09 agosto, 2016

Umas férias em Penacova: um texto de Alves Mendes com cerca de 160 anos



Quinta de Carrazedos, não como Alves Mendes a viu
há 160 anos, mas segundo um cartaz recente
Com apenas 19 anos, o futuro Cónego da Sé do Porto, eminente Orador Sagrado e Arcediago de Oliveira, António Alves Mendes da Silva Ribeiro (Penacova, 1838 - Porto, 1904) publicou num jornal de Coimbra um conjunto de crónicas a que chamou “Umas Férias em Penacova” dedicadas ao “amigo A. M. C. de Bastos Pina”, que seria um dos irmãos do futuro Bispo de Coimbra, Manuel de Bastos Pina. Nestas crónicas, a par da descrição da sua “Pátria” [Penacova], Alves Mendes tece algumas reflexões metafísicas, que prenunciam já a alta craveira eclesiástica e a grande projecção nacional que este penacovense haveria de atingir.
Por hoje, prometendo voltar ao assunto,  deixamos aos nossos leitores um excerto dos referidos escritos. Um retrato da Quinta de Carrazedos, emoldurado pelas paisagens de Penacova. Estamos em 1857.

(...) Ainda os rosados dedos da aurora não tinham aberto as portas do oriente, quando me achava passeando numa formosa colina , donde com toda a graça e exactidão avistava por entre as espessas e formosas oliveiras que as circundam as elevadas sumidades de seus edifícios. Sentei-me então sobre a relva juncada de mimosas flores que, com seu delicado odor,  incensavam toda aquela vasta paisagem.
Não se via aí mais do que uma simplicidade rústica e natural, capaz de fazer atrair o encanto do génio mais indiferente: não se notava naquele ponto o precioso do ouro e da prata, a rareza dos mármores e diamantes e o encantador dos quadros e pinturas: nada mais havia do que uma natural singeleza; um aposento talhado em rocha viva, por tal forma, que excedia o maior apuro da arte humana. Uma, enfim,  quase que gruta, a quem uma abóbada de interlaçadas e tenras vides forrava com seus ramos flexiveis.
Os brandos zefiros conservavam aí - contra os ardores do sol, que explêndido e radioso se erguia magestosamente - uma frescura deliciosa; e inumeráveis levadas giravam com suave murmúrio por entre o milho que com uma folhagem do verde mais vivo tornava o prado de cintilante luzir, sendo este tanto mais vistoso quanto claro e puro era o cristal derramado por toda a superfície.
Numa palavra, flores de considerável estima e rareza, e de paízes os mais remotos, destilavam o mais delicado de todos os aromas, tornando com suas cores diversas o esmalte mais precioso que haver pode. Vizinho e em não interrompida continuação havia um pomar de copadas laranjeiras que com seus pomos de oiro faziam à luz do sol uma vista tal que a pena jamais pode descrever. Parecia ele estar coroando toda aquela campina que no píncaro apresentava uma casa encascada por tal forma com soberbos limoeiros que parecia uma só árvore. Não se ouvia aí mais do que o gorgeio variado dos rouxinóis e o ruído dum fresco regato que a grossos e rápidos borbotões corria pelo meio de tão bela paisagem.
Do meu assento no encosto da colina(1) se avistava o Mondego, que já quase moribundo, corria a passos lentos jaspeado como o cristal por entre os gigantescos álamos, já no vigor da sua força se arrostava contra as rochas que me serviam de sustentáculo e bramia com horrível estrondo. Também daí se divisavam em solta cortina duas grandes serranias, que parecendo querer furar o azul da abóbada etérea, davam a meus olhos um lindo horizonte. As encostas vizinhas estavam juncadas de verdes pâmpanos, donde outrora (!) a uva mais lustrosa do que o ouro encurvava com graça as parras que as sustinham, e por fim, o olivedo que cerca a minha pátria tornava este país da  mais graciosa contemplação. (...)

(1)    É denominada esta bela extensão de terra Carrazedos, que sem dúvida estando no meio de um monte árido e pedregoso, onde apenas por entre as rochas se encontram pobres pastagens de que o gado se mantém, é contudo uma das paisagens mais férteis de Penacova. Observa-se no cimo desta chantada uma sombria floresta de monstruosos carvalhos donde em grossos jorros saem levadas da água mais límpida e fresca que vão regar todo o terreno até às margens do Mondego. Também há em 2000 passos em distância desta, uma fonte de água férrea, que presentemente é bem concorrida. É notabilíssimo este ponto pela sanguinolenta batalha que pouco mais ou menos pelos anos de 1104 a 1105 houve entre os habitantes da vila e os monges de Lorvão. Foi ela tão cruenta que (diz a tradição) o sangue das vítimas lavou toda a superfície da colina(...)

