terça-feira, julho 19, 2022

Alfredo Fonseca apresentou o seu décimo livro de Memórias


Da esquerda para a direita:  Humberto Oliveira, Álvaro Coimbra, Alfredo Fonseca; David Almeida e Vítor Cordeiro


Integrada no programa das Festas do Município, decorreu no dia 16, ao fim da tarde, no Largo Alberto Leitão, a apresentação do livro "Tarde é o que nunca se faz: o meu emocionado obrigado a quem tanto me tem estimado", tendo como autor Alfredo Santos Fonseca, penacovense, radicado em S. Pedro de Alva, personalidade bem conhecida da vida autárquica, do comércio local, do associativismo e da palavra escrita. O livro foi apresentado por David Almeida, professor, natural de Travanca do Mondego e amigo do Autor. A sessão contou com a presença do Presidente da Câmara, Álvaro Coimbra, do Presidente da Assembleia Municipal, Humberto Oliveira e do Presidente da União de Freguesias de S. Pedro de Alva e S. Paio do Mondego, Vítor Cordeiro. Presentes também, além da família, muitos amigos do autor e muitas outras pessoas que se interessam pelos eventos culturais.

Depois de constituída a mesa de honra, deu-se início à sessão tendo David Almeida traçado alguns dados biográficos do autor e da sua produção literária trazida a público não apenas nos muitos livros já editados, mas também na imprensa local e regional. Destacou ainda as qualidades de cidadão empenhado e interventivo em muitos outros domínios, tendo mesmo sugerido a atribuição da Medalha de Mérito Municipal, acto de inteira justeza. Referiu-se ainda a alguns pormenores da personalidade do autor, na perspectiva de muitas das pessoas que ao longo dos anos foram assinando os prefácios das obras e que são unânimes em reconhecer que Alfredo Fonseca é uma pessoa e um cidadão que se distingue pelas suas qualidades de excepção. 


De seguida, usou da palavra Vítor Cordeiro, reconhecendo em Alfredo Fonseca "um grande homem, um distinto ex-autarca, um amigo e um grande Sãopedralvense." Usaram ainda da palavra Álvaro Coimbra e Humberto Oliveira que, de improviso, enalteceram a vida e a obra do autor e manifestaram a sua satisfação pelo apresentação de mais este livro.

Por último, Alfredo Fonseca dirigiu-se aos presentes, afirmando que este livro "tem a dupla finalidade" de ser a sua "despedida", não só "da escrita, mas também como cidadão activo", dada o peso dos seus setenta e oito anos. Fez questão de não esquecer os amigos, dizendo que no seu "percurso de vida" fizera muitos amigos, os quais têm sido a sua "maior riqueza. Este livro é, pois, uma maneira de lhes dirigir "um terno e emocionante muito obrigado" e um pedido de desculpas por eventuais falhas que todos temos. Terminou com um agradecimento à família, ao prefaciador, ao Presidente da Câmara e a todos quantos contribuíram para que o livro e a sua apresentação fossem uma realidade.

Para memória futura e para conhecimento de quem não teve a possibilidade de estar presente, achamos pertinente transcrever as intervenções de fundo deste evento.

PALAVRAS DO APRESENTADOR, DAVID ALMEIDA

"(...) Recorde-se que este livro hoje apresentado é a décima obra de Alfredo Fonseca. Se fizermos uma pesquisa no Catálogo da Biblioteca Nacional de Portugal vamos encontrar devidamente registados e catalogados todos eles. São mais de 1500 páginas! É obra! Recordemos: "Memórias do Sofrimento na Guerra de Moçambique" (2001); "Pegadas dos Meus Pés" (2006); "(Farinha Podre) S. Pedro de Alva. Figuras e Factos para a sua História" (2011); "História do Batalhão de Artilharia 1885" (2010); "Os Sampedralvenses da Diáspora" (2012); "Divagação sobre a Génese das Nossas Gentes"(2015); "Memórias Imperfeitas de um Ex-Autarca" (2016); "Casa do Povo de S. Pedro de Alva" (2018); "Episódios na Guerra do Ultramar (Moçambique) vol II" (2022) e "Tarde é o que Nunca se Faz" (2022)

Vejamos um pouco quem é Alfredo Fonseca. Em todos os seus livros faz questão de incluir uma nota biográfica mais ou menos extensa, onde além da sua infância nos conta a entrada no mundo do trabalho - a profissão de alfaiate - depois a vida militar em Moçambique e, ao regressar, a vida passada em S. Pedro de Alva, 30 anos como Autarca com grandes responsabilidades, não esquecendo o seu papel crucial na vida da Casa do Povo bem como a sua vida de empresário de sucesso.

Alfredo dos Santos Fonseca nasceu na freguesia de S. Paio do Mondego (à época, S. Paio de Farinha Podre) no dia 30 de Maio de 1944. Frequentou o Ensino Primário nas Escolas das Ermidas e da Atouguia. Feita a 4ª classe e o Exame de Admissão ao Liceu, viu-lhe cerceada a possibilidade de prosseguir estudos. Aprendeu a arte de alfaiate e no dia 27 de Abril de 1966 partiu para a Guerra do Ultramar. Regressou no dia de Santo António de 1968, casou em S. Pedro de Alva e aí tem vivido até ao presente. Foi agente da "Singer", correspondente de diversos Bancos, representante da Esso Gás e igualmente de cinco Companhias de Seguros.

