quinta-feira, outubro 14, 2021
"Quem foi quem na toponímia de Penacova" retrata algumas das personalidades que marcaram a vida do concelho
sábado, setembro 25, 2021
Bibliografia sobre Lorvão conta com mais um estudo de Maria Alegria F. Marques
No dia 18 de Setembro teve lugar, no Mosteiro de Lorvão, a
apresentação do livro Memória de um Mosteiro: Lorvão, séculos IX-XII.
História de uma comunidade masculina, de Maria Alegria Fernandes Marques,
professora catedrática jubilada da Faculdade de Letras da Universidade de
Coimbra. A obra, editada pela Câmara Municipal de Penacova, foi
apresentada por Maria José Azevedo Santos, também ela professora catedrática da
referida Universidade.
De acordo com a autora, este livro tenta preencher algum
vazio ainda existente sobre a acção organizativa e até orientadora do Mosteiro,
na fase em que foi ocupado pelos monges.
Por outras palavras, perceber melhor “o papel que o mosteiro teve na
organização e desenvolvimento de boa área da bacia do Mondego, pelos seus
responsáveis, enquanto foi uma comunidade de monges de fronteira.”
O livro começa por fazer em traços largos a evolução
histórica desta região, desde a ocupação muçulmana em 715 até à consolidação da
fronteira do Mondego em 1147. Passa depois à história do mosteiro, desde a
comunidade primitiva até ao “momento funesto do seu fim” nos inícios do século
XIII.
Este estudo insere-se no conjunto de outros que a autora tem
vindo ao longo de alguns anos a publicar: Inocêncio III e a passagem do
Mosteiro de Lorvão para a Ordem de Cister; Vida e morte de um mosteiro
beneditino: o caso de Lorvão, e O
Mosteiro de Lorvão: ainda a saída dos monges e a entrada das freiras.
Um livro - segundo a autora - que apesar do rigor histórico
e científico pretende ser de leitura acessível ao “cidadão comum interessado na
sua terra, no seu passado, nas suas raízes e nos seus símbolos” isto é, a todos
os penacovenses que se revejam, “com orgulho, numa instituição que levou longe
o nome da sua terra. “
sábado, setembro 11, 2021
As Invasões Francesas e o Mosteiro de Lorvão, de 1807 a 1811 (IV)
RELAÇÃO DO QUE SE PASSOU NESTE MOSTEIRO DE LORVÃO DESDE A INVASÂO DOS FRANCESES ATÉ QUE FORAM EXPULSOS DO REINO, A TERCEIRA VEZ EM ABRIL DE 1811, por Joana Delfina de Albuquerque, cartorária do Mosteiro
quinta-feira, setembro 09, 2021
Locuções populares (10): IR PARA O MANETA
Portugal, velho aliado da Inglaterra, recusou-se a aderir ao
Bloqueio Continental e Napoleão invadiu Portugal. O general Jean-Andoche Junot entrou em Portugal pelo vale do Tejo, a 17 de Novembro de 1807,
seguindo o caminho mais curto para Lisboa.
Das tropas de Junot fazia parte o general Louis Henri
Loisson (1771-1816), prestigiado militar que tinha perdido uma mão numa
campanha na Suíça.
Este oficial distinguiu-se, durante a 1ª invasão, pela
ferocidade com que ordenava prisões, fuzilamentos e atrocidades.
A fama de Loisson, o ‘”maneta”’, como o povo lhe chamava, chegou a todos os cantos do país. Quando alguém era preso por ordem deste general, a probabilidade de escapar ileso era era quase nula. E quando a alguém isso acontecia, dizia-se que tinha ido para o maneta.
Tal foi o medo que se instalou que se alguém falava de modo menos cuidadoso, alertava-se: "Cuidado, vê lá se queres ir pró maneta!”.
