Falar
em jornais de Penacova na década de setenta é falar do “Notícias
de Penacova” que veio a lume em 1932 e
suspendeu a publicação em
finais de 1978, para não mais voltar.
Este periódico, em vésperas do 25 de Abril poucas notícias locais
publicava, possivelmente por falta de colaboradores.
Começando a analisar em Janeiro de 1974, encontramos, por exemplo, a
defesa da política ultramarina e da guerra colonial. Em Fevereiro
ressalta uma crítica muito grande à ONU, associando-a a “uma
feira de vaidades” ao mesmo tempo que censura as “políticas
onusinas”. Ainda neste mesmo mês, é feita especial referência a
discursos de Marcelo Caetano nos quais refere as “atoardas e
calúnias” de “certa imprensa”. Sobre o regime, o mesmo afirma
no jornal de 9 de Março que “a experiência Corporativa” é “um
êxito” evidente. No jornal de 18 de Abril, meia dúzia de dias
antes do 25 de Abril, é noticiada a visita de Américo Tomás às
obras da Barragem da Aguieira.
A 23 de Março, citando-se um discurso do Ministro Moreira Baptista,
salienta-se que os Governadores Civis devem evitar que “alguns
eclesiásticos se façam eco de críticas destrutivas que com má-fé
são postas a circular para combater a acção governativa,
esquecendo-se que a sua missão na Terra deve ser somente evangélica
e não política”. Neste particular, apesar de não ter sido notícia no jornal, como é evidente, dizia-se que o Padre António
Veiga, pároco de Travanca, Oliveira e Almaça, com grandes
preocupações sociais e culturais, chegara a ter informadores da
PIDE a escutar as suas homilias.
Estranhamente (ou talvez não) o jornal que tem a data de 27 de Abril
alheia-se por completo dos acontecimentos que estão na ordem do dia.
Só a edição de 4 de Maio faz eco da Revolução, publicando
fotografias de Costa Gomes e de António de Spínola. O editorial,
intitulado “Mudança de Rumo” apresenta-se ainda muito cauteloso
e desconfiado, indo rebuscar as convulsões da I República e
apresentando o 28 de Maio de 1926 como o início de uma fase que “não
obstante os naturais defeitos, manteve a paz e o sossego durante meio
século e transformou completamente a fisionomia da Nação.” O
autor do artigo duvida muito que os portugueses saibam usar a
Liberdade e teme, mesmo, que “a emenda seja pior que o soneto.”
Nesta data, dá-se realce ao Manifesto do Movimento das Forças
Armadas. O jornal seguinte virá a ser publicado só passados quinze
dias, a 18 de Maio, dado que a edição do dia 11 não se publicou,
por motivos logísticos, conforme foi comunicado. Neste 18 de Maio já
não consta o nome de Joaquim de Oliveira Marques como director.
Agora, é o Pároco de Penacova, João da Cruz Conceição, que
assume a direcção. Joaquim de Oliveira Marques escreverá em 13 de
Julho na pequena nota intitulada “Palavra de Despedida”, que saía
porque “a vontade de no máximo 2% por cento da população do
concelho” (…) elegera “novas autoridades“ que impuseram a sua
saída.”
O 1º de Maio de 74 foi, também em Penacova, o dia em que o Povo
“saiu à rua” de uma forma mais visível. A notícia de um ou outro episódio só virá a público no
dia 18, como vimos. Relata o jornal que “muitas pessoas se
concentraram no Terreiro (…) realizando-se em seguida uma sessão
pública no Salão dos Paços do Concelho. Muitos democratas tomaram
a palavra para enaltecer o Movimento de Libertação”.
Nesta sessão foi eleita “uma comissão para gerir os interesses do
Município”. Comissão que integrava os seguintes nomes: “Fernando
Ribeiro Dias, tesoureiro da Fazenda Pública, Manuel Ribeiro dos
Santos (comerciante), Rui Castro Pita (engenheiro civil), Joaquim
Manuel Sales Guedes Leitão (notário), José Marques de Sousa
(proprietário ), Teófilo Luís Alves Marques da Silva ( professor
liceal), Américo Simões (industrial ), Adelaide Simões
(farmacêutica ), Artur José do Amaral (estudante de Direito ),
Artur Manuel Sales Guedes Coimbra (médico), António Coimbra Soares
(professor e comerciante) e António de Sousa (electricista).
Esta Comissão alargada, que tomou posse em 2 de Maio, elegeu por sua
vez o Presidente e o Vice-Presidente, respectivamente, Teófilo Luís
Alves Marques da Silva e António de Sousa. Esta tomada de posse
contou com a presença do Presidente e Vice- Presidente cessantes,
Álvaro Barbosa Ribeiro e Francisco José Azougado da Mata. Os mesmos
declararam ter solicitado e obtido a exoneração dos seus cargos
junto do Comandante da Região Militar de Coimbra”. Álvaro Barbosa
Ribeiro, à época Deputado, acabaria por passados alguns dias ser
detido e preso em Lisboa e Coimbra, acabando o processo por ser
arquivado por falta de provas.
Ainda sobre este 1º de Maio no concelho de Penacova lê-se numa
local de Lorvão que se tratou de “um dia inesquecível em que todo
o povo saiu em massa à rua e com ele a Filarmónica, entoando o Hino
Nacional.”