Aos 27 anos passou a exercer o cargo de Secretário da Junta de Freguesia. Estávamos em 1972. Daí, até 2001, cumpriu 3 mandatos como Secretário, 3 como Presidente e 1 como Presidente da Assembleia de Freguesia. Depois de deixar a vida autárquica foi "atraído" para a Direcção da Casa do Povo. A par de toda esta actividade conseguiu conciliar a sua vida de comerciante na área do mobiliário e electrodomésticos, revelando o seu espírito empreendedor. 

Agora aposentado, dedica-se à família, aos amigos e à escrita, onde desde sempre se revelou como grande comunicador, crítico e interventivo, quer nos seus livros, quer, não esqueçamos, na imprensa regional. E neste domínio, deixo aqui um repto: vamos organizar - disponibilizo-me para nisso colaborar - mais um livro, agora com uma seleção das muitas centenas de crónicas publicadas em jornais locais e regionais?

Grande comunicador, contador de histórias, no seu sentido mais nobre, empreendedor, confiante (auto-estima elevada), resiliente, como agora se diz, inconformado, líder nato...enfim, um conjunto de adjectivações que poderíamos apontar.

Em muitos dos seus escritos, Alfredo Fonseca faz questão de salientar: "Sou apenas um autodidacta, apaixonado pela leitura e pela escrita, por narrativas históricas e ainda por tudo o que diga respeito ao progresso da terra que me adoptou.) (in Divagação sobre a Génese das nossas Gentes). Por sua vez, em "Pegadas dos meus Pés", livro onde já aparecem muitas partes em verso, escreveu:"Não sou pessoa letrada / Nem muito bem preparada/ No condão da literatura/Tenho uma devoção / Escrever é uma paixão / Lições para a vida futura." No livro hoje apresentado, define-se como "um terra-a-terra", um humilde "Zé Ninguém" e escreve em verso "Não sou uma pessoa muito culta / a cultura em mim foi comedida / Pois o que sei aprendi-o / na 'Universidade da Vida'."

Também a sua motivação profunda para escrever nos é apresentada em vários locais da sua obra. A propósito de um dos seus grandes temas de escrita, as Vivências da Guerra, escreveu no seu primeiro livro: "Este e outros escritos do género são necessários para que o alheamento (...) para coma Guerra do Ultramar não se transforme em esquecimento." A propósito dessa guerra é de salientar que esse seu 1º livro resultou de um conjunto de 316 versos que o autor foi registando dia-a-dia. No livro " Farinha Podre / S. Pedro de Alva: pessoas e factos para a sua história" escreveu que "a vida de um cidadão é efémera (...) descrevê-la é um dever de todo o ser humano, porque só assim se saberá na posteridade quem foram essas pedras ancestrais (...). Essas "figuras cairão no esquecimento e as suas memórias passaram sem deixar rasto, como uma cortiça na corrente de um rio".

E o que escreveram outros sobre o Sr. Alfredo e a sua Obra? - "Alfredo Fonseca escreve como pensa, isto é, com autenticidade" - Ruy Miguel, cronista da Beira-Serra. Por sua vez, Luís Adelino, num dos prefácios: "Um sincero obrigado ao autor que em muito contribuiu nas últimas décadas para manter a originalidade e identidade das gentes do Alto Concelho." Noutro prefácio, agora assinado pelo saudoso Dr. Eurico Almiro Menezes e Castro,  são destacadas as qualidades de trabalho, de luta, de esforço, a vontade de vencer e de aprender cada vez mais. Salienta ainda "a sua alegria de viver e ser útil", bem como o seu dinamismo, capacidade de trabalho" e grande " afectividade pelos lugares e pelas pessoas." 

Muitas outras referências podíamos fazer. No prefácio ao livro "Memórias Imperfeitas de um Ex-Autarca", Teodoro Antunes Mendes recorda a frase de Ghandi: "Quem não vive para servir, não serve para viver." 

Na obra hoje apresentada, Arlindo Cunha (ex-ministro da Agricultura, deputado, empresário e professor) escreve igualmente no prefácio: "Alfredo Fonseca constitui também um exemplo vivo de que se pode ter uma vida digna, coerente, feliz, pessoal e profissionalmente realizada, em qualquer contexto social, económico ou geográfico". E acrescenta: "Revela-se um autodidacta, exibindo consideráveis conhecimentos, especialmente no que respeita à sua região, em matérias como a história, a geografia, a agricultura, ou a etnografia, a política, a cultura e a sociedade em geral (...) graças à sua inteligência, sagacidade, espírito de observação e muito trabalho."

Vejamos agora alguns aspectos do livro de hoje. Em nota ao título, o Autor sublinha que se trata de uma "forma singela mas afectuosa" de "atribuir" o seu "sincero obrigado" a quem tanto "o tem estimado". Esta mesma ideia aparece a seguir, agora em verso: "Dou hoje por satisfeito / um desejo acalentado / saudando as gentes deste jeito / que tanto me têm estimado." E ainda: "Este meu décimo livro / tem uma nobre missão / dizer um terno obrigado / a quem me tratou com educação."

