sexta-feira, setembro 13, 2024

Invasões Francesas: para lá do "espectáculo da batalha", o horrível sofrimento do povo anónimo das nossas terras

Na diocese de Coimbra, em 290 paróquias, apenas em 26 delas não terão entrado os franceses, principalmente aquando da retirada em Março de 1811. Os cálculos das mortes estão subestimados, mas, no mínimo, três mil pessoas foram assassinadas e em consequência da epidemia que se seguiu teriam morrido também 35 mil habitantes da nossa diocese. 

Veja-se com atenção o quadro que elaborámos, demonstrativo das mortes, pilhagens e destruição no concelho de Penacova com base nos relatórios paroquiais que consultámos no Arquivo da Universidade de Coimbra: 

Afirma a historiadora Maria Antónia Lopes, historiadora e professora na Universidade de Coimbra, que “nunca mais a população portuguesa voltou a sofrer tanto como na terceira invasão francesa” – 

Em Maio de 2021 esta investigadora concedeu ao Diário de Notícias uma entrevista que sintetiza esta tragédia da nossa história. Passaremos a transcrevê-la:


 Nunca mais a população portuguesa voltou a sofrer tanto como na terceira invasão francesa” – afirma a historiadora Maria Antónia Lopes

ENTREVISTA LEONÍDIO PAULO FERREIRA

Diário de Notícias Terça-feira 4/5/2021 15

Das três invasões ordenadas por Napoleão a Portugal, a terceira, em 1810-1811, comandada pelo marechal Massena, é tida como a mais terrível para os portugueses. O que a distingue das anteriores?

Foi, sem dúvida, a mais terrível pelo número de assassínios, violações e maus-tratos infligidos à população civil, destruição de campos agrícolas e aldeias, pilhagem sistemática das cidades e vilas, fugas em pânico de multidões.

O que a distingue? A política de terra queimada ordenada pelos ingleses: evacuação total das povoações com destruição de searas, moinhos e tudo o que não pudesse ser transportado, para vencer os invasores pela fome. Agora imagine-se a violência de um exército esfomeado, a deitar mão a tudo o que pode e a perseguir os/as camponeses/as que encontra para que revelem onde esconderam os víveres. Um médico de Leiria refere-se ao “horroroso quadro, quando voltei para este desgraçado território: aldeias desertas, todo o território inculto, uma solidão espantosa, não aparecendo nem quadrúpedes nem voláteis, casas incendiadas ou derrotadas, imundícies amontoadas, vivos agonizantes, esqueletos ambulantes formavam então um espetáculo estranho, pavoroso e mortificante”. Seguiu-se a epidemia e os preços dos géneros dispararam. Só muito lentamente a situação se normalizou. Nunca mais a população civil portuguesa voltou a sofrer assim. Por isso as invasões persistem na memória popular. Cresci [no norte da Beira Alta] a ouvir contar histórias “dos franceses”. A dimensão da tragédia que se viveu em toda a região centro não tem sido devidamente realçada pela historiografia.

A região de Coimbra, e o centro do país em geral, foi a mais afetada pela guerra, mas não a cidade, certo?

Em 1 de outubro de 1810, quando os franceses entraram em Coimbra depois da batalha do Buçaco, encontraram a cidade deserta, evacuada por ordem de Wellesley. Foi saqueada pelas tropas invasoras durante três dias, até ser reconquistada pelas milícias comandadas pelo coronel Trant. Só a universidade escapou parcialmente, protegida pelos cuidados dos oficiais portugueses que integravam o exército napoleónico. Nem as residências mais humildes foram poupadas. Às pilhagens dos franceses seguiram-se as do povo que voltara e as dos refugiados. Em inícios de 1811 viveu-se na cidade um cenário dantesco. Os habitantes de Miranda do Corvo, Lousã e vizinhanças até ao rio Alva haviam sido obrigados a retirar para norte do Mondego e acorreram a Coimbra. Os dirigentes da Misericórdia registam em ata tratar-se de “uma calamidade incomparável, de que não há memória nos séculos passados”. Em dezembro de 1811, o provisor da diocese de Coimbra afirma que a miséria é geral pois em “290 paróquias, apenas contará 26 delas onde não entrasse o inimigo”. Segundo os seus cálculos, morreram às mãos dos soldados 3 mil pessoas e em consequência da epidemia que se seguiu teriam falecido, no mínimo, 35 mil habitantes da diocese. Os cálculos das mortes estão subestimados. Já contabilizei 3305 civis assassinados, representando as mulheres quase 30%, e as fontes estão incompletas. Também não estará muito empolado o número de mortos por doença. Na Figueira da Foz, onde não houve assassínios porque os invasores não passaram por aí, terão sucumbido na epidemia umas 4 mil pessoas, entre naturais e refugiadas. Contudo, a julgar pela distribuição dos auxílios em 1811, a devastação foi muito maior nos atuais distritos de Guarda, Leiria, Santarém e Cas-telo Branco. O assunto carece de investigação.

