09 fevereiro, 2020

Quem foram os Presidentes da Câmara de Penacova durante o período do Estado Novo ?


Entre 1926 e 1937, no período de transição da Primeira República para o Estado Novo, os concelhos foram geridos por Comissões Administrativas. Só no final de 1937 foram nomeados Presidentes de Câmara, muitos deles presidindo às comissões administrativas anteriores.
A reforma administrativa do Estado Novo, em grande parte plasmada no Código Administrativo elaborado por Marcelo Caetano (aprovado em 1936 e revisto em 1940) consagrou o princípio da autarquia local, definida como “pessoa colectiva de população e território e fracção do território do Estado”.
Os Presidentes da Câmara eram nomeados entre os respectivos munícipes, de preferência vogais do conselho municipal, antigos vereadores ou membros das comissões municipais, ou diplomados com um curso superior.
Segundo o Código Administrativo de 1936, apenas os presidentes das câmaras de Lisboa e Porto e dos concelhos de 1ª ordem (rurais e urbanos) é que eram remunerados (e só a partir de 01/01/1938). Os vereadores não o eram. Com a revisão do Código em 1946 passaram também a ser remunerados os presidentes das câmaras dos concelhos urbanos de 2ª ordem.
Nestas circunstâncias, os presidentes de câmara eram escolhidos entre os notáveis locais e os representantes de grupos que reuniam prestígio social e económico. O cargo era incompatível com o exercício de quaisquer outras funções públicas remuneradas pelo Estado (Código Administrativo de 1940) o que implicava que os presidentes de câmara tinham mesmo de ter os seus próprios meios de subsistência, além de manterem as suas actividades profissionais em paralelo. Estes critérios acabavam por ser um “importante condicionalismo ao exercício de cargos públicos” que terá funcionado como um elemento restritivo no acesso à política local.

Fonte: Maria Antónia Pires de Almeida, O Poder Local do Estado Novo à Democracia: Presidentes de câmara e governadores civis (1936-2012)

PRESIDENTES DA CÂMARA DE PENACOVA 1928-1974

JOSÉ DE GOUVEIA LEITÃO, 1928-1936
Exerceu funções de Administrador Substituto e de Presidente da Comissão Administrativa de (Presidente da Câmara) durante cerca de 8 anos. Foi exonerado em 23-10-1936. Era filho de Artur Leitão.

MANUEL FERREIRA SALES GUEDES, 1936-1937
Médico. Foi nomeado Presidente da Comissão Administrativa em 23-10-1936  e Presidente do Conselho Municipal. Exerceu o cargo até 29-12-1937. Natural de Poiares (Régua) esteve, em Penacova, antes de ser Presidente da Câmara, ligado à construção do Preventório e ao Hospital da Misericórdia.

JOSÉ CORREIA MORAIS DE ALMEIDA, 1937-1939
Advogado e Conservador do Registo Predial de Almeida. Foi nomeado Presidente da Câmara Municipal de Penacova em 29-12-1937. Exerceu as funções em regime de Comissão de Serviço. Exonerado a seu pedido em 10-02-1939.

ALBERTO ALÇADA, 1939-1945
Industrial, com ligações à Estrela d’Alva. Foi nomeado Presidente da Câmara em 17-02-1939. Exonerado a seu pedido em 06-12-1945. Neste período, Gualter Correia Leitão do Amaral Cabral chegou a ser nomeado (20-02-1940) presidente substituto, mas foi exonerado, seis dias depois, em 26-02-1940.

ABEL JOSÉ FERNANDES RIBEIRO, 1945-1950
Industrial da Estrela d’Alva, pai do Dr. Álvaro Barbosa Ribeiro. Foi nomeado Presidente da Câmara em 06-12-1945. Exonerado a seu pedido em 15-02-1950.

