19 junho, 2022

Lugares, monumentos e sítios de Penacova (2): Chafariz do Porco




“Todos conhecemos esta fonte em Penacova, de onde jorra uma água fresquíssima, que corre para modesto tanque que se cobre de musgo e folhas verdes na Primavera, ou simplesmente de ouro e chocolate quando os ventos outonais vergastam as frondosas árvores que o cercam. Pois essa água puríssima que nos sacia a sede, molhando-nos a cara e as mãos, escorrega por um engenhoso tubo saído de uma bocarra animal, que muitos julgam ser cão, outros pensam ser lobo, mas que a generalidade do povo garante ser porco." 
in “A Casa Amarela” editado pela  Cooperativa Cultural Saudação em  2014.

Cabeça de lobo, cão, porco? Também há quem fale em javali...

Situado ao cimo da Costa do Sol, o Chafariz do Porco apresenta uma data, já pouco legível... será 1713, será 1753 ? 

Ao fazer também uma descrição daquela encosta, em 1857,  Alves Mendes refere uma fonte de água férrea que será provavelmente esta nascente: 

“É denominada esta bela extensão de terra de Terra de Carrazedos (…) Observa-se no cimo desta chanzada uma sombria floresta de monstruosos carvalhos, donde em grossos jorros sobem levadas de água límpida e fresca, que vai regar todo o terreno até à margem do Mondego. Também há, a dois mil passos em distância desta, uma fonte férrea, que presentemente é bem concorrida.”

Sobre a natureza férrea da água do Chafariz do Porco existe uma lenda que diz que em tempos antigos houve uma contenda sangrenta entre os monges de Lorvão e os habitantes do Castelo. O sangue que escorreu pelas encostas entranhou-se de tal modo no subsolo que deu a cor avermelhada à água daquela nascente…

Numa crónica publicada no “Notícias de Penacova” em 1 de Novembro de 1952 fazia-se referência ao “Chafariz da Costa do Sol”, de onde jorrava “água puríssima e fresca”.

Ali muito próximo se situa a Casa do Pintor Martins da Costa "no meio das oliveiras e dos bandos de passarada”, como ele próprio escreveu, debruçada sobre o Vale do Mondego.


02 junho, 2022

Lugares, monumentos e sítios de Penacova (1): Livraria do Mondego

 


O local “Livraria do Mondego” deve o seu nome ao facto da formação rochosa existente se assemelhar à disposição dos livros nas estantes de uma biblioteca. Este "geomonumento", para usar a designação proposta por Galopim de Carvalho,  é constituído por quartzito ordovícico (Arenigiano, com 480 a 490 milhões de anos) e faz parte da grande falha tardi-hercínia que se estende ao longo de cerca de 250 km desde a povoação de Verín, em Espanha, até à zona de Penacova (Falha Verin-Régua-Penacova).


Neste local de manifesto interesse geológico foi encontrada em 1915, quando decorriam obras na estrada de Entre Penedos, uma formação rochosa que o “Jornal de Penacova” designou, em título, por “Pedra Curiosa”.[1]

O director do então Museu Geológico da Universidade de Coimbra, Anselmo Ferraz de Carvalho, depois de vir ao local, decidiu salvaguardar aquele achado, enviando-o para o museu que dirigia.




Esta laje quartzítica, com uma superfície de cerca de 3m2 constitui o maior exemplar de “Cruziana” em museus portugueses. Encontra-se em Coimbra, emparedado no átrio da galeria de Mineralogia do Museu da Ciência, com a indicação de proveniência “Vila Nova – Penacova”.

Sabe-se que, nas recuadas eras da vida da Terra, esta região esteve coberta pela água de um mar pouco profundo que cobria grande parte da Península Ibérica, um mar de areias e lamas, entretanto desaparecido. Nesse habitat viviam as Trilobites. Os rastos de locomoção destes artrópodes são designados por bilobites ou cruzianas. Só a partir do século XX começou a haver algum consenso entre paleontólogos quanto à interpretação destes registos enquanto marcas da locomoção (icnofósseis) daqueles animais marinhos.