A violência pior contra civis aconteceu durante a invasão ou já aquando da retirada, quando as forças luso-britânicas do general Wellesley, futuro duque de Wellington, se mostraram superiores às francesas?

A violência contra os civis aconteceu desde o início, agudizou-se quando os franceses estiveram imobilizados nas linhas de Torres Vedras e ainda mais na retirada, a partir de março de 1811. Durante a permanência nas Linhas de Torres, a pilhagem foi organizada pelas chefias em larga escala e em zonas distantes. Quando retiraram, desesperados pela fome, buscando mais a sobrevivência do que o combate, os soldados intensificaram as atrocidades. A 19 e 20 de março, sem encontrarem nada para comer, espalhavam-se por Pinhanços, Sandomil, Penalva do Castelo, Celorico da Beira, Vila Cortês, Vinhó, Gouveia, Moimenta da Serra, etc.

Os chefes militares franceses mostraram-se incapazes de controlar assassínios, violações e pilhagens pelos soldados? Tentaram, pelo menos?

Nas memórias que conheço de antigos oficiais franceses não encontro essa preocupação. Omitem-se homicídios, torturas e violações. E estas aconteceram em massa. Quanto às pilhagens, eram imprescindíveis e podiam ser planificadas superiormente, como relata, por exemplo, o general Marbot. Mas os militares aliados também pilhavam. Segundo uma testemunha de Arganil, “por onde passou a tormenta nada absolutamente ficou, nem de mantimentos, nem de carnes, nem de hortaliças. E se alguma coisa escapou ao inimigo, o limpou a nossa tropa e assim mesmo os pobres soldados vão mortos de fome”.

É verdade que a destruição foi tanta que, no âmbito da estratégia geral de combate a Napoleão na Europa, a Grã-Bretanha teve de enviar ajuda humanitária para o seu aliado

Sim, a tragédia suscitou uma campanha de auxílio na Grã-Bretanha, onde o parlamento e a população arrecadaram mais de 60 milhões de réis destinados às vítimas portuguesas da terceira invasão. Para organizar a repartição das verbas, foi constituída uma comissão central em Lisboa, a Junta dos Socorros da Subscrição Britânica, dirigida pelo cônsul inglês. O donativo foi distribuído pela população miserável (dinheiro e pano para roupa), por lavradores para sementeiras e por instituições de assistência.

A imagem de Napoleão foi manchada irremediavelmente no imaginário popular, apesar de alguns nas elites defenderem as suas ideias, depois desta terceira invasão?

Sem dúvida, era inevitável. Surgem por todo o lado folhetos que o diabolizam e isso foi alimentado e aproveitado pelas forças políticas conservadoras. Mas parte das elites estava conquistada pelas ideias políticas liberais, que eram também, não esqueçamos, as dos aliados ingleses.

O povo sentia-se abandonado pela família real, que a primeira invasão napoleónica, em 1807, tinha levado a embarcar para o Brasil?

A avaliar pelos relatos das testemunhas e as petições das vítimas, não era assunto que as preocupasse. Referiam-se à tragédia sem invocar as causas da invasão nem cenários que a tivessem impedido. Era como se de um terramoto se tratasse, sem outros responsáveis que não a própria catástrofe. 

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Penacova vai, mais uma vez, recriar alguns episódios da Guerra Peninsular ocorridos às nossas portas. Que além do enaltecimento da vitória anglo-lusa no Bussaco, nos lembremos também do "desgraçado" povo humilde do nosso concelho, dos familiares remotos de muitos de nós que foram assassinados, que viram as suas casas incendiadas, que ficaram sem os seus escassos víveres, que viram o património religioso roubado e profanado...


sábado, setembro 07, 2024

𝐍𝐨𝐭𝐚𝐬 𝐡𝐢𝐬𝐭ó𝐫𝐢𝐜𝐚𝐬 𝐞 𝐞𝐭𝐧𝐨𝐠𝐫á𝐟𝐢𝐜𝐚𝐬 𝐬𝐨𝐛𝐫𝐞 𝐨 𝕄𝕠𝕟𝕥'𝔸𝕝𝕥𝕠 (3)



Texto do Professor Nelson Correia Borges (1977)

Vai longe já o colorido pitoresco de outrora das romarias da região. Às carroças e carros de bois enfeitados com verdura e fitas sucedeu o automóvel trivial; os altifalantes, berrando aos quatro ventos o último êxito da pop music, expulsaram as loas à santinha e os cantares regionais acompanhados pelo “ferum-ferum” da viola toeira. Coisas irreversíveis da nossa civilização. Já Gil Vicente se queixava em 1519:

“Em Portugal vi eu já
Em cada casa pandeiro,
E gaita em cada palheiro;
E de vinte anos a cá
Não há gaita nem gaiteiro.”

