06 dezembro, 2023

Poetas penacovenses (XI): um poema de Luís Pais Amante





 Sem abrigo


Eu sei quão dolorosa vai a actual situação

Os momentos que passas sem nada comer

O frio que te aperta a coluna em ondulação

As pessoas que passam sem nada te dizer


Eu reconheço que este tempo está fingido

Que quem não tem eira nem beira está mal

As Autoridades não enxergam bem o perigo

Nas ruas da nossa cidade já só há frio termal


Estar sem abrigo e só é estar a bater no fundo

A vida não existe para se suportar em angústia

Para andar de saco na mão percorrendo mundo


Caminhando à noite és mesmo um errabundo

O tua fome persistente já só te dá parageustia

A Sociedade oferece-te estatuto de vagabundo


Luís Pais Amante

Casa Azul

A cogitar sobre o modo como cresceu, ultimamente, este fenómeno triste.


01 dezembro, 2023

Memórias da apanha da azeitona em Travanca do Mondego

A cultura da oliveira e a produção do azeite sofreu nas últimas décadas muitas transformações. Longe vai o tempo em que o processo era feito manualmente, a faina da azeitona coincidia com a quadra do Natal, os lagares eram movidos a água e as prensas eram pesadas varas de castanheiro, de pinheiro ou de eucalipto. Aqui fica o registo desses tempos escrito em 2011. Maria da Pureza, que no passado dia 27 teria feito 96 anos se fosse viva, depois de ter conhecimento da recriação da apanha tradicional da azeitona que a Junta de Freguesia de Travanca fez nesse ano, registou algumas memórias - como era seu hábito fazer, sobre este e outros temas -  que nos transmitem um pouco deste trabalho sazonal tão marcante para o ritmo da vida no campo.



"A apanha da azeitona era um pouco complicada e perigosa. Apanhava-se muito frio. Não era fácil andar numa escada em cima de uma oliveira. Às vezes a escada era atada à oliveira para ficar segura. A azeitona era respigada à mão mas também se utilizava a vara para varejar a que estava mais difícil e os ganchos para puxar as hastes que estavam mais longe da escada. Estendiam-se os panais debaixo das oliveiras e começava o trabalho. Os homens subiam as escadas e iam respigando. A que caía fora dos panais era apanhada por mulheres para cestos feitos de tiras de madeira. A seguir ia para os sacos, depois era erguida. Punham-se panais encostados a uma parede e com um prato atirava-se a azeitona do saco e jogava-se ao ar no sentido contrário ao vento para limpar as folhas.

De manhã, íamos já com um almoço tomado e levávamos uma bucha para o meio da tarde. Antigamente andava-se a apanhar até Janeiro. Agora fica madura mais cedo.

A família Tenreiro de Oliveira do Mondego tinha oliveiras em Travanca e arredores. O Sr. José Cortez de Lagares era encarregado de contratar as pessoas para a apanha dessa azeitona. Formavam grupos e traziam um corno. Tocavam de manhã para se juntarem. Como as oliveiras eram longe umas das outras iam tocando durante o dia para saberem uns dos outros. A Igreja de Travanca também tinha oliveiras em vários sítios, até no Vale do Barco.

Antigamente muitas pessoas ofereciam uma oliveira à Igreja. Os membros da Irmandade é que se encarregavam da apanha dessa azeitona, chamavam-lhe a azeitona da Confraria. Também juntavam grupos: de manhã tocavam o corno para se juntarem, iam tocando durante o dia para se comunicarem e à noite, quando regressavam a casa. Essa azeitona era leiloada. Uma parte era para pagar ao pessoal, a outra revertia para a Igreja. Só estes grupos é que utilizavam o corno.

Até ter vez no lagar, a azeitona era conservada em tulhas com sal; hoje em dia não se utiliza o sal, conserva-se em água. Antigamente a funda do azeite chegava a 20 e tal por cento, porque a azeitona ia para o lagar muito apertada.

Os lagares só faziam três moinhos por dia. Eram tocados a água, quando faltava a água eram os bois que faziam andar a roda. Essa roda é que fazia andar as galgas, eram pedras em forma de mó feitas de pedra milheira. Estavam a andar de roda, a moer a azeitona. Depois de moída era enceirada numas ceiras enormes feitas de capacho. A seguir ia para a prensa. Era o tronco inteiro de uma árvore muito forte com raiz e pedras agarradas. No meio tinha uma cavidade onde trabalhava um fuso, em madeira com rosca, tinha uma peça com buracos e metiam umas trancas. Eram dois homens que faziam aquilo rodar para ir baixando a vara e apertando cada vez mais. O azeite seguia para as tarefas, que eram umas pias de pedra. Estava um tempo a apurar. Não havia separadora.

Eu só fui a dois lagares desses tocados a água, o da Ribeira da Pesqueira (fui uma vez mais o meu pai levar almoço ao lagar da Ribeira da Pesqueira e lá é que eu vi como eram os lagares daquele tempo) e o do rio Alva no lugar do Cornicovo. Eram os dois do Sr. Celestino da Conchada. Mais tarde foram vendidos para o Sr. José Carlos de Oliveira do Mondego. Também havia o Lagar do Petêlo e o da Ribeira de Lagares.   