A designação “Livraria do Mondego” é muito antiga, não se sabendo se tem origem popular ou erudita. Já no séc. XIX foi referenciada por António Feliciano de Castilho, no prefácio “Conversação Preambular” ao livro de Tomás Ribeiro, “D. Jayme ou a dominação de Castela.” Castilho nasceu em 1800. Sendo assim, aquela viagem de Santa Comba Dão a Coimbra terá acontecido há sensivelmente 200 anos, quando estudava Direito na Lusa Atenas.

Uma observação: não será viável dispormos, “in situ”, de uma réplica da “Bilobite de Vila Nova”, num futuro Centro de Interpretação localizado na zona?

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[1] "BILOBITES DA LIVRARIA DO MONDEGO - Designados popularmente por Bilobites, os icnofósseis de Cruziana são testemunhos de atividade de artrópodes marinhos há muito extintos, as Trilobites.

Os icnofósseis permitem interpretar o comportamento dos organismos do passado. Em muitos casos sendo enigmática a relação entre espécie produtora e as marcas deixadas. Da locomoção na procura de alimento das Trilobites nos fundos marinhos resultaram sulcos onde se observam padrões de marcas de arranhamento produzidas pelos apêndices. As estruturas preenchidas em dois lóbulos resultaram em moldes naturais que permitem observar detalhes da atividade e até indicar o sentido do deslocamento.

Este espécime [ver foto] forma parte de um conjunto de registos trazidos da Livraria do Mondego (Penacova), um local de interesse geológico onde o rio Mondego corta os estratos verticais de quartzito formados no Ordovícico (há 475 milhões de anos).

In Museu da Ciência, Universidade de Coimbra.









31 maio, 2022

A lenda da cobra de Penacova


“Isso eu não vi, lá isso não, mas contam!” –  José Vieira in Sol de Portugal - Crónica da Beira Alta, 1918. 


As cobras são, geralmente, animais muito temidos. Despertam sentimentos, geram crenças e dão lugar a ditos. Por exemplo, é frequente dizer-se que as cobras hipnotizam. De onde virá essa crença? Pensa-se que se deve ao facto de as serpentes não possuírem pálpebras móveis, não piscando, pois, os olhos. O seu olhar fixo levou, então,  a acreditar que se tratava de um olhar hipnótico!

Diz-se, no entanto, que a rã fica imóvel quando uma cobra se aproxima. Não por estar hipnotizada, mas pura e simplesmente porque sabe que se permanecer imóvel pode ser mais seguro! E a história do hipnotizador de serpentes, ignorando-se que cobras são, afinal, surdas? É sim, pela vibração do solo que elas detectam a presença de algo. Deste modo, o som da flauta será apenas um atractivo “para turista ver” … Metida num recipiente, que não lhe permite grandes movimentos, é atraída pelo cheiro de urina de rato com que, entretanto, se untou exteriormente a gaita do encantador.

Diz também o povo que se pode formar uma cobra dum cabelo de mulher. Arranca-se um cabelo, necessariamente, com a raiz. Mergulha-se depois numa bacia de água e muda-se a água todas as manhãs até que o cabelo se transforme em cobra.

Ora, conta-se que em Penacova aconteceu uma desgraça por causa de uma cobra gerada por esse processo:

“Uma senhora de Penacova arrancou o cabelo da cabeça, pô-lo dentro da bacia d’água e todas as manhãs lá ia vazá-la e deitar outra nova. Ao cabo de três semanas o cabelo já se movia e no sítio da raiz formava-se a cabeça com dois olhitos vermelhos, boca e dentes.

Um dia a senhora esqueceu-se de mudar a água. Na outra manhã, quando apareceu, a cobrita olhou-a e saltou-lhe na cara. Foi só uma dentada. Ao anoitecer, a pobre senhora morreu.”

“Isso eu não vi, lá isso não, mas contam!”