A expressão manteve-se até
aos nossos dias, apesar de muitas vezes nem sequer se associar já às Invasões Francesas.
terça-feira, setembro 07, 2021
As Invasões Francesas e o Mosteiro de Lorvão, de 1807 a 1811 (III)
por Joana Delfina de Albuquerque, cartorária do Mosteiro
[continuação]
Em dezanove e vinte de Setembro esteve alojado no hospício dos religiosos deste mosteiro o general Lord Wellington com todo o seu estado maior, sustentando-se à sua custa, sem que do mosteiro fosse mais que algumas cousas para o serviço e um mimo de doce, que ele agradeceu muito à Prelada, tratando-a com a maior civilidade, assim como a toda esta comunidade e lhes disse que não estávamos aqui bem e nos devíamos retira, para o que ele concorreria em caso de precisão.
segunda-feira, setembro 06, 2021
As Invasões Francesas e o Mosteiro de Lorvão, de 1807 a 1811 (II)
(Continuação)
sábado, setembro 04, 2021
AS INVASÕES FRANCESAS E O MOSTEIRO DE LORVÃO, de 1807 até 1811 (I)
por Joana Delfina de Albuquerque, cartorária do Mosteiro
quinta-feira, setembro 02, 2021
Livraria do Mondego: quem se lembrou de a chamar assim?
sábado, julho 17, 2021
A actualidade de António José de Almeida em dia de Feriado Municipal
"Pelas nove horas da noite" do dia 17 de Julho de 1866 nascia em Vale da Vinha aquele que viria a ser uma das figuras mais importantes da cena política portuguesa da primeira metade do século XX. O Município de Penacova elegeu-o como figura primeira do concelho, adoptando como dia de Feriado Municipal precisamente a data do seu nascimento. Praticamente silenciado, em Penacova e no País, durante o período do Estado Novo, é de novo enaltecido com a alvorada do 25 de Abril de 1974. Foi assim que em 5 de Outubro daquele ano foi alvo de uma significativa homenagem na sede do concelho.
Na altura, o jornal Notícias de Penacova noticiou a cerimónia e publicou uma crónica de Urbano Duarte, padre, professor e jornalista, salientando a actualidade deste penacovense ilustre e dos valores que defendeu. Por se tratar de um texto um pouco diferente daqueles que habitualmente são citados, consideramos que se justifica a sua transcrição integral:
ANTÓNIO JOSÉ DE ALMEIDA SOB SILÊNCIO DE CEMITÉRIO
«Penacova sentiu-se agora com força bastante para celebrar o
seu filho mais ilustre António José de Almeida.
Do seu nascimento em vale da Vinha, já lá vai o centenário e
sobre a morte (1929) já pesam quatro décadas… Como se ele fosse um vulgar
qualquer, metido sem voz nos poucos palmos da campa!
Se, neste cinco de Outubro, o povo de Penacova glorificar o
seu nome galhardamente, a peito cheio, é porque algum feitiço terrificante e
silenciador, de verdade acabou.
E em que consistia o maldito feitiço?
No facto de ele ter sido a voz mais belamente profética e romântica que trouxe ao País a República.
Infelizmente, por ignorância, por instalação e
subserviência, durante excessivas dezenas de anos, deixaram-se crescer
sucessivas gerações, adestradas em descrer e malsinar o ideal republicano que
andou a luzir em todo o ser de António José de Almeida. Como se o ideal
republicano de então consubstanciasse as desgraças da Pátria e da alma cristã
do povo.
Os republicanos, ainda até há pouco tempo, passavam por
gente suspeita, sem merecer confiança ao estado e a alguns católicos, porque
sonhavam com a mudança do regime político totalitário, porque se arvoravam em
defensores da liberdade de pensamento e de religião, porque defendiam a separação
entre a Igreja e o Estado, porque exigiam maior justiça social. Aspirações
estas que nenhum cristão devia deixar que lhe amortecessem no espírito já que
são maravilhosa semente evangélica. E aí estão os documentos do último Concílio
a colocar estas verdades como fundamentais ao cristianismo.
Bem sei que todas as lutas, mesmo as de maior pureza, trazem
consigo o risco de algumas feridas. Não admira, por isso, que no meio da
refrega política travada nos primeiros anos que precederam ou seguiram a instauração
do regime republicano, se tenham aberto por algumas imprudências de parte a
parte, chagas dolorosas, que o bom senso evitaria.
Mas até neste aspecto, António José de Almeida soube estar
atento não só à alma popular como aos ditames do próprio coração: dos três
partidos republicanos o seu era o mais moderado!
Que Penacova festeje então o maior dos seus filhos; a
suavidade da terra ficou-lhe no
temperamento e no verbo arrebatado.
Político, médico, fundador de jornais, a sua obra continua
viva e irreversível. Desde estudante a Presidente da República, foi homem de
ideal, capaz de discordar, de atacar, de sofrer processos e prisões, sempre por
um Portugal diferente e digno. Sem perder contacto com a aldeia e os vizinhos
dedicou-se ao futuro de todos os nascidos na Pátria que estremecia. Com tal
doação que morreu pobre!
