segunda-feira, dezembro 16, 2024

"Muitos são os fatores que nos levam hoje a olhar de uma forma inquieta e temerosa, para o futuro demográfico do concelho"



"Muitos são os fatores que nos levam hoje a olhar de uma forma inquieta e temerosa, para o futuro demográfico do concelho": é num estudo do ISCSP (Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas), da Universidade de Lisboa, que esta afirmação é sublinhada. Trata-se de um trabalho na área da demografia (1), intitulado “Penacova: uma década depois” assinado por Jaime Ferreira Simões, Joana Araújo Pereira e Mariana Leal Lã-Branca, que analisa os dados dos Censos 2021 em comparação com os do recenseamento de 2011.

“Penacova, um município da Beira Litoral, encerra na sua história demográfica uma fiel demonstração da crise, que o interior de Portugal enfrenta desde o primeiro quarto do séc. XX”, é outra das conclusões que ali são apresentadas.



Do estudo em causa, salientamos os seguintes aspectos:

 Evolução demográfica

- Durante a ultima década (2011-2021), o município de Penacova, revela uma redução em cerca de 14% na sua população em relação a 2011, reduzindo de 15 251 habitantes para 13 113.

- O município de Penacova, ao longo da última década, viu reduzir a sua população em cerca de 14%.

- a sede do concelho apresenta também ela, ao longo da última década uma similar evolução demográfica negativa de 13,21%.

- Em termos percentuais, Carvalho (2) e Lorvão (3) foram as freguesias que mais população perderam na última década. Ambas apresentam evoluções demográficas negativas superiores a 19%, sendo que Carvalho se destaca por se verificar uma diminuição de 19,98% dos seus residentes. 

- Freguesias como Figueira de Lorvão, União das freguesias de Oliveira do Mondego e Travanca do Mondego e União das freguesias de São Pedro de Alva e São Paio de Mondego, apresentam evoluções demográficas similares, todas elas rondando os 12% de perda populacional aferida entre Censos.

- As duas freguesias que registam as menores oscilações são Sazes do Lorvão e União das freguesias de Friúmes e Paradcla, sendo que estas registam evoluções demográficas negativas de 4,81% e 6,55% respetivamente.

- Lorvão e a sede de concelho, Penacova, encerram em si a responsabilidade de 55,40% da redução populacional do município na última década.

Esperança de vida

- Os números da mortalidade no município de Penacova continuam a revelar-se elevados.

- A população do concelho está cada vez mais envelhecida, tornando a mortalidade naturalmente elevada.

- As faixas etárias predominantes em Penacova são compostas por indivíduos com idades compreendidas os 50 e os 69 anos.

Troika e saldo migratório

- Em 2011, “muitos foram aqueles que, também de Penacova, emigraram na esperança de alcançar novas oportunidade, empurrando o saldo migratório do município para valores historicamente negativos”.


Natalidade

- “As crianças não são uma população com franca visibilidade em Penacova.”

- Em dez anos, o município perdeu cerca de 30% da sua população infantil.

- Verifica-se uma redução significativa do número de filhos por mulher, passando de 34,4 filhos por mil mulheres para 25,8 filhos pelas mesmas mil mulheres.

- Regista-se uma contração da taxa bruta de natalidade de 7,5 % em 2011 para 4,6% cm 2021.

- Em 2021, no grupo etário entre os 0 (zero) e os 19 (dezanove) anos apenas existiam 1806 indivíduos (no total concelhio de 13 113).

- Verifica-se um decréscimo da taxa de matrimónios de 2011 para 2021, bem como um aumento da taxa de divorcialidade.

População residente por sexo e estado civil

- O número de mulheres viúvas é bastante superior ao número de homens viúvos quer em 2011, quer em 2021.

- O número de solteiros é mais baixo em 2021 devido á saída de jovens para estudar ou trabalhar fora do concelho.

Constituição dos agregados domésticos privados

- Redução no número de crianças por agregado

- Os agregados familiares de 4 ou mais pessoas, são hoje e cada vez mais, reflexo da dependência e não da renovação geracional.

População residente por idade e condição perante a atividade económica

- A população de Penacova se encontra praticamente dividida a meio entre população ativa e inativa.

- Dentro da população ativa, os empregados representam mais de 90%, o que nos leva a concluir que a taxa de empregabilidade é positiva no concelho (recorde-se que o número de residentes do município são 13113 pessoas)

- O número de reformados representa mais de 60% da população inativa, “o que é demonstrativo do envelhecimento da população do município de Penacova.



Nas “Considerações Finais”, os autores escrevem o seguinte:

“O envelhecimento da população é um resultado natural da evolução científica e tecnológica. As evidências mostram ao longo da nossa história contemporânea, que as políticas públicas pró-natalistas em momento algum se revelaram eficazes.

A redução do número de filhos por mulher é um fenómeno global, alimentado por alterações sucessivas na estrutura e funcionamento das famílias, pelas dinâmicas das sociedades desenvolvidas contemporâneas e, sobretudo, pelas opções tomadas pela mulher na modernidade.

Conclui-se assim como emergente, uma consciencialização global de que os territórios precisam, então, criar políticas públicas que proporcionem qualidade de vida em todas as idades, que acompanhem as gerações em todo o curso de vida, garantindo apoio às famílias nas suas diversas configurações. “



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(1) publicado na plataforma ISSUU em 2022

(2) “A freguesia de Carvalho, que lidera tragicamente esta análise demográfica em termos percentuais, apresenta uma perda de 84 homens e 85 mulheres nos últimos dez anos. Esta perda, quando comparada aos valores que o saldo demográfico negativo da sede concelho apresenta, podem parecer baixos. No entanto, esta freguesia experimentou uma redução de um quinto dos seus habitantes. “

(3) “Aqui, o cenário além de diferente torna-se deveras preocupante. Lorvão apresenta percentagens muito aproximadas daquelas que se registam em Carvalho, sendo que, desta vez os resultados socioeconómicos podem em si encerrar uma dimensão superior. Lorvão, é historicamente uma referência socioeconómica do concelho. Durante décadas. Lorvão manteve uma atividade industrial considerável, de extrema importância para a economia local. Apraz-nos assim salientar a importância negativa inerente a uma redução em cerca de 19%, daqueles que são os seus residentes, apresentando assim um saldo demográfico negativo de 755 indivíduos nos últimos dez anos. “


terça-feira, dezembro 10, 2024

domingo, dezembro 08, 2024

Da minha janela: O pré Natal


𝓞   𝓟𝓡É   𝓝𝓐𝓣𝓐𝓛

Chega-se ao Terreiro e vê-se iluminada
A Árvore de Natal
Em frente do Município
E a Casa do Pai Natal
Mais uma tenda com prenda
Prás Crianças
Carroceis
Papel com pincéis
Uma rena com buracos pr’acertar
Uma mesa com caixas pra derrubar
Uma Árvore cintilante de cores
E lacinhos como amores
Até uma mesa de pintura
E uma panela que não é de “farturas”
Mas sim de algodão doce
Que todos adoram
Bolas de espelhos
Palco
E Palhaços mais tarde
Para rir
E curtir a amizade
Em certas idades
O convívio surge em 2 minutos
Franco
Resiliente
Contente
Música a condizer com a época
… E uma alegria imensa!
Estamos numa terra da Beira
Penacova
Que se adornou
Para receber a pequenada
E para ver se se renova
Até em inquietude
Daqui a pouco
A máquina das pipocas
Vai arrancar
Já estão todos na fila pra degustar
E a Sara e o Daniel
Prontos pra trabalhar

Luís Pais Amante
Casa Azul

Após uma tarde passada com as Netinhas no Espaço Natalício do Terreiro, em Penacova.

quinta-feira, dezembro 05, 2024

PME Excelência 23: distinguidas 10 empresas do concelho de Penacova



Numa cerimónia que decorreu no dia 4 de dezembro 2024, no Europarque, em Santa Maria da Feira e que contou com a presença do Primeiro-Ministro, Luís Montenegro, e do Ministro da Economia, Pedro Reis, as melhores PME de 2023 receberam o estatuto “PME Excelência 2023” .