E também, anais recentemente (1902), exclamava Trindade Coelho: “Agora parece que vai aquilo tudo por água abaixo Deram as tricanas em meter na dança coisas de sala, marcadas em francês»

Ora, das romarias da região, uma das mais !concorridas era a da Senhora do Mont' Alto de Penacova. Povoavam-se as veredas das encostas no dia 8 ide Setembro, também conhecido por Dia das Sete Senhoras. Ao terreiro da capela afluía de todos os lados uma multidão de romeiros, ansiosos por cultuar a Mãe de Deus e também por conviver na mais sã alegria e descansar das lides da custosa lavoura ou dos palitos.

Entoavam-se loas ingénuas e dançava-se o vira. ou o malhão, ou escutava-se o desafio dos mais afamados cantadores.

Ainda andam na outiva algumas quadras alusivas. Em Lorvão recolhemos as que a seguir se arquivam.

A primeira tem o sabor das coisas reencontradas, depois de há muito perdidas :

A Senhora do Mont’Alto
Anda no monte sem roca,
Para acabar uma meada
Falta-lhe uma maçaroca.

As coisas simples do seu viver são transportadas pelo povo para o objecto da sua poesia, não sem um certo optimismo que parece também ter-se evolado na azáfama da vida moderna. Repare-se na carinhosa intimidade que se desprende dos seguintes versos:

A Senhora do Mont'Alto
Lá vai pelo monte acima,
Leva a cestinha no braço
Parra fazer a vindima.

A Senhora do Mont'Alto
Mandou-me agora chamar,
Que tem o seu manto roto,
Quer que eu lho vá remendar!

Se em Setembro é mês de vindimas, também é mudança de ritmo de vida quotidiana: começa o serão e acaba a sesta. A isso alude com um certo chiste a seguinte quadra:

Senhora do Mont'Alto
Eu não volto à vossa festa
Que me tirais a merenda
E mai-la hora da sesta!

Quadras como estas haverá muitas mais. Valia a pena anotá-las todas para um cancioneiro. São tesouros de arte popular e expoentes de uma cultura que aos poucos se vai perdendo. (...)

Nos carreiros dos montes cresce hoje a erva e o mato, mas a Senhora do Mont'Alto, apesar de toda a agitada vida moderna, avessa a sacrifícios, ainda tem os seus romeiros fiéis, por isso...continuaremos.

Correia Borges
NP 16 DE SETEMBRO DE 1977

quinta-feira, setembro 05, 2024

𝐍𝐨𝐭𝐚𝐬 𝐡𝐢𝐬𝐭ó𝐫𝐢𝐜𝐚𝐬 𝐞 𝐞𝐭𝐧𝐨𝐠𝐫á𝐟𝐢𝐜𝐚𝐬 𝐬𝐨𝐛𝐫𝐞 𝐨 𝕄𝕠𝕟𝕥'𝔸𝕝𝕥𝕠 (2)


TEXTO DE NELSON CORREIA BORGES (1977)

O Mont'Alto avulta na paisagem, a norte da vila de Penacova, como formidável mole naturalmente defensável, ideal para a instalação de um castro em tempos proto-históricos, mas relegado para plano secundário devido ao alto valor estratégico do local onde depois se ergueu o castelo roqueiro, sobre o Mondego.

As ribeiras de Penacova e de Selga delimitam as suas vertentes escarpadas, onde trepam carreiros milenários que conduzem ao santuário, trilhados quase apenas pelos romeiros da Senhora. O acesso é, no entanto, também possível a carros, não sem algumas dificuldades, utilizando a estrada que conduz do Casal à Chã; a partir daí o caminho é florestal.

Cobre as encostas denso manto de pinheiros, eucaliptos e acácias, afogando a capelinha, ocultando-a às vistas das gentes da vila e roubando até, lá no cimo do monte, um dos maiores prazeres que se pode ter quando se lhe alcança o deliciar-se a gente com a dilatada paisagem circundante.

Poder-se-ia admirar, cá mais em baixo, o rio, a ponte, a vila, as várzeas e as povoações reclinadas nas encostas. Assim, restam-nos algumas frestas do Mondego, por entre as ramagens, umas quantas oliveiras no terreiro em volta da capela, um altaneiro cedro do Buçaco e uma figueira mirrada e, claro, a capelinha da Senhora do Mont'Alto.

A capelinha é um encanto, com aquela dignidade sóbria que só as ermidinhas portuguesas têm. A construção é seiscentista, muito simples. O corpo da capela tem um espaço interior de 8,13 x 4,75 m e a capela mór 3,3 x 3,03 m. A sacristia, pequena, encosta-se à ilharga esquerda da capela-mór. Rasgam-se na capela duas portas de verga curva, uma lateral e a outra axial, sob o alpendre, ladeado por duas janelas gradeadas, para espreitar o orago.