Após tantos anos, António José de Almeida talvez pareça a alguns como ultrapassado: hoje há menos reptos líricos e outras palavras a traduzir novos ideais. O que, porém, não está ultrapassada é a sua estrutural e sinceríssima aspiração por um novo mundo onde reine a liberdade e a igualdade. O que não está ultrapassado é o exemplo de ser um político que nunca pôs de lado o coração."
..................................
Urbano Duarte, “António José de Almeida sob silêncio de cemitério”,
artigo publicado no Notícias de Penacova de 5 de
Outubro de 1974.
Urbano Duarte, padre, professor e jornalista (1917-1980) Urbano
Duarte foi uma das figuras mais marcantes de Coimbra na segunda metade do
século XX.
quarta-feira, junho 30, 2021
Locuções populares (IX): Coisas do Arco da Velha
Como sabemos, a expressão tem o significado de coisas inacreditáveis, absurdas, espantosas, inverosímeis, prodigiosas.
E disse Deus: Este é o sinal da aliança que ponho entre mim e vós, e entre toda a alma vivente, que está convosco, por gerações eternas .O meu arco tenho posto nas nuvens; este será por sinal da aliança entre mim e a terra. E acontecerá que, quando eu trouxer nuvens sobre a terra, aparecerá o arco nas nuvens.
Então me lembrarei da minha aliança,
que está entre mim e vós, e entre toda a alma vivente de toda a carne; e as
águas não se tornarão mais em dilúvio para destruir toda a carne .E estará o arco
nas nuvens, e eu o verei, para me lembrar da aliança eterna entre Deus e
toda a alma vivente de toda a carne, que está sobre a terra. (Genesis 9:12-16)
terça-feira, maio 25, 2021
Invasões Francesas no concelho de Penacova: o outro lado da História
Só no concelho de Penacova
(território actual) foram cerca de 60 pessoas assassinadas, entre elas uma
criança, e perto de 80 casas incendiadas, não contando com a destruição total de 6
aldeias e das “casas principais”, não contabilizadas, de Oliveira do Cunhedo.
Atingidas pelo fogo posto também 2 igrejas, 1 capela e 1 residência paroquial.
Os relatos[1]
que cada paróquia - dos então arciprestados de Sinde, Arganil e Mortágua - fez
no rescaldo da incursão dos franceses, principalmente no primeiro trimestre de
1911, dão-nos uma ténue imagem do que realmente aconteceu.
A freguesia mais atingida em termos
de vítimas pessoais foi sem dúvida Farinha Podre: assassinados 16 homens e 9
mulheres. O mapa elaborado pelo pároco regista mesmo os locais e por vezes os
nomes. Na Sede da freguesia pereceram 3 homens e 3 mulheres, em Hombres 5 homens
e 3 mulheres, em Laborins 2 homens, no Carvalhal, na Cruz do Soito e no
Silveirinho 1 homem em cada uma das terras. Calcula-se que muitas outras
pessoas terão acabado por morrer na sequência dos maus tratos sofridos. Também
a destruição de 30 casas incendiadas nos dão uma ideia da violência e do terror
espalhado na actual freguesia de S. Pedro de Alva.
Na freguesia de S. Paio de
Farinha Podre assassinaram 1 criança, contabilizando-se no total 3 indivíduos
do sexo masculino e três do sexo
feminino. Além de 8 casas incendiadas também a Igreja sofreu igual ofensa.
Nesta, roubaram imagens e objectos de culto.
Todo o concelho sofreu de um modo
ou de outro. Apenas a freguesia de Sazes terá tido a sorte de passar à margem
destas desgraças. Refere o relato do arcipreste que “nesta freguesia não
entraram franceses alguns.”
A freguesia de Carvalho foi outra das que sofreram duros revezes. Não tanto em mortes mas sim em destruição. Morreu 1 indivíduo do sexo masculino e é importante recordar que as aldeias de Seixo, Soalhal, Pendurada, Lourinhal e Cerquedo foram totalmente incendiadas. Quanto a roubos o relatório traduz a situação em poucas palavras dizendo que “tudo se foi”.
Por falar em aldeias incendiadas
passemos à freguesia de Penacova. A aldeia do Felgar foi também completamente
destruído pelo fogo. Foi esta zona da freguesia (Felgar, Travasso, Sanguinho,
Ferradosa, Hospital, Balteiro e Ribas) a mais atingida pelos invasores,
registando-se “pesados roubos” de gado, porcos, fruta e alfaias religiosas. Das
capelas do Travasso e da Riba de Cima levaram o cálice e “todos os ornamentos”.
