04 julho, 2024

Efemérides (1): 120º aniversário da morte de Alves Mendes


Falamos hoje, 4 de Julho, de Alves Mendes, passados que são 120 anos após a morte deste penacovense ilustre que, no nosso entender, a seguir a António José de Almeida, mais longe levou  o nome de Penacova.  

António Alves Mendes da Silva Ribeiro nasceu em Penacova no dia 19 de Outubro de 1838, filho de Joaquim Alves Ribeiro e Joaquina Mendes da Silva. Faleceu no Porto no dia 4 de Julho de 1904.

Em Coimbra frequentou o Liceu (1853 a 1858) e o Curso Superior do Seminário (1856 a 1858). Também nesta cidade cursou Teologia na Universidade (1859 a 1863), formando-se a 8 de Julho de 1863.

Em 17 de Novembro do referido ano foi nomeado Cónego da Sé do Porto. No Seminário Diocesano da Invicta foi professor durante doze anos, regendo a cadeira de Pastoral e Eloquência Sagrada.

“Do modo como ele aí ministrava o ensino há ainda saudosa memória em quantos foram seus discípulos” – escreveu Manuel M. Rodrigues na revista O Ocidente de 21 de Julho de1888. Também J. Alves das Neves (in Autores da Beira Serra) refere que os seus discursos, “românticos pelo verbalismo”, eram “clássicos pela correcção linguística”. Também Mendes dos Remédios reconheceu que Alves Mendes fora um “burilador de frases e um joalheiro de linguagem”.

Por ocasião da trasladação dos restos mortais de Alexandre Herculano para o Mosteiro dos Jerónimos (1888), que se encontravam no jazigo da família Gorjão, em Santa Iria da Azóia, o jornal Pontos nos ii, escreveu sobre Alves Mendes que “o verbo entusiástico do eloquentíssimo orador elevou-se correcto, artístico, literário, ora bramindo de vibrações metálicas, ora suspirando de maviosíssimos acordes, assombrando quantos o ouviram, petrificando quantos o escutavam, crentes e não crentes – os apóstolos da religião de Deus, como os apóstolos da religião do Belo!”

Era habitual ser Alves Mendes a fazer os grandes discursos nas comemorações anuais da Batalha do Buçaco. Conta-se que passou a ser tradição, no final daquelas cerimónias, montado na égua branca do “ti Joaquim Cabral Velho” e acompanhado pelo compadre José Craveiro, rumar a Penacova, onde no dia seguinte “abria as quatro sacadas da sua casa” para receber os seus conterrâneos e admiradores que lhe iam apresentar as boas-vindas. Igualmente, sempre que ia pregar ou participar em cerimónias no Algarve, no Alentejo ou em Lisboa, aproveitava para, na passagem, descansar uns dias na sua terra natal, onde vivia a irmã Altina. Eram frequentes as visitas aos “Ribeiros”, seus primos, que viviam na Chã, e, de passagem, aproveitava também para entrar na Capela do Monte Alto.

Desta “figura eminente das letras portuguesas”, deste “burilador de frases” e “joalheiro da linguagem”, para citar as palavras de Alexandrino Brochado, além dos sermões, outras obras se encontram publicadas: Itália. Elucidário do Viajante (1878); O Priorado da Cedofeita (1881); Os Meus Plágios (1883); Tomista ou Tolista? (1883); Um Quadrúpede à Desfilada (1884); D. Margarida Relvas (1888) e D. António Barroso: Bispo do Porto (1899). Colaborou em imensas revistas literárias: Anátema, Caridade, Nova Alvorada, Correspondência do Norte, Braga-Bom Jesus, Cáritas, A Federação Escolar, Sobre as Cinzas, Kermesse, A Máquina, Filantropia e Fraternidade, entre outras. De referir ainda as suas interessantes crónicas de juventude publicadas na imprensa regional. No jornal O Conimbricense (nº 575, 29 de Agosto de 1857) escreveu, quando estudante em Coimbra, um interessante folhetim com o título “Umas Férias em Penacova”.

