10 maio, 2019

Indústria cerâmica nos finais do séc. XIX em Penacova


Nos finais do século XIX a actividade industrial em Penacova resumia-se a muito pouco. Recorde-se que ainda não existia a Cerâmica Estrela d’Alva pois só em 1904 iniciaria a sua laboração.

Por volta de 1915 apontavam-se como “bandeiras” da industrialização do concelho, a Estrela d’Alva, a Fábrica de Cal da Galiana e o Lagar de Vila Nova, tendo como principais investidores, respectivamente, Alípio Barbosa, Amândio Cabral e José Maria de Oliveira.

Nos inícios do século XX, encontramos na freguesia de Sazes pedreiras de mármore e de calcário. Na freguesia de Penacova a extração de cal preta de muito boa qualidade e também granito, para cantaria e mós. Granito igualmente explorado na freguesia de Friúmes. Há notícia do registo, na comarca de Penacova, de dez minas de metais preciosos, carvão, ferro e chumbo que, no entanto, não se encontravam em fase de exploração. De referir ainda as indústrias da cal, dos palitos, da madeira e da lenha, que detinham já algum peso no panorama concelhio.

A indústria cerâmica ocupava um lugar muito modesto. Como já referimos, a Fábrica da Estrela de Alva só alguns anos mais tarde iniciaria a sua laboração.  Um documento do Ministério das Obras Públicas, Comércio e Indústria intitulado “ESTUDO SOBRE O ESTADO ACTUAL DA INDÚSTRIA CERÂMICA”, publicado em 1905, apresenta, no entanto, três polos industriais neste sector: freguesias de Figueira de Lorvão, S. Pedro de Alva e Sazes. Em Figueira e em S. Pedro de Alva fabricava-se telha ordinária. Em Sazes, panelas e caçarolas.

É a parte do documento referente ao concelho de Penacova onde se faz um apanhado geral, com o número de oficinas e fornos, o pessoal empregado e o rendimento anual nas diferentes freguesias e no concelho que, a seguir, se transcreve (grafia actual). Publicamos também algumas das gravuras que integram aquela publicação.


Freguesia da Figueira de Lorvão

“Nesta freguesia e lugar da Sernelha existem 2 fornos de cozer telha ordinária. Em cada um dos fornos empregam-se o dono do forno, mais 2 operários, 2 trabalhadores e 1 rapariga. A duração do trabalho é desde abril a outubro. Os preços dos jornais são de 300 réis para os operários e 240 réis para os trabalhadores, as raparigas não vencem jornal por serem filhas dos donos dos fornos. O barro empregado é avermelhado e é explorado aos lados dos sítios onde estão os fornos, tem a plasticidade necessária para o fabrico a que é destinado, os utensílios empregados no fabrico são os usados nesta espécie de produtos. Não apresentam também novidade alguma. Cada forno produz anualmente 50 milheiros de telha, que vendem na própria freguesia e nas vizinhas a 5$500 réis (em média), sendo, portanto, o rendimento anual de cada forno 275$000 réis, ou 550$000 réis para os 2 fornos.”

 Freguesia de S. Pedro de Alva

“Nesta freguesia e lugar da Cruz do Souto existem 3 fornos de cozer telha ordinária, nos sítios denominados Cabecinho, Carvalhinho e Serra. Em cada um d’estes fornos trabalham permanentemente, durante os meses de laboração, agosto e setembro, 2 operários e 1 carreiro. Os preços dos jornais regulam por 280 réis para os operários  1$200 réis para o carreiro. O barro empregado é esbranquiçado, regularmente plástico e é explorado no sítio do Val do Grou, que fica á distancia de 500 metros aproximadamente dos 3 fornos. Os fornos, utensílios e processos de fabrico são precisamente iguais aos da Figueira de Lorvão. Cada forno produz anualmente 36 milheiros,ou 108 milheiros para os 3 fornos, que vendem a 4$000 réis na própria freguesia e nas vizinhas, sendo portanto o rendimento anual dos 3 fornos réis 432$000. Em Lufreu, lugar pertencente a esta freguesia, está-se montando uma fábrica a vapor para o fabrico de telha tipo marselhês, mas asua construção está ainda bastante atrasada. “