No que toca a mortes há a referência a 5 homens e 3 mulheres.
Passando a Lorvão, há o registo do assassinato de 4 homens e a ocorrência de inúmeros “roubos sacrílegos”. Nas
capelas do Roxo e do Caneiro foram roubados cálices, patenas, paramentos e
óleos.
Figueira de Lorvão “foi menos
atacada”… No entanto, mataram António Francisco e F. Henriques dos Santos e
ainda Ana Marques, de 45 anos, moradora em Alagoa.
Em Paradela assassinaram Manuel Carvalinho e Isabel Henriques,
ambos na casa dos 80 anos. Na Sobreira foi um homem de 40 anos: António
Silveira e ainda uma mulher de 50 anos, viúva, Isabel Lemos. As violações foram
outro dos dramas vividos, quer nesta freguesia, quer em todas as zonas
atingidas. Nesta freguesia queimaram a residência paroquial “com tudo o que
tinha dentro” e 16 casas tiveram igual destino. Roubaram “todo o grão, vinho e
azeite”, hortas e gado. Destruíram
searas e vinhas. Na Igreja “escavacaram” o trono, o altar-mor e o
sacrário. Queimaram todos os livros de Assentos, Pastorais e outros documentos.
Oliveira do Cunhedo e Travanca foram “visitadas” pelos franceses em Setembro de 1810, nas vésperas da
batalha do Buçaco, e em Março de 1811 quando retiravam pela margem esquerda do
Mondego.
Em Oliveira assassinaram 3 homens e 1 mulher e incendiaram
as “casas principais” da localidade. Roubaram casas, “grãos”, gado e a Igreja.
Na freguesia vizinha de Travanca, mataram 3 homens, sendo um
deles Manuel Rodrigues, sapateiro de Lagares, com mais de 80 anos. Outro foi
vítima de cutiladas. Uma mulher casada foi presa, acabando os soldados de Napoleão por “a
deixar”…provavelmente violada como tantas outras. Queimaram 7 das melhores casas e roubaram
tudo o que apanharam na residência paroquial. Na Igreja, que foi assaltada por
duas vezes, “arrancaram a pedra de Ara”, destruíram o sacrário e relíquias e
até os galões dos paramentos levaram.
Em Friúmes assassinaram 6 homens e 4 mulheres. Luís António
levou um tiro na cara e João Reis foi enforcado na Igreja, escapando por
milagre. Incendiadas 15 casas, queimada a Igreja e a capela do Espírito Santo
em Vale do Tronco (que acabou por ser demolida). Roubaram 600 cabeças de gado, 800 alqueires de milho, 10 pipas de vinho e 60 alqueires de azeite.
Milhares de páginas se escreveram nestes 200 anos passados
sobre a chamada Guerra Peninsular. E quem se lembra das “vítimas mais humildes
e ignoradas”, das “populações civis espoliadas, cruelmente martirizadas e
assassinadas”? – perguntamos também, subscrevendo as palavras de Maria Antónia Lopes, da
Faculdade de Letras e Centro de História da Sociedade e da Cultura da
Universidade de Coimbra.
[1] Relatórios
elaborados pelos párocos e arciprestes da diocese de Coimbra, dando conta dos
“Estragos, incêndios e mortes causados pelo exército na invasão de 1810-1811”.
sábado, abril 10, 2021
Francisco Rodrigues Lobo e Penacova, nos 400 anos da sua morte
Assinalam-se em 2021 os 400 anos da morte do poeta Francisco Rodrigues Lobo (1574-1621), que foi um dos grandes escritores portugueses. Nasceu em Leiria e aí viveu, com ligeiros intervalos, para fazer a sua formação em Leis, na Universidade de Coimbra, que concluiu em 1602. Aquela cidade está a assinalar a efeméride.
A sua vida não terá sido fácil e está revestida de algum mistério. Um traço característico da sua obra é esconder-se por detrás dos pastores que são os seus protagonistas, nas suas três obras principais: “A Primavera”, “O pastor peregrino” e “O desenganado”. Escreveu também “Corte na Aldeia”. Na sua poesia, Rodrigues Lobo evoca os rios Lis e o Lena, os seus campos e vales. Tudo aí é utópico, como é próprio da literatura bucólica.