A Cerimónia anual PME Excelência, organizada pelo IAPMEI e o Turismo de Portugal, é reconhecidamente um dos eventos nacionais mais relevantes do universo das PME (Pequenas e Médias Empresas), num quadro de valorização e reconhecimento de estratégias empresariais financeiramente robustas.

Este reconhecimento, relativo a 2023, distinguiu 4 136 empresas dos setores da indústria, turismo, comércio e serviços. 

Do nosso concelho, foram distinguidas 10  empresas:

Águas das Caldas de Penacova, SA
Engarrafamento de águas minerais naturais e de nascente | CAE 11071

Fernandes & Henriques, L.da
Comércio por grosso de azeite, óleos e gorduras alimentares | CAE 46332

Fozvias, Unip., L.da
Preparação dos locais de construção | CAE 43120

Leitão do Aires, L.da
Restaurantes tipo tradicional | CAE 56101

Martins & Gomes, L.da
Transportes rodoviários de mercadorias | CAE 49410

Paulo Alexandre Construções, L.da
Construção de edifícios (residenciais e não residenciais) | CAE 41200

Penatir - Transportes, L.da
Transportes rodoviários de mercadorias | CAE 49410

Placolás - Comércio de Pladur e Gesso, L.da
Comércio a retalho de material de bricolage, equipamento sanitário, ladrilhos e materiais similares, em estabelecimentos especializados | CAE 47523

Reninstal, Unip., L.da
Construção de edifícios (residenciais e não residenciais) | CAE 41200

Verbos & Conceitos, L.da
Bares | CAE 56302

O IAPMEI e o Turismo de Portugal, enquanto promotores desta iniciativa, são os organizadores desta cerimónia que, em 2023, distinguiu 4 136 empresas dos setores da indústria, turismo, comércio e serviços. 

O que é o Estatuto PME Excelência?

O estatuto PME Excelência é atribuído pelo IAPMEI e pelo Turismo de Portugal (no caso das empresas do Turismo) em parceria com um conjunto de bancos parceiros e o Grupo Banco Português de Fomento.

Trata-se de um selo de reputação que permite às empresas relacionarem-se com a sua envolvente - fornecedores, clientes, sistema financeiro e autoridades nacionais e regionais - numa base de confiança facilitadora do desenvolvimento dos seus negócios. Para empresas exportadoras e com ambição internacional, o estatuto PME Excelência é particularmente relevante, constituindo um fator de diferenciação e uma garantia da solidez e idoneidade das empresas.

As PME Excelência são selecionadas pelo IAPMEI e pelo Turismo de Portugal a partir do universo das PME Líder, num justo reconhecimento do seu mérito e do seu contributo para os resultados da economia.

SAIBA + :
https://www.iapmei.pt/NOTICIAS/Ja-sao-conhecidas-as-PME-Excelencia-2023!.aspx

terça-feira, dezembro 03, 2024

Notas breves para a história do Hospital da Misericórdia (III)


TRABALHOS ACADÉMICOS QUE TENDO COMO TEMA PRINCIPAL O PREVENTÓRIO DE PENACOVA REFEREM INDIRECTAMENTE 
A CRIAÇÃO DO HOSPITAL

O Preventório de Penacova e a acção de Bissaia Barreto têm sido tema de muitos estudos, incluindo teses de Mestrado e mesmo de Doutoramento. Desses trabalhos, conhecemos quatro. Deixamos as respectivas referências bibliográficas e transcrevemos os respectivos resumos feitos pelos autores.



Título: Arquitectura hospitalar e assistencial promovida por Bissaya Barreto
Autor: Ricardo Jerónimo Pedroso de Azevedo e Silva

Dissertação de Doutoramento na área científica de Arquitectura, especialidade de Teoria e História da Arquitectura, Departamento de Arquitectura da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra. 2013

Resumo

Bissaya Barreto, médico-cirurgião muito interventivo, perseverante e multifacetado, estabelecido em Coimbra, procurou, no decurso de quase cinco décadas, conciliar as suas duas actividades principais (medicina e política), com a promoção de um assinalável conjunto de equipamentos hospitalares e assistenciais na Região Centro do país.

Não sendo Arquitecto, era dotado de uma forte sensibilidade artística aliada à componente técnica, buscando constantemente informação e fundamentação – estética, teórica e programática – quer em publicações da especialidade, quer em viagens de estudo que realizava a países como Espanha, Alemanha, França e Suíça.

Tendo em conta diversos factores, a acção de Bissaya Barreto foi singular e paradigmática, revelando-se o seu pensamento ligado à Arquitectura um excelente fio condutor, na análise de diversos campos de estudo do século XX português.

Nesta dissertação, onde a arquitectura é o elemento central, estão também presentes questões fundamentais para compreender a globalidade do objecto em estudo, pelo que são também abordados e discutidos variados aspectos com outra amplitude: a política - desde o republicanismo, à maçonaria, à acção de Deputado, à relação com Salazar e o Estado Novo; o regionalismo e a sua intervenção enquanto Presidente de organismos distritais e provinciais; a medicina social, o higienismo, o panoptismo, o trabalho, a disciplina, a vigilância, o biopoder e o eugenismo; as relações estabelecidas entre médicos, promotores, políticos, arquitectos, engenheiros, construtores; o ensino e a sua preocupação com a formação, desde as Creches à Universidade; a propaganda associada a panfletos, revistas, livros e filmes; a pedagogia e psicologia infantis; as noções de tradição e modernidade, de arte e técnica. Todos estes pontos, entre outros, desenhavam os três lados do triângulo onde Bissaya Barreto assentava o seu projecto de sociedade: Arquitectura, Política e Medicina.

Assim, focando-nos nas obras de programa hospitalar e assistencial por si promovidas durante o Estado Novo, regime com o qual mantinha relações privilegiadas através do seu líder, Salazar, propomos uma abordagem crítica e longitudinal sobre a forma como a Arquitectura participou no projecto regional de cariz político-sanitário idealizado e implementado por Bissaya Barreto.

Finalmente, perante a extensa rede de edifícios criados, entre 1929 e 1974, e que incluía vários Sanatórios e Preventórios Antituberculosos, uma Leprosaria, Hospitais Psiquiátricos e Colónias Agrícolas, dezenas Jardins-de-Infância e estabelecimentos de puericultura, um Bairro Residencial, uma Maternidade, Institutos para Cegos e Surdos, Casas de Educação e Trabalho, pareceu-nos útil organizar um conjunto de Fichas, reunidas em anexo, de cada uma das obras em causa.




Título: Curar o Património Hospitalar: Reabilitação do antigo Preventório de Penacova
Autor: Diogo da Costa Sanches

Dissertação de Mestrado em Arquitetura | Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, Departamento de Arquitetura  | Coimbra, 2020

Resumo

A tuberculose, doença do foro pulmonar ou ósseo, afectou severamente toda a Europa. Por toda a parte, foram desenvolvidos e estudados modelos arquitectónicos e métodos de tratamento distintos, que pretendiam curar esta doença. Medicina e arquitectura, lado a lado, construíram uma estratégia de combate à tuberculose, que durou até à descoberta da estreptomicina, nos anos 50 do século XX.

O ritmo acelerado de contágio exigia a segregação dos doentes, evitando a propagação. Para isso, foram criados os Sanatórios, equipamentos hospitalares que permitiam o internamento e posterior acompanhamento médico de doentes infectados. A estratégia de combate à tuberculose assentava sobretudo numa atitude profiláctica, sendo para isso necessário infra-estruturas territoriais, além dos sanatórios, destinadas à identificação e prevenção da doença. Os Dispensários e os Preventórios, surgem desta forma como instrumentos de controlo e prevenção da doença.

À semelhança do resto da Europa, também Portugal se debatia com esta epidemia, e por isso, vários foram os médicos que se dedicaram ao estudo desta matéria. Mais concretamente na zona centro do país, Bissaya Barreto desenhou uma rede que pretendia dar assistência àqueles que, directa ou indirectamente, foram afectados pela tuberculose, tendo especial foco nas mulheres grávidas e nas crianças. Um vasto conjunto de modelos e programas foram desenvolvidos, formando um percurso que se estendia desde a nascença até à vida adulta, assegurando à pessoa uma vida saudável e integração na sociedade.