A obra começa com cerca de 40 páginas em prosa, onde se faz uma breve descrição autobiográfica. Seguem-se 30 páginas em verso. Em primeiro lugar, sobre o seu percurso de vida, seguindo-se um conjunto de estrofes sobre lugares /localidades da União de Freguesias: Vimieiro, Hombres, Laborins, Bêco, Carvalhal, Arroteia e Vale da Serra, Vale da Vinha, Ribeira, Silveirinho, Quintela, Zarroeira, Castinçal, Sobral, Parada, Vale do Barco, Cruz do Soito, Lufreu, Cavaleiro, S. Pedro de Alva, S. Paio do Mondego, Ermidas, Estrela de Alva e S. Paio do Mondego.

Muito mais haveria a dizer. Obrigado Sr. Alfredo por ter partilhado connosco todas estas vivências e experiências de vida. Obrigado pelo seu testemunho de vida, de uma vida que não se fechou nos legítimos interesses pessoais, mas se dedicou á freguesia de S. Pedro de Alva, ao Alto Concelho, a Penacova. Que Penacova, no seu todo, saiba reconhecer o seu valor e um dia destes lhe seja atribuída a Medalha de Mérito Municipal. Bem o merece. Muita saúde e que Deus o conserve por muitos anos mais no nosso convívio."

PALAVRAS DO PRESIDENTE DA UNIÃO DE FREGUESIAS, VÍTOR CORDEIRO

"(...) Cumprimento de forma muito  especial o autor da obra, o Sr. Alfredo Santos Fonseca, por ser um grande homem, um distinto ex-autarca, um amigo e um grande Sãopedralvense. Antes de mais quero agradecer-lhe o convite que me endereçou para estar aqui presente, dando-me assim, a oportunidade de pela sexta vez, partilhar consigo a apresentação de mais uma obra, das onze já escritas. [No prelo está já um pequeno livro sobre a história do Vimieiro]. 

Por isso, é com imenso prazer que aqui estou, como amigo e em representação da União das Freguesias de S. Pedro de Alva e S. Paio de Mondego, para o felicitar e parabenizar, mas acima de tudo, para contribuir, ainda que modestamente, para que este acto seja para si um momento de alegria e em especial um encontro de amigos. 

É sem dúvida um orgulho que sinto, em fazer parte deste grupo de amigos, oriundos das várias vivências, das várias circunstâncias e de vários locais do Concelho. Se é verdadeira a expressão de que “a grandeza de um homem se mede pelo número de amigos que tem”, não restam dúvidas quanto à dimensão humana do autor.

Pois é sempre com agrado que vemos nascer obras literárias e mais ainda, quando essas obras têm um conteúdo referente ao território em que habitamos e do qual fazemos parte integrante. Este facto leva-nos à conclusão de que o que for escrito hoje perdurará para sempre, serão as nossas memórias futuras.

Contudo, não são as obras em si que devemos relevar, porque essas cada um dirá sobre elas coisas diferentes, mas sim, o homem que está por trás delas.

Importante será referir, as origens humildes do autor, homem de muito valor na nossa comunidade, que desde muito novo se começou a destacar pela sua vontade de vencer e empenho nos projectos que foi abraçando ao longo da sua vida, dando muito de si, quer à comunidade, quer até mesmo à sua pátria, ao fazer parte de uma Companhia de Combatentes em Moçambique.

É dessas vivências que o autor tem escrito as suas memórias, as suas experiências, os seus sentimentos e os seus sofrimentos, narrando-os na primeira pessoa. 

Volvidos alguns anos, ao sabor da vida, o Sr. Alfredo, quando começou a ter um pouco mais de tempo para si, começou a sentir uma necessidade tremenda, não pela escrita em si, mas pelo que ela podia representar no sentido de poder dar continuidade a um sonho que sempre alimentou e que de certeza ainda traz no coração…o de perpectuar para sempre a sua terra, as suas gentes, os momentos mais importantes, por vezes na vida de cada um. 

Nessa sua caminhada, por vezes sentiu-se apolítico e protestou por causa da guerra do Ultramar, outras foi mesmo político na verdadeira acepção da palavra e lutou. Lutou por aquilo em que acreditava, lutou pelos sonhos, lutou pela vida, lutou pelos filhos e família e assim conforme talhava os fatos, cortava e os fazia por medida, também talhou a sua própria vida, deixando um espólio bastante considerável.

Em jeito de conclusão, um homem sem memórias não é homem, um homem sem moral e sem respeito não é homem, um homem que não guarda as suas raízes não é homem... mas um homem que reuna estes predicados nunca será esquecido. Bem-haja Sr. Alfredo!"

PALAVRAS DO AUTOR, ALFREDO FONSECA

"É para mim uma sublime honra ter-vos aqui nesta apresentação deste meu décimo livro. Muito obrigado por terem vindo pois a vossa presença é para mim motivo de muita satisfação.

Conforme facilmente se aperceberão, na leitura desta modesta obra, ela tem a dupla finalidade de ser a minha despedida, não só da escrita mas também como cidadão activo, pois apercebo-me constantemente das minhas mazelas que me anunciam poder estar perto o fim da minha caminhada, embora não tenha pressa nenhuma, agora que ela está certa, isso é que está e os meus setents e oito anos não me deixam muitas dúvidas e são como que um aviso para arrumar a casa e as minhas contas com Deus.

No meu percurso de vida fiz muitos amigos, os quais tem sido a minha maior riqueza, pois ajudaram-me muito a vencer os obstáculos que se me depararam na vida, sempre com uma amizade, estima, consideração e respeito fora de série.

Pesava na minha consciência o dever de lhe atribuir um terno e emocionante muito obrigado e pedido de desculpas pelos meus desleixos e imprecisões que, se aconteceram, foram sempre involuntários e nãopropositados.