A obra não devia ter ficado um primor de segurança, pois toda a capela se encontra travejada e pos-teriormente foram feitos lateralmente à frente dois muros a servir de contrafortes. Enfim, construção modesta, feita pelo povo e onde os senhores e donatários da vila não deviam ter metido prego nem estopa.

Em toda a volta da capelinha e alpendre há um banco corrido, de pedra e cimento, para os romeiros se sentarem a saborear os seus farnéis. O alpendre que mais encanto dá à paisagem fica em frente da porta principal, definindo um espaço interior de 5,7 x 4,4 m. Tem seis colunas toscanas com 1,85 m de altura suportando o telhado de forma piramidal. Estas assentam por seu turno num pequeno muro com 0,8 m de altura.

Ontem como hoje, os visitantes continuam a comprazer-se em deixar o seu escrito pelos locais por onde passam, comportamento que, com mais ou menos vandalismo ou oportunidade, requer uma explicação psicológica que não está ao nosso alcance. Abundam aqui as inscrições nas colunas e nos muros. Cerca de 15.000 anos antes de Cristo já o homem pintava e imprimia a sua mão em grutas, como a de Cargas, nos Altos Pirinéus. Pois aqui viemos também encontrar no solo do alpendre três pares de mãos impressas no cimento enquanto fresco. «Nada de novo sob o sol».

Outras inscrições no mesmo local dão-nos conta de obras de conservação levadas a cabo em 1958 e 1964.

Correia Borges
NP 14/10/77



terça-feira, setembro 03, 2024

𝐍𝐨𝐭𝐚𝐬 𝐡𝐢𝐬𝐭ó𝐫𝐢𝐜𝐚𝐬 𝐞 𝐞𝐭𝐧𝐨𝐠𝐫á𝐟𝐢𝐜𝐚𝐬 𝐬𝐨𝐛𝐫𝐞 𝐨 𝕄𝕠𝕟𝕥'𝔸𝕝𝕥𝕠 (1)


É já no próximo dia 8 que se realiza a tradicional Romaria do Monte Alto. Republicamos hoje um precioso texto do nosso conterrâneo Professor Doutor Nelson Correia Borges publicado em 1977 no Notícias de Penacova:

A Senhora do Mont'Alto

O culto à Senhora do Mont'Alto vem de muito longe no tempo. No exterior da capela, porém, nada nos autoriza a recuar além do séc. XVIII. Lembremos que em 1780 se faziam em Lorvão as varandas do claustro, cujas colunas podem muito bem ter servido de modelo às do alpendre da capela. Mas no interior há elementos mais antigos.

Vejamos o que há ali digno de atenção. Anotaremos primeiramente a pia da água benta, de calcário, bem lavrada, em forma de concha. O corpo da capela é separado da capela-mor por um arco triunfal de volta inteira, sem interesse. Na capela-mor se encontra um retábulo singelo, albergando a imagem da padroeira. Compõe-se de duas colunas marmoreadas, de capitéis compósitos, sustentando um entablamento simples sobre que se erguem duas volutas e, ao centro, uma glória solar com quatro cabeças aladas de anjos. Lateralmente há duas edículas com remate rococó; numa delas um pequeno Ecce Homo. Tudo finais do séc. XVIII.

A imagem da Senhora tem de altura 70 cm. Trata-se de uma escultura de madeira, regular, dos começos do barroco. A peanha é formada por três querubins alados que afloram sob as pregas do vestido. Envolve-se a imagem em largo manto do pregas esvoaçantes e sustém nos braços o Menino. O rito dos panejamentos é sublinhado pela posição do Menino que se inclina à direita. O rosto da Senhora ó bem modelado, emoldurado por farta cabeleira apartada ao meio e caindo aos lados em caracóis. Em suma, uma imagem da Virgem na verdade acolhedora, apesar do seu reduzido tamanho, pelo encanto do seu sorriso o pelo Menino que abre os braços para os romeiros.

O altar assenta sobre uma base de arenito, vendo-se também no chão algumas pedras de calcário, bem aparelhadas, que bem poderiam ter pertencido a outra capela mais antiga. Aliás o vestígio mais antigo que ali encontrámos foi um azulejo sevilhano de cresta, do lado esquerdo do altar, que bem poderá ser do séc. XV ou XVI.

No lado direito, encontra-se também no chão o que resta de uma inscrição sepulcral, em tijolo, que ostenta a seguinte legenda:

PECADOR
DE MT EAL
EIS DEIA 663

É evidente que se trata de um fragmento da inscrição. Talvez a segunda linha possa ler-se DE M (ON) T (E R) EAL; o resto é impossível. Tem, porém, um elemento importante: a data de 1663, ano em que teria falecido a pessoa que ali foi sepultada, que atesta a existência do santuário naquela época.