Freguesia de Sazes

 “Há 4 anos pouco mais ou menos veio de Molelos um oleiro com sua mulher, 3 filhos e 2 filhas, todos maiores, estabeleceram-se nesta freguesia para exercer a sua industria. Começaram fazendo as suas pesquisas à procura de barros e, conseguindo encontrá-los razoáveis, principiaram a fabricar louça preta pelo sistema de Molelos. Tem 3 rodas ou tornos de oleiro, um bocado de sola e outro de cana, únicos utensílios que empregam. Fabricam unicamente panelas e caçarolas. A louça é cozida em covas abertas no chão. De tempos a tempos desloca-se parte da família, andando por outras freguesias a fazer e cozer louça, isto é, são fabricantes de louça ambulantes. Desde que vêem que numa freguesia os seus produtos já não têm fácil venda, mudam-se para outra, até que passados 6 ou 8 meses de peregrinação regressam a Sazes, sede do seu estabelecimento. Não se pode fixar bem a produção e rendimento anual d’esta indústria, mas não se deve avaliar em menos de 200$5000 réis.”









05 maio, 2019

Ponte do Alva (1908-1986)

A Ponte do Alva por alturas da inauguração
(foto cedida por Luís Calafate)

A nova ponte em construção, vendo-se ao fundo a antiga travessia.
(Foto publicada no NE em 1986)

Quem se recorda da Ponte do Alva? Foi no dia 2 de Janeiro de 1986 que terminou os seus dias. Eram 10 horas da manhã. Poucos segundos antes tinha passado o Expresso da Rodoviária com destino a Viseu, carregado de gente. Conta o jornal Nova Esperança que também um motociclista se salvou por pouco, graças a um furo no pneu que o fez parar antes de atravessar a ponte. Houve uma vítima mortal (um jovem da zona de Cantanhede) mas na sequência de trabalhos de desobstrução das estruturas (da velha e da nova ponte).

Na altura, as obras da nova ponte já estavam quase concluídas, o que permitiu que logo a 22 de Janeiro fosse aberta ao trânsito, evitando um maior transtorno com o desvio por Friúmes ou Poiares para apanhar a estrada da Beira ou pela Barragem da Raiva e Gondelim em direcção a Penacova. 

As obras da velha ponte foram lançadas em 1908, com a presença de José Maria de Oliveira Matos, deputado progressista pelo círculo de Arganil. Esta ponte terá mesmo sido designada por Ponte Oliveira Matos (a par da ponte de Penacova também com o nome de outro membro do Partido Progressista, Luciano de Castro). As obras só terão ficado concluídas passados mais de seis anos. Em 1914 ainda o Jornal de Penacova dizia que a ponte lá estava, "como um coreto sobre o rio", à espera que se fizesse "o encontro da margem direita”. 

Imagem  recolhida num documento (cedido por Luís Calafate )
datado de 1920  em que é possível saber que tinha 70 metros.
A Ponte do Alva representava, em termos de engenharia de construção, um dos primeiros exemplares de pontes construídas em Portugal com cimento armado. Foi construída pela empresa Moreira de Sá e Malevez[1], concessionária em Portugal do sistema de betão armado Hennebique. O cimento armado fora uma invenção do construtor francês Monnier, realizada por volta de 1860, ao embeber no cimento fios ou redes de aço aumentando-lhe, assim, a resistência. No entanto, para as construções de maior vulto foi preciso aperfeiçoar esta técnica. Tal foi conseguido em 1892 pelo engenheiro francês François Hennebique. 

A revista francesa na área da construção civil "Le Béton Armé", de 1908, refere esta obra tendo como concessionário, precisamente, “Moreira de Sá e Malevez”. O engenheiro responsável terá sido João Theophilo da Costa Goes. 

