segura um Globo / Mundo (não fosse Ele o Senhor do Mundo)…

Variável é também a data da Festa. Maioritariamente realiza-se a 8 de Setembro, seguindo-se o dia 15 de Agosto. No entanto, os festejos acontecem um pouco ao longo de todo o ano.

O culto de Nª Sª dos Remédios alargou-se a muitas partes do mundo, levado principalmente pelos portugueses, a partir da época dos Descobrimentos: Madeira, Açores, Ceuta, Canárias…Macau, Timor, Brasil… Por todo o Mundo há ainda hoje, inúmeros santuários onde se cultua esta invocação, com uma grande expressão popular, movimentando muitos milhares de pessoas nas suas romarias e festas.

A Senhora dos Remédios a partir do sec. XVII, entra em declínio, embora ainda surjam bastantes imagens com esta invocação no sec. XVIII e mesmo locais de culto (Capelas, Igrejas, ...). Mas por outro lado, nos finais do sec. XVII, ela começa a ser substituída pela Senhora da Conceição (1).

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(1) Um documento em que numa substituição de pároco, o Rei D. João IV, que não apenas reconquistou o trono de Portugal, após a aquele período que todos nós conhecemos de concretização da União Ibérica, com os FiIipes... aliou-se com a França e entalou a Espanha, mas necessitava do apoio e do aval do cristianíssimo Vaticano: para isso “hipotecou” o País à Senhora da Conceição, que entronizou como Rainha em Vila Viçosa, como toda a gente sabe. Mas não contente com isso, usou da “força régia” para a impôr como culto no país. E assim, todas as Igrejas e Capelas da Padroado Real, foram tendo que colocar a Senhora da Conceição e retirar as outras Senhoras que até aí eram cultuadas nesses locais. Foi o que aconteceu com a “minha” Senhora dos Remédios: nesse documento o rei diz explicitamente, que só coloca novo pároco, se os fiéis retirarem a imagem da Senhora dos Remédios e puserem no altar-mór a Senhora da Conceição. E aqui está uma das razões, porque a Sra dos Remédios desaparece, refugia-se na Sacristia3, ou nos altares laterais.... também muda de nome, muitas vezes, por outras razões.... etc... para além do desgaste do tempo e da moda!... porque os Santos e as invocações também têm modas! - salienta Ana Santiago Faria.


 




 



12 agosto, 2025

O "Palito Métrico", lavrado no Lorvão da Pachorra...


“Os palitos (...) serviram mesmo de título para um folheto intitulado Palito Métrico, publicado em 1746. Trata-se de um texto irónico sobre os costumes universitários, produzido por António Duarte Ferrão, pseudónimo de João da Silva Rebelo (1710-1790), que teve muitas outras edições e acrescentos. 

É uma colectânea de poemas, cartas e recomendações escritas em latim macarrónico, cujo título completo é: Palito Métrico, lavrado no Lorvão da Pachorra com a Ferramenta da Cachimónia embrulhado no titulo de Calouriada e oferecido aos Regalões do Parnaso no Esquipático Pires de um Poema Mestiço, por António Duarte Ferrão, Oficial de Estudante na Universidade de Coimbra. 

Descodificando o título: métrico, na poética, implica uma estrutura em verso, pelo que se infere que cada verso foi laboriosamente tratado à mão como um palito, utilizando a ferramenta (canivete) da pachorra, isto é, muita paciência, embrulhado no título de calouriada, ou seja, inspirado na vida dos caloiros (estudantes universitários do primeiro ano), e oferecido aos Regalões do Parnaso, isto é, aos que se regalam com Parnaso, sendo este termo alusão ao Monte Parnaso que, na mitologia grega, era residência do deus Apoio e das musas, e que passou a designar a poesia em geral, bem como o conjunto dos poetas. "

In Na Espuma do Outro Lado do Tempo, tomo I, J. Alveirinho Dias, ed de autor, ebook, 2025

“Em 1746 foi editado em Coimbra um folheto de 14 páginas intitulado Palito Métrico, o qual contava, em versos humorísticos, as desventuras de um novato (caloiro) que veio do país longínquo até Coimbra, para fazer matrícula e exame de entrada na Universidade. 

Para além de mil peripécias que lhe aconteceram pelo caminho – nas quais perdeu o macho, o farnel e o criado – mal chegou a Coimbra, o desgraçado caiu nas mãos dum grupo de veteranos que o fizeram passar tratos tais que o moço se viu obrigado a regressar à terra, chumbado e sem ter conseguido entrar para a Universidade. 

Mas como ao chegar a casa foi recebido em festa, não teve coragem de contar o sucedido e fez-se passar por doutor; até que, descoberto o embuste, o pai lhe passou um atesto de pancada em cima do lombo e o mandou guardar cabras.

Desta obra-prima se publicaram pelo menos 11 edições ao longo de 200 anos, sob designações diversas, sendo a mais comum Palito Métrico e Correlativa Macarrónea Latino-Portuguesa, abreviadamente, Palito Métrico.