Actualmente, grande parte destes equipamentos encontram-se em grave estado de conservação, devolutos. O presente trabalho procura desenvolver uma proposta de reabilitação e conservação do antigo Preventório de Penacova, peça estratégica na rede assistencial de Bissaya Barreto. Esta proposta insere-se numa estratégia de revitalização à escala da vila de Penacova, na qual se pretende resgatar relações turísticas com localidades próximas, assim como restabelecer a sua relação com a paisagem.




Título: O Monte da Senhora da Guia e a Arquitetura Portuguesa da Primeira Metade do Século XX
Autor: Nuno Manuel de Jesus Batista

Dissertação de Mestrado em Arquitetura e Urbanismo |  Universidade Fernando Pessoa, Faculdade de Ciência e Tecnologia  |  Porto, 2022

Resumo

A presente dissertação é o resultado duma investigação a um lugar, o Monte da Senhora da Guia, na Vila de Penacova, pertencente ao distrito de Coimbra. Acidente topográfico sobranceiro ao Mondego, com características únicas, permaneceu sempre à margem do aglomerado, sendo ocupado ao longo da história por poucas construções, com significados simbólicos, de militares a religiosos.

No século XX, o Monte manteve esse caráter especial, dando ao lugar o papel de ator principal, sendo a ele que competiu manter essa relação singular de respeito entrearquitetura, lugar e significado. Assim, na mudança de século, numa altura em que o Monte era coroado pela Capela da Nossa Senhora da Guia, surge o primeiro elemento dum novo conjunto arquitetónico, o Mirante Emídio da Silva, em 1908, implantado no extremo nascente. Mais tarde, entre 1930 e 1934, no seu cume é construído um edifício, primeiramente destinado a Hospital da Misericórdia, mas que durante a sua construção viria a ser adaptado para assim se transformar no Preventório de Penacova, o primeiro do país, com a intenção de servir o distrito. Paralelamente, e por consequência desta cedência, era edificado na posição mais a poente do monte um novo Hospital que pretendia servir a Vila de Penacova.

Ao mesmo tempo, estes edifícios revelam características estilísticas da arquitetura da época e momentos da recente história de Portugal. No Mirante poderemos identificar o Ecletismo e a sua procura de identidade nacional. No Preventório está presente a Art Déco, e primeira fase modernizante do Estado Novo. No Hospital encontramos num momento inicial a Art Déco e depois mais tardiamente o “Português Suave” e o período mais conservador do regime. Aos elementos deste conjunto estão ligados personagens relevantes da sociedade, cultura e arquitetura portuguesas, como Manuel Emídio da Silva, os arquitetos Nicolau Bigaglia, Raul Lino e Luís Benavente, Bissaya Barreto e Manuel Ferreira Sales Guedes.

Essa pouco conhecida conjunção de obras e promotores pareceu-nos interessante para tentar perceber o que nos diz o Monte da Senhora da Guia sobre arquitetura portuguesa da primeira metade do século XX, que dá título a esta dissertação.




Título: Preventório de Penacova: “o significado dentro de um conceito médico e social até à sua reconversão turística contemporânea”
Autor: Diogo Luís Costa Carvalheira

Dissertação de Mestrado em Antropologia Médica | Universidade de Coimbra, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Departamento de Ciências da Vida | Coimbra, 2012

Resumo

O antigo Preventório de Penacova, actualmente reformulado como Hotel, constituiu ao longo de grande parte do século XX, e início deste século, um marco importante bem como uma referência para as pessoas da região e não só, inicialmente tratando-se de um lugar com um cariz vocacionado para o exercício de uma prevenção médica e social, e recentemente direccionado como pólo de atracçào turística.

A prática da medicina social constitui a primeira resposta organizada contra a tuberculose e outras doenças infecciosas. Com a reorganizaçào do espaço urbano das cidades. e propagação de políticas de higiene sobre a população, a forma de encarar a doença começou a sofrer uma transformação. A crescente evocação das propriedades benéficas da natureza, sugeridas pelos médicos, e economicamente aproveitadas pelas entidades turísticas, levou a que surgissem na Europa. sobretudo uma série de equipamentos, de onde se destacaram os sanatórios, como edifícios que forneciam a resposta eventual para a cura da doença, ao mesmo tempo que proporcionavam o conforto que até ai não existia nos equipamentos hospitalares.

Em Portugal, a construção de Sanatórios e de outros edifícios similares, como o Preventório. surgiu com algum atraso em relação ao verificado na Europa, assistindo-se sobretudo a partir do início do século XX, a um aumento nessa construção. Numa primeira fase, fruto de iniciativa privada, e posteriormente liderado pelo Estado, o combate não esteve apenas na construção destes equipamentos, como também numa série de acções políticas e filantrópicas que incutiam hábitos à população, de onde se destaca a Associaçào Nacional de Tuberculose. No distrito de Coimbra foi desenvolvido um plano contra a tuberculose, pela Junta da Província da Beira Litoral, liderada pelo Professor Bissaya Barreto, figura com uma personalidade misteriosa, com um trajecto político e pessoal que lhe conferiram muito do poder para se impor na vida pública, como acabou por o fazer.

A criação do Preventório de Penacova surge a partir da remodelação de um edifício já existente no local onde este foi edificado. O grande responsável pela existência deste Preventório. é o professor Bissaya Barreto, que na sua rede de edifícios criados na necessidade de prestar cuidados no apoio à defesa da criança e da grávida, isto englobado no seu projecto social e médico de combate à tuberculose, salientou a necessidade da criação de um local que albergasse crianças com condições socioeconómicas desfavoráveis, tendencionalmente mais susceptíveis à tuberculose, ou ainda crianças que tivessem sido retiradas aos pais, por estes manifestarem a doença. Durante décadas este foi o seu propósito, até que seria votado ao abandono, e posteriormente após alguns anos de indefinição a solução encontrada para a revitalização do local foi a construção de um Hotel. centrando-se apenas hoje unicamente com a finalidade turística.

segunda-feira, dezembro 02, 2024

Notas breves para a história do Hospital da Misericórdia (II)


Inauguração das obras de remodelação e ampliação do Hospital da Santa Casa da Misericórdia de Penacova em 17 de Setembro de 1961


A reportagem do Notícias de Penacova:

"O cenário é de festa. No Terreiro e por todos os recantos onde se podiam arrumar canos eles lá estavam. Os restantes espaços eram para pessoais. Junto ao Hospital, enorme multidão esperava as autoridades convidadas. Substituindo o Sr. Arcebispo esteve presente e procedeu à bênção do belo estabelecimento hospitalar S. Ex.ª Rev.ª o Sr. D. Manuel de Jesus Pereira. Em representação do Senhor Ministro das Obras Públicas o sr. Dr. Coreolano Ferreira, Director-Geral dos Estabelecimentos Hospitalares, o Sr. Governador Civil, que cortou a fita simbólica, cuja tesoura lhe foi oferecida -pela graciosa filhinha do Sr. Provedor da Santa Casa da Misericórdia, sr. Dr. Augusto Leitão, tendo aberto as portas o Sr. Dr. Artur Soares Coimbra, médico hospitalar.

Estivaram presentes os Srs. Comandante Distrital da Legião Portuguesa, Comandante Distrital da Guarda Nacional Republicana, Sr. Capitão Fernando de Oliveira Leite, o Sr. Comandante da Policia de Segurança Pública, o Sr. Dr. Santos Bessa, Deputado da Nação Sr. Dr. Augusto Simões, Rev.º Arcipreste David Marques, de S. Pedro de Alva, Sr. Dr. Pimentel. Dr. António Honório e Dr. Namora e muitíssimas personalidades de destaque, cujos nomes nos não foi possível colher.

Após a bênção foram as instalações visitadas pelos convidados e por todo o povo que o não tinha já feito. Também a Capela de Nossa Senhora da Guia, Padroeira da Santa Casa da Misericórdia e em comunicação com o Hospital, foi visitada, ficando todos muito bem impressionados com a singeleza mas graciosidade do templo, como impressão igual ficou aliás de toda a construção hospitalar.

Estão de parabéns os incensáveis Provedor e Vice-Provedor bem como todos os que generosamente contribuíram para obra tão útil como necessária, tanta ao pobre como ao rico, mas de modo especial ao pobre.