Em 1721 a Academia Real da História pediu informações de todas as paróquias para a diocese de Coimbra, para servirem de base a uma história eclesiástica. O Cabido da Sé de Coimbra enviou aos respectivos párocos os questionários em Abril desse ano. Por motivos que se desconhecem o original das informações ficou em Coimbra, seguindo apenas para Lisboa um apanhado. Isto foi uma sorte porque os elementos enviados para a capital perderam-se no terramoto de 1755 e os originais permanecem a bom recato no Arquivo da Universidade de Coimbra.

As informações relativas à freguesia de Penacova têm data de 18 de Maio de 1721 e foram fornecidas pelo padre Simão de Moraes da Serra, À sua letra miúda e certinha, mas difícil, vamos buscar algumas informações sobre a Senhora do Mont'Alto, ainda inéditas.

Ao tempo o único habitante do Mont'Alto era um eremitão que, no dizer do P. Simão de Moraes assistia a Nossa Senhora.

Que o culto vinha já de muito longe é-nos relatado através de um uso, hoje perdido mas que bem merece ser anotado para o estudo da etnografia da região. Nesse tempo «os moradores de Vila de Botão, e os de S. João de Figueira» todos os anos vinham em procissão até à Senhora do Mont'Alto, em cumprimento do um «voto antiquíssimo», trazendo as suas ofertas em tabuleiros ou à cabeça de donzelas, «como tradição antiga».

A informação mais extraordinária, que aliás nos é dada sob curiosa forma dubidativa, é a que a seguir se transcrevo em leitura corrente, para maior comodidade:

«Ao pé deste Monte, contam os naturais, que nascem umas pedras redondas como seixos, as quais partidas se lhe acha dentro outra pedrinha do tamanho e redondeza de uma noz, que com pouca violência se desfaz em pó, e este aplicado à enfermidade da asma é singular remédio, e tanto que por singular, e único de muitas partes deste Reino são procuradas, e como se fossem milagrosas saram os asmáticos e ficam de todo livres».

Como se faria aplicação desse pó, não o diz o P. Simão. Ignoramos também se haverá alguém que tenha actualmente conhecimento destas pedras. Confessamos a nossa grande curiosidade sobre o assunto.

Para já, o que fica exposto é tudo quanto conseguimos indagar e observar sobre a Senhora do Mont'Alto. Se alguém puder dar mais alguma achega será óptimo para o estudo e divulgação deste santuário mariano de tantas tradições que o povo de Penacova deve proteger, valorizar e transformar num ponto de atracção do concelho, tal como em tempos idos.

Correia Borges

in jornal Notícias de Penacova de 23 /12 /1977


domingo, setembro 01, 2024

𝔻𝕒 𝕞𝕚𝕟𝕙𝕒 𝕛𝕒𝕟𝕖𝕝𝕒: E a fantasia apareceu…


Ao terceiro dia de Festa

Aconteceu magia

Em dia dedicado às Crianças

Logo no meu Fundo da Vila

… Que, assim, rejuvenesceu!

SaltaRico em ação tarde fora

À volta do Mirante

Local estonteante

Das gerações dos Meninos do Cruzeiro

Não no pobre d’outrora

Mas no remediado d’agora

Como as Crianças merecem

Eram centenas as que desciam

Encavalitadas às costas

Ao colo, a pé, de carrinho de bebé

Ou de Tuc Tuc, eléctrico, pois é

Vinham com os Avós, os Pais ou os Tios

E distribuíam-se pelas “praias” dos Eventos

Aos rodopios

Havia Palhaços às Bandas

O Kid’s Corner

Teatro Infantil cheio de sentido

Escorregas e outras “bodegas” de brincar

Frutas de tocar

Ateliers de pinturas e de maquilhagens

E de Dança

Estivemos todos a dar mais sentido à vida

Fazendo-o em face das Crianças divertidas

Como o girassol a seguir a luz e a sorrir feliz

Ah

Realçar o Laboratório de Livros

E o Ficão Comigo

Que, para além da diversão

Formam gente para a Nação

Estivemos todos a dar mais sentido à Vida

Que é o que se deve fazer

Em face de uma Criança divertida

… Como faz o Girassol a seguir a luz!