FRANCISCO RODRIGUES MARTINS, 1950-1956
Licenciado em Direito e Conservador do Registo Civil. Foi nomeado Presidente da Câmara Municipal de Penacova em 15-02-1950. Exonerado a seu pedido em 04-04-1956. Em 24-09-1959 foi nomeado Presidente da Câmara Municipal de Miranda do Corvo, onde esteve até 1971.

ALÍPIO RIBEIRO BARBOSA COIMBRA, 1956-1958
Industrial, também ligado à Cerâmica da Estrela d’Alva. Foi nomeado Presidente da Câmara em 04-04-1956. Exonerado a seu pedido em 17-01-1958. Em 18-01-1968 foi nomeado Vice-Presidente da Câmara Municipal de Arganil, dissolvida por portaria de 13-05-1974. Não confundir o nome com o de seu avô Alípio Barbosa de Oliveira Coimbra, fundador da fábrica em 1904.

ÁLVARO BARBOSA RIBEIRO, 1958-1966
Sucede ao irmão Alípio. Licenciado em Direito, advogado e industrial (Estrela d’Alva e Taveiro). Foi nomeado Presidente da Câmara Municipal de Penacova em 17-02-1958. Exonerado a seu pedido em 10-01-1966. Presidente da comissão concelhia da União Nacional e Membro da Junta Central da Legião Portuguesa.

JÚLIO NOGUEIRA SECO, 1966-1970
Nomeado Presidente da Câmara Municipal de Penacova em 10-01-1966. Teve processo no tribunal da comarca de Coimbra por crime de injúrias. Tendo em vista as informações oficiais colhidas, foi denegada autorização para ser demandado criminalmente em Julho de 1969. Foi reconduzido por portaria de 27-01-1970.

Entretanto ÁLVARO ALBERTO DOS SANTOS foi nomeado Vice-Presidente em 16-11-1961. Foi reconduzido por portarias de 15-11-1965 e de 12-11-1969. Findou o mandato em 12-11-1973 com louvores por portaria de 20-12-1973.

ÁLVARO BARBOSA RIBEIRO, 1972-1974
Em 26-02-1972 voltou a ser nomeado para Presidente da Câmara (havia desempenhado o cargo entre 1958 e 1966 . Exonerado a seu pedido por portaria de 13-05-1974, com efeito a partir de 02-05-1974. A Câmara foi dissolvida por portaria do mesmo dia. Foi Deputado à Assembleia Nacional em 1973.

22 janeiro, 2020

Poetas penacovenses (V): Penacova no olhar [poético] de Luís Pais Amante

Pintura de Sofia Alves (2019)
Pequeno olhar

Olho-te daqui debaixo
Das praias do Mondego que realço
Das ínsuas descarnadas por percalço
Da Barca Serrana arrastada rio abaixo

E vejo a tua beleza, Penacova
Qual presépio de aconchego que se renova
Qual raio de luz abstracta na doçura da paisagem
Com porte imponente de belo na retina da imagem

Revejo a história
Tropeço nas memórias do meu Povo
E sinto-me bem agarrado a ele de novo

Num segundo olhar fiel
Arrancado ao meu cérebro derretido como o mel
Retenho um ponto mais saliente na estrutura do papel
E fico sem ar ao dar comigo recordando o meu pião a dar voltas no cordel

Não é a cor do céu bonito que me entende
Não é o bloco do casario altivo, radioso, que me compreende
É a trajectória do tempo que me remoça a vida colocada num alpendre
Projectada pelo renascer da cor da Casa Azul que já lá está fixada e me surpreende

Luís Pais Amante
22Jan20; 12h30

Emocionado ao ver a nossa Casa Azul restaurada, já com a sua cor primitiva.


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NR: Obrigado Dr. Luís. É uma honra publicar em primeira mão este poema dedicado a Penacova.