NOS PAÇOS DO CONCELHO

No salão de festas dos Paços do Concelho foram recebidas todas as pessoas convidadas para a solene festa de inauguração do restaurado estabelecimento hospitalar e bem assim o descerramento de uma placa com o nome do jubilado Professor Doutor Bissaya Barreto, que foi dado à Avenida da frente do Hospital e Preventório.

Presidiu o Sr. Governador Civil que era Ladeado pelo Sr. Presidente da União Nacional do Distrito de Coimbra, Dr. Santos Bessa, pelo Representante do Senhor Ministro da Saúde e Assistência, sr. Dr. Coreleano Ferreira. Pelo Delegado do Instituto Nacional do Trabalho de Coimbra pelo Sr. Dr. Pimentel. Tinha lugar de destaque o Sr. D. Manuel de Jesus Pereira que substituia o Sr. Arcebispo. Também ali se encontravam os presidentes das Câmaras da Coimbra, Arganil, Poiares, Mira, Soure, Mortágua e outros concelhos que não conseguimos identificar, os membros da Santa Casa da Misericórdia, os Vereadores da Câmara com o Sr. Presidente.

Em nome do Sr. Engenheiro Horácio de Moura foi o Sr. Dr. Álvaro Ribeiro dando a palavra aos vários oradores inscritos.

Em primeiro lugar falou o sr. Dr. Augusto Leitão que historiou as fases e dificuldades da reconstrução do Hospital e das dificuldades que surgem da sua manutenção se faltar o auxilio e generosidade de todos.

O Sr. Fernando de Almeida historia a fundação da Misericórdia e do seu Hospital que seria o actual Preventório mas que por razões que explicou foi adido à Junta de Província da Beira Litoral a pedido do eminente Prof. Doutor Bissaya Barreto, surgindo ao lado aquele que a actual ampliação veio substituir.

Fala o sr. Dr. Álvaro Barbosa Ribeiro que agradece a presença de tantas altas personalidades para acompanharem Penacova nesta hora de júbilo e refere nos termos mais o elogiosos a figura do devotado homem à causa da criança e da mulher que é o Sr. Doutor Bissaya Barreto a quem o Município homenageia consagrando-lhe a mais bela avenida de Penacova que é a do lado Sul do Preventório e do Hospital, saldando assim uma dívida que sobre ele pesava.

Fala o Sr. Dr. Pimentel que referindo-se aos dois acontecimentos do dia convida à união em volta do Estado para vencermos as vivas dificuldades da hora presente e
podermos continuar nesta obra de progresso que se iniciou há três dezenas de anos.

O Sr. Doutor Santos Bessa faz uma descrição magistral do grande homem que bem conhece e da sua larga obra – Prof. Doutor Bissaya Barreto.

Finalmente o representante do Sr. Ministro da Saúde e Assistência, foca o grande papel das Misericórdias e, dentro destas, dos hospitais e salienta que não bastam edifícios e camas e aparelhos indispensáveis. É preciso cooperar nessa grande obra em que está empenhado o Ministério a que pertence mas que só por si não pode sustentar. É preciso que todos ajudem na medida do possível.

Ao encerrar a sessão o Sr. Governador Civil prestou também homenagem ao Sr. Dr. Bissaya Barreto, felicitando a Mesa da Misericórdia pela sua acção e agradeceu a presença do representante do Sr. Ministro da Saúde e a do Sr. Bispo, dando a sessão por terminada."

A imprensa local não deixou também de enaltecer “o bom povo do concelho de Penacova que tão generosamente através dos Cortejos de Oferendas, contribuiu para o Hospital admirável" que era inaugurado” e igualmente a “tenacidade invulgar dos Provedor, Vice-Provedor, Secretário, Tesoureiro e Vogal da Santa Casa, respectivamente, Dr. Augusto Leitão, Fernando de Almeida, Álvaro Alberto dos Santos, Laurindo da Cunha Martins e Manuel Lopes Ferreira”, não esquecendo a “generosidade do Comendador Abel Rodrigues da Costa”.


O PROGRAMA publicitado foi o seguinte:

ÀS 14 HORAS - Concentração das Filarmónicas e Orquestras em frente dos Paços do Concelho e início da tarde desportiva que constava de: corridas de bicicleta em estrada, corridas de saco, pé coxinho, ovos, cântaros, negativas de bicicletes, etc., etc.
ÀS 17 HORAS - Chegada do Ex.mo Governador Civil e outras altas individualidades aos Paços do Concelho.
ÀS 17,15 HORAS - Descerramento da placa toponímica da Avenida Professor Doutor Bissaia Barreto.
ÀS 17,30 HORAS - Inauguraçáo do Hospital e sessão solene.
ÀS 21 HORAS - Festival no Parque Municipal com a exibição do Rancho Folclórico “Corações Unidos”, da Venda Nova de Poiares. Esplanadas, pistas de baile, barracas de chá, etc., etc...

quarta-feira, novembro 27, 2024

Da minha janela: E como o Fundo da Vila renasce!



E como o Fundo da Vila renasce!

No dia em que início esta minha crónica, o meu velho coração está a transbordar de alegria.

Recebi uma fotografia do perímetro do Mirante, no Fundo da Vila, em Penacova, já sem o edifício do antigo hospital, que se encontrava numa degradação que me deixava entristecido, cada vez que lá passava ou que para lá olhava.

Efectivamente, nenhum Menino do Cruzeiro -com toda a carga emotiva que essa caracterização representa- podia tolerar o tempo, o modo e a incúria, que “conspurcava” perdoem-me a expressão, uma das paisagens mais belas do mundo.

Do mundo, repito!

Tenho escrito muito sobre o Fundo da Vila; o sítio onde fui uma criança feliz; onde passei o melhor tempo da minha vida; onde retornei -dando o exemplo prático de como bem elevar a minha terra- no caso com um investimento que orgulha a minha família toda, na recuperação/reconstrução da Casa Azul, local onde fixei residência, também para lá pagar uma carga grande de impostos, que nalguma coisa reverte para o nosso Município.

Fiz um poema que está publicado no meu Livro A Liberdade Actual, 35, pág. 88., onde “gritei”, registando “…Não chego a nenhuma conclusão, todavia / A não ser que se fez murchar este recanto na sua beleza / Com inação sucessiva que confronta a natureza / E comove a própria degradação…”.

Antes disso - publicado nos Livros Reflexos e Penacova Intemporal, 9, pág. 55 - diz o poema Cruzeiro de Penacova: “…Símbolo da nossa forte identidade / Quase milenar / Referência da nossa enorme capacidade/Para resistir /…Para não se deixar perder / Ou destruir”…

E, seria muito injusto da minha parte, não realçar hoje, aqui, “Da minha Janela” -onde via aquele “mamarracho triste”- que a sua demolição só foi possível pela persistência de um Menino do Cruzeiro, o Álvaro Coimbra” (que até foi o diseur do poema, no lançamento do Reflexos)!

Independentemente de “politiquices” eu gosto muito de reconhecer o que se faz bem, com tenacidade, com foco e, sobretudo, cumprindo o dever do que se traçou como objectivo; esperemos pela evolução…

Muito obrigado!

Luís Pais Amante


terça-feira, novembro 26, 2024

Notas breves para a história do Hospital da Misericórdia (I)

Em cima: construção original de inícios dos anos trinta; 
em baixo: após remodelação em 1961

A ideia de se construir um hospital em Penacova remonta aos inícios do século XX. Em 1901, respondendo a um repto do Jornal de Penacova, a comunidade emigrante  penacovense radicada na região de Campinas (Brasil), liderada por Álvaro Leitão, de Vila Nova, lançou uma campanha no sentido de angariar fundos para esse fim. No ano seguinte, no Pará, Abel Pinto Guedes lançou uma subscrição junto dos compatriotas emigrados. A imprensa da época refere ainda o apoio de António Pita e a oferta de um terreno por um anónimo. Para suporte institucional dessa obra havia Artur Leitão criado a Irmandade de Nossa Senhora da Guia, que para além da sua função religiosa, tinha como fim a criação e manutenção de um hospital. Falecido prematuramente não foi possível obter fundos e rendimentos suficientes. 

