18 agosto, 2022

Lugares, monumentos e sítios de Penacova (7): Monte da Senhora da Guia




Conta Alves Mendes que um emigrante penacovense radicado no Brasil quis construir no Monte do Castelo uma igreja dedicada a S. Pedro.

As obras ter-se-ão iniciado, mas pelo que consta não foram além das quatro paredes, dado que o Pároco de então “esbanjou” o avultado donativo em obras de caridade.

Só mais tarde, em 1783, D. Tomás Patrício dos Santos, presbítero natural da Cheira, mandou construir “entre duas gigantescas muralhas, a rica e elegante capela que dedicou à Senhora da Guia”.

Ocupando o sítio do antigo castelo, a capela apresenta uma “agradável composição de fachada em cuja janela se lê o milésimo 1783”.

Aquando da construção do Preventório, no início da década de trinta, manteve-se apenas a fachada onde, sob a cruz terminal, dois anjos seguram uma coroa, ao mesmo tempo que, sobre os cunhais, podemos observar esguios fogaréus. Com a desafectação da capela original o retábulo (de finais do séc. XVIII) foi deslocado para uma nova capela, entretanto construída nas imediações.

É tradição que a Capela de N. Sra. da Guia começou por ser Igreja Matriz, mas a análise da sua história não o parece comprovar.

Escreveu nos anos 40 o Dr. José Albino Ferreira: "Foi esta capela construída depois do meado do século XVIII, aproveitando-se em parte as paredes do castelo. Levou assim o castelo um grande rombo. O que sobrou dele ficou a ser explorado como pedreira, até que todo ele desapareceu. Os terraços do castelo ficaram com o nome de "Largo do Castelo" e eram pontos obrigatórios, de dia para os passeantes desocupados, e de noite para os descantes e serenatas da rapaziada da Vila. À capela foi dado, há pouco tempo, outro destino, como é sabido, construindo-se capela nova a pouca distância."

De 2002 a 2007 funcionou neste local, após reconversão total do antigo Preventório, o Hotel "Palacete do Mondego". Fechado há 15 anos, o edifício encontra-se abandonado e vandalizado. De igual modo, estão as instalações do antigo hospital da Misericórdia que entretanto havia passado a Centro de Saúde.

Também neste monte se situou o cemitério da vila até à construção do actual, na Eirinha, no início do séc. XX.

14 agosto, 2022

O castelo de Penacova: um poema de Alfredo da Cunha


A existência de um Castelo em Penacova é comprovada por diversos documentos que a ele (ou às suas ruínas) se referem (veja-se por exemplo o site do município)*.

A juntar aos testemunhos referidos, publicamos um poema, algo desconhecido para os penacovenses, escrito por Alfredo da Cunha **, uma das personalidades da elite lisboeta - director do "Diário de Notícias" - que esteve na inauguração do Mirante em 1908.

O poema não refere expressamente o local deste castelo. No entanto, no livro "Versos II" (1912) o mesmo aparece incluído num capítulo intitulado "No Bussaco" e a seguir a um outro poema com o título "Penacova". Olhando em redor que outro castelo poderia ser? Cremos ser de concluir que seria o de Penacova, à época em ruínas.

Castelo antigo

Caveira desdentada! O eterno e grande verme,
O roedor voraz, o tempo foi gastando
Os músculos d'atleta ao mastodonte inerme,
E nada agora és mais que um monstro venerando.

Vestem-se o musgo e a hera a rugosa epiderme;
Teu coração feroz tornou-se frouxo e brando;
E a tua boca inerte, ó magro paquiderme,
Nem já pode morder, nem já se ouve ululando.

E eu gostei mais de ver-te inanimado e mudo, 
Como um leão empalhado em um museu de estudo,
perdido já do olhar o brilho coruscante,

Que em ímpetos brutais de fúria carniceira,
Exercitando ainda a profissão guerreira,
no quixotesco ardor de cavaleiro andante.

Alfredo da Cunha, in Versos II
________

Apesar de ser clara, para todos, a existência de um Castelo, em Penacova, bem como a sua localização no Monte da Senhora da Guia, não se conhecem fontes que precisem a data da sua fundação e até mesmo do seu abandono, sabemos com toda a certeza que existem referências ao Castelo de Penacova, no séc. X. Manuel Luís Real, na Revista da Faculdade de Letras, Ciências e Técnicas do Património, publicada em 2013, elabora um artigo que nos permite esclarecer algumas dúvidas e fazer até descobertas…
No artigo em que questiona o facto de o Castro de Baiões ter servido de Atalaia ou Castelo na Alta Idade Média, e qual a sua relação com o refúgio de Bermudo de Ordonhes na Terra dos Lafões, refere a propósito do sistema defensivo dos descendentes de Diogo Fernandes e Onega (senhores de Lafões-Viseu), a documentação por si estudada lhe permite demonstrar que havia uma preocupação por parte destes em alargar a sua área de influência com prioridade a duas regiões: Entre Côa e Távora, a norte de Trancoso; e o médio vale do Mondego, a montante da barreira natural existente na zona de Penacova.
A um dos genros de Diogo Fernandes, Alvito Lucides, que veio a casar com Múnia, terá sido confiada a responsabilidade pelo acidentado território da bacia de Mondego, a qual defendia este grupo de uma qualquer ameaça que pudesse surgir desde Coimbra. Este facto é constatado pelo autor com base no conjunto de bens que a família possuiu nos concelhos de Oliveira do Hospital, Tábua e Penacova.
Salienta Manuel Real que é preciso não esquecer que no início do séc. X, a cidade de Coimbra era ainda um baluarte da linhagem de confiança de Afonso III, a do mordomo Hermenegildo Guterres (família rival da dos senhores de Lafões, donatária do território de Lafões - Viseu).
Antes de chegar a Coimbra, o rio Mondego à época, tal como hoje, atravessava uma barreira natural poderosíssima, constituída:

