12 agosto, 2025

O "Palito Métrico", lavrado no Lorvão da Pachorra...


“Os palitos (...) serviram mesmo de título para um folheto intitulado Palito Métrico, publicado em 1746. Trata-se de um texto irónico sobre os costumes universitários, produzido por António Duarte Ferrão, pseudónimo de João da Silva Rebelo (1710-1790), que teve muitas outras edições e acrescentos. 

É uma colectânea de poemas, cartas e recomendações escritas em latim macarrónico, cujo título completo é: Palito Métrico, lavrado no Lorvão da Pachorra com a Ferramenta da Cachimónia embrulhado no titulo de Calouriada e oferecido aos Regalões do Parnaso no Esquipático Pires de um Poema Mestiço, por António Duarte Ferrão, Oficial de Estudante na Universidade de Coimbra. 

Descodificando o título: métrico, na poética, implica uma estrutura em verso, pelo que se infere que cada verso foi laboriosamente tratado à mão como um palito, utilizando a ferramenta (canivete) da pachorra, isto é, muita paciência, embrulhado no título de calouriada, ou seja, inspirado na vida dos caloiros (estudantes universitários do primeiro ano), e oferecido aos Regalões do Parnaso, isto é, aos que se regalam com Parnaso, sendo este termo alusão ao Monte Parnaso que, na mitologia grega, era residência do deus Apoio e das musas, e que passou a designar a poesia em geral, bem como o conjunto dos poetas. "

In Na Espuma do Outro Lado do Tempo, tomo I, J. Alveirinho Dias, ed de autor, ebook, 2025

“Em 1746 foi editado em Coimbra um folheto de 14 páginas intitulado Palito Métrico, o qual contava, em versos humorísticos, as desventuras de um novato (caloiro) que veio do país longínquo até Coimbra, para fazer matrícula e exame de entrada na Universidade. 

Para além de mil peripécias que lhe aconteceram pelo caminho – nas quais perdeu o macho, o farnel e o criado – mal chegou a Coimbra, o desgraçado caiu nas mãos dum grupo de veteranos que o fizeram passar tratos tais que o moço se viu obrigado a regressar à terra, chumbado e sem ter conseguido entrar para a Universidade. 

Mas como ao chegar a casa foi recebido em festa, não teve coragem de contar o sucedido e fez-se passar por doutor; até que, descoberto o embuste, o pai lhe passou um atesto de pancada em cima do lombo e o mandou guardar cabras.

Desta obra-prima se publicaram pelo menos 11 edições ao longo de 200 anos, sob designações diversas, sendo a mais comum Palito Métrico e Correlativa Macarrónea Latino-Portuguesa, abreviadamente, Palito Métrico.

 Blogue Penedo da Saudade, set 2011

“O "Palito Métrico" está inserido numa obra mais vasta denominada "Macarronea Latino-Portugueza" que, além do "Palito", contém outras obras de diversos autores, todas escritas em latim macarrónico - umas em prosa, outras em verso.

Teve inúmeras edições e funcionou durante largas décadas como breviário das praxes académicas de Coimbra. 

O título, aliás, baseia-se numa praxe antiga que obrigava os caloiros a medirem determinada distância com um palito…É, assim, o antecessor do Código da Praxe de Coimbra.

 Blogue Notas e Melodias, Julho 2008


08 agosto, 2025

Crónicas do Avô Luís (2): O que saber sobre as Crianças



O que saber sobre as Crianças

A nossa crónica de hoje incide sobre uma temática importante, que aqui tento desenvolver de Avô, para Avós; mas é mais abrangente do que isso.

Incide sobre a realidade do nosso País e sobre as crianças que cá estão, uma vez que entendo ser esse o nosso interesse maior.

Dos horrores que se praticam a todos os momentos no mundo, falaremos noutra ocasião, embora os abominemos.

É muito importante conhecer (e isso hoje em dia é simples, com recurso a aplicações disponíveis no telemóvel) o que diz a Constituição da República Portuguesa, no seu art. 69 e 74; A Convenção sobre os Direitos da Criança, adoptado pela ONU; A Carta dos Direitos Fundamentais da Europa, art. 24; Lei n. 147/99, sobre a Proteção de Crianças e Jovens em perigo; e os Códigos Civil, de Processo Civil, bem como Legais com efeito Penal e de Processo Penal, nas partes aplicáveis.

Antes do nascimento, o nascituro (designação legal dada ao feto antes do parto) já tem direitos.

O direito à vida que coloca em confronto a nossa sociedade, quando se discute a questão do aborto -porquê e com que limites e onde- hoje praticamente resolvida com a adopção razoável da convivência dos direitos da criança com os direitos da mulher, embora com subsistência de “guerrilhas extremistas” que são conhecidos.

Quando nascidas, integram a existência da criança os direitos civis que resolvem, através da atribuição das responsabilidades parentais, questões como: viver onde e com quem? em que condições; receber quanto a título da designada “pensão de alimentos”; estudar onde; ter acesso a que tipo de saúde.

São designados por direitos que “defendem os superiores interesses das crianças” e têm seguimento próximo - e bem - do nosso Ministério Público.

Aliás,

É importante dizer que os direitos acima subsistem até à maioridade, mas após isso, mediante a observância de sucesso escolar, eles perduram até ao fim da escolaridade superior.

O beneficiário, neste caso, tem de interpôr uma ação judicial contra os próprios pais ou o que não ajude nessa missão, que hoje é civilizacional!

Entrando nas questões da escolaridade, a criança/adolescente, está protegida, hipoteticamente, desde bebé.