Cerca de quinze anos mais tarde, aquela aspiração volta ao de cima, com o legado de quinze contos feito por António Maria dos Santos (que também destinara, em testamento, uma verba para a Escola que se viria a chamar Escola Maria Máxima, em homenagem à sua mãe). Na mesma altura, Alípio Augusto dos Santos fez, igualmente,  um legado de dois mil escudos para uma futura unidade hospitalar.

Por volta de 1918 discute-se como aplicar aquelas verbas ao mesmo tempo que são feitos apelos à união da Câmara, das Juntas, das Irmandades, dos “Proprietários e Negociantes” no sentido de ser construído um edifício com alguma dimensão.

No entanto, só nos finais da década de vinte se começa a concretizar aquele propósito. Numa entrevista no Notícias de Penacova (1932) Luís Duarte Sereno, conta que verdadeiramente quem arrancou com as obras fora a Comissão Concelhia de Assistência, enquanto estava em organização a Misericórdia (1). De facto, a Irmandade de N. S. da Guia assume o estatuto de Misericórdia, tendo como Provedor Duarte Sereno. Contando também com a intervenção do Dr. Sales Guedes (2) o objectivo de criar o Hospital da Misericórdia vai ganhando forma. Conta-se que foi ele próprio que elaborou o projecto do edifício aproveitando as paredes da capela de Nª Sª da Guia, com excepção da frontaria. 

Aconteceu que, quando o edifício já estava bastante adiantada a construção, Bissaya Barreto foi convidado por Sales Guedes para visitar as obras, ficando segundo se consta, deveras “encantado” com o que via. Na sua mente germinava a ideia de construir na região centro uma casa para receber crianças pertencentes a famílias atingidas pela tuberculose. Passado pouco tempo a Junta Geral do Distrito a que presidia propõe à Misericórdia o seguinte: esta cederia à Junta Distrital o edifício em construção bem como o largo adjacente. Por sua vez, a Junta Distrital ficaria com o compromisso de apoiar a construção de um novo edifício hospitalar nas imediações e “subsidiar” o seu funcionamento. As obras contaram com o dinheiro do legado de António Maria dos Santos (15 000$00), bem como de outros legados, como o já referido de Alípio Santos e também de Manuel Lopes Serra (3 000$00) a que se juntaram 5 000$ de Evaristo Lopes Guimarães. Estas importâncias estavam na posse da Misericórdia de Coimbra e com a criação da Misericórdia em Penacova foram para esta transferidas.  

Em Janeiro de 1933 o Jornal de Penacova noticia a abertura para breve do Hospital (cuja construção havia sido "arrematada" por 71 000$00)  descrevendo o seu interior: enfermaria para mulheres com oito camas e um quarto de isolamento, outra sala idêntica para homens; sala de operações, dispensário, raios X, farmácia e laboratório; quartos particulares com casa de banho privativa, balneários públicos e alojamento para o pessoal. 

Para sustentar o funcionamento do hospital, a Misericórdia contava com: - apoio da Junta Geral do Distrito, nos termos acordados; - um subsídio anual de 10 000$00 da Câmara Municipal ; - Juntas de Freguesia, 3 000$00 destinados ao dispensário; 
- "parcos" rendimentos próprios da Misericórdia.

Poucos anos mais tarde, escreve o Dr. José Albino Ferreira: “O Castelo que fora de grande poder defensivo contra os Mouros e a capela de N. S. da Guia bom farol para os navegantes, deram lugar a novas fortalezas contra as doenças, especialmente a tuberculose”.

Em 1961 o Hospital, que se tornara exíguo e inadaptado às exigências da moderna cirurgia, teve obras de restauro e remodelação (sob alçada do empreiteiro Alípio Pereira, da Cheira) que foram solenemente inauguradas em 17 de Setembro. Nesta data foi também descerrada a lápide que deu o nome de Bissaya Barreto à rua em frente do Hospital e do Preventório.

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(1) A 2 de Fevereiro de 1928 reuniu a Irmandade de N. Sª da Guia para aprovar os estatutos que instituiriam a Misericórdia na vila de Penacova. Foram aprovados por unanimidade. Assinaram a acta o Juiz, Padre António Pinto e os seguintes Irmãos: Dr. Daniel Silva, Dr. Luís Duarte Sereno, Albino dos Santos Júnior, Joaquim Correia de Almeida Leitão, Joaquim Augusto de Moura Cabral e Gualter Pereira Viseu.

(2) Manuel Ferreira Sales Guedes foi Presidente da Câmara de Penacova de 5 de Novembro de 1936 até finais de 1937, sucedendo a José de Gouveia Leitão. Pertenceu à Mesa da Misericórdia, quando era Provedor o Dr. Luís Duarte Sereno. O seu mandato não foi mais longo porque entretanto saiu uma lei que proibia os Médicos Municipais, ou qualquer outro funcionário municipal, de ocupar a Presidência da Câmara. Sales Guedes era natural de Poiares (Régua).

David Almeida

Fonte: Patrimónios de Penacova – J. Leitão Couto e David Almeida, 2012








quarta-feira, novembro 20, 2024

𝔻𝕒 𝕞𝕚𝕟𝕙𝕒 𝕛𝕒𝕟𝕖𝕝𝕒: o deslumbramento dos Telhados



O deslumbramento dos Telhados


Os Barcos Rabelos d’agora
E outros que giram borda fora
Passam a ponte junta à Alfândega
Subindo o Rio Douro
Já bem perto da Foz
A corrente fica forte
Quando passa na Ribeira
Outrora sem eira nem beira
Estará embriagada, talvez
Com o “éter” das marcas seculares

Que se viram pr’ali em sucessivos patamares

As gaivotas gritam bem alto
E querem passar o socalco
Dos Telhados desnivelados
Que se põem caprichados
Na beleza que nos apresentam
São milhões de milhões de telhas
Umas novas, outras já feitas velhas
Pela humidade a bailar
Trazida de perto do mar

Lá da Foz, agarrada a São Pedro da Afurada

É bonito o rodopio do Rio
Belo o ar tranquilo do casario
Encantadora a arquitectura com brio
Notável o entrosamento das Cidades
Apetecível o cheiro dos petiscos
Agradável o palato após provas
Inconfundível o casamento das casas
Tanto novas como velhas
Mas deslumbrante, mesmo são as telhas

Na sua função de dar cobertura à ação, em fusão

Dos negócios da modernidade
Envoltos na novidade calibrada
Que desponta a cada esquina
Muitos provocando o Norte da vaidade
São telhas de todos os tipos
Cobrem os telhados dos pobres e dos ricos
Telhas cerâmicas, telhas de betão, telhas de ardósia
Lisas, de capa e canal, romanas, de marselha e de encaixe
E a boa telha lusa-predominante-que ao olhar traz relaxe

Sobretudo quando, ao pôr do Sol, se reflectem no espelho d’água no Rio

Luís Pais Amante
A minha “vista” a partir do “The Yaetman Oporto Hotel”

domingo, novembro 17, 2024

Personalidades (7): Júlio dos Santos Ribeiro (1886-1974)


Júlio dos Santos Ribeiro, filho de João Bernardes Ribeiro, serralheiro, e de Balbina dos Santos, doméstica, naturais da freguesia de Travanca, nasceu no lugar da Portela no dia 4 de Julho de 1886.

Neto paterno de João Bernardes e Delfina dos Santos, e materno de José Alexandre e Ana dos Santos, foi baptizado na igreja paroquial de Travanca no dia 13 de Julho do referido ano, pelo Pároco “Encomendado” Bernardo José Maria da Fonseca.

Por ocasião da sua morte o jornal Notícias de Penacova (NP12 Jan 1974) escreveu que Júlio Ribeiro, “filho de gente pobre e humilde, cedo deixou a sua terra e partiu para terras do Brasil”.

Geralmente no mês de Agosto, por alturas da Festa de Nossa Senhora dos Remédios, por quem tinha grande devoção, vinha passar férias a Travanca.

