05 julho, 2019

A família Iglésias e os cenários do Grupo de Teatro da Casa do Povo


O Grupo de Teatro e Variedades da Casa do Povo de Penacova apresentou em Março passado o espectáculo “Recordar é Viver”, inspirado na obra de Alípio Sousa Borges. No dia 20 de Julho vai, novamente, ser apresentado ao público penacovense.
Além de recuperar textos e músicas do Mestre Alípio Borges também, ao nível da cenografia, foram utilizados alguns trabalhos do início da década de cinquenta do século passado. Concretamente dois grandes painéis, representando a Igreja Matriz e a Ponte de Penacova. Trabalhos que logo numa primeira observação indiciam mão de artista. No entanto, passados cerca de setenta anos, já se torna difícil saber a sua autoria. Diz-se que teria sido alguém da Anadia de apelido Iglésias. Dado que se trata de um trabalho em tela com evidente qualidade artística, considerámos que seria pertinente ir mais além no esclarecimento dessa questão.
Foi quando nos recordámos de uma entrevista que o Sr. Alípio Borges deu ao jornal Nova Esperança. E ao reler esse texto, cruzámo-nos com uma passagem que nos poderá levar à descoberta do autor daqueles cenários. Conta Alípio Borges que aprendera muito sobre “os segredos” do teatro não só com a D. Raimunda de Carvalho, à volta do Grupo Orfeónico Católico Penacovense, mas também com o Padre Firmino Carvalhais, com o “cenógrafo Pepe Iglésias” e com o Prof. Eliseu, no Grupo de Variedades da FNAT de Coimbra.
Cá está o apelido Iglésias. Procurando indagar na Anadia, foi fácil chegar ao célebre Grupo de Teatro “Os Rouxinóis”, nada mais nada menos que fundado em 1948 por José Luís Iglésias, também conhecido por Zeca Iglésias, de seu nome completo, José Luís Fernandes Llano Iglesias. Em 2017 foi apresentada na Assembleia Municipal da Anadia uma proposta no sentido de atribuir ao Cineteatro o nome de Cineteatro Mestre José Iglésias, músico, compositor “verdadeiro animador cultural”. Sabe-se que foi desenhador tipógrafo, deixando “a sua marca artística nos rótulos das garrafas de espumante da Bairrada e nas mesas do antigo Café Central”.
German Iglésias, pintor Galego,
pai do autor dos cenários
Podemos então afirmar, desde já, que o autor dos cenários é o Mestre José Iglésias? Ainda não. É que Alípio Borges fala no cenógrafo Pepe Iglésias. Qual dos três irmãos? Germano José Ignácio Iglésias (1909-1971), José Fernandes Iglésias (1913-1965) ou José Luís Fernandes Llano Iglésias (1924-2005)? Como sabemos, o hipocorístico de José, em espanhol, é Pepe. É sabido também que todos eles tinham grande vocação para a pintura, já que, como veremos, eram filhos de um pintor espanhol. Todos eles terão trabalhado com o pai no restauro da capela dos Passos de Ovar. Temos a informação que o mais versátil dos irmãos (pintor, cenógrafo, executante de violino) era o José Luís. Mas, fica a dúvida. A qual deles se referia Alípio Borges? Ao José, ou ao José Luís? Na verdade, foi o José Luís que em 1948 veio viver para a Anadia e também nesta vila da Bairrada os cenários dos irmãos Iglésias ganharam fama...
Resta dizer então de quem eram filhos. O pai, German Iglésias, nascera em Ferrol (norte da Galiza) em 1884. Morreu em Penafiel em 1955. Veio para Portugal por volta de 1912. Formado em Belas Artes na Academia de San Fernando (Madrid) foi colega do futuro chefe espanhol, Francisco Franco, de quem era conterrâneo. A actividade artística da família Iglésias passou por Ovar, Penafiel e Anadia.  Também no mundo do teatro amador. Enquanto autores e actores e na qualidade de encenadores e cenógrafos. A sua dinâmica cultural, que terá influenciado Alípio Borges, afirmou-se também na criação e pintura de grandes e deslumbrantes cenários.  Por essas terras ainda perduram algumas das suas  obras. E, curiosamente, também em Penacova.  




23 junho, 2019

No centenário da eleição presidencial de António José d'Almeida: [1] A visita a Coimbra


A reportagem fotográfica na "Ilustração Portuguesa"

O ano de 1919 ficou marcado pela eleição de António José de Almeida para a Presidência da República. Penacova celebra, assim, neste ano de 2019, o Centenário da sua Eleição Presidencial.

A eleição teve lugar em 6 de Agosto de 1919, reunido o Congresso[1] em sessão especial das duas câmaras, Câmara dos Deputados e Câmara dos Senadores. No 3.º escrutínio, António José de Almeida obteve 123 votos (73,7%), seguido de Manuel Teixeira Gomes com 31 votos e 13 listas em branco. Tomou posse em 5 de Outubro de 1919, em sessão solene preparada para a ocasião.

António José de Almeida sucedeu a João do Canto e Castro. Foi o primeiro Presidente da República eleito que cumpriu o seu mandato por inteiro. Mandato que terminou  em 5 de Outubro de 1923, sucedendo-lhe  Manuel Teixeira Gomes.

No final de Novembro e início de Dezembro de 1919, efectuou uma Visita Presidencial a Coimbra. No dia 1, presidiu à sessão solene inaugural do ano lectivo na Universidade, tendo sido a Oração de Sapiência proferida pelo Lente de Medicina João Duarte de Oliveira que  abordou a questão da autonomia universitária.

