26 novembro, 2024

Notas breves para a história do Hospital da Misericórdia (I)

Em cima: construção original de inícios dos anos trinta; 
em baixo: após remodelação em 1961

A ideia de se construir um hospital em Penacova remonta aos inícios do século XX. Em 1901, respondendo a um repto do Jornal de Penacova, a comunidade emigrante  penacovense radicada na região de Campinas (Brasil), liderada por Álvaro Leitão, de Vila Nova, lançou uma campanha no sentido de angariar fundos para esse fim. No ano seguinte, no Pará, Abel Pinto Guedes lançou uma subscrição junto dos compatriotas emigrados. A imprensa da época refere ainda o apoio de António Pita e a oferta de um terreno por um anónimo. Para suporte institucional dessa obra havia Artur Leitão criado a Irmandade de Nossa Senhora da Guia, que para além da sua função religiosa, tinha como fim a criação e manutenção de um hospital. Falecido prematuramente não foi possível obter fundos e rendimentos suficientes. 

Cerca de quinze anos mais tarde, aquela aspiração volta ao de cima, com o legado de quinze contos feito por António Maria dos Santos (que também destinara, em testamento, uma verba para a Escola que se viria a chamar Escola Maria Máxima, em homenagem à sua mãe). Na mesma altura, Alípio Augusto dos Santos fez, igualmente,  um legado de dois mil escudos para uma futura unidade hospitalar.

Por volta de 1918 discute-se como aplicar aquelas verbas ao mesmo tempo que são feitos apelos à união da Câmara, das Juntas, das Irmandades, dos “Proprietários e Negociantes” no sentido de ser construído um edifício com alguma dimensão.

No entanto, só nos finais da década de vinte se começa a concretizar aquele propósito. Numa entrevista no Notícias de Penacova (1932) Luís Duarte Sereno, conta que verdadeiramente quem arrancou com as obras fora a Comissão Concelhia de Assistência, enquanto estava em organização a Misericórdia (1). De facto, a Irmandade de N. S. da Guia assume o estatuto de Misericórdia, tendo como Provedor Duarte Sereno. Contando também com a intervenção do Dr. Sales Guedes (2) o objectivo de criar o Hospital da Misericórdia vai ganhando forma. Conta-se que foi ele próprio que elaborou o projecto do edifício aproveitando as paredes da capela de Nª Sª da Guia, com excepção da frontaria. 

Aconteceu que, quando o edifício já estava bastante adiantada a construção, Bissaya Barreto foi convidado por Sales Guedes para visitar as obras, ficando segundo se consta, deveras “encantado” com o que via. Na sua mente germinava a ideia de construir na região centro uma casa para receber crianças pertencentes a famílias atingidas pela tuberculose. Passado pouco tempo a Junta Geral do Distrito a que presidia propõe à Misericórdia o seguinte: esta cederia à Junta Distrital o edifício em construção bem como o largo adjacente. Por sua vez, a Junta Distrital ficaria com o compromisso de apoiar a construção de um novo edifício hospitalar nas imediações e “subsidiar” o seu funcionamento. As obras contaram com o dinheiro do legado de António Maria dos Santos (15 000$00), bem como de outros legados, como o já referido de Alípio Santos e também de Manuel Lopes Serra (3 000$00) a que se juntaram 5 000$ de Evaristo Lopes Guimarães. Estas importâncias estavam na posse da Misericórdia de Coimbra e com a criação da Misericórdia em Penacova foram para esta transferidas.  

Em Janeiro de 1933 o Jornal de Penacova noticia a abertura para breve do Hospital (cuja construção havia sido "arrematada" por 71 000$00)  descrevendo o seu interior: enfermaria para mulheres com oito camas e um quarto de isolamento, outra sala idêntica para homens; sala de operações, dispensário, raios X, farmácia e laboratório; quartos particulares com casa de banho privativa, balneários públicos e alojamento para o pessoal. 

Para sustentar o funcionamento do hospital, a Misericórdia contava com: - apoio da Junta Geral do Distrito, nos termos acordados; - um subsídio anual de 10 000$00 da Câmara Municipal ; - Juntas de Freguesia, 3 000$00 destinados ao dispensário; 
- "parcos" rendimentos próprios da Misericórdia.