Grande benemérito da freguesia, a ele se deve:

- o restauro interior e exterior da Igreja Paroquial, com douramento de todos os altares.
- o arranjo do adro, incluindo os muros de suporte.
- restauro da Capela de Nossa Senhora dos Remédios, igualmente com douramento do altar e aquisição de algumas novas imagens.
- arranjo do recinto desta capela
- a instalação do relógio na torre sineira da Igreja onde fora baptizado. A este propósito, refira-se que ainda hoje podemos ler na placa que se encontra na torre o seguinte:

“AO BENEMÉRITO JÚLIO DOS SANTOS RIBEIRO QUE OFERECEU A ESTA IGREJA O ACTUAL RELÓGIO / DEDICA A FREGUESIA ESTA LÁPIDE COMO DEMONSTRAÇÃO DE AGRADECIMENTO E AINDA COMO MEMÓRIA DE SUA ESPOSA D. RITA AMÁLIA RIBEIRO / 1-1-1954”

Também o autor da crónica do NP “Casos e Coisas”, que assinava “Manuel do Freixo”, na edição de 23 de Janeiro de 1954, enaltece e louva Júlio dos Santos Ribeiro. Sob o título “Vamos a Travanca” sublinha-se o relógio da torre instalado pelo Natal de 1953 e que terá custado 18 contos (18 000$00), incluíndo os trabalhos de assentamento.

Outros gestos de benemerência:

- donativo de 50 mil escudos para apoio à electrificação da freguesia.
- oferta de avultadas verbas para as pessoas mais necessitadas.

“Dos mais ricos aos mais pobres, dos mais velhos aos mais novos, lhe devem alguma coisa de importante”- salientava o jornal Notícias de Penacova aquando de uma das suas vindas a Portugal.

Quando em inícios de Agosto de 1958 foi inaugurada a Luz Eléctrica, o NP escreveu o seguinte:

Vem Sua Ex.ª, de propósito do Brasil a esta sua querida terra onde nasceu, foi baptizado e viveu até aos 14 anos, para assistir à inauguração da luz eléctrica e às festas de Nossa Senhora dos Remédios. […] Travanca agradece e louva os seus beneméritos sem os quais continuaria às escuras.”

O autor da crónica do NP “Casos e Coisas”, que assinava “Manuel do Freixo”, na edição de 23 de Janeiro de 1954, enaltece e louva Júlio dos Santos Ribeiro. Sob o título “Vamos a Travanca” sublinha-se a instalação pelo Natal de 1953, do relógio da torre, que terá custado 18 contos (18 000$00), incluindo os trabalhos de assentamento.

Júlio dos Santos Ribeiro faleceu no Brasil nos primeiros dias do ano de 1974.
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Observação:

Por falar em Júlio dos Santos Ribeiro e do seu decisivo apoio no restauro de bens da Igreja, refira-se o contributo financeiro de outro travanquense em relação à Capela de S. João (Covais) e à electrificação da freguesia. Serafim Ferreira de Almeida, radicado no Brasil há 40 anos, contribui com cerca de 40 mil escudos para a reparação daquela capela. Obras que também contaram com o apoio de João de Almeida Coimbra e de Alberto de Almeida Coimbra. Para a electrificação da paróquia Serafim Ferreira de Almeida contribuiu com 5 mil escudos.

sábado, novembro 16, 2024

Reis Torgal: livro 𝙑𝙞𝙜𝙞𝙖𝙨 𝙙𝙖 𝙄𝙣𝙦𝙪𝙞𝙨𝙞çã𝙤 premiado


A Academia Portuguesa da História (APH) premeia, anualmente, 10 trabalhos publicados nesta área do saber. A lista dos 10 premiados (2024) acaba de ser divulgada. Entre eles, destacamos o Professor Doutor Luís Reis Torgal (1) que venceu o Prémio Joaquim Veríssimo Serrão / Fundação Engenheiro António de Almeida, pela obra Vigias da Inquisição, trabalho que analisa o processo “paradigmático” de Manuel Fernandes Vila Real.(2) 

Os restantes premiados foram:

Prémio Lusitânia: Do 25 de Abril de 1974 ao 25 de Novembro de 1975 – Episódios menos conhecidos, de Irene Flunser Pimentel. 

Prémio Gulbenkian/História da Presença de Portugal no Mundo: Parecer e Ser: Excursus Vital de D. António Paes Godinho, Bispo de Nanquim, de José António Falcão

Prémio Gulbenkian/História Moderna e Contemporânea: O Bobo e o Alquimista: Deformidade Física e Moral na Corte de D. João III,  de David Soares. 

Prémio Gulbenkian/História da Europa Agostinho Barbosa. L’attività spirituale del giurista e sacerdote portoghese nella Villa e Corte di Madrid, de Massimo Bergonzini.

Prémio Augusto Botelho da Costa Veiga: Segredos da Beja Romana, de José d’Encarnação. 

Prémio EMEL (Empresa Municipal de Estacionamento de Lisboa): Altares da Memória: o advento das micro-histórias na periferia das periferias, de Assunção Melo, 

Prémio CTT/D. Manuel I “Direitos Humanos em Portugal: História e Utopia – Das Origens à Época Contemporânea” Susana Mourato Alves-Jesus 

Prémio Câmara de Oeiras/Octávio da Veiga Ferreira: A Metalurgia do Povoado de Pragança, Cadaval, no Contexto da Idade do Bronze – I Idade do Ferro na Estremadura, de Ana Ávila de Melo.

O Prémio Santa Casa da Misericórdia de Braga/Dr. João Lobo, Amélia de Leuchtenberg: Imperatriz do Brasil, Duquesa de Bragança, de Cláudia Thomé Witte.

Da lista de galardões apenas aguarda deliberação o Prémio Pina Manique, que distingue obras sobre o período do Iluminismo à Revolução Liberal.

A entrega dos prémios será no próximo dia 4 de Dezembro, pelas 15:00, no Palácio dos Lilases, em Lisboa, numa sessão que evocará Luís de Camões, onde a historiadora Isabel Almeida proferirá uma oração de sapiência intitulada “Camões e a Incerteza”.

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(1) Luís Reis Torgal é professor catedrático aposentado da Universidade de Coimbra e membro fundador do Centro de Estudos Interdisciplinares da Universidade de Coimbra (CEIS20). Publicou diversas obras e artigos sobre vários temas de várias épocas, entre elas o tempo do Estado Novo. Neste âmbito destaca-se a obra Estados Novos, Estado Novo (Coimbra: Imprensa da Universidade, 2009). 

(2) Sinopse (Bertrand): "Depois de experiências como militar e financista, Vila Real partiu para França em 1638, onde teve um papel importante em apoio às embaixadas de Portugal e desenvolveu um labor intenso como escritor ao serviço da Restauração.

Colecionador de livros, Vila Real regressou a Portugal em 1649, na comitiva do conde da Vidigueira, trazendo consigo um conjunto de obras, algumas delas proibidas pela Censura. O rei D. João IV, que terá concedido a Vila Real o título de «real cavaleiro fidalgo» da sua Casa, estava para o enviar em nova missão, em reconhecimento pelos serviços distintos que prestara em França ao serviço de Portugal, quando o Santo Ofício o prendeu por ser um «dos que leem e retêm livros de hereges ou de alguma ímpia seita».

A Inquisição, «Estado dentro do Estado», tinha como alvo preferencial os cristãos-novos e os judeus, mas estendia também as suas garras a todas as «heterodoxias» e a todos os «maus costumes». A prisão de Vila Real revela as lutas entre os poderes, da Coroa e da Igreja, e mostra como era impossível ter-se uma «outra cultura» em Portugal, sobretudo se ela afirmasse ou fizesse sobressair ideias que fossem contrárias à fé católica oficial.

E nem os cristãos-novos que apoiaram, economicamente e através da ação diplomática, a Coroa portuguesa escapavam ao castigo e execução pela Inquisição por, alegada ou efetivamente, «judaizarem», como sucedeu no processo paradigmático de Manuel Fernandes Vila Real. "


quarta-feira, novembro 13, 2024

ℙ𝕖𝕟𝕒𝕔𝕠𝕧𝕒 𝕕𝕠𝕤 𝕒𝕟𝕠𝕤 𝟠𝟘: 𝕚𝕞𝕒𝕘𝕖𝕟𝕤 𝕕𝕖 𝕦𝕞 𝕔𝕒𝕣𝕥𝕒𝕫 𝕥𝕦𝕣í𝕤𝕥𝕚𝕔𝕠





Terá sido na primeira metade da década de oitenta que o Município publicou um cartaz turístico mostrando fotos de alguns sítios icónicos do concelho, tendo como pano de fundo a Vila de Penacova. 

