[António José de Almeida: um Beirão de projecção nacional]
No Verão de 1929 realizou-se em Castelo Branco o IV Congresso das Beiras. António José de Almeida fora convidado para estar presente. A doença, que há longos anos o atormentava e que no Outono seguinte lhe causará a morte, impedirá essa deslocação. No entanto, não deixará de endereçar uma mensagem onde enaltece o “passado heroico” desta região. “Beira Una”, que é a “expressão suprema” de uma “Nação gloriosa, eterna geradora de heróis, de poetas e de mártires”.
Este sentimento Beirão, expresso no final da sua vida, nascera muitos anos antes. Foi num lugar perdido da Beira - Vale da Vinha - que nasceu a 17 de Julho de 1866. Às terras do Alto Concelho de Penacova se manteve ligado ao longo da vida, quer por laços familiares, quer por relações políticas. Frequentou o ensino primário na sede da sua freguesia – Farinha Podre (actual S. Pedro de Alva.) Teve como professor João Gama Correia da Cunha, natural de Mouronho, mestre atento, desde muito cedo, ao carácter daquele seu aluno.
Quando em 1890 António José de Almeida, já estudante universitário, se encontrava preso por crime de abuso de liberdade de imprensa, na sequência do artigo “Bragança, o Último”, publicado na folha académica Ultimatum, João Gama escreve para o jornal conimbricense A Oficina, uma carta em apoio do seu antigo pupilo. Nesse texto, afirma que muito há a esperar da “ilustração e boa vontade” daquele “rapaz” pois ''homens como ele não aparecem todos os dias”. A sua intuição levou-o também a dizer que o tempo se encarregaria de mostrar que estas suas palavras não eram “lisonja, nem ilusão dum insensato.''
Foi na cidade de Coimbra que António José de Almeida manifestou a sua vocação política. No entanto, as primeiras influências republicanas dever-se-ão ao professor das primeiras letras, republicano convicto, bem como a outras personalidades daquela freguesia que conviviam com a respeitada família “Almeida” e que acompanharam pessoalmente o jovem conterrâneo, aquando do julgamento e durante os meses de cárcere.
Registe-se que o seu pai, José António de Almeida, só adere ao Partido Republicano no dia em que o filho entra na cadeia, quando já era presidente da Câmara de Penacova. Em plena sessão camarária, faz uma declaração que apanha desprevenida a vereação. Declaração que ficou registada em acta e onde, a dado passo podemos ler: “Nunca tinha pensado que na idade de setenta anos e que tendo empregado na maior parte deles as minhas forças na sustentação e defesa da monarquia e liberdades pátrias, me havia de fazer Republicano! Realizou-se, porém, este pacto desde que, no dia vinte e cinco de Junho último, vi que uma sentença injustificadamente rigorosa condenava em três meses de prisão o meu filho António José d’Almeida, arrancando-mo dos braços e aferrolhando-o na cadeia pública”.
Programa das comemorações em Penacova
A par de uma aguerrida militância republicana em Coimbra, António José de Almeida concluiu o curso de Medicina em 1895. Parte para S. Tomé no ano seguinte, onde virá a exercer clínica. Regressa em 1903 e ainda nesse ano inicia uma viagem de estudo que se estenderá até Março de 1904, passando por França, Itália, Suíça e Holanda. Em 1906 integra o Directório do Partido Republicano Português. Neste ano, são eleitos os primeiros deputados republicanos: António José de Almeida, Afonso Costa, Alexandre Braga e João de Menezes.
A luta intensifica-se através da imprensa e da realização de inúmeros comícios, onde a presença de António José de Almeida é uma constante.
Em 28 de Janeiro de 1908, na sequência de uma tentativa de golpe de Estado, é preso, juntamente com outros republicanos. Em Abril desse ano é novamente eleito. Agora, o Partido Republicano consegue eleger sete membros para a Câmara dos Deputados. Em Abril de 1909, no Congresso daquele partido e por indicação da Carbonária (recorde-se que em 1907 entrara para a Maçonaria) assume a direcção civil do Comité Revolucionário.
António José de Almeida continua a marcar presença em muitos dos comícios que se foram realizando por todo o país. Refira-se Viseu no dia 8 de Março de 1908, Tábua um ano depois e S. Pedro de Alva em 1 de Agosto de 1909. A este último local, terão acorrido milhares de pessoas: 3000, segundo o Jornal de Penacova, 4000 de acordo com notícia de O Poiarense. A data ficará marcada na história local como sendo a primeira e única vez que António José de Almeida se dirigiu em público às pessoas que o viram nascer e frequentar os bancos da escola primária.
