11 maio 2014

Promover anualmente em Lorvão uma Semana de Cultura à volta da Música Antiga, defende Dinarte Machado

A concluir as referências à inauguração do órgão do Mosteiiro de Lorvão e como prometido, publicamos o texto de Dinarte Machado que constava do desdobrável alusivo ao evento. Fica também a mensagem do pároco, Padre Pedro Miranda.

ÓRGÃO HISTÓRICO DO MOSTEIRO DE LORVÃO
  . Dinarte Machado, mestre organeiro

O órgão histórico do Mosteiro de Lorvão é o maior órgão construído em Portugal no século XVIII. É um instrumento que, apesar da sua dimensão, não deixa de ser personalizado e seccionado em relação à sua planificação sonora, tornando‑o um instrumento "sensível" e deveras singular.

Foi projetado por Manuel Machado Teixeira de Miranda, natural de Braga, organeiro e escultor, que deu início à sua construção, instalando em primeiro lugar a caixa quase ao centro do corpo sonoro da igreja, sendo uma parte a igreja propriamente dita e a outra o coro baixo. Este organeiro, foi pai do escultor Joaquim Machado de Castro e, em terceiras núpcias, pai do organeiro António Xavier Machado e Cerveira. Foi, aliás, Machado de Castro, quem desenhou e executou a caixa deste instrumento, a sua maior obra deste tipo, onde se expõem figuras e cenas musicais e onde os pontos estáticos praticamente não existem. Tudo está em movimento, distribuído por duas fachadas: a do lado do coro (a principal), e a do lado da igreja. É do lado do coro que o organista toca e para onde estão direcionados os tubos de palheta, com os seus ressoadores de trombetas horizontais, à boa maneira portuguesa, cujo aspecto apenas se pode apreciar em Portugal em Espanha.

Diposição da registação
 na consola
Em relação ao instrumento, António Xavier Machado e Cerveira, após a morte de seu pai, fez cumprir muitos dos compromissos assumidos por este, com quem aprendera e trabalhava já com a sua merecida confiança. Assim, completou, alterou e acrescentou vários dos instrumentos iniciados pelo pai, como o da Basílica dos Mártires em Lisboa, a Igreja Matriz de Praia da Vitória, o Mosteiro dos Jerónimos, a Basílica da Estreia em Lisboa, entre outros. O órgão do Mosteiro de Lorvão, inscreve-se nessa prática, mas criou alguma controvérsia por ser de tão grande dimensão, não sendo do agrado de Machado e Cerveira. Todavia, cerca de catorze anos após a morte de seu pai, Machado e Cerveira decide dar seguimento ao projecto, alterando e acrescentando registos, a fim de o adaptar à prática musical do seu tempo. Também o aspecto económico travou todo este processo, e só por volta de 1793 António Xavier Machado e Cerveira termina este belo instrumento, tornando‑o, no seu conjunto, numa espécie de escola (dada a sua composição) e num exemplar único no panorama da organaria portuguesa.

O órgão é composto por dois teclados manuais e sessenta e dois meios registos distribuídos por vários planos sonoros individualizados, controlados por pisantes existentes na consola, cujo som é produzido por quase 4000 tubos. Cada pisante, anula uma secção sonora, a qual se harmoniza com a base do instrumento, desde os registos de mutação, (reforço da base), caixas de eco, cornetas e palhetas (trombetas). Parecendo complexa a sua composição e "manuseamento", depois de nos integrarmos percebe‑se exatamente o contrário. Tudo parece ter sido feito de modo a facilitar a sua utilização, por parte do organista que o pretenda tanger.

As duas fachadas (a do coro e a da igreja) são preenchidas com tubos de 24 palmos, os quais são sonoros. O projecto inicial, não contemplaria o funcionamento da fachada do lado da Igreja. No entanto, a análise rigorosa de todas as peças deste conjunto faz‑nos acreditar que tenha sido António Xavier Machado e Cerveira quem optou por fazer este reforço sonoro (sobre os graves), pretendendo que ambas as fachadas fossem utilizadas em conjunto, juntando‑se a estes apenas um registo de 12 palmos e um outro de 6 palmos. O efeito desta combinação é deveras impressionante e só pode ser experimentado neste instrumento. Este é o único órgão em Portugal com duas fachadas desta dimensão sonora que, desafiando as leis da acústica (sonoridade geral sendo emitida sem refletor acústico), funciona naquele espaço, na perfeição.