Luís Pais Amante

Casa Azul

Num dia de Alegria no Fundo da Vila

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NOTA DA REDAÇÃO: Hoje decorreu o festival infantil Saltarico no Mirante Emídio da Silva, em Penacova. O Saltarico constou de música, teatro, dança, palhaços, mascotes, insufláveis, animais para adoção, exibição da GNR, showcooking, pinturas faciais, ateliê de pinturas, laboratórios de dança e de livros, etc. O espetáculo de encerramento contou com presença da famosa dupla de palhaços “Batatinha & Companhia”, do programa da TVI “Batatoon”.

domingo, agosto 25, 2024

𝔻𝕒 𝕞𝕚𝕟𝕙𝕒 𝕛𝕒𝕟𝕖𝕝𝕒: A igualdade de género, blá, blá, blá



Andam por aí grandes discussões sobre o género -muitas com objectivos bem definidos- mas eu não quero alimentar essa fogueira, até porque não tenho habilitação para tanto.

Mas sei,

Que a igualdade de género “implica que os interesses, as necessidades e as prioridades das mulheres e dos homens são tidos em consideração, reconhecendo assim a diversidade”.

A ampliação da cidadania das mulheres só se torna, ainda hoje, necessária por que, até aqui, foram os homens que dominaram tudo quanto havia para dominar e não querem parar este estatuto de pseudo supremacia.

Enfrentar preconceitos, estereótipos, buscar uma cidadania activa para todos, só se faz, infelizmente, questionando as práticas na política, na gestão e na vida em sociedade.

Para além de ser um direito humano básico, a igualdade entre os sexos tem sido considerada um dos pilares para a construção de uma Sociedade Livre. E é só esse o caminho certo a seguir!

Indubitavelmente é mesmo a igualdade que todos devem querer -e ter- independentemente do sexo com que nascem.

Daí a preocupação de (já em 1948), na Declaração Universal dos Direitos Humanos, se ter integrado a igualdade de género no direito internacional dos direitos humanos.

O Objectivo 5: Igualdade de Género, das Nações Unidas é ”… acabar com todas as formas de discriminação contra todas as mulheres e meninas, em toda a parte …”.

Ora, aqui chegados, colocam-se questões pertinentes relativamente ao facto de, no nosso País -que se apregoa de moderno e civilizado, sendo, todavia “um atraso de vida” absoluto- passados 50 anos de vida democrática, não se ter tido, ainda, a sorte de ter Responsáveis à altura de promoverem essa urgente transformação.

Os Partidos Políticos até inventaram um regime de quotas para ser utilizada nas suas vivências internas e nas suas representações externas, invenção essa que é vergonhosamente violada todos os dias, quiçá com a cumplicidade de muitas mulheres (com m pequeno) que gostam da exclusividade, na proximidade aos chefes e aos cargos, qual “guarda pretoriana”.

Como é sabido, as nossas mulheres e meninas, em 2022, já tinham ultrapassado a metade da população, atingindo os 5.459.000 (que é como quem diz, 52,3%)!

Em 2021, nos empregos, as mulheres representavam quase 50%, já eram mais qualificadas, já ocupavam mais cargos de especialistas (60%) mas ainda tinham contratos mais precários e 17,2% de diferença salarial negativa. O assédio moral quase só se perpetua contra elas.

Há poucos dias dirigiu-se a Paris uma Comitiva de Atletas Olímpicos Portugueses onde a representação maior era do sexo feminino.

Como já afirmou Sara Falcão Casaca, Investigadora do ISEG: “nem as qualificações protegem as mulheres” e eu próprio, na minha actividade profissional verifico isso mesmo, diariamente.

Tenho dito ao longo da minha vida (já longa) que os exemplos devem vir, sempre, de cima!

E entristece-me mesmo muito que, na nossa Assembleia da República, a partir dos resultados das últimas Eleições Legislativas, tenha baixado (drasticamente) o número de Deputadas, pela surdina; … retrocederam-se, assim, quase 10 anos, na matéria.

E mais ainda quando percebi que os homens todos unidos naquele “quase circo”, só se tinham indigitado a eles próprios (numa coligação machista e estranhíssima que vai constar dos anais do Parlamento) para essa coisa que nada faz, nem nada vale, chamada de Conselho de Estado, concebido na época medieval à medida dos arautos do género masculino e do exibicionismo.

!… É mesmo necessário que as Mulheres deste País (com M grande) se unam e se defendam …!

Tal como dizia (já em 1998, in Feminismo and Citizenship) Rian Voet: “…as mulheres devem defender os seus interesses … e devem desejar falar com voz de autoridade e perceber-se a si próprias como estando “dentro” e não “fora”…!

Ao mesmo tempo que uma grande amiga minha, Anália Torres, Directora do CIEG - Centro Interdisciplinar de Estudos de Género, acabada de se jubilar (a nossa expert nesta matéria, que tem dedicado a vida toda a estas questões e que alertou para estes recuos “backlash”) nos diz que: “…a consciência da desigualdade leva algum tempo a conquistar…”!

E eu penso que, agora, está mesmo na hora!


