05 setembro, 2024

𝐍𝐨𝐭𝐚𝐬 𝐡𝐢𝐬𝐭ó𝐫𝐢𝐜𝐚𝐬 𝐞 𝐞𝐭𝐧𝐨𝐠𝐫á𝐟𝐢𝐜𝐚𝐬 𝐬𝐨𝐛𝐫𝐞 𝐨 𝕄𝕠𝕟𝕥'𝔸𝕝𝕥𝕠 (2)


TEXTO DE NELSON CORREIA BORGES (1977)

O Mont'Alto avulta na paisagem, a norte da vila de Penacova, como formidável mole naturalmente defensável, ideal para a instalação de um castro em tempos proto-históricos, mas relegado para plano secundário devido ao alto valor estratégico do local onde depois se ergueu o castelo roqueiro, sobre o Mondego.

As ribeiras de Penacova e de Selga delimitam as suas vertentes escarpadas, onde trepam carreiros milenários que conduzem ao santuário, trilhados quase apenas pelos romeiros da Senhora. O acesso é, no entanto, também possível a carros, não sem algumas dificuldades, utilizando a estrada que conduz do Casal à Chã; a partir daí o caminho é florestal.

Cobre as encostas denso manto de pinheiros, eucaliptos e acácias, afogando a capelinha, ocultando-a às vistas das gentes da vila e roubando até, lá no cimo do monte, um dos maiores prazeres que se pode ter quando se lhe alcança o deliciar-se a gente com a dilatada paisagem circundante.

Poder-se-ia admirar, cá mais em baixo, o rio, a ponte, a vila, as várzeas e as povoações reclinadas nas encostas. Assim, restam-nos algumas frestas do Mondego, por entre as ramagens, umas quantas oliveiras no terreiro em volta da capela, um altaneiro cedro do Buçaco e uma figueira mirrada e, claro, a capelinha da Senhora do Mont'Alto.

A capelinha é um encanto, com aquela dignidade sóbria que só as ermidinhas portuguesas têm. A construção é seiscentista, muito simples. O corpo da capela tem um espaço interior de 8,13 x 4,75 m e a capela mór 3,3 x 3,03 m. A sacristia, pequena, encosta-se à ilharga esquerda da capela-mór. Rasgam-se na capela duas portas de verga curva, uma lateral e a outra axial, sob o alpendre, ladeado por duas janelas gradeadas, para espreitar o orago.

A obra não devia ter ficado um primor de segurança, pois toda a capela se encontra travejada e pos-teriormente foram feitos lateralmente à frente dois muros a servir de contrafortes. Enfim, construção modesta, feita pelo povo e onde os senhores e donatários da vila não deviam ter metido prego nem estopa.

Em toda a volta da capelinha e alpendre há um banco corrido, de pedra e cimento, para os romeiros se sentarem a saborear os seus farnéis. O alpendre que mais encanto dá à paisagem fica em frente da porta principal, definindo um espaço interior de 5,7 x 4,4 m. Tem seis colunas toscanas com 1,85 m de altura suportando o telhado de forma piramidal. Estas assentam por seu turno num pequeno muro com 0,8 m de altura.

Ontem como hoje, os visitantes continuam a comprazer-se em deixar o seu escrito pelos locais por onde passam, comportamento que, com mais ou menos vandalismo ou oportunidade, requer uma explicação psicológica que não está ao nosso alcance. Abundam aqui as inscrições nas colunas e nos muros. Cerca de 15.000 anos antes de Cristo já o homem pintava e imprimia a sua mão em grutas, como a de Cargas, nos Altos Pirinéus. Pois aqui viemos também encontrar no solo do alpendre três pares de mãos impressas no cimento enquanto fresco. «Nada de novo sob o sol».

Outras inscrições no mesmo local dão-nos conta de obras de conservação levadas a cabo em 1958 e 1964.

Correia Borges
NP 14/10/77



03 setembro, 2024

𝐍𝐨𝐭𝐚𝐬 𝐡𝐢𝐬𝐭ó𝐫𝐢𝐜𝐚𝐬 𝐞 𝐞𝐭𝐧𝐨𝐠𝐫á𝐟𝐢𝐜𝐚𝐬 𝐬𝐨𝐛𝐫𝐞 𝐨 𝕄𝕠𝕟𝕥'𝔸𝕝𝕥𝕠 (1)


É já no próximo dia 8 que se realiza a tradicional Romaria do Monte Alto. Republicamos hoje um precioso texto do nosso conterrâneo Professor Doutor Nelson Correia Borges publicado em 1977 no Notícias de Penacova:

A Senhora do Mont'Alto

O culto à Senhora do Mont'Alto vem de muito longe no tempo. No exterior da capela, porém, nada nos autoriza a recuar além do séc. XVIII. Lembremos que em 1780 se faziam em Lorvão as varandas do claustro, cujas colunas podem muito bem ter servido de modelo às do alpendre da capela. Mas no interior há elementos mais antigos.