1. pela serra do Bussaco: com uma atalaia (torre de observação/ponto de vigia) na Portela de Oliveira;
2. pela serra da Atalhada, cuja designação derivará provavelmente da designação atalaia que, naquele local, se localizaria sobre a chamada via Colimbriana, que ligava Cidade Rodrigo a Coimbra, passando por Castelo Bom, Linhares, Gouveia, Seia, Santa Ovaia, Coja, Arganil e Penacova e que corresponde à denominada “Estrada da Beira”;
3. além de outras elevações secundárias, as quais terão sido aproveitadas para estabelecer uma linha de defesa estratégica, da qual o castelo de Penacova seria o baluarte.
No entender de Manuel Real, o Castelo de Penacova terá à época (séc. X) sido igualmente denominado por “Torre de Miranda” (designação que não possui, segundo o autor, qualquer ligação a Miranda do Corvo), e a sua área de influência aparece mesmo referida, num documento local citado pelo autor, como “terra de miranda”. É por essa razão que, em 936, Ximeno Dias, filho varão de Diogo Fernandes e Onega assume aqui funções de juiz, numa disputa sobre os limites territoriais entre Vila Cova (hoje Penacova) e Alquinitia (hoje Vila Nova de Poiares). Este facto terá, muito provavelmente, ocorrido antes do seu casamento com Ausenda Guterres, uma dama de estirpe “coimbrã”, que se terá constituído, segundo Manuel Leal, como uma tentativa de unir as famílias rivais.

Este autor salienta igualmente, numa primeira fase, a maior ligação do clã “lafonense” ao Mosteiro de Lorvão, facto corroborado pelo refúgio temporário dos monges lorvanenses na referida Torre de Miranda (Castelo de Penacova), após um incêndio que danificou o edifício monástico, algo que ele infere de um documento de 998. Conclui que a implantação do Mosteiro de Lorvão, afundado nas enrugadas serranias de Penacova e ao abrigo do seu castelo, representa uma ligação de proximidade semelhante à que os monges de Guimarães tinham com o castelo vimaranense, no alpe latito, cuja origem está na mesma família.
Ao longo do tempo, o Castelo vai sendo referido ou descrito noutros documentos:
Em dezembro de 1192, Penacova veria ser-lhe concedido por D. Sancho I, o seu primeiro Foral, inserido numa política de valorização do território caraterística do reinado daquele monarca. Nesta Carta de Foral ordena que “Cavaleiros e peões façam cubas e casas no Castelo de Penacova, ao senhor da terra. E quando fizerem cubas ou casas o senhor da terra dará de comer a todos os que aí trabalharem e igualmente pagará o salário do mestre (de obras)”.

07 agosto, 2022

Locuções populares (XI) : Cheio(a) de nove horas...


As nove horas foram durante muito tempo o limite convencionado para as visitas sociais. Era também essa hora a que começavam os espectáculos frequentados pelas elites.

A expressão tem o significado de cerimonioso, vaidoso, presunçoso, petulante, complicado, meticuloso, emproado.

Saber que as nove horas eram, mais ou menos, a hora estabelecida para o recolhimento, não explica o sentido do epíteto de ‘cheio de nove horas’

Como acontece com muitas locuções existentes na linguagem popular, também para a origem do ‘cheio de nove horas’ existem diferentes versões.

Sendo antigamente o jantar bastante cedo, por volta das 18 horas, de modo a aproveitar ao máximo a luz do dia, as normas da boa educação impunham que, quando se ia a casa de alguém, aí não se permanecesse até depois das nove horas. Era a hora clássica do século XIX, regulando o final das visitas, ditando o momento das despedidas. 

Assim, parece natural que fosse atribuído o epíteto de ‘cheio de nove horas’ a quem fazia questão de cumprir escrupulosamente essa regra social.

Porém, há outra possibilidade para a origem da expressão. Muitas vezes, era às nove horas que se iniciavam os espectáculos (ópera, teatro e mais tarde o cinema) e outros acontecimentos sociais nocturnos (bailes, festas), para os quais os frequentadores se vestiam a rigor. Ao verem que damas e cavalheiros passavam, a essa hora, ricamente vestidos e com modos a condizer, o povo teria começado a dizer que iam ‘cheios de nove horas’, ou seja, com aspecto de que iam à ópera, ao teatro, ao baile ou a uma festa.

FONTE: REPOSITÓRIO DO CONHECIMENTO INÚTIL ((J. Alvarinho Dias)