21 dezembro, 2023

Governadores civis (3): Artur Ubaldo Correia de Sousa Leitão (1867-1906)


GOVERNADORES CIVIS NATURAIS DE PENACOVA 
OU AO CONCELHO LIGADOS POR CASAMENTO

Natural de Penacova. Bacharel em Direito. Foi Governador Civil de Leiria entre 1 de Janeiro de 1904 e 22 de Março de 1906.

Arthur Ubaldo Correia de Sousa Leitão nasceu no dia 8 de Fevereiro de 1867 em Penacova. Filho do Conselheiro Alípio de Oliveira de Sousa Leitão, advogado, e de Maria Puresa Correia de Almeida. Neto paterno de David Ubaldo da Silva Leitão e de Maria do Espírito Santo Sousa Almeida e materno de Joaquim Correia de Almeida e de Maria Rosa Mendes.

Estudou Direito em Coimbra, cuja Universidade frequentou a partir de 1887. Ainda estudante universitário ocupou o cargo de vice-presidente da Câmara, num dos mandatos de José António de Almeida. Ele próprio nos conta essa entrada na vida política num depoimento publicado no Jornal de Penacova aquando do falecimento, em 1901, daquele antigo Presidente, pai de António José de Almeida: “Posso bem dizer que entrei na vida pública pela sua mão. Ainda novo, quando estudante do 2º ano jurídico, fiz parte de uma Câmara da sua presidência. Senti então as responsabilidades d’um rapaz de vinte e um anos, que conhecia os códigos pela lombada” – recorda – “ Ao sentar-me pela primeira vez na minha cadeira de camarista, senti como que desabrochar a consciência que me impelia para o caminho do dever cívico e fazia então protestos de trabalhar, de ser útil à minha terra, de velar pelos seus interesses, por tudo enfim que pudesse concorrer para o enriquecimento de Penacova.”

Casou em 27 de Janeiro de 1892, na Capela de Vale de Açores, Mortágua, com Maria Piedade Gouveia Sousa (cuja irmã, Delfina Amália, havia casado no ano anterior com Joaquim António Tenreiro), filha de José de Gouveia d’Almeida e Sousa, bacharel.

Há notícia de que em 1901, na altura em que era Secretário da Penitenciária de Coimbra, foi eleito pela Câmara de Penacova para fazer parte do Conselho Distrital de Agricultura.

Também foi director do Jornal de Penacova, o primeiro periódico a ser publicado no nosso concelho tendo vindo a lume no dia 1 de Setembro de 1901.

Foi, no entanto, como Governador Civil de Leiria que mais se distinguiu. Ocupou o cargo entre 1 de Novembro de 1904 e 22 de Março de 1906. O deputado Oliveira Matos, na sessão da Câmara dos Deputados de 17 de Fevereiro de 1906, teceu-lhe rasgados elogios, enquanto homem, nobre e honrado e enquanto político, activo, leal e prestigiado. Esta intervenção de Oliveira Matos ocorrera no contexto do voto de pesar pelo falecimento recente de Alípio Leitão, antigo Deputado naquela Câmara.

Vítima de acidente de automóvel em Santa Comba Dão, o Conselheiro Artur Leitão, que residia em Vale de Remígio, faleceu no dia 18 de Maio de 1906, com apenas 39 anos de idade. Passado um ano da sua morte, foi homenageado pela Câmara Municipal, tendo sido colocado no Salão Nobre um retrato seu pintado pelo famoso pintor Eugénio Moreira, que na época vivia em Penacova. Que será feito desse quadro?

Ainda em 1908, aquando da homenagem a Oliveira Matos e do arranque das obras da Ponte do Alva, o Jornal de Penacova, num artigo assinado por Guedes Pessoa, recorda que Artur Leitão, ultrapassando mesmo questões familiares, intercedera junto de Luciano de Castro, primeiro-ministro e chefe do Partido Progressista, e conseguira também ter em Oliveira Matos um aliado, facto que muito contribuiu para que fosse possível concretizar grandes melhoramentos no concelho.

06 dezembro, 2023

Poetas penacovenses (XI): um poema de Luís Pais Amante





 Sem abrigo


Eu sei quão dolorosa vai a actual situação

Os momentos que passas sem nada comer

O frio que te aperta a coluna em ondulação

As pessoas que passam sem nada te dizer


Eu reconheço que este tempo está fingido

Que quem não tem eira nem beira está mal

As Autoridades não enxergam bem o perigo

Nas ruas da nossa cidade já só há frio termal


Estar sem abrigo e só é estar a bater no fundo

A vida não existe para se suportar em angústia

Para andar de saco na mão percorrendo mundo


Caminhando à noite és mesmo um errabundo

O tua fome persistente já só te dá parageustia

A Sociedade oferece-te estatuto de vagabundo


Luís Pais Amante

Casa Azul

A cogitar sobre o modo como cresceu, ultimamente, este fenómeno triste.


01 dezembro, 2023

Memórias da apanha da azeitona em Travanca do Mondego

A cultura da oliveira e a produção do azeite sofreu nas últimas décadas muitas transformações. Longe vai o tempo em que o processo era feito manualmente, a faina da azeitona coincidia com a quadra do Natal, os lagares eram movidos a água e as prensas eram pesadas varas de castanheiro, de pinheiro ou de eucalipto. Aqui fica o registo desses tempos escrito em 2011. Maria da Pureza, que no passado dia 27 teria feito 96 anos se fosse viva, depois de ter conhecimento da recriação da apanha tradicional da azeitona que a Junta de Freguesia de Travanca fez nesse ano, registou algumas memórias - como era seu hábito fazer, sobre este e outros temas -  que nos transmitem um pouco deste trabalho sazonal tão marcante para o ritmo da vida no campo.