O Cónego Alves Mendes foi Provedor da Irmandade das Almas, na Rua de Santa Catarina, no Porto, e pertenceu às Ordens da Trindade e do Carmo e às principais Irmandades daquela cidade.

Do Rei D. Carlos recebeu, em1902, a Mercê de Arcediago de Oliveira [do Douro]. Conta O Primeiro de Janeiro que, foi no final do Discurso no Mosteiro da Batalha que aquele monarca, ao endereçar-lhe felicitações, lhe comunicou também que o promovia, de Cónego da Sé Catedral do Porto, à dignidade de Arcediago da Sé portuense, com o título de “Arcediago de Oliveira”. Noticiou igualmente o Jornal de Penacova que na sua casa, na vila de Penacova, muitas pessoas o felicitaram por aquele reconhecimento. Na ocasião, também a Filarmónica Penacovense “executou, à sua porta e em casa, alguns trechos de música, surpresa que muito o penhorou e comoveu”.

Alves Mendes privou com Camilo Castelo Branco tendo, inclusivamente, desempenhado um papel decisivo no casamento tardio do escritor em 1888 e tendo mesmo sido testemunha oficial do acto.

De 1935 a 2001 foi Presidente Astral da Filial de Petropolis (Brasil) do Racionalismo Cristão. Daquela filial, onde se encontra a “Sala de Estudos Alves Mendes”, é também Patrono Espiritual (in racionalismocristao.org, acedido em 30/5/2011).

Morreu na Rua Alexandre Herculano, no Porto, onde residia, no dia 4 de Julho de 1904, sendo sepultado no cemitério do Prado do Repouso. No seu testamento deixou escrito que queria ter um funeral discreto, “sem o menor aparato fúnebre” que, conforme escreveu, “é uma vaidade miserável e vazia de sentido elevado e ponderoso.”

Escreveu o Primeiro de Janeiro, por ocasião da sua morte, que a fama de eminente orador se generalizara e radicara, podendo ser, com toda a razão, considerado como “uma das maiores ilustrações do púlpito português”.

O reconhecimento de Penacova consubstanciou-se, em1902, sendo Presidente da Câmara o Dr. Daniel da Silva, com a atribuição do seu nome a uma das principais ruas do centro histórico da vila: Rua do Arcediago Alves Mendes. 


02 julho, 2024

Notas para a história dos Bombeiros de Penacova (1): artigo de António Casimiro em 1928


Formalmente constituída em 1932, a Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Penacova começara a germinar alguns anos antes, tendo como principal mentor António Casimiro Guedes Pessoa. Este grande penacovense, já em 1928, testemunhava isso mesmo num seu artigo no "Jornal de Penacova". Na memória dos penacovenses estava a tragédia de Sernelha que vitimara 7 crianças e o mais recente incêndio na residência do Pároco, padre António Pinto. 

Escreveu António Casimiro: 

"A organização de uma “Corporação de Bombeiros” já de há muito se vinha impondo como necessidade máxima e urgente.

O fogo é um perigo terrível, uma ameaça pavorosa e uma desgraça tremenda. Há uma dúzia de anos em Sernelha, de aqui bem perto , na freguesia de Figueira, sete criancinhas ficaram carbonizadas nos escombros da casa em que dormiam. E quando não é casual, quando não é motivado por uma imprevidência, por um descuido, por um desastre ou por uma alucinação doentia, o fogo é a mais preversa e traiçoeira de todas as armas do crime.

O fogo queima e devora fortunas, vidas, alegrias, afectos e relíquias, não poupa altares nem ? Apaga vestígios e põe sempre um grito de angústia em todos os peitos.

Em frente do fogo não há inimigos e só dedicações se registam. Pode não suceder assim em toda a parte. Mas em Penacova, na nossa terra, é um facto comprovadíssimo.

