ÓRGÃO HISTÓRICO DO MOSTEIRO DE LORVÃO
. Dinarte Machado, mestre organeiro
O órgão histórico do Mosteiro de Lorvão é o
maior órgão construído em Portugal no século XVIII. É um instrumento que,
apesar da sua dimensão, não deixa de ser personalizado e seccionado em relação
à sua planificação sonora, tornando‑o um instrumento "sensível" e
deveras singular.
Foi projetado por Manuel Machado Teixeira de
Miranda, natural de Braga, organeiro e escultor, que deu início à sua construção,
instalando em primeiro lugar a caixa quase ao centro do corpo sonoro da igreja,
sendo uma parte a igreja propriamente dita e a outra o coro baixo. Este
organeiro, foi pai do escultor Joaquim Machado de Castro e, em terceiras
núpcias, pai do organeiro António Xavier Machado e Cerveira. Foi, aliás,
Machado de Castro, quem desenhou e executou a caixa deste instrumento, a sua
maior obra deste tipo, onde se expõem figuras e cenas musicais e onde os pontos
estáticos praticamente não existem. Tudo está em movimento, distribuído por
duas fachadas: a do lado do coro (a principal), e a do lado da igreja. É do
lado do coro que o organista toca e para onde estão direcionados os tubos de
palheta, com os seus ressoadores de trombetas horizontais, à boa maneira
portuguesa, cujo aspecto apenas se pode apreciar em Portugal em Espanha.
Diposição da registação na consola |
O órgão é composto por dois teclados manuais
e sessenta e dois meios registos distribuídos por vários planos sonoros
individualizados, controlados por pisantes existentes na consola, cujo som é
produzido por quase 4000 tubos. Cada pisante, anula uma secção sonora, a qual
se harmoniza com a base do instrumento, desde os registos de mutação, (reforço
da base), caixas de eco, cornetas e palhetas (trombetas). Parecendo complexa a
sua composição e "manuseamento", depois de nos integrarmos percebe‑se
exatamente o contrário. Tudo parece ter sido feito de modo a facilitar a sua utilização,
por parte do organista que o pretenda tanger.
As duas fachadas (a do coro e a da igreja)
são preenchidas com tubos de 24 palmos, os quais são sonoros. O projecto
inicial, não contemplaria o funcionamento da fachada do lado da Igreja. No entanto,
a análise rigorosa de todas as peças deste conjunto faz‑nos acreditar que tenha
sido António Xavier Machado e Cerveira quem optou por fazer este reforço sonoro
(sobre os graves), pretendendo que ambas as fachadas fossem utilizadas em
conjunto, juntando‑se a estes apenas um registo de 12 palmos e um outro de 6
palmos. O efeito desta combinação é deveras impressionante e só pode ser
experimentado neste instrumento. Este é o único órgão em Portugal com duas
fachadas desta dimensão sonora que, desafiando as leis da acústica (sonoridade
geral sendo emitida sem refletor acústico), funciona naquele espaço, na
perfeição.
Saliento que o órgão português que considero
mais bem planeado e com uma concepção admirável é o do Mosteiro de Santa Maria
de Semide, o qual também restaurámos. Aquele Mosteiro pertencia à mesma
Congregação que o Mosteiro de Lorvão e o instrumento foi construído na mesma
época por António Xavier Machado e Cerveira. A arte organeira em Portugal, que
tem o seu expoente máximo no último quartel do século XVIII, indo até ao fim da
primeira metade do século XIX (embora já em decadência), é de tal riqueza e com
uma identidade tão definida que se torna única no panorama mundial.
O órgão do Mosteiro de Lorvão é testemunho do
conjunto de mais de uma centena de órgãos desta traça portuguesa, num universo
de quase mil instrumentos existentes no país.
Página do Diário de Coimbra, de 9 de Maio |
Creio que o órgão do Mosteiro de
Lorvão virá alertar para a necessidade de manter estes instrumentos, através da
formação de novos organeiros experimentados e empenhados na preservação desta
parcela tão importante da nossa história, que outrora nos dignificou e nos fez
grandes, perante o mundo.
Hoje podemos afirmar que conservámos um número
significativo de órgãos históricos em Portugal, dignificando a sua escola de
organaria. Ignorar este facto significa perdermos a nossa identidade cultura[,
algo muito mais importante do que um esforço financeiro pontual. A perda de
identidade cultural é irrecuperável e deixa‑nos sem personalidade e sem a
dimensão suficiente para recuperarmos o tal esforço financeiro. Hoje, perante o
mundo, podemos dizer que em Portugal contactamos muitas vezes com instrumentos
no seu estado mais puro e original (eu próprio o posso testemunhar), algo que
em muitos países da Europa é de todo impossível. Assim confrontados com o
elemento original, podemos criar uma escola mais "pura" e mais
verdadeira seguindo esse ensinamento.
Tenho a esperança que em Lorvão e a partir do
ecoar deste instrumento, se crie uma semana de cultura à volta da Música Antiga,
chamando jovens e admiradores desta faceta cultural, apelando ao contacto e à
formação em Portugal de pessoas nesta área, atraindo gente das várias partes do
globo para conhecer os órgãos restaurados nesta zona e por todo o país (com
eixo em Lorvão) e dando a conhecer o nosso património nas mais variadas
vertentes culturais.
Agradecimento e compromisso
. Pedro Cartos Lopes de Miranda, Pároco de Lorvão
Para uma paróquia essencialmente rural,
apesar da proximidade à cidade de Coimbra, e cuja dimensão fica naturalmente
muito aquém duma correspondência proporcionada à obrigação natural de habitar e
cuidar de um monumento nacional com o significado da Igreja do Mosteiro de St'
Maria de Lorvão, estava também completamente fora do seu alcance esta obra que
hoje temos a alegria de chegar finalmente à sua plenitude: a obra de restauro
do seu órgão.
O investimento que tal obra supôs revela
grande coragem da parte da Direcção Regional de Cultura do Centro e do Estado
Português, coragem que o povo de Lorvão, cheios de saudades os mais velhos do
seu órgão e das liturgias por ele embelezadas, cheios de curiosidade e
esperança os mais novos, só pode agradecer encarecidamente.
Permita‑se‑me, em nome do povo católico de
Lorvão, formular um compromisso da sua parte para o futuro deste importante
instrumento do património organológico nacional: fazer tudo o que está ao seu
alcance para que o seu uso litúrgico ‑ que e o seu mais natural ‑ seja o mais
quotidiano possível, para lhe garantir a saúde e a longevidade. Penso que pelo
menos um sinal, embora inconsciente, já temos da viabilidade desse compromisso:
o modesto mas esforçado contributo dos fiéis católicos, que são quem sustenta a
vida quotidiana desta sua igreja matriz, para o orçamento tão grande desta
obra. Qual? Perguntar‑se‑á. Seja‑me permitida confissão: com a conta mensal da
energia eléctrica, que, durante as obras do órgão e outras em curso de
iniciativa pública, atingiu uma dimensão que, a ser assim perenemente, nos
levaria à ruína.
Quem fez este esforço, seguramente estará
disposto a continuá‑lo à medida das suas capacidades, para uma: "longa
vida ao órgão da Igreja do Mosteiro de Sta Maria de Lorvão."
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