16 janeiro, 2020

Os Mártires de Marrocos e Lorvão



Os mouros espancaram-nos e arrastaram-nos pelas ruas, levando-os de novo à presença do miramolim que se enfureceu ao ouvir as respostas atrevidas dos franciscanos, fendeu-lhes os crânios com uma cimitarra e, a seguir, degolou-os.
Estava-se a 16 de janeiro de 1220. Os corpos dos mártires, lançados fora das muralhas e despedaçados, puderam ser recolhidos durante a noite pelos criados de D. Pedro. Quando o infante voltou à Península, trouxe consigo os restos mortais dos cinco frades, que imediatamente enviou para Coimbra 

A propósito dos 800 anos da morte dos Mártires de Marrocos que hoje se assinalam em diversos locais, incluindo Lorvão, deixamos aos leitores um texto do Professor Nelson Correia Borges, publicado recentemente no “Correio de Coimbra”.

MÁRTIRES DE MARROCOS
NOTAS ICONOGRÁFICAS

A história e a lenda dos Mártires de Marrocos estão intimamente ligadas a Coimbra.

Por decisão de S. Francisco de Assis partiram da Itália com destino ao norte de África, para que convertessem os muçulmanos, os frades Beraldo, Oto, Pedro, Adjuto, Acúrsio e Vidal. Em 1219 rumaram à Península Ibérica, passando por Aragão, onde Vidal adoeceu, pelo que apenas entraram no nosso país os outros cinco. Foram acolhidos em Coimbra por D. Urraca, esposa de D. Afonso II. Continuando caminho, partiram para Alenquer, onde estava D. Sancha, a piedosa irmã do rei, que os acolheu e aconselhou a serem prudentes. Daqui passaram os cinco frades a Sevilha, onde a sua pregação irritou os mouros, que por pouco os não mataram. Chegados a Marrocos foram recebidos pelo infante D. Pedro, irmão de D. Afonso II, refugiado em África por questões com o rei português. Também D. Pedro lhes deu conselhos de prudência, mas os frades, levados por entusiástico fervor iniciaram corajosamente as suas pregações, sofrendo contínuas peripécias e tormentos, de que D. Pedro os livrou por mais de uma vez, até o miramolim de Marrocos, irritado com a constância dos frades, os mandar prender, depois de em vão os tentar demover das suas atividades. Quando saíram da prisão, voltaram a pregar na praça pública. Os mouros espancaram-nos e arrastaram-nos pelas ruas, levando-os de novo à presença do miramolim que se enfureceu ao ouvir as respostas atrevidas dos franciscanos, fendeu-lhes os crânios com uma cimitarra e, a seguir, degolou-os.

Estava-se a 16 de janeiro de 1220. Os corpos dos mártires, lançados fora das muralhas e despedaçados, puderam ser recolhidos durante a noite pelos criados de D. Pedro. Quando o infante voltou à Península, trouxe consigo os restos mortais dos cinco frades, que imediatamente enviou para Coimbra (D. Pedro seguiu para a Galiza). Foram recebidos com toda a solenidade em 10 de dezembro de 1220 pelo próprio D. Afonso II. Organizou-se o cortejo que seguia para a Sé, mas a mula que levava o caixão das relíquias – contam os relatos lendários – parou junto ao mosteiro de Santa Cruz e dali não se mexeu enquanto não abriram as portas da igreja. Entrou e foi ajoelhar junto do altar-mor, significando que os restos dos mártires deviam ficar naquele lugar, como realmente assim aconteceu. Na verdade, o depósito das relíquias em Santa Cruz poderá dever-se ao facto de ter sido um cónego de Santa Cruz, D. João Roberto, que acompanhou D. Pedro no norte de África, ajudou a recolher e a conservar os restos dos frades, e depois os acompanhou no regresso a Portugal.

De que forma o culto dos mártires, que rapidamente se desenvolveu, se traduziu em representações artísticas?