A visita a esta cidade revestiu-se de grande imponência. Fora recebido, no dia 29 de Novembro, na Estação Nova, vindo de Lisboa de comboio e também nos Paços do Concelho a que se seguiu a visita ao Paço das Escolas. À noite teve lugar um banquete de Gala nos Paços do Concelho oferecido pela Câmara Municipal (servido pelo Coimbra Hotel). No dia 30 visitou o Quartel de Infantaria nº 23 e na Ínsua dos Bentos passou em revista o Batalhão Expedicionário de Infantaria 23. De tarde visitou a Universidade e à noite assistiu a uma récita de gala no Teatro Avenida onde a Companhia do Teatro Nacional apresentou “A Morgadinha de Vale Flor”. O regresso a Lisboa aconteceu no dia 2 de Dezembro, onde à tarde, iria assistir à abertura do Parlamento.


Refere a Gazeta de Coimbra que na terça-feira, dia 2, veio a Penacova o Ministro do Comércio e Comunicações, Ernesto Júlio Navarro, acompanhado do Director de Obras Públicas, para se inteirarem das obras da estrada Penacova-Lousã. De passeio, terão vindo também o Ministro da Guerra (Hélder Ribeiro) e o Presidente da Câmara dos Deputados (Domingos Pereira).

Escreve o mesmo jornal que “a  cidade de Coimbra, vestindo-se de galas, cobrindo-se de flores, de bandeiras, soube prestar-lhe as honras que se devem a quem, pela Pátria, tem trabalhado incansavelmente.” E mais adiante: “A figura do Sr. Presidente da República foi saudada carinhosamente. A alma popular via nela ainda, como nos tempos da propaganda revolucionária, aquele orador arrebatador, transcendental, demosténico, que sabia fazer vibrar intensamente a escala das emoções humanas.”

No discurso proferido na Universidade, considerou a cidade de Coimbra “como a terra natal do seu espírito” dizendo que, ao entrar na Sala dos Capelos, depois da sua ascensão à presidência da República, sentira “na sua alma recordações inolvidáveis duma mocidade distante”.

António José de Almeida ao chegar a Coimbra
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A tomada de posse em 5 de Outubro de 1919

[1] Nos termos da Constituição Política da República Portuguesa de 1911 que então vigorava, o Presidente da República era eleito através de sufrágio indirecto, requerendo pelo menos dois terços dos votos das duas Câmaras do Congresso da República (Deputados e Senado) reunidas em sessão conjunta. As eleições tiveram lugar a 6 de Agosto de 1919, e decidiram-se ao fim do terceiro escrutínio, tendo António José de Almeida obtido 73,7% dos votos, contra os 18,6% do segundo candidato mais votado, Manuel Teixeira Gomes. O Presidente da Republica eleito tomou posse em 5 de Outubro de 1919.

16 junho, 2019

“Penacova-a-Linda” na poesia e na música

Não se sabe ao certo quem pela primeira vez usou a  expressão  “Penacova-a-Linda”. No entanto, encontrámos no jornal Notícias de Penacova uma alusão a António Casimiro Guedes Pessoa (1879-1935) como sendo o seu autor. No mesmo periódico, em 1932, aparece um artigo assinado por Dora (Aurora Rodrigues) intitulado “Penacova-a-Linda”, provavelmente já uma  influência daquele penacovense.

Em 1947 Manuel de Oliveira Cabral,grande divulgador de Penacova e das suas belezas naturais, escreveu o poema “Penacova-a-Linda”. Este escritor e pedagogo, acompanhado da esposa, Estefânia Cabreira, conhecera Penacova, em 1933, na qualidade de arista, e não mais esqueceu esta terra.

Poesia de 1947, in Notícias de Penacova (1968)
A poesia de Oliveira Cabral foi musicada por Estefânia Cabreira. A composição foi executada pela Orquestra da Emissora Nacional (secção do Norte) sob a regência do maestro Resende Dias e cantada por Júlio Guimarães (uma das vozes da locução mais conhecida no Porto durante décadas e afamado cantor de tangos), tendo sido gravada em disco e em fita magnética. A pedido de Oliveira Cabral terão sido feitas expressamente duas cópias para serem oferecidas a António Feliciano de Sousa (que seria solicitador no Porto e terá construído o “Moinho do Aviador”) e António Rodrigues Amaral.

Também no jornal “Comércio do Porto”, sob o título “Belezas de Portugal” foi publicado aquele poema sobre Penacova.

Partitura da composição gravada em disco nos anos quarenta
Uma outra composição (letra e música) dos mesmos autores intitulada “A Voz do Mondego” foi publicada no Notícias de Penacova em 1947. Temos também o “Hino de Penacova”, cuja autoria é atribuída a Álvaro Alberto dos Santos. Consta que, igualmente, o Dr. Manuel Ferreira Sales Guedes terá escrito um poema sobre Penacova, “musicando-lhe uma Marcha”. Refira-se ainda a obra “Penacova”, da autoria de Joaquim Fernandes Fão, maestro da GNR e autor de inúmeras obras para Bandas Filarmónicas. Este trabalho, uma fantasia (termo que designa uma peça de carácter livre),  foi estreado em 1934, em Lisboa, num concerto da Orquestra de Saxofones e Banda da AIRFA (Banda Filarmónica da Academia de Instrução e Recreio Familiar Almadense).

Antes de terminar, não podíamos deixar de referir canções como "As Nevadas" e "Penacova Minha Terra"  do Mestre Alípio Borges, ainda recentemente recordadas pela Casa do Povo de Penacova.

Penacova tem vindo ao longo dos anos a inspirar muitos poetas e músicos. Uma recolha que seria interessante fazer. Desde já agradecemos todos os contributos nesse sentido.

(penacovaonline2@gmail.com)