Uma observação atenta leva-nos, por exemplo, a uma época em que o "Terreiro" de atraente tinha pouco, em que a zona de Entre-Penedos ainda mal sonhava ser algum dia rasgada pelo IP3. Nem a Pista de Pesca, na margem esquerda, nem a empresa "Água das Caldas de Penacova", na margem direita, faziam parte da humanizada paisagem.

Muitas outras alterações na fisionomia poderiam ser apontadas. Exercício esse que deixamos para os leitores mais cuiriosos...











quarta-feira, novembro 06, 2024

𝔻𝕒 𝕞𝕚𝕟𝕙𝕒 𝕛𝕒𝕟𝕖𝕝𝕒: Um Mundo de pernas pró ar


Estamos a aproximarmo-nos rapidamente do Natal.

O Natal é um momento marcante em grande parte do mundo, que evoca a vida de Cristo em Fé, mas também o necessário apoio aos mais desfavorecidos.

Os mais desfavorecidos, nesta hora, crescem exponencialmente neste mundo triste cheio de ganância.

Ganância misturada com arrogância e com prepotência e todos com violência e morte…

No post Primeira Guerra, fruto do trabalho de Pessoas de bem, Humanistas e Políticos de primeira água, que conseguiram sentar-se à mesa e discutir as diferenças e o modo de se relacionarem com regras, criou-se a SDN - Sociedade das Nações (também conhecida como Liga das Nações), em 1919, como primeira organização intergovernamental, que começou a sua actividade de manter a paz e a segurança entre os países-membros.

Em 1926 a SDN tinha 58 países-membros; mas vicissitudes diversas ocorridas em 1931 (invasão da Manchúria pelo Japão) 1935 (invasão da Abissínia pela Itália e reintrodução do serviço militar na Alemanha de Hitler que (em 1936) ocupa a zona desmilitarizada do Reno), a qual a SDN não conseguiu evitar, fez com que reunisse pela última vez em Dezembro de 1939, sendo dissolvida em 1946.

Antes disso (24 de Outubro de 1945, em São Francisco, nos EUA) por outros Homens e Políticos de bem, daquela qualidade deveras superior, que já não existe, foi criada a ONU – Organização das Nações Unidas -actualmente com 193 Estados Membros- para promover a cooperação internacional.

O foco foi impedir outro conflito como a Segunda Guerra Mundial.

A ONU tem sede em Nova Iorque e extraterritorialidade com escritórios em Geneva, Nairóbi e Viena.

Os objectivos da ONU eram:

- manter a segurança e a paz mundial;
- promover os direitos humanos;
- auxiliar no desenvolvimento económico e no progresso social;
- proteger o meio ambiente;
- e prover ajuda humanitária em casos de fome, desastres naturais e conflitos armados.

A Organização evoluiu, desmesuradamente, a partir da leitura extensiva da Carta das Nações Unidas (o Tratado fundamento), tendo como Órgãos principais a Assembleia Geral, o Conselho de Segurança, O Conselho Económico e Social, o Conselho de Direitos Humanos, o Secretariado e o Tribunal Internacional de Justiça.

E como Agências, a OMS – Organização Mundial de Saúde, o PAM – Programa Alimentar Mundial, a Unicef, a Unesco, a OIT – Organização Internacional do Trabalho e a ACNUR.

O Secretário Geral é, desde 2017, o português António Guterres, figura democrática de Estatuto Mundial.

Aqui chegados -e conhecendo pessoalmente António Guterres, por quem tenho enorme estima pessoal- é-me muito difícil entender as suas últimas opções. Não estão lá questões de Fé, nem daquela astúcia fina que lhe reconhecia.

Efectivamente, na minha visão -exigente- não se pode conviver com as suspeitas sistemáticas de corrupção e negociatas e violações, sobre as extravagâncias existentes, sobre o aburguesamento evidenciado nas benesses, sobre o encobrimento de suspeitas relativas aos que se abrigam e trabalham por ali, sobre a estratégia que se vai seguindo e, muito principalmente, sobre a política errática nas intervenções, nas opções e nos convívios, mormente perante violações estrondosas das decisões em vigor.

Todas estas questões somadas -que confrontam os objectivos acima- não libertam fundos para a missão que, hoje, devia constituir “o foco principal” da ONU, qual seja a de “promover ajuda humanitária em casos de fome (que não pára de crescer) desastres naturais (que atingem foros de desequilíbrio absoluto) conflitos armados (que criam o caos e se multiplicam pelo mundo, sem intervenção firme da Organização) com aumento exponencial de Refugiados a morrer.

Justamente a área “menina dos olhos” de Guterres, que foi Alto Comissário da ACNUR, Agência para os Refugiados, cuja restruturação promoveu com enorme êxito, saliento.

O Mundo está de pernas pró ar! As eleições americanas demonstram isso mesmo. A desgraça humana avança sem controle em situações de terreno pobre, de exploração sem escrúpulos do totalitarismo sangrento, de refúgio necessário e de apoio urgente à sobrevivência, com acolhimento incluído!

Os financiamentos de toda esta “máquina imensa” começaram a escassear e vão estar em causa a breve trecho, paralisando-a, como não é difícil prever!

E António Guterres [o Homem da independência de Timor que não gosta de pântanos e de que nós devemos ter muito orgulho pelo que fez de meritório durante a sua vida] já não é mais parte da solução, infelizmente para o Mundo, para ele próprio, para a sua Família e para o nosso País.

Por vezes é de bom tom saber sair de cena pela porta grande! E essa via in casu está a estreitar, dramaticamente…empurrada por Israel, que hoje obteve via verde para a “matança”!

Luís Pais Amante




quarta-feira, outubro 30, 2024

ℂ𝕒𝕣𝕥𝕒𝕤 𝕓𝕣𝕒𝕤𝕚𝕝𝕖𝕚𝕣𝕒𝕤: experiências musicais com IA




S. Paulo | Barretos, 2 de outubro de 2024

Olá amigo! 
Há quanto tempo!

Estou bem, e você como está? Desejo que esteja bem. Quase sempre dou uma olhada no blog.

Pouco tenho escrito, na verdade apenas pequenos poemas/poesias, ou ainda melhor: letras para músicas.

Tenho me divertido escrevendo letras para músicas, depois escolho o estilo musical, faço experiências nessa escolha, e vou a um aplicativo de Inteligência Artificial para que o AI crie a música.

Estou usando o SUNO.AI.

Incrível! Tem saído “coisas” bonitas, pelo menos para o meu gosto.

Eu me atrevi a escrever letra para um fado. Como não sou expert no assunto, confesso, gostei e vou compartilhar.



Um grande abraço
Paulo Tarso Juvenal Santos  
ptjsantos@yahoo.com.br
Ps: fiz também tango, música mexicana, bossa-nova, 
sambão, blues, chorinho ….

terça-feira, outubro 29, 2024

Desanexação de freguesias: quando Chelo quis ser independente de Lorvão


“Esta aprazível aldeia, digna de ser conhecida por todos os apreciadores de terras lindas, tende sempre a caminhar na vanguarda do progresso, procurando tenazmente enfileirar ao lado das suas congéneres.

Não tendo, porém, pessoa alguma que se interesse por ela, faz esforços gigantescos para abrir caminho, não se poupando os seus filhos aos maiores sacrifícios para esse fim, trabalhando incansavelmente para suportarem as ásperas e ingratas barreiras que se lhe deparam na sua rota.

O povo da minha terra, tem bastantes aspirações e todas da mais incontestável e indiscutível justiça.

Uma delas é a sua pretendida desanexação da freguesia de Lorvão, sendo criada uma outra, com sede nesta linda povoação de Chelo, composta com os lugares vizinhos, de Chelinho, Rebordosa e Granja do Rio.

Com este fim assinaram o respectivo requerimento e representação aos poderes públicos, todos os habitantes (cônscios dos seus deveres e respectivos direitos) de Chulo, Chelinho, Granja do Rio e da Rebordosa, para cima de dois terços.

Conseguido este nosso desideratum, ficaria a nossa freguesia composta de cerca de 450 fogos, e 1 800 almas, isto sem exagero.

