20 abril, 2024

Poetas penacovenses [14]: Cheirava a Abril


C h e i r a v a   a   A b r i l

Luís Pais Amante

 

Podia ter sido em Março, em Maio, quiçá em Junho

O momento para rebentar a pólvora junta no barril

Mas foi em Abril…

Abril era o mês sem tempo, sem ar cinzento, primaveril

No ano andámos no pressentimento preso na mudança

Em Março não deu p’ra ser

Se calhar deu-se com a língua no dente

Talvez o entusiasmo se tenha congelado

O Soldado ficado atrapalhado

Ou o Major, descoordenado

Certo é que não deu pra “construir” Revolução

Então, nessas horas de esperança


Começara 1974

Na Faculdade demos corda ao sapato

Uns chevrolet’s foram postos a arder

Uns vidros foram partidos a derreter

Uns tropeções ocorreram sem saber

Umas corridas valentes aos “gorilas”

E uma crença grande num amanhecer

Diferente


Podia ter sido muito antes de ter sido

A junção de uma quase toda Nação

Para nos dar carácter e legitimação

Mas foi em Abril…

Abril 25 em dia, antecipou Maio em 1

O Militar pôs-se ao lado do Trabalhador

Os rios passaram a correr em Liberdade

Dos céus vieram sons de Fraternidade

E nós, na Universidade, Estudantes

Começámos a sonhar

E, com ingenuidade, a equacionar

Vai haver oportunidades em Igualdade?


Apesar de espalhado o cheiro em Cravo

Sadio e bom, fresco em frisson, desde lá

Ainda não se conseguiu dar Igualdade cá

Sequer democrática, pá

E isso não pode deixar de nos fazer pensar

Porque, em boa verdade

Sem Igualdade básica, Democracia não há

Minha Gente!


Luís Pais Amante | Casa Azul

Memórias: Recordando o Dia 25, as cumplicidades e os sonhos…



12 abril, 2024

Penacova um olhar 1921 (III): visita à Quinta do Sr. Carvalho


O "Jornal de Penacova" publicou em 1921 um artigo/crónica que nos dá uma imagem, nalguns aspectos curiosa, do nosso concelho naqueles primeiros anos do século passado. 
Levava o título genérico de “Monografia” e era assinado por Bernardino Pereira. 
Damos, hoje, continuidade ao texto que temos vindo publicar, com uma visita à Quinta de Santo António.

[...] Subimos a vasta escadaria e chegámos ao jardim que contorna a casa. Que vimos? Impossível é fazer a descrição de tudo. Um belo horizonte. 

Ao longe as cumeadas de algumas serras com urzes, tojos, ou circundadas pelas folhas verdes dos pinheiros; ao fundo o comprido vale das duas margens do majestoso Mondego; nos altos, fileiras inúmeras de moinhos de vento; nos baixos, azenhas de água e barcos deslizando para montante e jusante, no Mondego; a seus pés estende-se a graciosa vila de Penacova; Além, Riba de Baixo, Carvoeira... e mais além a Cheira, Chelo, Chelinho, Rebordosa... Aqui e acolá diversos montes e vales e lá no fundo a lisa corrente do cantado Mondego em amplo leite tortuoso e em cujos meandros a vista se enamora;

Junto às casas dos vizinhos, lindos pomares, belos jardins e algumas vinhas e por aqui e acolá, alcandorados nos montes, casais caiados, brilhantes e de nota alegre e poética, mesmo dentro da Quinta hospitaleira, vinha, horta, pomar, alamedas, grutas artificiais com graciosas estalagmites, lagos artificiais, aquário, repuxo, jardim ao ar livre e jardins de estufa.

Plantas de climas temperados e de climas quentes, tudo devidamente tratado com amor, cuidado e arte, e tudo dividido por lindos caminhos, com bancos de repouso e mesas especiais nas grutas onde têm descansado e tomado refeições diversas diplomatas e cavalheiros estrangeiros e portugueses.

O Sr. Carvalho que nos recebeu admiravelmente mostrar-nos tudo de boa vontade e convida-nos por fim para penetrar no seu chalet de habitação. Ali completa-se o encanto com toda o conforto.

Estética, ciência e arte. Ricamente atapetado, tudo bem instalado com mobília e outros artigos decorativos de luxo, lindamente ornamentados. As diversas salas de recepcão, de fumo, de música... são tão ricos alguns quadros e pinturas, que julgamos estar nalgum museu.

E fomos também até ao primeiro andar onde estava um bom piano e onde a Madame Raimunda Martins de Carvalho, de origem brasileira e professora de piano exímia, executou notáveis trechos de músicas estrangeiras. E para o sr Joaquim de Carvalho, honra ao mérito! Ali mora um fidalgo, por direito e merecimentos próprios, nobre descendente, como tantos outros, do concelho de Penacova, da antiga e heróica raça portuguesa!

Subimos a vasta escadaria e chegámos ao jardim que contorna a casa. Que vimos? Impossível é fazer a descrição de tudo. Um belo horizonte: ao longe as cumeadas de algumas serras com urzes, tojos, ou circundadas pelas folhas verdes dos pinheiros; ao fundo o comprido vale das duas margens do majestoso Mondego; nos altos, fileiras inúmeras de moinhos de vento; nos baixos, azenhas de água e barcos deslizando para montante e jusante, no Mondego; a seus pés estende-se a graciosa vila de Penacova; Além, Riba de Baixo, Carvoeira... e mais além a Cheira, Chelo, Chelinho, Rebordosa... Aqui e acolá diversos montes e vales e lá no fundo a lisa corrente do cantado Mondego em amplo leite tortuoso e em cujos meandros a vista se enamora;

Junto às casas dos vizinhos, lindos pomares, belos jardins e algumas vinhas e por aqui e acolá, alcandorados nos montes, casais caiados, brilhantes e de nota alegre e poética, mesmo dentro da Quinta hospitaleira, vinha, horta, pomar, alamedas, grutas artificiais com graciosas estalagmites, lagos artificiais, aquário, repuxo, jardim ao ar livre e jardins de estufa.