Era Cristão Novo, o que gerava a desconfiança da Inquisição.
O seu irmão, já depois da morte dele, foi objeto de um processo daquela. Lobo cresceu sob a protecção dos Marqueses de Vila Real, que tinham Paço
em Leiria. No entanto, caiu, a dado
momento, em desgraça junto do herdeiro da casa, que era D. Miguel de Meneses.
E é aqui que entra a relação com Penacova.
Não se sabe se a perseguição terá sido por ser cristão novo, se
teria a ver com uma “estranha” relação de amizade com D. Juliana de Lara, irmã
de D. Miguel: “Relação que se manteve enquanto o poeta estudou em Coimbra, pois
que a visitou mais de uma vez no palácio de Penacova, do Conde de Odemira,
com quem, entretanto ela tinha casado. E dedicou-lhe uma das suas obras. Esta relação
poderá ter estado na origem dos problemas.
Atente-se que no texto bucólico “A Primavera” (1601), há uma
passagem que fala desta vila e arredores.
Por onde entre penedos e aspereza passa o Mondego … rompendo
os montes seus... Corre por entre as serras furioso, perto donde o rio Alva se
derrama...
Se alevanta uma pena graciosa... uma profunda cova se
descobre…
“A Primavera” divide-se em três partes: Vales e montes entre
Lis e o Lena, Campos de Mondego e Praias do Tejo. Cada parte corresponde à
caracterização e representação de três espaços marcados pelo protagonista, nas
passagens a três momentos que o destino lhe vai ordenando.
“Nesta obra existem espaços em que o texto enraíza uma
realidade geográfica, porém também há espaços situados fora da realidade, num
universo fascinante e sobrenatural (…) No episódio de Penacova o espaço
aparece descrito com realismo e o elemento temporal é distante da realidade
histórica devido a transformação das personagens reais e seres mitológicos (…) A
ruptura de laços que ligariam a história narrativa ao tempo histórico é mais
uma característica da construção da narrativa da novela pastoril."[1]
Francisco Rodrigues Lobo morreu perto de Santarém, num
naufrágio no Tejo, quando regressava de uma viagem a Lisboa no ano de 1621.
[1] (1) Cf.
estudo de Sirlene de Lima Corrêa Cristófano, mestre em Literatura, Culturais e
Interartes, pela Faculdade de Letras Universidade do Porto – FLUP (2009).
Locuções populares (VIII): Tudo como dantes no quartel general d' Abrantes
"Tudo como dantes no quartel general de Abrantes" significa que não há nada de novo, que continua tudo na mesma.
A expressão
parece ter origem nos acontecimentos ocorridos durante a primeira
invasão francesa.
Napoleão
decretou o ‘Bloqueio Continental’, isto é, o encerramento dos portos da Europa
continental ao comércio com a Inglaterra. Como Portugal não cumpriu este
bloqueio Napoleão decidiu invadir Portugal.
A 17 de
Novembro de 1807 o exército francês entrou em Portugal pelo vale do Tejo, que
era o caminho mais curto para chegar a Lisboa. Nevava nas serras espanholas e
chovia muito nas Beiras, provocando cheias nos rios, dificultando a
travessia dos cursos de água pelas tropas e, principalmente, pelos canhões.
Só a 23 de
novembro de 1807 é que a vanguarda do exército francês entrou na vila de
Abrantes, de forma dispersa, desordenada, com os militares famintos, rotos, sem
poder sequer utilizar as munições, que estavam molhadas. Junot chegou no dia
seguinte, e aí instalou o seu quartel-general para que as forças pudessem
retemperar forças e para aguardar por grande quantidade de militares que se
tinham atrasado
A vila
permaneceu sob ocupação francesa durante muito tempo. Quando se perguntava como
iam as coisas, que notícias havia da situação no país, a resposta era: Tudo
como dantes no quartel d'Abrantes’.
Fonte:
Repositório do Conhecimento Inútil
quinta-feira, março 25, 2021
Locuções populares (VII): Ficar a ver navios
Como sabemos, a expressão significa não conseguir o que se deseja, ficar
decepcionado. Também se diz por vezes “ficar a chuchar no dedo”...
A origem mais provável desta locução terá a ver com a primeira invasão francesa e a chegada de Junot a Lisboa, quando a família real fugia para o Brasil.