Como já acima digo, é uma justa aspiração que os habitantes de ChElo alimentam, e que sem dúvida, não tardará a transformar-se numa realidade, se se conseguir arredar os entraves que continuamente lhe impedem a marcha.

Mas, pergunto: qual a razão porque se não concede a emancipação a um povo que quer e pode governar-se por si mesmo?

Se este povo tem a capacidade precisa, porque se lhe não há de confiar a direcção dos seus destinos?

É tempo, pois, de afastar para o lado os empecilhos que até agora tem entravado a rota do seu progresso, continuando a trabalhar cada vez com mais afinco para se conseguir a meta.

Não desanimemos, pois, porque melhores dias virão, em que veremos coroados do melhor êxito, o produto das nossas justas e honradas energias! Avante! “ (C.)


in A VOZ DE S. PEDRO DE ALVA, 16 de Janeiro de 1931

A pretensão já vinha de 1925, 
quando deu entrada na Câmara dos Deputados, uma Representação sobre o assunto:





domingo, outubro 27, 2024

Ainda haverá resineiros?



Ainda há. Os resineiros não acabaram em Portugal, mas, pelos nosso lados, se há trinta ou quarenta anos ainda os víamos por aí na sua árdua tarefa, hoje em dia poucos vestígios prevalecerão nas nossas terras. Incêndios atrás de incêndios, invasão de eucaliptos e mimosas, mão-de-obra cada vez mais envelhecida, foram factores que para isso contribuíram.  

No entanto, e curiosamente, vimos há uns tempos na imprensa a notícia que a  Associação de Destiladores e Exploradores de Resina (Resipinus) e o Instituto da Conservação da Natureza e Florestas (ICNF) iam criar a “Academia do Resineiro”, na Marinha Grande e que ia ser aproveitado o apoio financeiro previsto no Plano de Recuperação e Resiliência, que contempla um programa (no âmbito da “Bioeconomia Sustentável”), designado por "Resineiros Vigilantes". São financiadas “acções de prevenção de incêndios, como a vigilância em espaços rurais no período crítico, sendo esta efetuada por resineiros em locais estratégicos”. Muito concretamente, falava-se na criação de vinte e seis equipas de vigilância em setenta e uma localidades do país, num trabalho que junta vinte e uma instituições. 

Não está, pois, “morta” a profissão, o ofício, de resineiro. 

No imaginário colectivo da nossa região (onde chegaram mesmo a existir as designadas “Zonas do Pinhal”,  enquanto sub-regiões estatísticas da Região Centro) perdura ainda a imagem dos resineiros (e também das resineiras) que calcorreavam os pinhais para exercerem um trabalho que nalgumas das suas fases era bastante duro.

No livro Trilho do Tempo – Etnografia do século XX ao redor de Almalaguês, de Arménio Simões, (2013), obra que acaba por referir  igualmente alguns aspectos relacionados com o nosso concelho, como o Lagar do Pisão, há uma passagem que nos fala precisamente da faina da resina. Escreve o Eng.º Arménio Simões, a propósito dos resineiros:

OS RESINEIROS 

"José Rodrigues, da povoação de Moinhos, era aos sessenta e sete anos, e na viragem do século, o último resineiro a calcorrear os pinhais das redondezas que, de lata e ferro na mão, ia adiando a arrumação definitiva das ferramentas de muitos anos de trabalho. Operando diariamente nos pinhais que alugava a cem escudos anuais por bica, nos arredores de Moinhos e Flor da Rosa, conseguia uma recolha de dez toneladas que vendia para uma fábrica de Alfarelos, após a década de setenta em que, anualmente, acumulava um aluguer de dez mil pinheiros a vinte e cinco escudos por bica, nos concelhos de Miranda do Corvo, Condeixa, Coimbra e Penacova, recolhendo cerca de cinquenta toneladas de resina. 

Da destilação da resina vegetal, resultava uma variedade considerável de produtos industriais como as tintas, vernizes, secantes, betumes, sabões, plastificantes, adesivos, aglutinantes, borrachas, óleos solúveis, óleos lubrificantes, linóleos, ceras, moldantes, detergentes, perfumes, cânforas sintéticas, papel celulóide, isolantes, insecticidas e explosivos. 

Portugal, como primeiro produtor e exportador europeu, chegou a exportar anualmente 75 000 toneladas de pez e 17 000 de aguarrás. 

O formato e a dimensão das feridas, o diâmetro dos troncos dos pinheiros virgens para a primeira sangria, o número de sangrias seguintes, (contínuas ou paralelas), a limpeza do pinhal após a época de exploração e o período a ela destinado, eram rigorosa e legalmente estabelecidos exceptuando os pinheiros destinados ao abate e, com designada resinagem, segundo a qual se podia aplicar um maior número de sangrias mediante deferimento do pedido da licença prévio, a qual era obrigatória para cada tipo e época de resinagem. As transgressões eram severamente punidas por multa.

A abertura de cada sangria era iniciada com uma ferramenta cortante designada de descarrascadeira, e terminada por outra que se designava de ferro de renovar

A descarrascadeira tinha uma lâmina lateral de dois gumes para cortar nos dois sentidos, e no lado oposto duas unhas espaçadas nove centímetros, com a qual se fazia a raspagem prévia da carrasca e, com as unhas, se traçar a largura das sangrias. 

O ferro de renovar, por sua vez, tinha uma lâmina em forma de "c" reto que servia para fazer as aberturas e as renovas das sangrias. 

Anteriormente à nova legislação que o aboliu, o ferro francês, ferramenta de lâmina curva e mais agressiva para as sangrias de que retirava grossas aparas que, após a passagem dos resineiros, as pessoas mais necessitadas as aproveitavam para lenha, ou os pezeiros para fazerem o pez. 

A renova era uma operação que, a cada cinco dias e sem ferir a camada subjacente, consistia em tirar ao pinheiro um pouco mais de casca para renovar a ferida sendo que, após o aparecimento do aplicador, um dispositivo com que nas sangrias se aplicava uma mistura de ácido sulfúrico com farinha de milho, lhe permitiu alargar o período dos respetivos cinco, para vinte dias entre cada renova. 

Após a abertura duma sangria, era usada urna outra ferramenta, igualmente cortante e de lâmina adequadamente curva, na qual se batia com um maço para se abrir um golpe onde inserir uma bica de lata que sobrepunha, segurava e enchia um púcaro de barro apoiado num prego sem cabeça espetado na madeira. 

Os tradicionais púcaros de barro vermelho, eram feitos em Miranda do Corvo, e caíram em desuso perante o aparecimento de outros feitos de plástico, mas de uso muito breve até quando substituídos por sacos de plástico de cujo sistema se simplificou o trabalho tradicional que consistia no esvaziamento periódico de todos os copos, um a um, usando urna espátula com que se esvaziavam para dentro dum recipiente apropriado e designado de “lata de colher” que, por sua vez, era esvaziada para os barris de transporte para a fábrica de destilação. 

Com os sacos de plástico, bastava colá-los à própria resina superficial e, quando cheios, substituídos e recolhidos a granel para a mesma lata tradicional. 

Após a época da resinagem e até final de Novembro, era estabelecido um prazo para a extração de todos os pregos e bicas, para o que se usava uma outra ferramenta também apropriada, o “saca bicas”, fazendo-se também o aproveitando da resina seca e acumulada ao longo da época, raspando-a para uma espécie de padiola feita com dois paus e uma serapilheira. 

A vida dum pinheiro, em condições normais de adaptabilidade e referente ao crescimento, longevidade e tempo de rendimento, de que a resina era um rendimento sazonalmente periódico e com tão importante significado para a economia doméstica, como as colheitas do milho, do vinho ou do azeite, e a madeira uma riqueza acrescentada para uma qualquer disponibilidade ocasional e, praticamente, sem despesas da manutenção de que também resultavam outras valiosas contrapartidas. 

A resinagem era limitada ao período compreendido entre o primeiro dia de Março e o último de Setembro, e desfasada do  período seguinte destinado à época da serração, a maioria dos profissionais tinha trabalho garantido durante todo o ano, como resineiro no verão e serrador no inverno. 

Para exercer a profissão de resineiro, era obrigatória uma formação adequada, adquirida em prestação de provas e comprovada pelo uso obrigatório do respectivo cartão.