Tomei a iniciativa de por mãoa à obra e logo de princípio tive a felicidade estimulante de encontrar decidido auxílio e franco apoio dos srs Drs daniel da Silva e José Albino Ferreira, ou seja, das Câmaras de suas presidências. Para o material de incêndios foram já destinados 5.200$00.

Recrutei, satisfeito, um punhado de rapazes valentes e creio ter organizado um grupo que não recuará em frente do perigo. Dezoito penacovenses de verdade, firmes e dedicados até ao sacrifício.

Já temos 12 capacetes; 6 cintos completos com espias, mosquetões e machadas; um depósito de zinco para 2000 litros de água e 6 baldes e 6 cântaros também de zinco.

Vão agora ser construídas as escadas indispensáveis e adquiridos os machados de bico,e , pouco a pouco, havemos de chegar ao fim cantando vitória. A generosidade particular ainda se não manifestouporque ainda não foi acordada; mas estou certo de que não demorará. O Dr. Sales Guedes e o novo e esperançoso Presidente da Câmara e Administração do Concelho, José de Gouveia Leitão, decerto me não voltam as costas na ocasião palpitante. Acaricio, pelo menos, esta convicção, e não devo estar enganado.

Uma coisa porém, nos é essencialmente necessária: a aquisição de uma NORTHERN BALLOT.

Apelo, por isso, para todos vós. Apelo para a vossa generosidade comprovada e para o vosso amor a este encantado torrãozinho que é a nossa terra.

Por meio de subscrição entre os vossos amigos, entre as melhores relações, creio estra conseguida a nossa aspiração dourada. Aí, por longe, estão amigos que aqui são nossos vizinhos- Daniel Martins Ferreira, Alípio de Sousa Ferreira, Henrique Novais, Francisco de Oliveira Casaca e tantos outros que à memória agora não me acodem – e que pelo seu trabalho honesto e inteligente conseguiram situação de conforto que hoje desfrutam. Ricos, riquíssimos de sentimentos e de amor pátrio, usufruem também a riqueza financeira que os tem habituado a rasgos magníficos de generosidade e caridade. Ide, meus amigos, também procurá-los, entregar-lhes o meu abraço de vivo afecto e contar-lhes da nossa aspiração. Por certo sereis bem recebidos e fidalgamente atendidos.

Vasco Viseu e Artur Rodrigues de Oliveira, vós que fazeis parte do nosso grupo de valentes, dizei a todos o nosso esforço heróico, combatendo e vencendo o fogo da noite de 17 para 18 de Agosto do ano passado em casa do nosso Reverendo Prior e amigo António Pinto.

António Casimiro Guedes Pessoa"
_________

SOBRE ANTÓNIO CASIMIRO ver AQUI o nosso artigo publicado no Penacova Actual

30 junho, 2024

“Aristas”: sabe quem criou esta designação tão característica de Penacova?

Recortes do JP 

Não é estranho a qualquer penacovense o termo “arista”. Igualmente para muitos dos que ao longo dos anos têm visitado Penacova esta palavra não é desconhecida. Poderíamos até falar de um “neologismo” se a designação não existisse, de todo, na língua portuguesa. Os dicionários (salvo a Infopédia da Porto Editora) contemplam-na, mas com um sentido que nada tem a ver com turismo.

O Dicionário Infopédia da Língua Portuguesa define “arista” como “pessoa que se desloca para determinado lugar a fim de se tonificar com ar puro”, que é, afinal, o mesmo sentido que se atribui em Penacova. Em todos os dicionários que consultámos o termo “arista” está relacionado com a botânica e também com a zoologia: “ponta filiforme de alguns órgãos vegetais”; o mesmo que aresta, pragana; “estrutura semelhante a uma cerda, existente na ponta das antenas dos animaís dípteros” ou ainda “peça óssea ou espinhosa do esqueleto de um peixe”.

