08 outubro, 2016

Cartas brasileiras: estrela decadente

Nos últimos treze anos, conduzidos por uma estrela então de esperança, muitos brasileiros com seus votos ajudaram a pintar o mapa do Brasil com a cor vermelha do Partido dos Trabalhadores, a agremiação política do ex-presidente Lula e da recém afastada Dilma.

Vieram as eleições de outubro de 2016, para prefeitos e vereadores; como pano de fundo:
1) as denúncias da Operação Lava Jato, detonadas pelo caso Petrolão (escandalosa corrupção na Petrobras) se alastrou. Mesmo estando ainda apenas no meio do caminho, redundou na prisão de empreiteiros, marqueteiro do PT, políticos, proeminentes dirigentes petistas, ex-presidentes e tesoureiros. E uma constatação: praticamente os mesmos dirigentes envolvidos no caso “Mensalão” o ocorrido no Governo de Lula, do qual o presidente se manteve ileso.
2) O impeachment da presidente Dilma por crime de responsabilidade, depois de o pedido ter sido acatado pela maioria absoluta dos deputados, levado ao Senado, submetido a uma maratona de reuniões, testemunhas na Comissão do Impeachment, teve o relatório aprovado e em seguida aprovado pela maioria absoluta dos senadores.

Outubro de 2016: apurados os votos constatou-se a acachapante do Partido dos Trabalhadores, o povo respondeu com um sonoro “não”, foi como um basta, um repúdio tão grande que ex-presidente não teve prestígio até para ajudar o filho se eleger como vereador na cidade símbolo do petismo: São Bernardo do Campo. No Rio de Janeiro e em Porto Alegre, as candidatas apoiadas por Dilma tiveram desempenho pífio.
Pela primeira vez, a eleição para prefeito de São Paulo, a mais importante cidade do Brasil, foi decidida no primeiro turno; o candidato petista, e atual prefeito (Haddad), mesmo com o apoio pessoal de Lula, conseguiu pouco mais de 16% dos votos (967.190), enquanto Dória (PSDB), sem nunca ter ocupado qualquer cargo político, obteve mais de 53% (3.085.187).

O vermelho, praticamente, sumiu dos nossos mapas; o resultado das eleições é visto como uma prévia do que acontecerá em 2018: eleição presidencial.

Não há como não lamentar o quase fim do que um dia representou, para muitos, a estrela da esperança tornar-se uma estrela decadente.




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05 outubro, 2016

O 5 de Outubro de 1976 em Penacova: sons, imagens e textos que quatro décadas não apagaram

OUÇA EM 
https://www.youtube.com/watch?v=mt-lf3UKW60

Celebravam-se então 66 anos da Implantação da República. No dia 5 de Outubro de 1976 Penacova prestava homenagem a António José de Almeida inaugurando no centro da vila um busto daquele estadista natural de Penacova.
 
Logo pela manhã, uma salva de 21 morteiros anunciou “o dia festivo que se ia viver” - escreveu o Notícias de Penacova. Às nove e meia teve lugar uma romagem ao Cemitério da Eirinha, em homenagem aos republicanos cujos restos mortais ali repousam. Pelas 12 horas, nos Paços do Concelho, foi içada a bandeira nacional com guarda de honra dos Bombeiros Voluntários. O Gestor Municipal, José Alberto Rodrigues Costa, numa breve alocução, sublinhou o significado do 5 de Outubro e recordou o modo como foi aclamada a República em Penacova. A parte da tarde viria a ser preenchida com o principal ponto do programa: a homenagem a António José de Almeida.


Edição de 9 de Outubro de 1976
do Notícias de Penacova

A vila estava em festa. Música executada pelas Filarmónicas do concelho: dos Bombeiros, Boa Vontade Lorvanense e Casa do Povo de São Pedro de Alva. Estralejar de foguetes no ar. Satisfação “resplandecendo nos rostos do povo (...) porque desde há muito tempo que este dia não era festejado com alegria, já que, durante quase meio século, o 5 de Outubro marcava uma data de oposição a um governo rejeitado pela maioria, oposição essa que veio a ter o seu terminus na madrugada de 25 de Abril de 1974” - escreveu aquele periódico local, rematando - “agora sim, agora o 5 de Outubro é dia festivo para o Povo que quer ser Livre.”
 