Os lagares eram sempre em sítios baixos e com maus caminhos. Eram carros de bois que carregavam a azeitona em sacos de mais de 100 quilos. Era carregada para o carro numa padiola. Vinha um homem na véspera ensacá-la.

No lagar tinha o mestre que era o responsável pelo fabrico do azeite. No Lagar da Ribeira da Pesqueira era o Sr. Joaquim Manaia da Parada. Tinha um lenheiro que fornecia a lenha para a fornalha e mato das ladeiras e mais três homens para descarregar a azeitona e todo o trabalho que era preciso. A luz eram candeias de azeite. Os trabalhadores dormiam em tarimbas.

O azeite era medido para latas do dono do lagar. Quando estavam vazias tínhamos de as levar ao lagar. Quando se ia assistir à medição do azeite levava-se uma vasilha para as borras, que postas ao lume, o azeite apurava e tirava-se até dois litros. Também se trazia a baganha para alimento dos porcos. Por cada moinho de baganha, dava-se uma refeição aos trabalhadores.

Eu só fui a dois lagares desses tocados a água, o da Ribeira da Pesqueira (fui uma vez mais o meu pai levar almoço ao lagar da Ribeira da Pesqueira e lá é que eu vi como eram os lagares daquele tempo) e o do rio Alva no lugar do Cornicovo. Eram os dois do Sr. Celestino da Conchada. Mais tarde foram vendidos para o Sr. José Carlos de Oliveira do Mondego. Também havia o Lagar do Petêlo e o da Ribeira de Lagares. 

Mudaram os tempos."

                                                                            Maria da Pureza dos Santos Gonçalves (1927-2020)

Portela, Travanca do Mondego

Texto publicado em 2011 no Nova Esperança


06 novembro, 2023

Governadores civis (2): Fernando Augusto de Andrade Pimentel e Melo (1836-1892)

GOVERNADORES CIVIS NATURAIS DE PENACOVA 
OU AO CONCELHO LIGADOS POR CASAMENTO


Fernando Augusto de Andrade Pimentel e Melo nasceu em Penacova no ano de 1836. Filho do Bacharel Fernando António de Andrade Pimentel e Melo e de Joaquina Emília Augusta de Melo. Casou com Maria Júlia Godinho de Sousa, em S. Miguel de Poiares, a 30 de Agosto de 1866.

Doutorou-se em Medicina em 30 de Julho de 1862. Professor catedrático (1870) na Universidade de Coimbra onde já lecionava desde 1865. Enquanto médico e professor universitário publicou Da albuminúria nas mulheres grávidas (1862) e Instruções contra a Cólera-Morbus (1885).

Foi Director do Hospital dos Coléricos e do Asilo da Mendicidade de Coimbra ou dos Expostos e médico do Seminário Diocesano.

Por ocasião da sua morte o volume XL (1893) de O Instituto refere que Fernando de Mello fora “exímio professor, distintíssimo orador e notável clínico.”

Fernando de Melo distinguiu-se também na política. Foi dirigente do Partido Regenerador em Penacova e Procurador à Junta Geral do Distrito de Coimbra por este concelho (e pelo concelho de Poiares). Teve também notória intervenção política enquanto deputado. Nesse sentido se lhe referiu “O Instituto”:

“Possuía notáveis dotes de orador, tinha a palavra inspirada, fisionomia atraente, ideias elevadas, polidez na dicção e perspicácia no argumentar”.

Na Câmara dos Deputados afirmou (1870) que, apesar de ter a obrigação de defender a nação e de proteger os interesses de todos, tinha de defender em primeiro lugar os interesses daqueles que o “honraram com a sua confiança” não esquecendo o círculo que o elegera.

De 3 de Agosto de 1876 a 22 de Setembro do mesmo ano e de 31 de janeiro de 1878 a 9 de Junho de 1879 esteve à frente do Governo Civil de Coimbra.

O seu nome integra também a lista dos Presidentes da Câmara Municipal de Coimbra, cargo que exerceu de 1874 a 1875. Foi ainda Provedor da Santa Casa da Misericórdia de Coimbra.

Foi agraciado com a Grã-Cruz de Isabel a Católica.

Por influência sua, em 1867 o concelho de Penacova passou a agregar as freguesias de Poiares, Almaça, Cercosa e S. Paio. Só que, passado um mês, na sequência do movimento que ficou conhecido por “Janeirinha”, o despacho de Martens Ferrão foi anulado, não passando tudo de “uma existência de rosas”, na expressão dos progressistas penacovenses, seus rivais na política local.

Quando está na ordem do dia a questão das touradas, recorde-se que já em Julho de 1869 foi apresentado na Câmara dos Deputados um projecto de lei para proibir as corridas de toiros. Tendo como proponente Alves Mateus, o documento era subscrito por 17 deputados, entre os quais Fernando Augusto Andrade Pimentel de Melo.

Fernando de Melo faz parte da toponímia da vila de Penacova desde 1902.

Faleceu, vítima da tuberculose, com apenas 56 anos.