Em 20 de Novembro de 1807 as tropas francesas, reforçadas por forças espanholas, comandadas por Junot, invadiram Portugal, entrando pela Beira Baixa.
O principal objectivo de Junot era chegar a Lisboa e prender
a família real. Entretanto, a corte e a nobreza preparou-se à pressa para sair
do país. Cinquenta navios transportando 15 000 pessoas juntamente com
jóias, móveis, livros, e outras bens, saíram a 27 de Novembro rumo ao Brasil.
Junot chegou a Lisboa no dia 30. Já só conseguiu deter 3
navios porque os restantes já iam demasiado
longe… E assim, “ficou a ver navios”…
Há uma outra versão que relaciona a origem da locução com o
desastre de Alcácer Quibir. Havia pessoas que durante muito tempo, dos lugares mais altos da cidade de Lisboa, olhavam
os navios que chegavam ao Tejo, à espera que de um deles surgisse o Rei D.
Sebastião.
quinta-feira, março 18, 2021
Lorvão vai ter unidade hoteleira
Vai hoje ser assinado o contrato de concessão do Mosteiro do Lorvão para instalação de uma unidade hoteleira. A reabilitação e exploração do Mosteiro foi adjudicada à empresa Soft Time, de Luís Sérgio Aleixo Pita.
domingo, março 14, 2021
Lenda de Penacova
Todo jovem, todo ledo
A Coimbra a estudar.
Levou os livros no intento
De passar bem o seu tempo
Se tivesse de parar.
Longa via já andada
Toda a roupa ensopada
No suor do corpo seu
Ali, na falda da serra
Deitou os livros em terra
E à fadiga se rendeu.
Lá do Céu meigo luar
Já cuidava em pratear
As negras cristas dos montes,
E o Mondego já tremia
Do medo que então sentia
Do rumor surdo, das fontes.
Temeroso ajoelhou
E de mãos postas rezou
Ao Senhor de quanto havia,
Que do Céu prestes mandasse
Um Anjo que lhe falasse
E fizesse companhia.
E o Senhor atento ouvia
E depois pena sentia
Do seu amargo penar…
Seu pedido despachou
E um anjo, prestes mandou
Num raio do seu lar.
E nessa noite distante
Jovem Mondego estudante
Dormindo naquela cova
Dos livros fez livraria
Da pena fez alegria
Da Cova fez Penacova
E o anjo da caridade,
Todo amor, todo bondade,
todo puro e sem labéu
Em sua visão infinda
Achou a terra tão linda
Que não mais voltou ao Céu
E quando um beijo de amor
Quis dar ao seu protector
No momento de partir
O anjo tornou-se astro
E sobe ao monte do Castro
E a meio pôs-se a sorrir
Não posso subir ao Monte
Para pôr na tua fronte
O meu beijo apaixonado?!
Ficarei aqui, ao fundo
Enquanto o mundo for mundo
Dizendo muito obrigado!
E a promessa do Mondego
Todo jovem todo ledo
Foi promessa de valor.
Sabe a gente velha e nova
Que o rio de Penacova
Nunca mais se fez Doutor!
P.e Agostinho
In Notícias de Penacova ,1950
Locuções populares (VI): Estar nas suas sete quintas
Significa estar satisfeito, contente, feliz.
Então, nesses tempos, quando se perguntava pelo rei, dizia-se que estava nas suas sete quintas.
No Dicionário de Caldas Aulete, “Estar nas suas sete quintas” significa estar muito contente. Para Cândido de Figueiredo “Estar nas suas sete quintas" seria estar como se quer, perfeitamente à vontade.
Em relação a muitas locuções, há dúvidas, indefinições e discussões sobre as suas origens. Com esta expressão que, como vimos, tem fundamentação histórica profusa, tal não se verifica.
Essas quintas situavam-se na margem sul do Tejo, quase em frente a Lisboa, e a sua história é bem conhecida: Alfeite, Romeira, Piedade, Outeiro, Quintinha, Antelmo e Bomba.
quarta-feira, março 10, 2021
Locuções populares (V): Emprenhar pelos ouvidos
A expressão é muitas vezes usada com o significado de dar importância a rumores, dar ouvido a intrigas, a mexericos.
Na origem desta expressão está, evidentemente, a alusão ao processo de gravidez da virgem Maria.É no Evangelho de S. Lucas que se refere o episódio do anjo quando anunciou a concepção de Maria. Com efeito, aí se afirma que foi pelos ouvidos que as palavras do Arcanjo Gabriel foram ela recebidas.