A mais antiga representação que chegou até nós deve-se ao mosteiro de Lorvão, onde se encontrava a irmã do rei, a rainha D. Teresa, após o regresso de Leão. A seu pedido foram para Lorvão parte das relíquias e a corda com que os mártires andaram arrastados pelas ruas. Para as conter se fez uma arca relicário esculpida em calcário, onde se veem os cinco frades sob arcadas, em variados gestos, tendo na extremidade o Miramolim, sentado, de atitude interpelante. A cena representa a disputa dos mártires com o miramolim, dentro do palácio do rei: um passo da história que a iconografia não voltaria a repetir, pois as representações seguintes todas se centram no martírio, à exceção das de Alenquer, onde uma pintura seiscentista representa a aparição dos mártires a Santa Sancha, logo após o martírio (o acolhimento dos frades por D. Sancha, em azulejo, na portaria do convento, está muito degradado e quase irrecuperável).

O culto dos mártires, em Santa Cruz, já no século XV tinha conhecido considerável desenvolvimento. O prior D. Gomes Ferreira mandou lavrar uma caixa de prata para conter as relíquias, com cenas do martírio, mas que infelizmente não chegou até nós. Erigiu-lhes também uma nova capela na igreja, pronta em 1458.

A degolação dos mártires é tema para iluminuras de alguns códices, mas a primeira representação conhecida disponível para os fiéis deve-se mais uma vez ao mosteiro de Lorvão, no começo do século XVI, onde a abadessa D. Catarina d’Eça mandou fazer um relicário de prata dourada em que mandou pintar com realismo a impressionante cena da tragédia.

Da mesma época e um pouco posteriores são dois relicários de Santa Cruz, representado bustos de frades franciscanos, de rosto imberbe e com grande tonsura. É também a época da pintura em tábua com a cena do martírio feita para os conventos de S. Francisco de Évora e de Jesus de Setúbal (agora em museus).

A partir do século XVII e XVIII, multiplicam-se os exemplos do tema, em relevos e escultura de vulto, sobretudo disseminados por conventos franciscanos. Destaca-se o altar na igreja de S. Francisco do Porto, com as figuras de vulto inteiro, tal como no convento de Santo António, de Aveiro, ou em Mafra. A devoção atinge também igrejas rurais e urbanas.

Na igreja de Santa Justa, de Coimbra, incluíram no retábulo D. Pedro II um relevo com a cena cruenta do martírio e em Travassô as figuras são de vulto, incluindo a do miramolim, a que se junta um relicário.

É obviamente em Santa Cruz de Coimbra que se conserva o maior número de elementos históricos e iconográficos relativos a este culto, designadamente o livro da confraria dos Santos Mártires de Marrocos, a casula da festividade e a campainha, que anda ligada a procedimentos de caráter etnográfico. Na capela de Santo António representa-se em azulejo a chegada dos franciscanos a Santa Cruz. Notável é também o grupo escultórico com os mártires agrilhoados em atitude fervorosa, já da segunda metade do século XVIII.
Embora os santos Mártires de Marrocos se encontrem representados em diversos países, é em Portugal que conhecem as mais numerosas e originais representações, em quadros, esculturas, peças de ourivesaria e gravuras, constituindo um dos temas típicos da iconografia portuguesa, sem rival no estrangeiro.

Nelson Correia Borges

In: Correio de Coimbra n.º 4769, de 2020.01.09




DE ACORDO COM INFORMAÇÃO DA ASSOCIAÇÃO PRÓ- DEFESA DO MOSTEIRO DE LORVÃO, 
"O Mosteiro de Lorvão guarda ainda algumas relíquias destes santos, obtidas pela rainha Santa Teresa.
As freiras todos os anos celebravam a sua festa (16 de Janeiro) vestindo 5 meninos de Lorvão de franciscanos, para assistiram às cerimónias, e entronizavam as relíquias no altar-mor.
Os santos foram martirizados em Marrocos em 16 de Janeiro de 1220. Antes de partirem foram acolhidos por Santa Sancha. As relíquias foram trazidas pelo infante D. Pedro, irmão das Santas Rainhas.
Passam agora 800 anos do martírio. Vamos celebrar a memória."