Luís Pais Amante




quarta-feira, agosto 14, 2024

𝔻𝕒 𝕞𝕚𝕟𝕙𝕒 𝕛𝕒𝕟𝕖𝕝𝕒: A minha casinha [poema dedicado aos Emigrantes]





Estou a caminho da minha Aldeia

Não consigo que me saia da ideia

A casa onde nasci, cresci e vivi

Até começar a minha odisseia

De emigrar

Pra noutro lugar me poder remediar



Ai,

Como eu me lembro de te ver

No recorte temporal da memória

No decurso imersivo da nossa história

Consistente


Ai,

Como tens seguido o meu “ser”

Mesmo distante do meu crescimento

Em momentos difíceis de toda uma vida

Resiliente


Ai,

Como me emociona olhar pra ti

Agora, neste dia, de tão perto assim

E sentir ao teu lado este afago abençoado

Persistente


Ai,

Casinha da minha recordação

Tu estás no meu coração

Com o “reboliço” de então

Presente



Parece que me restituí na alegria de viver

Que me rebolei no ar da nossa fantasia

Como saltimbanco entrusado na magia

E que se me foi embora a saudade

De repente

Ao ver-te e ao tocar-te aqui, fisicamente

Luís Pais Amante
Casa Azul

Dedicado aos Emigrantes [perante os quais eu me vergo e com orgulho neles].

sexta-feira, agosto 09, 2024

Personalidades (6): Alípio de Sousa Borges (1932-1997)


Alípio Sousa Borges, filho de António Borges e de Bigadaila de Jesus Sousa, nasceu em Lorvão no dia 26 de Agosto de 1932, mas desde tenra idade veio para Penacova, onde casou e faleceu em Dezembro de 1997.

Electricista de profissão, trabalhou na Companhia Eléctrica das Beiras (que mais tarde viria a integrar o grupo EDP), tendo passado também pela Câmara Municipal no início da sua carreira.

Apesar de bom profissional, foi no campo da Música e do Teatro de Revista que se notabilizou. Em Penacova deixou a sua marca indelével. Também fora do concelho, se afirmou como credenciado instrumentista.

É através da entrevista que deu ao jornal Nova Esperança, em Junho de 1986, que nos chegam alguns pormenores da sua vida artística.

Conta Alípio Borges que sempre gostara de música - em especial da harmonia, mais do que propriamente dos aspectos melódicos - e que já uma sua bisavó fora uma mulher voltada para esta arte.

Recorda igualmente que convivera com Raimunda de Carvalho, um nome grande da música, e que desde muito cedo tivera o privilégio de lhe mudar as folhas da partitura quando ela tocava piano. Com esta exímia cultora da arte musical e com o Mestre Eliseu, de Coimbra, aprendeu solfejo durante a adolescência e juventude (1944-49). Estudou também teoria musical, harmonia e composição. Com Alípio Costa Alvarinhas Miguel (Catarino) aprendeu saxofone, entrando pela sua mão para a Filarmónica. Tocou também saxofone-alto na Orquestra do Clube Desportivo Penacovense, dirigido pelo Mestre Eliseu. Por este nome importante do panorama musical conimbricense foi também convidado, já com carteira de músico, para fazer parte da Orquestra da FNAT (instituição que deu origem ao INATEL). Músico multifacetado passou por muitos Grupos de Baile, entre os quais “Os Alegres” e o afamado “Ases do Ritmo”. Foi ainda, durante muitos anos, Mestre das Filarmónicas de Penacova e de S. Pedro de Alva.

Outra faceta de Alípio Borges e que marcou gerações de penacovenses foi o teatro. Ao Nova Esperança contou que se devera à acção de Raimunda Martins de Carvalho, enquanto dinamizadora do Grupo Orfeónico Católico Penacovense, bem como ao Padre Firmino Carvalhais, ao cenógrafo Pepe Iglésias[1] e ao Mestre Eliseu, no Grupo de Variedades da FNAT, a sua entrada no mundo do teatro de revista que culminaria com o Grupo de Teatro de Penacova, onde, como referiu foi "actor amador, electricista, carpinteiro de cena, músico”. Enquanto criador dos textos, poeta[2], actor e músico (autor e executante), prestou um inestimável serviço à cultura do nosso concelho. Na entrevista ao NE, apesar de ter “absoluto conhecimento dos seus limites” e ter “pena de muitas vezes não ter alcançado os objectivos”, reconheceu que fizera “alguma coisa pela cultura nesta terra”.

O Grupo de Teatro e Variedades da Casa do Povo de Penacova apresentou em 2019 e 2020, em vários locais do concelho, o espectáculo “Recordar é Viver”, inspirado na obra de Alípio Sousa Borges. Além de recuperar textos e músicas do Mestre também, ao nível da cenografia, foram utilizados alguns trabalhos do início da década de cinquenta do século passado.