No discurso que proferiu, fez questão de esclarecer que “veio falar à sua terra porque cá o chamaram.” Acentuou que não vinha “pedir nem votos, nem influências, nem importância” pois “nada precisava da República, como nada aceitava da Monarquia.” Vinha sim “junto dos homens da sua terra, para os ajudar a redimir e salvar”, apresentando-se como “um combatente que vem oferecer o seu braço, o seu cérebro e o seu esforço.” No mesmo dia do Comício foi inaugurado em S. Pedro de Alva um Centro Republicano. António José de Almeida, a dois meses do 5 de Outubro, reafirma que é preciso acabar com a ideia de que o Partido Republicano ''não tem força'' sendo, portanto, inevitável conquistar os direitos ''não só pelas palavras mas também pelas armas.''
Com a proclamação da República, António José de Almeida integra o Governo Provisório, assumindo a Pasta de Ministro do Interior, cargo que desempenhará até ao dia 3 de Setembro de 1911. Ainda neste ano, verifica-se a cisão do Partido Republicano. Democráticos (liderados por Afonso Costa), Evolucionistas (liderados por António José de Almeida) e Unionistas (liderados por Brito Camacho), irão até 1919 ocupar o espectro partidário republicano.
Com a criação do Partido Evolucionista (o I Congresso realizar-se-á em Lisboa a 8 de Agosto de 1913) a região das Beiras, que já não era indiferente a António José de Almeida, reforça os contactos e cimenta as simpatias, principalmente nos concelhos pertencentes ao Círculo Eleitoral de Arganil (Arganil, Góis, Miranda do Corvo, Lousã, Oliveira do Hospital, Pampilhosa da Serra, Penacova, Poiares e Tábua). As movimentações de António José de Almeida passam por Tábua (Março de 1913), acompanhado de António Granjo e de outros republicanos.
No comício que aí se realizou, mais uma vez se revelou como “o homem eloquente de sempre”, dirá o Jornal de Arganil, órgão do Centro Republicano Evolucionista, fundado em Março de 1913 por Alberto Veiga Simões. O primeiro número daquele jornal dirá que o concelho, na sua quase totalidade, abraçara a política evolucionista. Veiga Simões virá a ser convidado por António José de Almeida para “redactor político” do jornal República. Em Arganil, Ventura da Câmara, da Quinta do Mosteiro (Folques) é outro nome a reter no conjunto dos militantes evolucionistas da região.
Em Penacova vamos encontrar Amândio dos Santos Cabral à frente do Jornal de Penacova, periódico fundado em 1901 mas que agora se assume como órgão concelhio do Partido Evolucionista. Neste concelho as movimentações de apoio são intensas, o ideário do novo partido e as inúmeras adesões são noticiadas na imprensa local
[1]. Em Oliveira do Hospital, segundo crónica do Jornal de Arganil, apesar de existir uma “simpatia latente” por António José de Almeida, o concelho ainda não decidira “abraçar este ou aquele partido”. Caso estranho, pois Oliveira do Hospital revelara-se como sendo um dos concelhos “mais bulidos pela política” após a Implantação da República. As críticas recaem em Augusto de Mattos-Cid, advogado, que no dia 7 de Outubro assumira a presidência da Comissão Administrativa Republicana e manifestava, agora, simpatias por Afonso Costa.
A carreira política de António José de Almeida registará um novo capítulo em 1916. No contexto da I Guerra Mundial, assumirá as funções de Presidente do Ministério (Primeiro Ministro) (15 de Março de 1916) e de Ministro das Colónias no Governo da “União Sagrada”, formado por Evolucionistas e por Democráticos. A ruptura desta “coligação” dar-se-á no dia 25 de Abril de1917.
Regressará em 1919, agora como Presidente da República. Apesar de ter enfrentado um dos períodos “mais trágicos da República”, foi o único a cumprir, entre 1910 e 1926, integralmente os quatro anos de mandato presidencial. No período que vai de 5 de Outubro de 1919 a 5 de Outubro de 1923, António José de Almeida, além de muitos outros contratempos, terá que “lidar” com dezassete Governos e terá que enfrentar os trágicos acontecimentos da “noite sangrenta” de Outubro de 1921. No entanto, o sucesso da travessia aérea Lisboa-Rio de Janeiro e, pouco depois, o momento “glorioso” e “triunfal” da sua Visita Presidencial ao Brasil, nos finais do Verão de 1922, serão acontecimentos positivos que marcarão o seu mandato.