Terá sido em Penacova que na década de 20 do século passado “nasceu” um significado muito diferente. O termo, mesmo por aqui, acabou por cair em desuso, até ao momento em que há poucos anos o Município recuperou a ideia, criando o “Roteiro do Arista”, selecionando oito locais de grande expressão turística, tantos quantas as letras que formam a palavra PENACOVA. Os visitantes são convidados a  a “apreciar cada um dos locais, e a desfrutar dos bons ares e da natureza, transformando-se assim em verdadeiros Aristas".

Sublinha o site da Càmara Municipal que “no início do século XX, Penacova era um local de eleição para aqueles que genericamente ficariam conhecidos como “aristas”. Pessoas que atraídas pela qualidade do ar que aqui se respirava, bem como pelas paisagens, permaneciam longas temporadas nesta vila.”

Quando se fala no início do séc. XX devemos ter em conta que foi só na primeira década que Penacova começou a ganhar alguma notoriedade nacional, principalmente pela mão de Emídio da Silva, Alfredo da Cunha e Simões de Castro, à volta da Sociedade de Propaganda de Portugal e do “Diário de Notícias”. Apenas nas décadas seguintes a presença dos tais “aristas” mais se fez sentir, prolongando-se até aos anos sessenta.

Mas voltemos à questão de saber como surgiu a designação de “arista”. Ora, no Jornal de Penacova, nº 1251, de 19 de Julho de 1930, podemos ler, sob o título “Penacova – Hotel” o seguinte: “Principiaram já a chegar os «aristas», vocábulo já velhote que deve vir de 1922 ou 1923. “Aristas” são os felizes mortais que vêm até nós provar a pureza magnífica dos nossos ares. Assim o decretou o famoso hoteleiro de Penacova-a-Linda, sr. José Alves de Oliveira Coimbra, numa fuga feliz da sua prosa proverbial. E o que é certo é que as bichas pegaram e agarraram-se com firmeza. O «Penacova Hotel”, já tem «aristas» e já são nove. Alves Coimbra espera mais por estes dias. Não tem vindo porque as caretas de este verão esquisito os traz indecisos, de pé no estribo (…).

Quem escreveu esta nota teria perfeito conhecimento do que estava a afirmar. A fazer fé nessa informação, ficamos então a saber que a designação de “arista” no sentido de veraneante que procurava a nossa vila para tonificar os pulmões (numa época em que grassava a tuberculose, não esqueçamos), foi José Alves de Oliveira Coimbra, personalidade carismática em Penacova no mundo do comércio e também da política local.


Quem foi José Alves de Oliveira Coimbra? Nasceu em Gavinhos, Figueira de Lorvão, no dia 19 de Julho de 1883. Filho de José Alves Marques e de Maria Manuela de Oliveira Coimbra,

Além de farmacêutico e comerciante em diversos ramos, fez parte do núcleo mais activo do movimento republicano em Penacova.

Integrou o grupo que no dia 6 de Outubro de 1910 percorreu a vila “convidando os cidadãos para assistirem à proclamação da República nos Paços do Concelho”, e fez parte da primeira Comissão Administrativa. Assumirá a Vice-Presidência da Câmara por diversas ocasiões.

José Alves de Oliveira Coimbra também se distinguiu no Jornal de Penacova do qual foi proprietário, editor e director durante quase toda a década de vinte. Em 1920, quando Amândio Cabral, já no Brasil, cedeu a propriedade daquele jornal, foi a empresa "Alves Coimbra & Cª Lda" que o comprou, passando a ser impresso na “Tipografia Alves Coimbra”.

Também foi farmacêutico, tendo mesmo, depois de “oito anos de boa prática farmacêutica”, feito exame para Farmacêutico de 2ª classe, em Julho de 1905 , na Escola de Farmácia de Coimbra.

Sócio principal da Firma Alves Coimbra & Cª Lda, mudou, em 1908, o comércio de mercearia e ferragens da Rua Alves Mendes "para o prédio no Largo Alberto Leitão, ainda em construção, propriedade de Augusto Leitão". Nos finais da década de vinte foi também proprietário e gerente da do Penacova-Hotel.

Faleceu em Penacova no dia 3 de Outubro de 1936, com 53 anos de idade.