No campo da intervenção social, foi Presidente da Junta de Freguesia de Penacova nos anos 60 e durante muitos anos pertenceu aos Bombeiros Voluntários de Penacova, onde foi membro da Direcção e Ajudante de Comando do Quadro Honorário.

David Almeida
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[1] Fundador do Grupo de Teatro “Os Rouxinóis”, fundado em 1948 na Anadia, por José Luís Iglésias, também conhecido por Zeca Iglésias, de seu nome completo, José Luís Fernandes Llano Iglesias.

[2] Ao leme da Barca Serrana/À vara, a remo ou à vela/Fosse ele, noite ou fosse dia/Guiava-se à sua boa estrela/Chamada Senhora da Guia

quarta-feira, agosto 07, 2024

𝔻𝕒 𝕞𝕚𝕟𝕙𝕒 𝕛𝕒𝕟𝕖𝕝𝕒: Oh SNS, como te querem tanto?

Falar do SNS, por estes dias, é uma tarefa mesmo muito difícil;…Mas, muito necessária!

De facto, não se sabe bem se a sua realidade nesta hora é a mesma da da hora que se segue.

Mas podemos dizer, sem receio intelectual, que se aplica aqui - isso sim - uma frase desconexa que 50 iluminados comprometidos (com o passado, com o presente, com as ações, com as omissões, com os receios e com os favores e com as mordomias e com as traições) produziram há pouco tempo, num manifesto sobre a Justiça (deles):

a melhor e mais nobre comemoração que podemos assumir nos 50 anos da democracia portuguesa é reconhecer de forma digna e leal o que a está a fragilizar e, honrando o nome dos que por ela lutaram, ter a coragem e a vontade de mudar”.

Tenho ou não tenho razão?

Vejamos:

O problema do estado da Justiça é culpa exclusiva dos que a quiseram assim, até por ação directa: frágil, lenta, sem meios para se proteger dos criminosos e dos corruptos, aplicando leis feitas pelos tais (ou por grande parte deles), leis essas que balizam o seu funcionamento, o que leva a desconsiderar as pretensões utilitárias dos tais da lista, que agem em benefício próprio (ou dos amigos importantes de que são subservientes) em grande, mas mesmo grande parte.

Quem precisa da Justiça má são “os polvos travestidos” que têm dominado impunemente o País…

Mas o SNS, esse sim, merece que todos nós (menos os que lhe fazem mal, diariamente) façamos listas infindáveis de pedido de decoro, de insatisfação, de reclamação; até de repúdio pela desorganização e confusão em que vive, que é digna de um Estado fraco, centrado na “produção de ocupantes de cargos externos”.

Enquanto a Justiça anda mal há muito tempo, o SNS só ficou mesmo muito mal de há uns anos a esta parte e isso é fácil de saber; até aí emancipava-se, cumpria os seus objectivos, impunha-se como a Área essencial que a nossa democracia pariu!

Hoje, serve para tudo, menos para o que deve servir. E quem precisa de um bom SNS são os pobres e o Povo em geral!

Emprega (para além de profissionais de saúde) gerações inteiras de políticos, familiares de políticos, encartados dos partidos e boys e girls de todo o tipo e feitio. Na generalidade sem experiência em nada, sem habilitação específica para quase nada, só com o cartão ou com a pertença a alguma “fraternidade” das muitas que para aí pululam.

Daí ser tão apetecido por esta gente que vive à conta do orçamento: gestores, empregados, consultores, assessores, fornecedores do ajuste directo, etc, etc.

Certo é que quem só tem possibilidade de ser tratado no SNS assiste a este descalabro sucessivo e espera, espera, desespera por uma simples consulta, quanto mais e mais por uma intervenção por mais simples que ela seja. Às vezes até é desesperante.

Certo é que esses Utentes potenciais, pagaram e continuam a pagar para que todo este circo funcione mal, descaradamente mal e são os únicos que dão sem receber o que custeiam.

Certo é que o SNS, agora, serve, sem o mínimo de pudor, de arma de arremesso do pobre jogo da política barata e os responsáveis - irresponsáveis de ontem - já apontam o dedo aos de hoje, passado um relâmpago de tempo…e fazem-no com a exibição da desgraça alheia, o que é triste; …lamentável até.

Certo é que o albergue, um dia destes, vai estourar e que, nesse dia, o Povo enganado sucessivamente, vai abrir os olhos e, provavelmente, exigir à tal Justiça que seja dura, como deve ser, para averiguar, acusar e julgar todas as manigâncias a que a Saúde lactu senso considerada tem sido submetida ao longo dos anos.

Construindo a fita do tempo e dando nome aos inconscientes e aos inconsistentes!

E não é que, lendo-a bem, a lista até pode ajudar muito nesse trabalho?

Luís Pais Amante