De todas as hipóteses que afloraram à minha mente, naqueles cerca de dois meses em que estive retido em casa, para ver se enganava o Covid19 no seu maior pico, escrevi não só este livro, mas também outro intitulado "Episódios na Guerra do Ultramar-Niassa-Moçambique" fazendo uma cronologia verdadeira do que eu e os meus companheiros lá passámos.

Não me alongo mais, pois como dizia um africano "se falas, muito erras" e eu quero evitar isso. Muito obrigado por terem vindo e que a vossa vida vos sorria e se prolongue por muitos e felizes anos.

Agradeço ao senhor Presidente da Câmara não só o apoio dado para que a edição deste livro fosse possível, como também o ter integrado o seu lançamento nas festas do Município e neste lugar nobre deste maravilhoso largo. Muito obrigado senhor Presidente.

Agradeço também à minha querida família o apoio que sempre me deram. Lembro aqui a impossibilidade de estar presente um grandeamigo, que até foi o autor do brilhante e muito eloquente prefácio, que enriqueceu sobremaneira esta obra. Ele é o Senhor Doutor Arlindo Cunha, que foi proeminente Ministro da Agricultura e é actualmente professor na Universidade Moderna no Porto e também Presidente da Comissão Vitivinícola do Dão. Além de ser um grande produtor de vinho numa propriedade com mais de seis hectares em S. João da Boavista, no concelho de Tábua. A sua ausência é porque se encontra neste momento nos Açores.

Agradeço as palavras elogiosas, mas de certa forma imerecidas, que me foram dirigidas. Também por elas o meu muito obrigado. Muito obrigado a todos."

quinta-feira, julho 07, 2022

Lugares, monumentos e sítios de Penacova (4): Mirante Emídio da Silva


A construção do Mirante deve-se essencialmente a Manuel Emídio da Silva que, mais do que político, como por vezes lemos, foi destacada personalidade do mundo dos negócios, principalmente ligados aos Caminhos de Ferro e ao mundo financeiro. Nome importante da imprensa e do turismo, foi administrador do Jardim Zoológico. Lá podemos admirar, em lugar de destaque, um busto seu. Foi um dos grandes propagandistas de Penacova no primeiro quartel do século XX.

O miradouro foi desenhado pelo arquitecto veneziano Nicola Bigaglia, radicado em Portugal desde 1880, onde foi professor de Escolas Industriais. A Casa dos Cedros, no Buçaco é projecto seu, bem como a Casa-Museu da Quinta de Santiago, em Leça da Palmeira, que visitámos aquando da homenagem a Martins da Costa em 2017, entre muitas outras obras. Regressou já doente a Veneza, onde faleceu em 1908, sendo o mirante de Penacova uma das suas últimas obras, senão a última.

O Mirante Emídio da Silva foi inaugurado a 31 de Maio de 1908 na presença de altas personalidades da vida social lisboeta. Sobre a entrada do “belveder” podemos observar uma lápide com os dizeres “Mirante / Emygdio da Silva / 31-5-1908”. 

Foram reutilizadas colunas dóricas provenientes do mosteiro de Lorvão que - diz o "Guia de Portugal" - teriam sido compradas por "três tostões". Apresenta formas renascentistas, visíveis na planta e nos azulejos decorativos, amarelos e brancos axadrezados, desenhados por Raúl Lino. O piso é feito em pedra roliça de seixos brancos e pretos. Resulta, assim, "da reutilização de elementos (colunas) e formas renascentistas (planta e azulejos decorativos) caldeadas com as formas orientalizantes da Arte Nova."- refere-se em www.monumentos.gov.pt, onde é classificado como "arquitectura recreativa, neo-renascentista, Arte Nova."

De acordo com Nelson Correia Borges, este miradouro "sugere na sua morfologia um pagode oriental". Encontra-se implantado no ponto mais avançado do outeiro do Castelo, debruçando-se sobre o rio e o vale do Mondego, de onde se alcançam magníficas vistas panorâmicas. 

A este local se chamou em tempos Penedo da Moura. Conta a lenda que, em dias de sol, uma moura encantada saía do seu esconderijo e vinha pentear-se à vista de quem a quisesse ver. A atestar a sua existência dizia-se também que, muitas vezes, quando alguém se aproximava daquele local, não tinha dúvidas que cheirava a chá de ervas e a peixe frito, naturalmente pescado no rio que aos pés do penhasco corria serenamente.

quinta-feira, junho 30, 2022

Lugares, monumentos e sítios de Penacova (3): Terreiro (Largo Alberto Leitão)


 O "Terreiro", actual Largo Alberto Leitão, seria delimitado pela Igreja Matriz, pelo Passal e pelo Paço dos Duques de Cadaval. Onde hoje se situa a Câmara Municipal chegaram a crescer alguns eucaliptos e todo o largo não passaria de um amplo espaço de terra batida sem qualquer intervenção paisagística. 

Até aos inícios do século XIX pontificava naquela zona o palácio ducal. Este palácio entrou em ruinas e mais tarde acabou por ser devorado por um incêndio. Foi sobre essas ruinas e escombros que foi construído o edifício dos Paços do Concelho, onde também funcionou mais tarde a Cadeia e o Tribunal e algumas Repartições como as Conservatórias dos Registos  Civil e Predial.