Poucos anos mais tarde, escreve o Dr. José Albino Ferreira: “O Castelo que fora de grande poder defensivo contra os Mouros e a capela de N. S. da Guia bom farol para os navegantes, deram lugar a novas fortalezas contra as doenças, especialmente a tuberculose”.

Em 1961 o Hospital, que se tornara exíguo e inadaptado às exigências da moderna cirurgia, teve obras de restauro e remodelação (sob alçada do empreiteiro Alípio Pereira, da Cheira) que foram solenemente inauguradas em 17 de Setembro. Nesta data foi também descerrada a lápide que deu o nome de Bissaya Barreto à rua em frente do Hospital e do Preventório.

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(1) A 2 de Fevereiro de 1928 reuniu a Irmandade de N. Sª da Guia para aprovar os estatutos que instituiriam a Misericórdia na vila de Penacova. Foram aprovados por unanimidade. Assinaram a acta o Juiz, Padre António Pinto e os seguintes Irmãos: Dr. Daniel Silva, Dr. Luís Duarte Sereno, Albino dos Santos Júnior, Joaquim Correia de Almeida Leitão, Joaquim Augusto de Moura Cabral e Gualter Pereira Viseu.

(2) Manuel Ferreira Sales Guedes foi Presidente da Câmara de Penacova de 5 de Novembro de 1936 até finais de 1937, sucedendo a José de Gouveia Leitão. Pertenceu à Mesa da Misericórdia, quando era Provedor o Dr. Luís Duarte Sereno. O seu mandato não foi mais longo porque entretanto saiu uma lei que proibia os Médicos Municipais, ou qualquer outro funcionário municipal, de ocupar a Presidência da Câmara. Sales Guedes era natural de Poiares (Régua).

David Almeida

Fonte: Patrimónios de Penacova – J. Leitão Couto e David Almeida, 2012








20 novembro, 2024

𝔻𝕒 𝕞𝕚𝕟𝕙𝕒 𝕛𝕒𝕟𝕖𝕝𝕒: o deslumbramento dos Telhados



O deslumbramento dos Telhados


Os Barcos Rabelos d’agora
E outros que giram borda fora
Passam a ponte junta à Alfândega
Subindo o Rio Douro
Já bem perto da Foz
A corrente fica forte
Quando passa na Ribeira
Outrora sem eira nem beira
Estará embriagada, talvez
Com o “éter” das marcas seculares

Que se viram pr’ali em sucessivos patamares

As gaivotas gritam bem alto
E querem passar o socalco
Dos Telhados desnivelados
Que se põem caprichados
Na beleza que nos apresentam
São milhões de milhões de telhas
Umas novas, outras já feitas velhas
Pela humidade a bailar
Trazida de perto do mar

Lá da Foz, agarrada a São Pedro da Afurada

É bonito o rodopio do Rio
Belo o ar tranquilo do casario
Encantadora a arquitectura com brio
Notável o entrosamento das Cidades
Apetecível o cheiro dos petiscos
Agradável o palato após provas
Inconfundível o casamento das casas
Tanto novas como velhas
Mas deslumbrante, mesmo são as telhas

Na sua função de dar cobertura à ação, em fusão

Dos negócios da modernidade
Envoltos na novidade calibrada
Que desponta a cada esquina
Muitos provocando o Norte da vaidade
São telhas de todos os tipos
Cobrem os telhados dos pobres e dos ricos
Telhas cerâmicas, telhas de betão, telhas de ardósia
Lisas, de capa e canal, romanas, de marselha e de encaixe
E a boa telha lusa-predominante-que ao olhar traz relaxe

Sobretudo quando, ao pôr do Sol, se reflectem no espelho d’água no Rio

Luís Pais Amante
A minha “vista” a partir do “The Yaetman Oporto Hotel”

17 novembro, 2024

Personalidades (7): Júlio dos Santos Ribeiro (1886-1974)


Júlio dos Santos Ribeiro, filho de João Bernardes Ribeiro, serralheiro, e de Balbina dos Santos, doméstica, naturais da freguesia de Travanca, nasceu no lugar da Portela no dia 4 de Julho de 1886.

