quinta-feira, fevereiro 06, 2025

Da minha janela: O "sabor" do Bairro

 


Bairro era uma forma de gestão do território municipal

Existia estruturado para alojamento, também nupcial

Não lhe estava alheio o anseio, conjuntural, de dar lar

A quem dele precisava

A quem se amava

E queria fazer crescer a sua Família, em reprodução 

O Bairro era específico 

Característico

E por isso tinha sabor

Saboreava-se o ar circundante

O cheiro das comidas em confecção

O da amizade a pairar, que crescia ali “à mão” 

Cada Bairro se foi desenvolvendo

Passou a ter Jardim Escola

Deu benefícios no Centro de Saúde 

As crianças passaram a ter Locais de Encontro

E Bombeiros 

E Postos da PSP ou da GNR

E Associações de Canto

De Teatro

De Dança 

Muitas vezes, até, instalações de Junta de Freguesia

Sem esquecer a existência do Parque Infantil

E de Parques de Merendas, aos mil

Era o Bairro do amor 

Um aglomerado, esmerado

Que também era sedutor

Depois passou para as ex-quintas, nas colinas, nas ravinas

Nas zonas menos nobres, até pobres

E aglomerava gentes sem sortes

Estratificada nas classes sociais

Nas ditas “zonas urbanas sensíveis” 

Empurradas para fora do centro

Dos centros urbanos iluminados

Longe dos mais ricos e decanos

Para não se misturarem as pessoas

Fossem elas más ou boas

Arrumavam-se mais longe

Embora se dependesse delas 

À medida que evoluiu a pressão imobiliária 

As casas diminuíram muito na qualidade

Os moradores têm muito mais dificuldade

As relações sociais degradam o espaço protector 

As crianças não têm acompanhamento 

Valoriza-se só a alegria do momento

Que não a que combate o sofrimento 

Mais droga pr’aqui; mais álcool pr’ali 

Mais violência pr’acoli…e pobreza muita, aí

Tudo o que lhes escondemos no triste sabor

Das casas acrescentadas de barracas degradadas

E tendas de campismo ou de plásticos rasgadas

E é este o Bairro do desamor

Que acorda bem cedo na sua dor

Com humanos, como nós, já cheios de pavor!


Luís Pais Amante

Casa Azul

A pensar na letra e na música do Jorge Palma “O Bairro do Amor” que servirá de tema a um Congresso de gente Amiga, sem esquecer o “momento” socialmente destrutivo que criámos, enquanto Nação de Emigrantes.


16 comentários:

  1. O "Sabor do Bairro" traduz uma realidade evolutiva, infelizmente em má direcção, para o Bairro do Desamor. Mas ... ainda há esperança!

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  2. De facto estamos a passar por um período no nosso País (mais em Lisboa e Porto) em que o descontrole se instalou e muito ser humano não está a ser bem tratado.
    Parabéns primo Luís.
    Eduardo Miguel BECAS

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  3. Nem sempre o que chamam "desenvolvimento" é um bom caminho para podermos ser "Pessoas". Uma excelente reflexão!

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  4. Este é um assunto que nos deve fazer pensar muito enquanto País.
    A situação dos Imigrantes, que é muito triste, provoca tratamento idêntico aos Emigrantes.
    E isso é mesmo difícil de entender!

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  5. Á muitos anos atrás...eramos muito mais felizes e sabíamos amar...valorizar e respeitar tudo o que ía progredindo ao nosso redor...sim...eramos realmente com tão pouco e como esse pouco nos enchia a alma...com orgulho em vivenciar esse ambiente. Infelizmente tem se perdido esses valores humanos que existiam e deram lugar á podridão...á vergonha...á ganancia....e em meu ver ao falta de caracter e bom senso dos seres humanos!!!!

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  6. No início estava a ser tão bom ler !!... Só que os valores de então desfizeram-se com os novos tempos . A má vida que se vive agora nos bairros trazem pessoas que vivenciam horrores . Eu quero acreditar que ainda teremos bons bairros. Uma descrição coerente , realista e que nos entristece muito !... Bem-hajas Luís por trazeres estes temas que tanto necessitam de ser avaliados.

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  7. A pensar nessa tão bela e triste reflexão, num olhar de quem veio procurar esse conforto, a paz e o sossego para criar os seus filhos, num lugar que outrora era tido como lugar de sonho.
    Infelizmente o crescimento e desenvolvimento desgovernado tem dessas consequências. Mas vamos ter esperança... Que a amargura desses "desamores" um dia se transformem em doces de mel... Que os tempos difíceis passem a ser contados só como história.

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  8. Eu ainda tive a sorte de crescer e viver largos anos numa "pequena terra" onde o ambiente, mais coisa menos coisa, ainda nada se assemelha à selva urbana onde se diz haver a verdadeira civilização... Um abraço

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  9. E o Bairro desmorona-se mas há os teimosos cheios de esperança que mesmo através de grupos dê whattsap vão reerguendo as paredes do bairro em extinção …Parabéns pelo novo texto que de novo me remete para o meu canto de reflexão…,!!!!

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  10. Luís Amante, sendo poeta e advogado, tem uma sensibilidade particular para observar a vida urbana e as dinâmicas sociais dos bairros do desamparo, onde a marginalização e a solidão muitas vezes se cruzam com histórias de resistência e esperança.

    Se ele visse que o número de imigrantes supera o de emigrantes, poderia interpretar essa realidade como um reflexo das transformações sociais e económicas, mas também como um sinal de desigualdades e deslocamentos forçados. No olhar poético de Luís Amante, essa superioridade numérica não seria apenas estatística, mas um símbolo das forças que movem os povos — o desejo por uma vida melhor, a luta contra a adversidade e a eterna busca por um lugar a que se possa chamar lar.

    Nos bairros do desamparo, a cidade se fragmenta entre aqueles que chegam e aqueles que partem, entre os que constroem e os que abandonam. Talvez para ele, a verdadeira questão não seja quem é maior em número, mas quem encontra um sentido para permanecer ou partir.
    Manuelita Sampaio

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  11. Gosto muito da canção “O Bairro do Amor”, de Jorge Palma, mas confesso que nunca tinha reparado na descrição perfeita que faz da função do bairro. É por aí que começa o poema, também com uma correta descrição dos bairros de outrora, que eram pensados para as pessoas, que tinham uma função social e comunitária importantíssima.
    Essa função foi-se degradando e até destruída de forma violenta, e não foi por causa da emigração nem da imigração, na minha opinião.
    Foi a pressão imobiliária, foi a gula dos especuladores, foi o desprezo que essa gente tem pelas pessoas e foi com a conivência de certos autarcas que correram com as pessoas do seu bairro, do seu teto e do seu CHÃO.
    Bem se bateu João Ferreira contra esses interesses e bem avisou os coniventes instalados no poder. É altura de lhe dar razão.
    Obrigado, Luís Amante, por abordar este assunto tão importante e preocupante.
    Eduardo Ferreira

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  12. Infelizmente, é mesmo essa a situação actual…

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  13. Excelente reflexão, mas quando olhamos para "o lado" vê -se muita tristeza. Os bairros, com algumas excepções, já não são o que eram lamentavelmente. Parabéns Luís!

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  14. Impossível ler e não ficar tocado 😔 toca em todas as fragilidades. Eu fico sempre sem palavras, só sei que sinto uma enorme tristeza pela ganância e pelo desamor.
    Felicito-o por nos trazer, uma vez mais, um poema real.
    Com amizade e admiração, Ana Maria Afonso

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