Veio depois a Escola Conde de Ferreira que ainda se pode ver em fotografias antigas. Mais antigo seria o chafariz que existia não muito longe do local onde hoje é o Café Beirão. Só na primeira década de novecentos, por iniciativa de Augusto Leitão, falecido muito novo, foi construído aquele grande edifício que ainda hoje conhecemos. A esse empreendimento terá estado associado o seu cunhado, José Alves de Oliveira Coimbra, à época, comerciante, tanto que ali funcionou o primeiro centro comercial de Penacova, a “União Comercial”.  Nos anos 20 surge também aí o “Hotel Penacova”, propriedade de José Alves, que além de muitas ocupações também foi Farmacêutico encartado.

O arranjo urbanístico do Terreiro começou com a construção da Pérgola Raul Lino, inaugurada em 1918. As bases do actual edifício camarário só aparecem lá para os anos 30.  O edifício de origem  era para ser Casa do Povo. Os serviços da Câmara funcionavam no primeiro piso e o rés do chão era usado como centro de cultura e recreio. 

O coreto, outro ícone de toda aquela área, que existia ao cimo da rua de Santo António, acabou por ser demolido nos anos quarenta. Entendeu-se que se “afogava a bifurcação” do largo com aquele ramal.

Mais tarde, graças ao benemérito Abel Rodrigues da Costa e à orientação do Eng.º Rui Castro Pita, o Terreiro foi primorosamente ajardinado. Chegou a existir o típico canteiro com o Brasão do Concelho.

Refere a imprensa da época que o Terreiro se afirmava claramente como “sala de visitas”, como “salão de festas”, como “ jardim de Verão e Inverno”, no fim de contas como “ponto obrigatório de reunião”.  É curiosa a descrição que o pintor Martins da Costa faz, numa das suas crónicas (1987): “Antes de aqui me vir instalar, a recordação de infância que sempre tinha deste terreiro era a de um largo imenso com muitas árvores, um coreto e vultos de homens, geralmente dispersos, apáticos e de mãos nos bolsos”.

Até finais da década de noventa grande parte do Terreiro foi sendo transformado em parque de estacionamento, muitas vezes caótico, até que surgiram as polémicas obras de regeneração urbana que lhe conferiram uma nova feição. A primeira fase do projeto incluiu a reabilitação do largo Alberto Leitão e do largo de São João, tendo os automóveis que invadiam aquele Largo sido encaminhados para um novo Parque de Estacionamento, ali bem próximo na rua da Eirinha. Um novo quiosque e posto de turismo foram construídos e o busto de António José de Almeida, que se encontrava próximo da Pérgola, foi deslocado para o espaço fronteiro ao Café Beirão. 

Estão agora em curso as obras de requalificação dos antigos Paços do Concelho / Tribunal para dar lugar à Casa das Artes Martins da Costa. 

O Terreiro, este "centro do Centro da nossa Terra" é retratado no recente livro de Luís Pais Amante, "Penacova (In)temporal". Dois excertos do poema "Terreiro de Penacova":

Oh meu Terreiro bonito

Que ficas fronteiro ao Mondego

E olhas a direito pr’o seu vale catito

Ficando em desassossego

...

Oh Terreiro da minha mocidade

Das procissões, das fogueiras e das sardinhas a saltar

Das matanças a matar, dos magustos a magustar

E dos namoricos a condizer com a idade


domingo, junho 19, 2022

Lugares, monumentos e sítios de Penacova (2): Chafariz do Porco




“Todos conhecemos esta fonte em Penacova, de onde jorra uma água fresquíssima, que corre para modesto tanque que se cobre de musgo e folhas verdes na Primavera, ou simplesmente de ouro e chocolate quando os ventos outonais vergastam as frondosas árvores que o cercam. Pois essa água puríssima que nos sacia a sede, molhando-nos a cara e as mãos, escorrega por um engenhoso tubo saído de uma bocarra animal, que muitos julgam ser cão, outros pensam ser lobo, mas que a generalidade do povo garante ser porco." 
in “A Casa Amarela” editado pela  Cooperativa Cultural Saudação em  2014.

Cabeça de lobo, cão, porco? Também há quem fale em javali...

Situado ao cimo da Costa do Sol, o Chafariz do Porco apresenta uma data, já pouco legível... será 1713, será 1753 ? 

Ao fazer também uma descrição daquela encosta, em 1857,  Alves Mendes refere uma fonte de água férrea que será provavelmente esta nascente: 

“É denominada esta bela extensão de terra de Terra de Carrazedos (…) Observa-se no cimo desta chanzada uma sombria floresta de monstruosos carvalhos, donde em grossos jorros sobem levadas de água límpida e fresca, que vai regar todo o terreno até à margem do Mondego. Também há, a dois mil passos em distância desta, uma fonte férrea, que presentemente é bem concorrida.”

Sobre a natureza férrea da água do Chafariz do Porco existe uma lenda que diz que em tempos antigos houve uma contenda sangrenta entre os monges de Lorvão e os habitantes do Castelo. O sangue que escorreu pelas encostas entranhou-se de tal modo no subsolo que deu a cor avermelhada à água daquela nascente…

Numa crónica publicada no “Notícias de Penacova” em 1 de Novembro de 1952 fazia-se referência ao “Chafariz da Costa do Sol”, de onde jorrava “água puríssima e fresca”.