Saliento que o órgão português que considero mais bem planeado e com uma concepção admirável é o do Mosteiro de Santa Maria de Semide, o qual também restaurámos. Aquele Mosteiro pertencia à mesma Congregação que o Mosteiro de Lorvão e o instrumento foi construído na mesma época por António Xavier Machado e Cerveira. A arte organeira em Portugal, que tem o seu expoente máximo no último quartel do século XVIII, indo até ao fim da primeira metade do século XIX (embora já em decadência), é de tal riqueza e com uma identidade tão definida que se torna única no panorama mundial.

O órgão do Mosteiro de Lorvão é testemunho do conjunto de mais de uma centena de órgãos desta traça portuguesa, num universo de quase mil instrumentos existentes no país. 

Página do Diário de Coimbra,
de 9 de Maio
Creio que o órgão do Mosteiro de Lorvão virá alertar para a necessidade de manter estes instrumentos, através da formação de novos organeiros experimentados e empenhados na preservação desta parcela tão importante da nossa história, que outrora nos dignificou e nos fez grandes, perante o mundo. 

Hoje podemos afirmar que conservámos um número significativo de órgãos históricos em Portugal, dignificando a sua escola de organaria. Ignorar este facto significa perdermos a nossa identidade cultura[, algo muito mais importante do que um esforço financeiro pontual. A perda de identidade cultural é irrecuperável e deixa‑nos sem personalidade e sem a dimensão suficiente para recuperarmos o tal esforço financeiro. Hoje, perante o mundo, podemos dizer que em Portugal contactamos muitas vezes com instrumentos no seu estado mais puro e original (eu próprio o posso testemunhar), algo que em muitos países da Europa é de todo impossível. Assim confrontados com o elemento original, podemos criar uma escola mais "pura" e mais verdadeira seguindo esse ensinamento.


Tenho a esperança que em Lorvão e a partir do ecoar deste instrumento, se crie uma semana de cultura à volta da Música Antiga, chamando jovens e admiradores desta faceta cultural, apelando ao contacto e à formação em Portugal de pessoas nesta área, atraindo gente das várias partes do globo para conhecer os órgãos restaurados nesta zona e por todo o país (com eixo em Lorvão) e dando a conhecer o nosso património nas mais variadas vertentes culturais.


Agradecimento e compromisso

 . Pedro Cartos Lopes de Miranda, Pároco de Lorvão

Para uma paróquia essencialmente rural, apesar da proximidade à cidade de Coimbra, e cuja dimensão fica naturalmente muito aquém duma correspondência proporcionada à obrigação natural de habitar e cuidar de um monumento nacional com o significado da Igreja do Mosteiro de St' Maria de Lorvão, estava também completamente fora do seu alcance esta obra que hoje temos a alegria de chegar finalmente à sua plenitude: a obra de restauro do seu órgão.

O investimento que tal obra supôs revela grande coragem da parte da Direcção Regional de Cultura do Centro e do Estado Português, coragem que o povo de Lorvão, cheios de saudades os mais velhos do seu órgão e das liturgias por ele embelezadas, cheios de curiosidade e esperança os mais novos, só pode agradecer encarecidamente.

Permita‑se‑me, em nome do povo católico de Lorvão, formular um compromisso da sua parte para o futuro deste importante instrumento do património organológico nacional: fazer tudo o que está ao seu alcance para que o seu uso litúrgico ‑ que e o seu mais natural ‑ seja o mais quotidiano possível, para lhe garantir a saúde e a longevidade. Penso que pelo menos um sinal, embora inconsciente, já temos da viabilidade desse compromisso: o modesto mas esforçado contributo dos fiéis católicos, que são quem sustenta a vida quotidiana desta sua igreja matriz, para o orçamento tão grande desta obra. Qual? Perguntar‑se‑á. Seja‑me permitida confissão: com a conta mensal da energia eléctrica, que, durante as obras do órgão e outras em curso de iniciativa pública, atingiu uma dimensão que, a ser assim perenemente, nos levaria à ruína.

Quem fez este esforço, seguramente estará disposto a continuá‑lo à medida das suas capacidades, para uma: "longa vida ao órgão da Igreja do Mosteiro de Sta Maria de Lorvão."


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