Pelas 16 horas procedeu-se ao descerramento do Busto (da autoria do escultor José Maria Cabral Antunes) que se encontrava coberto com a ”genuína” bandeira verde-rubra que foi içada na Rotunda no dia da Revolução vitoriosa.
 
O Governador Civil de Coimbra, Fernando Vale (que havia tomado posse na véspera) abriu a sessão, fazendo um breve referência à figura de António José de Almeida e ao alto significado daquele acto.

Seguiu-se Romero de Magalhães, Secretário de Estado da Orientação Pedagógica, em representação do Governo. Em breves, "mas vigorosas palavras", não só se referiu à justíssima homenagem como ainda à figura de António José de Almeida, terminando por lembrar o verdadeiro significado do que é a Liberdade e a República.


Romero de Magalhães no uso da palavra,
vendo-se também na foto Fernando Vale


Intervenção de José Alberto Costa, Gestor Municipal
(Arquivo pessoal de J.A.Costa)

Usou depois da palavra o Gestor municipal, José Alberto Costa, que “em seu nome pessoal e do povo do concelho deu as boas vindas a todos quantos quiseram honrar com a sua presença tão solene homenagem”. Seguiu-se a intervenção de Eduardo Ralha. Diz o Notícias de Penacova, cujas páginas temos vindo a seguir de perto – “Este orador, com aquela clarividência que lhe é peculiar, vivendo intensamente o momento nacional que foi o 5 de Outubro de 1910” fez uma explanação longa sobre o assunto e destacou o facto da personalidade de António José de Almeida “não ser apenas motivo de honra e legítimo orgulho para o concelho, mas também porque se trata mesmo de uma gloria nacional.” Terminou dizendo: “Quando assim se der sentido à trilogia: Liberdade, Igualdade e Fraternidade, seremos dignos continuadores da geração de António José de Almeida e estaremos então a prestar-lhe a mais significativa das homenagens”.



Seguiu-se a intervenção do genro do homenageado, Júlio Abreu, que em representação dos familiares agradeceu “comovidamente” a homenagem que se estava a prestar e fez uma “breve resenha do que foi a vida e obra António José de Almeida, essa figura nacional que desde os seus tempos de estudante se deu de alma e coração à causa republicana, à democracia e à elevação do bom nome da Pátria Portuguesa.” Estava também presente a filha do homenageado, Maria Teresa de Almeida Queiroga de Abreu.
 
A finalizar, o Chefe da Secretaria da Câmara procedeu à leitura do Auto, lavrado em livro especial e que, no final, foi assinado pelas entidades presentes e pelo povo que o quis fazer. Foram ainda lidas algumas mensagens de "familiares ausentes e de um republicano", após o que foi guardado um minuto de silêncio por todos quantos lutaram para que a República Portuguesa fosse uma realidade viva.



“Estava assim terminada uma das mais brilhantes cerimónias realizadas no concelho” – conclui o jornal – “que desta forma prestou homenagem a um dos seus filhos que soube honrar a sua terra e Portugal.”


02 outubro, 2016

Sazes: no 118º ano de existência, Irmandade do S.S. e N.S. do Rosário afirma vitalidade



O Bispo de Coimbra, D. Virgílio Antunes, esteve hoje em Sazes. Inaugurou as obras de restauro e ampliação da Casa Paroquial, culminando assim, dum modo solene, o meritório trabalho do Conselho Económico da Paróquia, reconhecido que é também o empenhamento de toda a freguesia.
A Irmandade do Santíssimo Sacramento e Nossa Senhora do Rosário esteve igualmente em destaque, dado que foi benzido o novo estandarte desta secular instituição que tem como membros da Mesa, Horácio Neves (Juíz), Sílvio Costa (Tesoureiro) e Inácio Ferreira (Escrivão).