É todo este seu percurso que leva João Alves das Neves, eminente jornalista arganilense, a considerar António José de Almeida como “o maior estadista da Beira-Serra”.
Vitimado pela doença (gota) que o acompanhou ao longo da vida, morre em Lisboa no dia 31 de Outubro de 1929, com 63 anos.
O quinzenário A Voz de S. Pedro de Alva preenche integralmente a capa da edição de 16 de Novembro com o título: ''A Pátria e a República em Crepes: morreu o Dr. António José de Almeida''. Periódico que poucos meses antes, recebera uma carta onde aquele seu ilustre conterrâneo prometia escrever “umas linhas” para o mesmo, logo que “estivesse melhor dos seus padecimentos”. Também a Comarca de Arganil publicará uma notícia com foto sua e uma gravura da casa de Vale da Vinha, escrevendo que “com o desaparecimento do Dr. António José de Almeida” perdia “a Pátria um dos seus maiores soldados e a República um dos seus maiores generais.”
Durante vários anos a imprensa local e regional não deixou cair no esquecimento a data de 31 de Outubro, mas só com o 25 de Abril a figura de António José de Almeida foi em certa medida reabilitada, depois ter sido silenciada durante muitos anos. ''Finalmente possível…'' é o título do artigo publicado pelo Notícias de Penacova respeitante à homenagem que se iria realizar no dia 5 de Outubro de 1974 naquela vila. ''António José de Almeida sob silêncio do cemitério'' será outro título da mesma edição, com a assinatura de Urbano Duarte, padre e jornalista, ligado ao jornal diocesano Correio de Coimbra.
Em 5 de Outubro de 1976 foi inaugurado na vila de Penacova um busto de António José de Almeida, obra escultórica do Mestre Cabral Antunes. Na cerimónia, usou da palavra, além de outras individualidades, o Governador Civil de Coimbra, Fernando Vale que, curiosamente, havia iniciado funções na véspera. Outro acto de homenagem foi a instituição do dia 17 de Julho como Feriado Municipal de Penacova, por deliberação da Assembleia Municipal (28 de Maio de 1976). Em 1997, no dia 5 de Outubro, foi inaugurada uma estátua em S. Pedro de Alva, sede da freguesia da sua naturalidade.
Para completar este reconhecimento concelhio, aguarda-se que o Município de Penacova faça a compra e a recuperação da casa onde nasceu aquele estadista. O antigo “solar” de Vale da Vinha começa a ameaçar ruína. A instalação de uma Casa-Museu ou de um Centro de Estudos, seria uma hipótese que muito dignificaria aquele espaço carregado de memórias que urge preservar.
Para um conhecimento da vida e da obra de António José de Almeida é incontornável a consulta da “biografia ilustrada” António José de Almeida e a República, de Luís Reis Torgal e Alexandre Ramires, publicada em 2004. De referir ainda, quer o livro de Ana Paula Pires, editado em 2012, António José de Almeida: o Tribuno da República, quer a colectânea Quarenta Anos de Vida Literária e Política, em quatro volumes, reunindo discursos e outros textos, publicada em 1933.
Recorde-se que António José de Almeida, além de grande orador (nos Comícios, na Câmara dos Deputados, no Governo e na Presidência da República) utilizou também a escrita, em especial a jornalística, para expressar as suas ideias. Assinou inúmeros artigos em jornais e publicações republicanas e fundou a revista Alma Nacional (1909) e o jornal República (1911).
Escrevia Júlio dos Santos, em 1932, n’ A Voz de S. Pedro de Alva: “Se ao advento da República Miguel Bombarda deu Cérebro, Pensamento, Equilíbrio; se Cândido dos Reis lhe deu Corpo, Forma; António José de Almeida deu-lhe o Verbo. Verbo que é Sopro de Deus!”
David Almeida
Artigo publicado na Revista
Ipsis Verbis (ver referência
AQUI)
Sobre
a República e o republicanismo em Penacova, cfr. David Almeida, Penacova e a República na Imprensa Local. Edição da Câmara Municipal de
Penacova, 2011.