A importância do ouvido como local de estabelecimento da alma e do espírito humano foi reconhecida desde a Grécia antiga tendo essa ideia subsistido durante séculos no imaginário das populações.
Nesses tempos recuados, acreditava-se que a mulher podia realmente engravidar sem ter relações sexuais, isto é, ‘sine decubito’. Tal poderia acontecer por várias formas, principalmente por sonhos e consumo de determinados alimentos.
Os inumeráveis casos de gravidez ‘sine concubito’ motivaram debates judiciais na Idade Média e os tribunais davam muitas vezes razão às mulheres dos cruzados que combatiam na Terra Santa, acreditando que estas podiam ser fecundadas à distância e em sonhos!
Fonte: Repositório do conhecimento inútil, op.cit.
sábado, fevereiro 27, 2021
Locuções populares (IV): "Mal e porcamente"
Esta expressão significa “de modo muito imperfeito”, “muito mal”, “de forma desleixada”, apressada e mesmo até atabalhoada.
Pensa-se que a origem esteja na corruptela de «mal e parcamente» que teria o sentido de “fez mal e, ainda por cima, pouco”. Sendo assim, a expressão original corresponderia a alguma coisa mal feita e com poucos recursos
Como vimos, a expressão ‘mal e porcamente’ era, originalmente, “mal e parcamente”. “Parco” vem do latim “parcus” com o significado de pouco abundante, poupado, pequeno… Como o termo “parco” não é habitualmente utilizado na linguagem popular, a expressão sofreu uma corruptela, sendo “parcamente” trocado por “porcamente”, palavra bastante conhecida e com sonoridade semelhante.
domingo, fevereiro 21, 2021
Lorvão: páginas cinzentas da sua história
Escreveu Hipólito Raposo (1885-1953):
“As monjas para quem Alexandre
Herculano pediu esmola, já não existem. Infinita crueldade seria que a morte as
não tivesse poupado ao destino de ver as celas da penitência convertidas em
lares onde duas dúzias de famílias foram procurar uma ilusão de abrigo.
Agora, aqueles que no amor ou
curiosidade das coisas mortas, se aventuram a transpor os montes que muralham o
vale até ao céu, sombriamente, impressiona-os de surpresa a majestade do edifício
que o roçar dos séculos tornou venerando.
A cúpula rebrilhante ergue-se no
ar sereno, e quando o sol volta, deixa projectar na encosta, a sombra alongada
por sobre a ramaria verde-negra dos pinheirais. E toda a face do mosteiro tem
no aspecto contrafeito uma opulência decaída, aquela melancólica saudade dos
solares de província, abandonados para sempre à vida simples dos abegões.
No Páteo relvoso em que virgens
em flor apeando das liteiras no braço dos pais, voltavam os olhos chorosos para
dizer adeus ao mundo, vendo apenas ao alto um recorte de céu azul, nesse Páteo dançam
agora as moças aos domingos, danças profanas que ultrajam a santidade do lugar
e escandalizariam as freiras como um pecado vivo.
Lá dentro, guarda o órgão um silêncio
doloroso: das harmonias que derramavam clarões de divindade na alma das
noviças, só as paredes e os altares vibram, como outrora na solenidade fúnebre
das profissões.
Virgens imateriais quase, erguem
na sombra os vultos brancos, entre círios que rodeiam o sacrifício da carne
estéril, a chorar pela Vida para gloria de Deus. Toda a visão se ilumina, revive
o velho Cenóbio a sua grandeza, cheira a incenso, vozes esvoaçara aflitivamente
pelas naves, como suspiros de saudades do céu ...
Em túmulos de prata, dormem há
séculos duas filhas de Sancho I e pasma a gente de ver que lhes tenham
respeitado a paz, ao lado de oleografias e alfaias milagrosamente salvas à
mesma cobiça sacrílega que desnudou a igreja e o convento.
Olhando ao fundo o coro, sumptuoso
lavor, luz fria entristecendo a face das coisas e como uma súplica sem
esperança, alevanta-se o vulto anguloso da estante do ofício, suportando ainda
o velho antifonário coberto de poeira sagrada.
Mal resistindo à deterioração de
toda a hora, o cadeirado glorioso alonga a todo o comprimento a graça das decorações,
todas animadas da celeste espiritualidade que resplandecem cada figura tutelar.