Ali muito próximo se situa a Casa do Pintor Martins da Costa "no meio das oliveiras e dos bandos de passarada”, como ele próprio escreveu, debruçada sobre o Vale do Mondego.


quinta-feira, junho 02, 2022

Lugares, monumentos e sítios de Penacova (1): Livraria do Mondego

 


O local “Livraria do Mondego” deve o seu nome ao facto da formação rochosa existente se assemelhar à disposição dos livros nas estantes de uma biblioteca. Este "geomonumento", para usar a designação proposta por Galopim de Carvalho,  é constituído por quartzito ordovícico (Arenigiano, com 480 a 490 milhões de anos) e faz parte da grande falha tardi-hercínia que se estende ao longo de cerca de 250 km desde a povoação de Verín, em Espanha, até à zona de Penacova (Falha Verin-Régua-Penacova).


Neste local de manifesto interesse geológico foi encontrada em 1915, quando decorriam obras na estrada de Entre Penedos, uma formação rochosa que o “Jornal de Penacova” designou, em título, por “Pedra Curiosa”.[1]

O director do então Museu Geológico da Universidade de Coimbra, Anselmo Ferraz de Carvalho, depois de vir ao local, decidiu salvaguardar aquele achado, enviando-o para o museu que dirigia.




Esta laje quartzítica, com uma superfície de cerca de 3m2 constitui o maior exemplar de “Cruziana” em museus portugueses. Encontra-se em Coimbra, emparedado no átrio da galeria de Mineralogia do Museu da Ciência, com a indicação de proveniência “Vila Nova – Penacova”.

Sabe-se que, nas recuadas eras da vida da Terra, esta região esteve coberta pela água de um mar pouco profundo que cobria grande parte da Península Ibérica, um mar de areias e lamas, entretanto desaparecido. Nesse habitat viviam as Trilobites. Os rastos de locomoção destes artrópodes são designados por bilobites ou cruzianas. Só a partir do século XX começou a haver algum consenso entre paleontólogos quanto à interpretação destes registos enquanto marcas da locomoção (icnofósseis) daqueles animais marinhos.

A designação “Livraria do Mondego” é muito antiga, não se sabendo se tem origem popular ou erudita. Já no séc. XIX foi referenciada por António Feliciano de Castilho, no prefácio “Conversação Preambular” ao livro de Tomás Ribeiro, “D. Jayme ou a dominação de Castela.” Castilho nasceu em 1800. Sendo assim, aquela viagem de Santa Comba Dão a Coimbra terá acontecido há sensivelmente 200 anos, quando estudava Direito na Lusa Atenas.

Uma observação: não será viável dispormos, “in situ”, de uma réplica da “Bilobite de Vila Nova”, num futuro Centro de Interpretação localizado na zona?

____________

[1] "BILOBITES DA LIVRARIA DO MONDEGO - Designados popularmente por Bilobites, os icnofósseis de Cruziana são testemunhos de atividade de artrópodes marinhos há muito extintos, as Trilobites.

Os icnofósseis permitem interpretar o comportamento dos organismos do passado. Em muitos casos sendo enigmática a relação entre espécie produtora e as marcas deixadas. Da locomoção na procura de alimento das Trilobites nos fundos marinhos resultaram sulcos onde se observam padrões de marcas de arranhamento produzidas pelos apêndices. As estruturas preenchidas em dois lóbulos resultaram em moldes naturais que permitem observar detalhes da atividade e até indicar o sentido do deslocamento.

Este espécime [ver foto] forma parte de um conjunto de registos trazidos da Livraria do Mondego (Penacova), um local de interesse geológico onde o rio Mondego corta os estratos verticais de quartzito formados no Ordovícico (há 475 milhões de anos).

In Museu da Ciência, Universidade de Coimbra.









terça-feira, maio 31, 2022

A lenda da cobra de Penacova


“Isso eu não vi, lá isso não, mas contam!” –  José Vieira in Sol de Portugal - Crónica da Beira Alta, 1918. 


As cobras são, geralmente, animais muito temidos. Despertam sentimentos, geram crenças e dão lugar a ditos. Por exemplo, é frequente dizer-se que as cobras hipnotizam. De onde virá essa crença? Pensa-se que se deve ao facto de as serpentes não possuírem pálpebras móveis, não piscando, pois, os olhos. O seu olhar fixo levou, então,  a acreditar que se tratava de um olhar hipnótico!

Diz-se, no entanto, que a rã fica imóvel quando uma cobra se aproxima. Não por estar hipnotizada, mas pura e simplesmente porque sabe que se permanecer imóvel pode ser mais seguro! E a história do hipnotizador de serpentes, ignorando-se que cobras são, afinal, surdas? É sim, pela vibração do solo que elas detectam a presença de algo. Deste modo, o som da flauta será apenas um atractivo “para turista ver” … Metida num recipiente, que não lhe permite grandes movimentos, é atraída pelo cheiro de urina de rato com que, entretanto, se untou exteriormente a gaita do encantador.

Diz também o povo que se pode formar uma cobra dum cabelo de mulher. Arranca-se um cabelo, necessariamente, com a raiz. Mergulha-se depois numa bacia de água e muda-se a água todas as manhãs até que o cabelo se transforme em cobra.

Ora, conta-se que em Penacova aconteceu uma desgraça por causa de uma cobra gerada por esse processo:

“Uma senhora de Penacova arrancou o cabelo da cabeça, pô-lo dentro da bacia d’água e todas as manhãs lá ia vazá-la e deitar outra nova. Ao cabo de três semanas o cabelo já se movia e no sítio da raiz formava-se a cabeça com dois olhitos vermelhos, boca e dentes.