Vejamos o que há ali digno de atenção. Anotaremos primeiramente a pia da água benta, de calcário, bem lavrada, em forma de concha. O corpo da capela é separado da capela-mor por um arco triunfal de volta inteira, sem interesse. Na capela-mor se encontra um retábulo singelo, albergando a imagem da padroeira. Compõe-se de duas colunas marmoreadas, de capitéis compósitos, sustentando um entablamento simples sobre que se erguem duas volutas e, ao centro, uma glória solar com quatro cabeças aladas de anjos. Lateralmente há duas edículas com remate rococó; numa delas um pequeno Ecce Homo. Tudo finais do séc. XVIII.

A imagem da Senhora tem de altura 70 cm. Trata-se de uma escultura de madeira, regular, dos começos do barroco. A peanha é formada por três querubins alados que afloram sob as pregas do vestido. Envolve-se a imagem em largo manto do pregas esvoaçantes e sustém nos braços o Menino. O rito dos panejamentos é sublinhado pela posição do Menino que se inclina à direita. O rosto da Senhora ó bem modelado, emoldurado por farta cabeleira apartada ao meio e caindo aos lados em caracóis. Em suma, uma imagem da Virgem na verdade acolhedora, apesar do seu reduzido tamanho, pelo encanto do seu sorriso o pelo Menino que abre os braços para os romeiros.

O altar assenta sobre uma base de arenito, vendo-se também no chão algumas pedras de calcário, bem aparelhadas, que bem poderiam ter pertencido a outra capela mais antiga. Aliás o vestígio mais antigo que ali encontrámos foi um azulejo sevilhano de cresta, do lado esquerdo do altar, que bem poderá ser do séc. XV ou XVI.

No lado direito, encontra-se também no chão o que resta de uma inscrição sepulcral, em tijolo, que ostenta a seguinte legenda:

PECADOR
DE MT EAL
EIS DEIA 663

É evidente que se trata de um fragmento da inscrição. Talvez a segunda linha possa ler-se DE M (ON) T (E R) EAL; o resto é impossível. Tem, porém, um elemento importante: a data de 1663, ano em que teria falecido a pessoa que ali foi sepultada, que atesta a existência do santuário naquela época.

Em 1721 a Academia Real da História pediu informações de todas as paróquias para a diocese de Coimbra, para servirem de base a uma história eclesiástica. O Cabido da Sé de Coimbra enviou aos respectivos párocos os questionários em Abril desse ano. Por motivos que se desconhecem o original das informações ficou em Coimbra, seguindo apenas para Lisboa um apanhado. Isto foi uma sorte porque os elementos enviados para a capital perderam-se no terramoto de 1755 e os originais permanecem a bom recato no Arquivo da Universidade de Coimbra.

As informações relativas à freguesia de Penacova têm data de 18 de Maio de 1721 e foram fornecidas pelo padre Simão de Moraes da Serra, À sua letra miúda e certinha, mas difícil, vamos buscar algumas informações sobre a Senhora do Mont'Alto, ainda inéditas.

Ao tempo o único habitante do Mont'Alto era um eremitão que, no dizer do P. Simão de Moraes assistia a Nossa Senhora.

Que o culto vinha já de muito longe é-nos relatado através de um uso, hoje perdido mas que bem merece ser anotado para o estudo da etnografia da região. Nesse tempo «os moradores de Vila de Botão, e os de S. João de Figueira» todos os anos vinham em procissão até à Senhora do Mont'Alto, em cumprimento do um «voto antiquíssimo», trazendo as suas ofertas em tabuleiros ou à cabeça de donzelas, «como tradição antiga».

A informação mais extraordinária, que aliás nos é dada sob curiosa forma dubidativa, é a que a seguir se transcrevo em leitura corrente, para maior comodidade:

«Ao pé deste Monte, contam os naturais, que nascem umas pedras redondas como seixos, as quais partidas se lhe acha dentro outra pedrinha do tamanho e redondeza de uma noz, que com pouca violência se desfaz em pó, e este aplicado à enfermidade da asma é singular remédio, e tanto que por singular, e único de muitas partes deste Reino são procuradas, e como se fossem milagrosas saram os asmáticos e ficam de todo livres».

Como se faria aplicação desse pó, não o diz o P. Simão. Ignoramos também se haverá alguém que tenha actualmente conhecimento destas pedras. Confessamos a nossa grande curiosidade sobre o assunto.

Para já, o que fica exposto é tudo quanto conseguimos indagar e observar sobre a Senhora do Mont'Alto. Se alguém puder dar mais alguma achega será óptimo para o estudo e divulgação deste santuário mariano de tantas tradições que o povo de Penacova deve proteger, valorizar e transformar num ponto de atracção do concelho, tal como em tempos idos.

Correia Borges

in jornal Notícias de Penacova de 23 /12 /1977