Alvará de 1898, publicado no caderno
 que em 1907 divulgou
 o Compromisso da Irmandade
Recordemos um pouco do percurso desta Irmandade:
Até 1898 existiam em Sazes duas Irmandades: a do Santíssimo Sacramento e a de Nossa Senhora do Rosário. Nesse ano, fundiram-se e o respectivo Compromisso (Estatutos) foi aprovado pelo Governo Civil de Coimbra em 13 de Julho daquele ano.
Existem referências (anotações constantes dos Orçamentos que se encontram no Arquivo da Universidade de Coimbra) que atestam que a Irmandade de N.S. do Rosário se regia por Estatutos aprovados pelo Ordinário (Bispo) em 1799 (provisão de 8 de Junho). Quanto à Irmandade do S.S. não dispomos dessa informação. No entanto, Vitor Simões Alves, historiador, natural de Sazes,  refere na Bibliografia de um  seu trabalho sobre esta freguesia (cuja leitura recomendamos) a existência de Estatutos da Confraria do Santíssimo com data de 1750 e também da Confraria de N. Sª do Rosário com data de 1699. Seja como for, a sua antiguidade é um facto.
Com o advento da República, esta Irmandade, erecta em 1898,  viu-se obrigada a reformular os seus estatutos. Curiosamente o alvará que aprova esse aditamento está assinado por um penacovense, na altura (1915) Governador Civil, o Juíz de Direito, Luís Duarte Sereno. Não dispomos desses estatutos, mas tudo leva a supor que vêm na sequência da Lei de Separação e das convulsões político-religiosas que se viveram em Portugal.
Vejamos um pouco da história geral das Irmandades em Portugal:
Foi no Concílio de Trento (1545-1563) que foram definidas as competências das confrarias, que entretanto se estavam a difundir pelo mundo católico. O culto eucarístico, foi então incrementado com a reforma católica deste concílio Tridentino, influenciando a expansão das




confrarias do Santíssimo Sacramento.O modelo, aprovado pelo Papa Paulo III em 1537, promovia o culto eucarístico, zelo pelos sacrários, visita aos enfermos, acompanhamento do sagrado Viático, realização da festa em honra do Santíssimo, celebração de missas por intenção dos irmãos, fomento da oração diária. Entretanto existiam já outras Irmandades: das Almas, de Nossa Senhora do Rosário…
Com o advento da Época Moderna, o poder real começou  a exercer um maior controlo sobre as irmandades: aprovando os seus estatutos e fiscalizando as suas contas; estas instituições dependiam ainda de autorização superior para o pedido de empréstimos ou aceitação de legados pios.
 Após a mudança política em Portugal operada com a revolução liberal, a autoridade da coroa sobre as irmandades continuou a ser exercida praticamente nos mesmos termos.
Com a implantação da República, as irmandades sentiram dificuldades em assegurar o seu dinamismo e a situação política vivida, condicionou fortemente a ação pastoral do clero e dos fiéis. O novo regime avançou com o plano de substituir as Irmandades por associações cultuais, cujos preceitos organizativos eram impostos pelo poder político. No mínimo, a esses novos poderes ficaram, diríamos, completamente submetidas.
Algumas harmonizaram os estatutos, ao abrigo do artigo 17º da Lei da Separação, transformando-se em associações cultuais. Outras reformaram os seus compromissos ao abrigo do artigo 38º da mesma lei.  Entretanto, com o esbater dos anos e com as alterações políticas, ainda ao longo da I República, a situação tendeu a normalizar-se.
Oportunamente voltaremos ao assunto para desenvolver mais alguns pontos do historial e da orgânica desta Irmandade do Santíssimo e Nossa Senhora do Rosário de Sazes: pessoas, orçamentos da segunda metade do século XIX, normas do Compromisso, e outros pormenores.

Estatutos de 1898, impressos
 num pequeno livro com data de 1907

Diploma em formato A3