Por tudo isso, pena foi que tivesse desaparecido para sempre. Quem sabe, se tivesse tido obras de conservação ainda hoje poderia ser um caso de estudo no campo da engenharia e obras públicas, coexistindo com a actual ponte que serve o IP3. 



[1] Ainda há poucos anos, fomos contactados por um bisneto do Eng. Bernardo Moreira de Sá, Luís Calafate (Professor universitário) no sentido de obter informações sobre a velha Ponte do Alva (além das que já possuía e que amavelmente nos disponibilizou).

30 abril, 2019

Afinal a Igreja caiu ou não caiu?


É voz corrente que o actual edifício da Igreja Matriz de S. Pedro de Alva é o resultado do “acrescentamento de uma mais pequena, do século XV, destruída pelo sismo de 1755.” Assim se pode ler no sítio web [1] da Junta de Freguesia.

Também o “Inventário Artístico de Portugal” [2], no volume dedicado ao distrito de Coimbra, da autoria de Virgílio Correia e A. Nogueira Gonçalves, refere que “o edifício actual pertence a duas épocas: a capela-mor ao segundo quartel do séc. XVI e o corpo da igreja à segunda metade do séc. XVIII, por ter desabado o da época quinhentista, com o terramoto de 1755”. Nogueira Gonçalves foi padre, professor e Conservador do Museu Machado de Castro, sucedendo a Virgílio Correia naquele cargo. O trabalho destes dois investigadores é reconhecido como sendo modelar. No entanto, contrariando estas afirmações, deparámo-nos, há tempos, com a existência de um documento datado de 1756 que poderá pôr em causa a tese da destruição parcial da igreja na sequência do terramoto.

No rescaldo do forte abalo sísmico ocorrido em 1755, D. José I - com a colaboração de Sebastião José de Carvalho e Melo - mandou fazer um inquérito para ser enviado a todos os párocos do reino. Essas INFORMAÇÕES DOS PÁROCOS DE DIVERSAS REGIÕES DO PAÍS RELATIVAS ÀS CONSEQUÊNCIAS DO TERRAMOTO DE 1755 encontram-se arquivadas na Torre do Tombo, em Lisboa. Nem todos os vigários responderam mas, naquele conjunto de documentos, encontra-se o relato do pároco de Farinha Podre onde, o mesmo, escreveu: “Não houve ruinas algumas ainda nos edifícios de maior grandeza, como esta Igreja (Padroado Real) que pelo levantado, e majestoso de seu arco cruzeiro e capela-mor excede as mais deste arcediagado, obra antiga, de que não há memória, e só tradição ser fundada pelos Templários.”

Mais à frente, reforça o facto de não ter havido danos materiais: “É esta freguesia povoada só de lugares ou aldeias em um sítio vulgarmente chamado Casconha e como o terramoto não causou mais abalo, que horror e espanto, não houve providência alguma imediata.”
 


O documento tem a data de 15 de Maio de 1756. Mais tarde, em 1758, foi lançado um novo questionário, onde, além de outras questões, se perguntava novamente se a freguesia havia “padecido” de alguma “ruina no terramoto de 1755” e, no caso de ter existido, em quê e se estavam reparados os danos. Ora, também neste documento, nada se refere quanto ao pretenso desabamento da Igreja, e nem sequer se responde à questão 26, que dizia respeito às consequências do terramoto.

Se tivesse havido tão significativo estrago na Igreja Matriz o que poderia ter levado o pároco a não o comunicar, passado apenas meio ano? Por outro lado, em que fontes se terão baseado os autores do Inventário Artístico? Ficam as perguntas.
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[1] http://www.uf-spaspm.pt/
[2] Inventário Artístico de Portugal-Distrito de Coimbra, de Vergílio Correia (reorganizado e completado por A. Nogueira Gonçalves publicado pela Academia Nacional de Belas Artes em 1952.