Pelas altas arcarias, emparedadas
aqui e além de fragmentos de capiteis e colunas, vai-se escoando o fumo dos
lares que tendo bafejado torpemente os azulejos dos corredores, anda a denegrir
os ornatos do coro, da mais preciosa talha de este país, porque o Governo para cobrir
o deficit e matar a dívida, arrendou a míseros paliteiros, por uma centena de
mil réis, as celas das freiras de Lorvão.
Se cada convento em Portugal é
uma página de vergonha para a história contemporânea, creio que em nenhum
haverá tão numerosos exemplos de ladroagem e desleixo como neste que tendo sido
poupado pelo vandalismo francês, é destruído e roubado em proveito dos liberais
do presente e em nome do interesse público.
Aqui, no alto da cúpula, a vista
sobe a encosta, pela extensão da verdura até ao céu, torna a descer o declive e
pára no fundo do vale, nas trepadeiras e heras da cerca, enlaçando ruínas
musgosas, entre silvas e alecrim, a romper vigorosamente dos entulhos onde erram
perfumes de cravos do outono e cintilações de azulejos migados ao sol.
Dos três claustros, ainda de pé,
alguns arcos, alternando com fustes brancos de colunas mutiladas e inertes. Debaixo
das arcarias abatidas movem-se crianças famintas, olhos vermelhos do fumo, fugindo
das celas para a agonia dos corredores onde o ar é opaco e a friagem passa rudemente,
ululando rumores de morte, sem a resistência das portas já moídas do temporal.
Mulheres de andrajos cruzam-se na
faina, outras espreitam dos buracos e encontram ainda um sorriso de motejo
pelos que lhes devassam o martírio que nem o sacrifício da Arte lhes abranda a
existência, ao menos.
Nas ruas, mocinhas de rosto
seráfico e olhar tímido, paradas de curiosidade, duvidam que alguém possa ter
interesse em peregrinar àquela ruinaria com que entestam a toda a hora, desde
que nasceram.
E assim, entre o desdém de um
povo que desejaria aniquilar um monumento que lhes humilha a pobreza dos
casebres e o fisco faminto, amolecendo mais a indiferença de um Conselho de
Monumentos Nacionais, é que se extinguirá até aos alicerces, o que ainda resta
do mais histórico mosteiro de Portugal.
Velhas Crónicas falam gravemente
de estes frades da cogula negra, cultivadores de terras bravias nos primeiros
séculos, em doações alargadas mais tarde e mantidas pelos próprios moiros já
dominando em Coimbra, até que em tempo de cristãos eles cederam casa e senhorio
à virtude das netas do primeiro Rei de Portugal.
Toda a tragédia das Rainhas
Teresa e Sancha, com a dedicação de nobres damas que nos votos acompanharam o
infortúnio daquela - eu a revivo entre matagais agrestes lá no fundo da Idade
Média portuguesa, o irmão feroz usurpando-lhes os castelos e a triste Infanta
Beringela, deserdada, na Dinamarca cinzenta, chorando com saudades do sol e da terra
que perdera.
Casa de penitência agora, viveiro
de bastardos, quatro séculos depois, no governo de Filipa d'Eça, quando as
monjas ricas e protegidas, resistiam com tantos abusos pelo prestígio da sua
beleza, ao intuito reformador de D. João III.
Sob estes claustros se exaltou o misticismo de Joana de
Albuquerque, discípula de Santa Teresa, que na alucinação histérica de cada hora,
tinha colóquios de amor com Jesus, de novo ressuscitado para a sua paixão
ardente, com beijos, ciúmes e amuos, como no mais trivial namoro português,
segundo a sua própria narrativa.
O Mosteiro de Lorvão - “antre serras onde o sol não era
visto” - a saudade de Crisfal o rememora a todo o coração enamorado; as
lembranças tristes das freiras que resolviam morrer à fome para não quebrarem a
clausura, a mendigar nos caminhos, hão de sepultar-se nas últimas ruinas que
impressionando-nos com respeito, ainda mais nos indignam pelo testemunho de uma
execranda malvadez."
In Livro de Horas de Hipólito Raposo. Coimbra. França Amado Editor. 1913
[José
Hipólito Vaz Raposo (São Vicente da Beira, 13 de Fevereiro de 1885 — Lisboa, 26 de Agosto de 1953), mais conhecido
por Hipólito Raposo, foi um advogado, escritor, historiador e político
monárquico, que se notabilizou como um dos mais destacados dirigentes do
Integralismo Lusitano.]