 Blogue Penedo da Saudade, set 2011

“O "Palito Métrico" está inserido numa obra mais vasta denominada "Macarronea Latino-Portugueza" que, além do "Palito", contém outras obras de diversos autores, todas escritas em latim macarrónico - umas em prosa, outras em verso.

Teve inúmeras edições e funcionou durante largas décadas como breviário das praxes académicas de Coimbra. 

O título, aliás, baseia-se numa praxe antiga que obrigava os caloiros a medirem determinada distância com um palito…É, assim, o antecessor do Código da Praxe de Coimbra.

 Blogue Notas e Melodias, Julho 2008


08 agosto, 2025

Crónicas do Avô Luís (2): O que saber sobre as Crianças



O que saber sobre as Crianças

A nossa crónica de hoje incide sobre uma temática importante, que aqui tento desenvolver de Avô, para Avós; mas é mais abrangente do que isso.

Incide sobre a realidade do nosso País e sobre as crianças que cá estão, uma vez que entendo ser esse o nosso interesse maior.

Dos horrores que se praticam a todos os momentos no mundo, falaremos noutra ocasião, embora os abominemos.

É muito importante conhecer (e isso hoje em dia é simples, com recurso a aplicações disponíveis no telemóvel) o que diz a Constituição da República Portuguesa, no seu art. 69 e 74; A Convenção sobre os Direitos da Criança, adoptado pela ONU; A Carta dos Direitos Fundamentais da Europa, art. 24; Lei n. 147/99, sobre a Proteção de Crianças e Jovens em perigo; e os Códigos Civil, de Processo Civil, bem como Legais com efeito Penal e de Processo Penal, nas partes aplicáveis.

Antes do nascimento, o nascituro (designação legal dada ao feto antes do parto) já tem direitos.

O direito à vida que coloca em confronto a nossa sociedade, quando se discute a questão do aborto -porquê e com que limites e onde- hoje praticamente resolvida com a adopção razoável da convivência dos direitos da criança com os direitos da mulher, embora com subsistência de “guerrilhas extremistas” que são conhecidos.

Quando nascidas, integram a existência da criança os direitos civis que resolvem, através da atribuição das responsabilidades parentais, questões como: viver onde e com quem? em que condições; receber quanto a título da designada “pensão de alimentos”; estudar onde; ter acesso a que tipo de saúde.

São designados por direitos que “defendem os superiores interesses das crianças” e têm seguimento próximo - e bem - do nosso Ministério Público.

Aliás,

É importante dizer que os direitos acima subsistem até à maioridade, mas após isso, mediante a observância de sucesso escolar, eles perduram até ao fim da escolaridade superior.

O beneficiário, neste caso, tem de interpôr uma ação judicial contra os próprios pais ou o que não ajude nessa missão, que hoje é civilizacional!

Entrando nas questões da escolaridade, a criança/adolescente, está protegida, hipoteticamente, desde bebé.

Digo hipoteticamente porque todos sabemos que isso “está em equação no papel” (creches gratuitas para todos, por exemplo) mas não se constitui como realidade em muitas partes do nosso País.

Todavia,

A Constituição da República Portuguesa adoptou o direito ao ensino e à igualdade de todos às mesmas oportunidades no seu art. 74!

Beneficiar de bom tratamento (tanto do ponto de vista da alimentação, como da saúde, como da educação) - que têm correspectividade cível - abrange, ainda, a não prática de bons tratos, porque os maus tratos, têm observância punível criminalmente.

Finalmente - o que muitos de nós não saberemos - a nossa Lei da Família, digamos assim, confere direitos aos Avós, por entender que essa “Instituição” deve beneficiar do convívio com os netos e esses têm o direito de conviver com os Avós.

Direitos são Direitos!

De facto,

Esses direitos (direito de visita e comunicação e direito à manutenção da relação familiar, através do convívio) estão estabelecidos no art. 1.878, do CC!

Um parêntesis para realçar que tudo isto se eleva em proteção e em responsabilização quando tratamos de crianças e jovens com deficiências e / ou doenças incapacitantes.

Do que acima vos transmito, com muita lealdade e sem querer entrar em polémicas - que, para o caso, são desnecessárias - surge, de imediato, uma pergunta:

- Se assim é, se o nosso quadro normativo é tão completo, qual o motivo pelo qual tantas crianças e jovens não têm apoio nenhum e chegam mesmo a morrer sem ninguém ser penalizado?

A resposta é simples e está ligada ao facto de a nossa Sociedade se encontrar num estádio de degradação grande, inclusive, muito tristemente, ao nível dos poderes públicos e dos que estão ligados a esta temática, que andaram tempo de mais direcionados para “negociatas”, “discussões estéreis” e “aproveitamentos indevidos” de incompetentes …

… Mesmo muito, muito grande!

Luís Pais Amante

Casa Azul