Um dia a senhora esqueceu-se de mudar a água. Na outra manhã, quando apareceu, a cobrita olhou-a e saltou-lhe na cara. Foi só uma dentada. Ao anoitecer, a pobre senhora morreu.”

“Isso eu não vi, lá isso não, mas contam!” 

 

 

domingo, abril 24, 2022

Notas para a história do 25 de Abril em Penacova

 


”A revolução dos cravos foi recebida com grande júbilo, pelo menos, por parte das pessoas com quem eu contactava. Claro que esse sentimento positivo não era unânime, havia pessoas que estavam mais identificadas com o ideal do Estado Novo, mais “encostadas” ao antigo regime e, naturalmente, tinham as suas próprias ideias que não coincidiam com as que tinham levado à revolta de Abril.”

Teófilo Luís Alves Marques da Silva, in Jornal de Penacova, 2002


As manifestações públicas mais significativas só aconteceram no dia 1 de Maio. A seguir à concentração em frente da Câmara Municipal teve lugar uma sessão no Salão Nobre dos Paços do Concelho onde foi eleita uma Comissão para gerir o Município.

Dessa Comissão faziam parte Fernando Ribeiro Dias, Manuel Ribeiro Santos, Rui Castro Pita, Joaquim Manuel Sales Guedes Leitão, José Marques de Sousa, Teófilo Luís Alves Marques da Silva, Américo Simões, Adelaide Simões, Artur José do Amaral, Artur Manuel Sales Guedes Coimbra, António Coimbra Soares e António de Sousa. A 2 de Maio tomou posse e de entre os seus elementos foi escolhido presidente Teófilo Luís Alves Marques da Silva, ficando como vice-presidente, António de Sousa. Teófilo Marques da Silva, natural do Porto, licenciado em História, militante do Partido Comunista Português, era professor e, desde 1971, director do Ciclo Preparatório de Penacova.

Esta Comissão acabou por apresentar a demissão em Agosto de 1975, mantendo-se, entretanto, em funções por mais algum tempo. Reunida com os representantes locais dos Partidos, a Comissão indigitou para Gestor Municipal o 1º Sargento de Infantaria José Alberto Costa, que exerceu essas funções entre 24 de Abril  e 31 de Dezembro de 1976.

Em Dezembro de 1976 têm lugar as primeiras eleições para as Autarquias Locais, saindo vencedor o Partido Socialista, passando a presidir à Câmara Municipal  Artur Manuel Sales Guedes Coimbra e à Assembleia Municipal Eurico Almiro Meneses e Castro. Nesse acto eleitoral, nas listas para a Câmara, o Partido Socialista obteve 2081 votos, o Partido Popular Democrático 2029, o Centro Democrático Social 1302 e a Frente Eleitoral Povo Unido 550 votos.

Recorde-se que nas eleições legislativas de 25 de Abril de 1976 o Partido Popular Democrático havia vencido com 3041 votos, seguido do Partido Socialista com 2884, Centro Democrático Social com 978 e Partido Comunista Português com 515 intenções de voto.

Recordemos mais um ou dois episódios que se encontram registados na imprensa local. No dia 6 de Outubro de 1974, milhares de pessoas em todo o pais decidiram responder ao apelo para a realização de um dia de trabalho voluntário para a Nação. 

Também em Penacova a iniciativa foi bem acolhida. Escreveu “Luineses” no Notícias de Penacova:

 “Mostrar desta maneira que comungamos num Portugal ressurgido (…) que ajudamos de alguma maneira a economia nacional com o produto do nosso esforço. Procedendo assim mostramos obras e não paleio que disso está o mundo cheio. É assim que se vê quem são os Democratas”. 

Outro apontamento refere-se ao assalto ao “Lar das Enfermeiras” em Lorvão para servir de Casa do Povo. Estávamos em Agosto de 1975: “O Povo entusiasmado com o que ouve na rádio e lê nos jornais, resolveu tomar uma atitude, tomando as instalações do lar”.

De referir, por último, que a imprensa local, mais propriamente o Notícias de Penacova, dirigido por Joaquim de Oliveira Marques, foi cautelosa face aos acontecimentos. Só no dia 4 de Maio aquele jornal dá algum destaque ao Movimento das Forças Armadas. O editorial, intitulado “Mudança de Rumo”, mantém ainda muitas reticências quanto ao correcto uso da liberdade restituída ao povo português.

 


terça-feira, abril 19, 2022

Lançamento do livro "Penacova (In)temporal" no Dia da Liberdade



O dia 25 de Abril, Dia da Liberdade, foi a data escolhida para o lançamento da obra, editada pelo Município, Penacova (In)temporal

Trata-se de um livro de poemas de Luís Pais Amante que contou com a colaboração de David Almeida e de Óscar Trindade. A apresentação, que terá lugar no Auditório do Centro Cultural de Penacova, pelas 15 horas, caberá a José Fernando Tavares, autor do prefácio.

A sessão será presidida por Álvaro Coimbra, presidente da Câmara Municipal de Penacova. O evento contará com a declamação de alguns poemas, por Humberto Matias, e também com a actuação dos grupos penacovenses Coral Divo Canto e Coro Vox et Communio e de alunos da Escola de Artes.

“Penacova (In)temporal” integra sessenta e sete poemas de Luís Pais Amante, complementados, na sua grande maioria, por fotografias digitalmente editadas, de Óscar Trindade, e por textos de enquadramento histórico e social, relacionados com os temas abordados.