Plantas de climas temperados e de climas quentes, tudo devidamente tratado com amor, cuidado e arte, e tudo dividido por lindos caminhos, com bancos de repouso e mesas especiais nas grutas onde têm descansado e tomado refeições diversas diplomatas e cavalheiros estrangeiros e portugueses

O Sr. Carvalho que nos recebeu admiravelmente mostrar-nos tudo de boa vontade e convida-nos por fim para penetrar no seu chalet de habitação. Ali completa-se o encanto com toda o conforto.

Estética, ciência e arte. Ricamente atapetado, tudo bem instalado com mobília e outros artigos decorativos de luxo, lindamente ornamentados. As diversas salas de recepcão, de fumo, de música... são tão ricos alguns quadros e pinturas, que julgamos estar nalgum museu.

E fomos também até ao primeiro andar onde estava um bom piano e onde a Madame Raimunda Martins de Carvalho, de origem brasileira e professora de piano exímia, executou notáveis trechos de músicas estrangeiras. E para o sr Joaquim de Carvalho, honra ao mérito! Ali mora um fidalgo, por direito e merecimentos próprios, nobre descendente, como tantos outros, do concelho de Penacova, da antiga e heróica raça portuguesa!

SABER + sobre a QUINTA DE STO ANTÓNIO



06 abril, 2024

Penacova um olhar 1921 (II): as estradas, a indústria, a política...


Com o título “Monografia” e assinado por Bernardino Pereira, o Jornal de Penacova publicou em 1921 um artigo/crónica que nos dá uma imagem, nalguns aspectos curiosa, do nosso concelho no primeiro quartel do século XX. Damos hoje continuidade ao texto publicado há tempos:

Em 1921, um dos grandes “anseios” do concelho era a conclusão da estrada que devia “ligar esta região ao Luso para completar o tão desencantado triângulo de Turismo Coimbra - Luso – Penacova.” No entanto, esta via, apesar de faltarem alguns quilómetros para entroncar com o Luso, já ia servindo Galiana, Sobral, Casal, Casalito, Palmazes, Midões e Sazes.

As necessidades eram muitas. Enumera o articulista a urgência de “completar as estradas iniciadas”, proceder “a melhoramentos nos subúrbios” da vila, bem como “alamedas para promover excursões“. Contavam-se pelos dedos da mão as terras servidas por estradas: Oliveira, Rebordosa, Lorvão, Sazes e Penacova.

Outras obras a necessitar de resolução: “completar a ramada delineada em 1918 por Raúl Lino da Sociedade de Propaganda de Portugal e oferecida a este povo” e construir “um jardim público.”

No plano cultural é invocada a necessidade de “arranjar distrações” aos “briosos e cavalheirescos hóspedes.” Como propostas nesse sentido fala-se numa “casa de teatro ou cinematógrafo” e na criação de “uma boa filarmónica”.

Curiosamente, a questão do caminho de ferro ainda prevalecia por esta altura. “ A vila tem bastante comércio e mais teria, assim como as outras terras do concelho, se nela passasse a via férrea”.

Igualmente neste artigo são referidas as principais ocupações da população: “lavradores, barqueiros, comerciantes, madeireiros, fabricantes de telha, de cal, de palitos e de mós."

No plano industrial, salienta-se que é a “indústria paliteira” que “essencialmente caracteriza o povo do concelho de Penacova” e se exerce “com mais intensidade na grande freguesia de Lorvão”. Isto, porque “mulheres e crianças com a maior destreza e agilidade fabricam os tão conhecidos , higiénicos e apreciados palitos, tão desejados e usados pelas populações cultas do Velho e Novo Mundo.” São enaltecidos os “palitos de luxo, as facas especiais, garfos, rocas e elegantes sarilhos, tudo feito na mesma madeira dos palitos, devidamente ornamentada.”

As actividades transformadoras estendem-se, no entanto, a outros pontos do concelho. Refere-se a “Estrela d’Alva” e a “Empresa de Cal de Penacova”, bem como “diversos fornos de cal parda, fábrica de cartonagem de caixas para exportação [que seria em Chelo], fábricas de serração de madeiras, moagem, telha, tijolo, etc.”

No campo da política, o cronista tece, curiosamente, algumas considerações:

“A situação política é um tanto conservadora, habituada aos moldes antigos, e por isso é de parecer que politicamente alguma coisa tinha este concelho a aprender com outros concelhos do continente e até com a política de alguns concelhos vizinhos. Socialismo, democracia, República, são ideais ainda neste meio pouco conhecidos, que pairam no ar, sem terem encarnado em corpos de espíritos lúcidos.”

Causas de tudo isto?

“Pouco desenvolvimento da instrução e educação cívica, falta de unidade e coesão políticas, que devia imperar entre alguns elementos políticos avançados.”

(Continua)

UMA VISITA À QUINTA DE SANTO ANTÓNIO