03 agosto, 2016

CARTAS BRASILEIRAS: Jogo: pingar os is e cortar os tês



A expressão vem lá dos bancos escolares. Não só essa. Quem sabe, fará lembrá-los da recomendação da professora do começo da andança escolar. Por exemplo:
- Quero parágrafo de pelo menos 2 dedos!
Para os pedagogos da época não era coação, era dever. Nada tão claro, regra era regra.
Já hoje, a correção não é o melhor dos mundos. A razão: a ação professoral pode constranger o aluno. É voz corrente: qual o problema quando nos deparamos com a vogal magra e de poucas curvas despojada da pequena bola sobre ela? Ou, que erro há caso vejamos a 20ª do ABCD sem o caco formando a cruz?
- Se o aluno compreender, não pare o andor! É dez! Parabéns!
É verdade, o velho conselho pode ser empregado em mundo fora da sala de aula, como quando clamamos pelo zelo aos pormenores, para esclarecer algo, ou quando não queremos nada obscuro.
Alguma luz? Ou o obscuro sou eu! Esclareço, essa conversa mole, esse lero-lero, é um jogo. Mesmo não querendo confusão ou encrenca, não fujo da querela. Faço uma ponderação, ou melhor, peço: olhos bem abertos nas nuances.
Com a solução nas mãos, não me condenem, nem me chamem de abusado. Convenhamos, um esforço descomunal. E não é para menos, a cabeça ordena, e por compulsão, os dedos querem palavras com a vogal e com a não vogal que desdenho apenas para escapar da velha regra, querendo provocá-los.
E para quê, se ao cabo, não mereço nada além de um ah! nossa! verdade!
Pura bobagem. Melhor acabar com o tititi, pondo fim à escolha inútil de palavras somente com “a”, “e” “o” e “u” e sem “t”. Quero mais é pingar deliciosamente os “is” e cortar gostosamente os “tês”, como em tatibitate.

P.T.Juvenal Santos – ptjsantos@bol.com.br
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NR: Imagem da responsabilidade do Penacovaonline  

           


01 agosto, 2016

Foi há 107 anos: Comício Republicano juntou em S. Pedro de Alva cerca de 3000 pessoas

Imagem de um dos muitos comícios republicanos que
de Norte a Sul antecederam a Revolução de 5 de Outubro
O Centro Republicano de S. Pedro de Alva (com direcção provisória, presidida por José de Almeida Coimbra, promoveu a realização de um Comício nesta localidade na tarde do dia 1 de Agosto de 1909. Foi precedido da publicação de um Manifesto no Jornal de Penacova de 24 de Julho, onde se criticavam os ''caciques e galopias servidores da monarquia'' que, em Penacova, ''por todos os modos e processos, os mais vergonhosos e desonestos” vinham “ entravado a marcha do ideal republicano''.

Aquele periódico local, na sua edição de 31 de Julho, escreve: ''Um comício republicano em S. Pedro de Alva! Quem pensava em tal há três ou quatro anos?'' Nesses tempos – prossegue o jornal – ''os republicanos contavam-se pelos dedos. Se mais havia, e havia com certeza, fechavam as suas ideias a sete chaves, não fossem elas passar do domínio das suas consciências.''

Referindo-se “ao bom povo desta região”, lembra que “já muito poucos se arreceiam de dizer alto e bom som as suas ideias, sem que pese e barafuste o progressismo e o franquismo indígenas''.

A tribuna, em forma de pavilhão, foi montada ''num terreno particular, junto ao lugar onde se costuma realizar a feira dos bois''. O acontecimento foi abrilhantado pela Filarmónica de Vale de Remígio (Mortágua) e animado com o estralejar de foguetes.


Começa por discursar o Dr. Fernandes Costa. De seguida, usa da palavra o Dr. Feio Terenas, e o dr. Alfredo de Magalhães. Vindo de Coimbra,''o jovem propagandista democrático'', José Cardoso, antecede a intervenção de António José de Almeida, louvando a iniciativa da realização do Comício e da criação do Centro Republicano.

António José de Almeida proferiu um ''belo e empolgante discurso'' – na opinião do Jornal de Penacova. Esclarecendo a sua posição naquele comício, disse: “O orador veio falar à sua terra porque cá o chamaram. Não vem pedir nem votos, nem influências, nem importância. Nada precisa da República, como nada aceita da Monarquia. Vem junto dos homens da sua terra para os ajudar a redimir e salvar. Não é um galopim que venha pedir votos, é um combatente que vem oferecer o seu braço, o seu cérebro e o seu esforço. Para ele, a sua terra natal é muito, mas a pátria é mais, porque é tudo.”


Na sua intervenção, falou da ''miséria do concelho, sem estradas, sem escolas, sem hospitais, cheio de fome e varado de miséria, sob a pressão implacável dos caciques, que transformaram esta fecunda região num feudo quasi maldito''.

Para o local haviam sido destacadas tropas de Coimbra. Pouco depois de começarem as intervenções, verificou-se alguma perturbação da ordem. Um grupo de pessoas terá começado a dar ''vivas'' a Oliveira Matos, à monarquia e a Jesus Cristo. Os militares viram-se obrigados a intervir e tudo terá acalmado.Antes do Comício, pelas "duas horas da tarde", António José de Almeida, acompanhado por Feio Terenas, Alfredo de Magalhães, Fernandes Costa e outros, dirigiu-se à Praça José António de Almeida, para inaugurar o Centro Republicano, no edifício onde hoje se situa o Talho Abranches.

Da intervenção de António José de Almeida é de salientar uma afirmação que, a poucos dias da Revolução, reflecte a determinação dos republicanos em avançar para o derrube da monarquia ''não só pelas palavras mas também pelas armas''.

O Jornal de Penacova de 8 de Agosto, em artigo de primeira página, registou: ''Comício Republicano de S. Pedro de Alva mais de 3 000 pessoas aclamam com entusiasmo os oradores republicanos ''.

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Bibliografia: Penacova e a República na Imprensa Local, Edição do Município de Penacova, 2011