"A apanha da azeitona era um pouco complicada e perigosa. Apanhava-se muito frio. Não era fácil andar numa escada em cima de uma oliveira. Às vezes a escada era atada à oliveira para ficar segura. A azeitona era respigada à mão mas também se utilizava a vara para varejar a que estava mais difícil e os ganchos para puxar as hastes que estavam mais longe da escada. Estendiam-se os panais debaixo das oliveiras e começava o trabalho. Os homens subiam as escadas e iam respigando. A que caía fora dos panais era apanhada por mulheres para cestos feitos de tiras de madeira. A seguir ia para os sacos, depois era erguida. Punham-se panais encostados a uma parede e com um prato atirava-se a azeitona do saco e jogava-se ao ar no sentido contrário ao vento para limpar as folhas.

De manhã, íamos já com um almoço tomado e levávamos uma bucha para o meio da tarde. Antigamente andava-se a apanhar até Janeiro. Agora fica madura mais cedo.

A família Tenreiro de Oliveira do Mondego tinha oliveiras em Travanca e arredores. O Sr. José Cortez de Lagares era encarregado de contratar as pessoas para a apanha dessa azeitona. Formavam grupos e traziam um corno. Tocavam de manhã para se juntarem. Como as oliveiras eram longe umas das outras iam tocando durante o dia para saberem uns dos outros. A Igreja de Travanca também tinha oliveiras em vários sítios, até no Vale do Barco.

Antigamente muitas pessoas ofereciam uma oliveira à Igreja. Os membros da Irmandade é que se encarregavam da apanha dessa azeitona, chamavam-lhe a azeitona da Confraria. Também juntavam grupos: de manhã tocavam o corno para se juntarem, iam tocando durante o dia para se comunicarem e à noite, quando regressavam a casa. Essa azeitona era leiloada. Uma parte era para pagar ao pessoal, a outra revertia para a Igreja. Só estes grupos é que utilizavam o corno.

Até ter vez no lagar, a azeitona era conservada em tulhas com sal; hoje em dia não se utiliza o sal, conserva-se em água. Antigamente a funda do azeite chegava a 20 e tal por cento, porque a azeitona ia para o lagar muito apertada.

Os lagares só faziam três moinhos por dia. Eram tocados a água, quando faltava a água eram os bois que faziam andar a roda. Essa roda é que fazia andar as galgas, eram pedras em forma de mó feitas de pedra milheira. Estavam a andar de roda, a moer a azeitona. Depois de moída era enceirada numas ceiras enormes feitas de capacho. A seguir ia para a prensa. Era o tronco inteiro de uma árvore muito forte com raiz e pedras agarradas. No meio tinha uma cavidade onde trabalhava um fuso, em madeira com rosca, tinha uma peça com buracos e metiam umas trancas. Eram dois homens que faziam aquilo rodar para ir baixando a vara e apertando cada vez mais. O azeite seguia para as tarefas, que eram umas pias de pedra. Estava um tempo a apurar. Não havia separadora.

Eu só fui a dois lagares desses tocados a água, o da Ribeira da Pesqueira (fui uma vez mais o meu pai levar almoço ao lagar da Ribeira da Pesqueira e lá é que eu vi como eram os lagares daquele tempo) e o do rio Alva no lugar do Cornicovo. Eram os dois do Sr. Celestino da Conchada. Mais tarde foram vendidos para o Sr. José Carlos de Oliveira do Mondego. Também havia o Lagar do Petêlo e o da Ribeira de Lagares.   

Os lagares eram sempre em sítios baixos e com maus caminhos. Eram carros de bois que carregavam a azeitona em sacos de mais de 100 quilos. Era carregada para o carro numa padiola. Vinha um homem na véspera ensacá-la.

No lagar tinha o mestre que era o responsável pelo fabrico do azeite. No Lagar da Ribeira da Pesqueira era o Sr. Joaquim Manaia da Parada. Tinha um lenheiro que fornecia a lenha para a fornalha e mato das ladeiras e mais três homens para descarregar a azeitona e todo o trabalho que era preciso. A luz eram candeias de azeite. Os trabalhadores dormiam em tarimbas.

O azeite era medido para latas do dono do lagar. Quando estavam vazias tínhamos de as levar ao lagar. Quando se ia assistir à medição do azeite levava-se uma vasilha para as borras, que postas ao lume, o azeite apurava e tirava-se até dois litros. Também se trazia a baganha para alimento dos porcos. Por cada moinho de baganha, dava-se uma refeição aos trabalhadores.

Eu só fui a dois lagares desses tocados a água, o da Ribeira da Pesqueira (fui uma vez mais o meu pai levar almoço ao lagar da Ribeira da Pesqueira e lá é que eu vi como eram os lagares daquele tempo) e o do rio Alva no lugar do Cornicovo. Eram os dois do Sr. Celestino da Conchada. Mais tarde foram vendidos para o Sr. José Carlos de Oliveira do Mondego. Também havia o Lagar do Petêlo e o da Ribeira de Lagares. 

Mudaram os tempos."

                                                                            Maria da Pureza dos Santos Gonçalves (1927-2020)

Portela, Travanca do Mondego

Texto publicado em 2011 no Nova Esperança