Digo hipoteticamente porque todos sabemos que isso “está em equação no papel” (creches gratuitas para todos, por exemplo) mas não se constitui como realidade em muitas partes do nosso País.

Todavia,

A Constituição da República Portuguesa adoptou o direito ao ensino e à igualdade de todos às mesmas oportunidades no seu art. 74!

Beneficiar de bom tratamento (tanto do ponto de vista da alimentação, como da saúde, como da educação) - que têm correspectividade cível - abrange, ainda, a não prática de bons tratos, porque os maus tratos, têm observância punível criminalmente.

Finalmente - o que muitos de nós não saberemos - a nossa Lei da Família, digamos assim, confere direitos aos Avós, por entender que essa “Instituição” deve beneficiar do convívio com os netos e esses têm o direito de conviver com os Avós.

Direitos são Direitos!

De facto,

Esses direitos (direito de visita e comunicação e direito à manutenção da relação familiar, através do convívio) estão estabelecidos no art. 1.878, do CC!

Um parêntesis para realçar que tudo isto se eleva em proteção e em responsabilização quando tratamos de crianças e jovens com deficiências e / ou doenças incapacitantes.

Do que acima vos transmito, com muita lealdade e sem querer entrar em polémicas - que, para o caso, são desnecessárias - surge, de imediato, uma pergunta:

- Se assim é, se o nosso quadro normativo é tão completo, qual o motivo pelo qual tantas crianças e jovens não têm apoio nenhum e chegam mesmo a morrer sem ninguém ser penalizado?

A resposta é simples e está ligada ao facto de a nossa Sociedade se encontrar num estádio de degradação grande, inclusive, muito tristemente, ao nível dos poderes públicos e dos que estão ligados a esta temática, que andaram tempo de mais direcionados para “negociatas”, “discussões estéreis” e “aproveitamentos indevidos” de incompetentes …

… Mesmo muito, muito grande!

Luís Pais Amante

Casa Azul

06 agosto, 2025

Alexandre Herculano nos Discursos de Alves Mendes

A trasladação dos restos mortais de Alexandre Herculano, do jazigo da Família Gorjão, em Santa Iria da Azóia, para a Sala do Capítulo no Mosteiro dos Jerónimos, ocorreu em 1888. O autor do discurso central das cerimónias foi Alves Mendes, esse ilustre penacovense, essa figura proeminente da Oratória Sagrada. 

O Discurso, intitulado “Herculano”, proferido no Templo de Belém, em 28 de Junho de 1888, encontra-se publicado. Aqui fica um excerto dessa intervenção que, na nossa opinião, revela o alto nível cultural de Alves Mendes. Vale a pena ler…


(…) A Historia é uma ressurreição; fazer história é refazer a vida. Eis a máxima grandeza de Herculano: ele exumou do cemitério dos séculos, recomposta, rediviva, palpitante, a origem e formação do seu país. 

Parece que o poder dum só homem, por hercúleo que ele fosse, jamais chegaria a tanto. Pois chegou o poder de Herculano. Desamparado de governos, desamparado de incentivos, desamparado de meios, pobre trabalhador plebeu! À custa do próprio esforço, sozinho, levantou monumentalmente, irreversivelmente a sua obra: deu-lhe traça e carreou-lhe pedra e cimento. Foi tudo! Cabeça e braço, arquitecto e operário, olho perspícuo investigando os factos e pulso amestrado ferindo a luz. Foi tudo, fez tudo! 

Só um prodígio de talento e um prodígio de vontade vingariam tamanha empresa; e Herculano era esse prodígio. Herculano era o critério e a tenacidade em pessoa: era o génio histórico, o senso histórico feito homem.

Da história deve estar ausente a paixão, porque a história é um processo sereno; e à história deve estar presente a filosofia, porque a história é uma ciência. Sobre a onda dos acontecimentos chamada vida dum povo, corre o vento das ideias chamado espírito dum século. O historiador tem a julgar aqueles com a imparcialidade de juiz e tem a ponderar estas com a sagacidade de filósofo. Fez tudo isso e foi tudo isso Herculano: foi, como os grandes historiadores antigos, inflexo juiz, e foi, principalmente, como os grandes historiadores modernos, profundo filósofo.

Juntou à história, que é uma ciência experimental, uma ciência de factos, a filosofia, que é uma ciência de leis, uma ciência de princípios; à história, que é o fenómeno, a filosofia que é a razão do fenómeno; à história, que é a realidade, a filosofia, que é o ideal; à historia, que é a existência na corrente da sua transformação contínua, a filosofia, que é o pensamento na fulgurância da sua perene luz. Opulentou-se, enfim, com uma das maiores conquistas deste século, a Filosofia da História; e dotou a sua gente, dignificou a sua gente com uma das maiores obras portuguesas, com uma obra crítica, com uma obra-prima no seu género e, no seu influxo, só comparável aos Lusíadas: a História de Portugal.

Quando a justiça de Deus põe a pena na deste rei da poesia, da literatura e da história, este potentado que dominava com autoridade absoluta as mais vastas e mais formosas províncias do saber, depõe um dia a sua pena de ouro, o seu ceptro de diamante, e troca abruptamente o império das letras pelo cultivo dos campos! 

Fique a tremenda culpa a quem toca.  Fique, e seja ela implacavelmente castigada, justiçada nesse supremo tribunal humano que tem nome de Posteridade. É certo que a grande perda nacional, o grande luto nacional devem assinar-se desde essa hora sinistra, negra, em que a moderna geração portuguesa assim ficou orfanada do seu mentor e do seu mestre. (...)

Alves Mendes, Discursos (inéditos e dispersos) 1886-1888, A. M. Pereira, 1889