O livro está dividido em três partes. A primeira parte trata essencialmente de lugares icónicos da vila e do concelho, sendo o segundo capítulo mais voltado para as instituições, as pessoas e as tradições penacovenses. Por último, alguns poemas de carácter mais pessoal, mas registando sempre a relação umbilical à terra natal do Autor, às suas pessoas e aos seus lugares, à sua Penacova inserida no Tempo, mas que, ultrapassando os limites temporais, se projecta num tempo "sem tempo" no plano do rememorar e do sentir.


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https://www.acomarcadearganil.pt/penacova-penacova-in-temporal-livro-cuja-receita-reverte-a-favor-dos-bombeiros/


sábado, abril 09, 2022

Olhares: "O temeroso sítio de Entre-Penedos"


"Acima da vila de Penacova, a mais de três léguas de Coimbra, alevantam-se quase
a prumo dois grandíssimos penedos, que deram nome àquele passo do Mondego.
A face da pedra, denegrida pelos sois de muitos séculos, é lisa e nua. Apenas
dalguma estreita fenda brota enfezado arbusto ou solitária planta ressequida
pelos ardores do estio.

Em baixo, correm as águas turvas, escuras, sombrias, por sobre as quais a voz
humana e os demais sons têm aquele ressoar lúgubre e prolongado, próprio das
cavernas e dos vales estreitos e profundos, onde a proximidade das encostas se
opõe à propagação das ondulações sonoras.

O espírito confrange-se em tão medonhas solidões, e, às vezes, irresistível
fascinação prende os olhos ao abismo ...D'ambos os lados o aspecto da rocha é
muito semelhante. Às camadas e veios de uma parte, correspondem outros da parte
oposta. Parece, por esta razão, que a serra, ora fendida, foi antigamente contínua, e
que os xistos silurianos, de que a dizem formada, encheram o espaço, em que hoje
corre o ar e a água.

Um poeta, menos conhecido entre nós do que o merece, cantou numa das suas
metamorfoses o antigo cataclismo que fez lugar à ruptura do monte e à passagem
das águas, as quais, na sua opinião, formavam juntas um grande lago, limitado
pelas serras do Bussaco, Caramulo, Estrela, Góis e Lousã:

No sitio, em que o Mondego coibido
Por eternas barreiras lá da origem
Do mundo, pouco e pouco,
Séculos mil e mil acumulara,
Jove troou dos ares... e os Gigantes
De Góis, do Caramulo e do Bussaco
Do pego pelas vagas se esconderam.
Mas de Neptuno a força pelo meio,
Indignando balizas, co'as entranhas
De humedecido monte, furibundo,
A sucessão rasgou da Hermínia serra,
E o que foi mar, é solo . . .

A ideia do poeta, apesar da liberdade, a que ele tinha direitos, não é talvez tão
exagerada, como a de um célebre físico e matemático português, que, a fim de
evitar os estragos das inundações, propôs a restauração do lago primitivo por meio
de um açude agigantado, que havia de unir as duas rochas separadas. Pôde às
vezes a arte mais do que a natureza , mas neste caso, quando não resistiu o monte
endurecido e consolidado pela intensidade das causas cosmogénicas, havia de
resistir a muralha alevantada por débeis mãos de homem?


in ESCRITOS DIVERSOS DE
AUGUSTO FILIPE SIMÕES
1888
(grafia actualizada)

terça-feira, abril 05, 2022

Existiu um Mosteiro na Cheira ou mesmo em Penacova?

                                                    Gravura meramente ilustrativa de um mosteiro medieval, obviamente de maiores dimensões 

Terá existido nos arredores de Penacova um mosteiro, que não o de Lorvão? 

Esta hipótese é avançada por Maria Alegria Fernandes Marques  na obra "Memória de um mosteiro: Lorvão, séculos IX-XII - História de uma comunidade masculina", editada recentemente pelo Município de Penacova.

Existem documentos de 998, relativos ao Mosteiro de Lorvão que indiciam a sua existência. Pouco se sabe desse "ignorado" mosteiro, mas sabe-se que era em "Villa Cova", não a Vila Cova doada pela condessa Onega ao mosteiro de Lorvão mas outra Vila Cova, próxima de Penacova. A primeira seria, segundo Nelson Correia Borges, na zona da Granja do Rio, a segunda localizar-se-ia na zona da actual Cheira ou perto do local onde hoje é o centro histórico da vila. Sabe-se que houve  renhidas contendas entre o Mosteiro de Lorvão e essa Vila Cova, relacionadas com a delimitação de territórios.

O possível mosteiro poderá mesmo ter surgido na sequência de alguma "cisão" entre os monges. Dissidência  motivada pelo modo de encarar as relações com os muçulmanos que à época dominavam Coimbra.

Entretanto, terá havido um  incêndio (neste e não no de Lorvão) e os monges ter-se-ão refugiado "na torre de Miranda", que seria o castelo de Penacova (de acordo com Manuel Luís Real in "O Castro de Baiões terá servido de atalaia ou castelo, na Alta Idade Média"? Manuel Real entende, no entanto, que o mosteiro queimado teria sido o de Lorvão...

Este tema do mosteiro na Cheira, ou quem sabe em Penacova, oferece muitas dúvidas aos historiadores, mas não deixa de ser um elemento curioso para a história de Penacova na Alta Idade Média.