Neto paterno de João Bernardes e Delfina dos Santos, e materno de José Alexandre e Ana dos Santos, foi baptizado na igreja paroquial de Travanca no dia 13 de Julho do referido ano, pelo Pároco “Encomendado” Bernardo José Maria da Fonseca.

Por ocasião da sua morte o jornal Notícias de Penacova (NP12 Jan 1974) escreveu que Júlio Ribeiro, “filho de gente pobre e humilde, cedo deixou a sua terra e partiu para terras do Brasil”.

Geralmente no mês de Agosto, por alturas da Festa de Nossa Senhora dos Remédios, por quem tinha grande devoção, vinha passar férias a Travanca.

Grande benemérito da freguesia, a ele se deve:

- o restauro interior e exterior da Igreja Paroquial, com douramento de todos os altares.
- o arranjo do adro, incluindo os muros de suporte.
- restauro da Capela de Nossa Senhora dos Remédios, igualmente com douramento do altar e aquisição de algumas novas imagens.
- arranjo do recinto desta capela
- a instalação do relógio na torre sineira da Igreja onde fora baptizado. A este propósito, refira-se que ainda hoje podemos ler na placa que se encontra na torre o seguinte:

“AO BENEMÉRITO JÚLIO DOS SANTOS RIBEIRO QUE OFERECEU A ESTA IGREJA O ACTUAL RELÓGIO / DEDICA A FREGUESIA ESTA LÁPIDE COMO DEMONSTRAÇÃO DE AGRADECIMENTO E AINDA COMO MEMÓRIA DE SUA ESPOSA D. RITA AMÁLIA RIBEIRO / 1-1-1954”

Também o autor da crónica do NP “Casos e Coisas”, que assinava “Manuel do Freixo”, na edição de 23 de Janeiro de 1954, enaltece e louva Júlio dos Santos Ribeiro. Sob o título “Vamos a Travanca” sublinha-se o relógio da torre instalado pelo Natal de 1953 e que terá custado 18 contos (18 000$00), incluíndo os trabalhos de assentamento.

Outros gestos de benemerência:

- donativo de 50 mil escudos para apoio à electrificação da freguesia.
- oferta de avultadas verbas para as pessoas mais necessitadas.

“Dos mais ricos aos mais pobres, dos mais velhos aos mais novos, lhe devem alguma coisa de importante”- salientava o jornal Notícias de Penacova aquando de uma das suas vindas a Portugal.

Quando em inícios de Agosto de 1958 foi inaugurada a Luz Eléctrica, o NP escreveu o seguinte:

Vem Sua Ex.ª, de propósito do Brasil a esta sua querida terra onde nasceu, foi baptizado e viveu até aos 14 anos, para assistir à inauguração da luz eléctrica e às festas de Nossa Senhora dos Remédios. […] Travanca agradece e louva os seus beneméritos sem os quais continuaria às escuras.”

O autor da crónica do NP “Casos e Coisas”, que assinava “Manuel do Freixo”, na edição de 23 de Janeiro de 1954, enaltece e louva Júlio dos Santos Ribeiro. Sob o título “Vamos a Travanca” sublinha-se a instalação pelo Natal de 1953, do relógio da torre, que terá custado 18 contos (18 000$00), incluindo os trabalhos de assentamento.

Júlio dos Santos Ribeiro faleceu no Brasil nos primeiros dias do ano de 1974.
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Observação:

Por falar em Júlio dos Santos Ribeiro e do seu decisivo apoio no restauro de bens da Igreja, refira-se o contributo financeiro de outro travanquense em relação à Capela de S. João (Covais) e à electrificação da freguesia. Serafim Ferreira de Almeida, radicado no Brasil há 40 anos, contribui com cerca de 40 mil escudos para a reparação daquela capela. Obras que também contaram com o apoio de João de Almeida Coimbra e de Alberto de Almeida Coimbra. Para a electrificação da paróquia Serafim Ferreira de Almeida contribuiu com 5 mil escudos.