No dia 5 de Maio, domingo, foram em diversas freguesias escolhidos os
elementos para presidirem às respectivas Juntas. Em Penacova e
Lorvão tal acto teve lugar no dia 12. Em Penacova também neste dia
foi eleita nova direcção da Casa do Povo. Por sua vez em Lorvão,
realizou-se uma sessão pública na sede da Associação Recreativa
Lorvanense com a presença de membros da Comissão Administrativa
concelhia e de um representante do Movimento Democrático de Coimbra.
Foi notória a presença de um grande número de pessoas, sublinhando o
articulista que predominavam as mulheres da povoação de Lorvão que
“por mais de uma vez interromperam a sessão”. De Friúmes chega
a notícia que ali se deslocara uma sub-comissão da Câmara
Municipal para numa “grandiosa reunião sondar se era da vontade do
povo continuar a mesma Junta, o que acabou por suceder.”
Sabe-se que em S. Pedro de Alva igual procedimento se fez e com os
mesmos resultados: manutenção da Junta.
Com a finalidade de “instruir o povo, esse povo unido, esse povo
honesto” para ser “pormenorizadamente instruído acerca da nossa
política nacional actual – escreve o correspondente do NP em
Friúmes – havia sido marcada uma reunião para o dia 9 de Junho.
Recorde-se que estas sessões de esclarecimento e dinamização
cultural, assim designadas e geralmente orientadas por elementos do
MFA, no nosso caso, por militares da Região Militar de Coimbra,
tiveram lugar na maioria das freguesias. Por exemplo, em Penacova a
17 de Fevereiro de 1975, as ovações ao MFA ( O povo está com o
MFA) estenderam-se até cerca das 3 horas da madrugada! Ainda na
vila, a 18 de Maio, teve lugar durante a tarde mais uma sessão de
“Dinamização Cultural” com a presença das Filarmónicas do
Concelho, da Orquestra Típica Infantil de Penacova e a Banda de
Música do Regimento de Serviços de Saúde. Houve também uma sessão
de cinema na Casa do Povo, dado que devido à chuva o programa não
pôde ser feito no exterior como estava previsto. Refere o jornal que
a dinamização da população em ordem à participação do povo
neste programa fora feita pelos 1ºos sargentos penacovenses, José
Alvarinhas e José Alberto. Penacova, Friúmes, mas também Chelo.
Aqui, no dia 8 de Maio, no Ginásio Recreativo, teve lugar uma
“sessão de esclarecimento pelas Forças Armadas”.
Ilustrativo do ambiente que se viveu por estes tempos, recordemos o
“assalto” à Casa das Enfermeiras em Lorvão, edifício do antigo
Hospício e que agora apenas tinha duas pessoas a residir. Em Agosto
de 75, depois de várias reuniões inconclusivas e manifestações
populares como aquela que uns tempos antes reunira mais de mil
pessoas e onde falaram diversos oradores, entre os quais um
representante do MRPP, em defesa da ocupação do edifício para Casa
do Povo, que funcionava em condições muito precárias. Neste Agosto
o povo decide avançar, pôr os móveis na rua e tomar conta das
instalações. Sobre este episódio, António Simões, ex-cozinheiro
do hospital, recordará mais tarde, a 30 de Abril de 1998 ao jornal
penacovense Nova Esperança, essa “manifestação popular onde o
povo é que mais ordenou”. A Comissão Instaladora do Hospital
reconheceu, resignada, que “o povo entusiasmado com o que ouvia na
rádio e lia nos jornais, resolveu tomar uma atitude sem o seu
consentimento”. No fim de contas “O Povo é quem mais ordena!”
Outros episódios poderiam ser recordados. Vamos referir por agora o
célebre “Dia de Trabalho pela Nação”. Foi a 6 de outubro de
1974 que, sob proposta de Vasco Gonçalves e tendo a dispensa da
Conferência Episcopal, foi pedido que as pessoas dedicassem um dia
de trabalho voluntário a favor do País. Referiremos o caso de
Travanca, Rebordosa, Chelo e Lorvão. Em Travanca a Junta de
Freguesia lançou o apelo e muitas pessoas, incluindo o Pároco,
lançaram mãos à obra e procederam ao arranjo do caminho que ligava
o ramal da Igreja ao Cemitério. Na Rebordosa, a Juventude (dos 12
aos 23) deixou “as ruas num mimo”. Em Chelo, um grupo
“constituído por pessoas que normalmente não pegam na enxada e na
picareta “deu início às escavações para a construção de um
fontenário”. Por fim, em Lorvão os jovens estudantes reuniram em
grupos de trabalho e (…) limparam as ruas da povoação. Mas Lorvão
não se ficou por aqui. As paliteiras juntaram-se em grupos fazendo o
seu dia de trabalho. Como resultado da venda de palitos (…)
recolheram, juntamente com ofertas de voluntários a quantia de 2.485
escudos, que entregaram para os Deficientes-Mutilados das Forças
Armadas.
Como sabemos, foi Teófilo Luís Alves Marques da Silva, que desde
1971 era professor de História e Director do Ciclo Preparatório,
que assumiu a presidência da Comissão Administrativa Provisória.
Em entrevista ao Jornal de Penacova de 15/12/2002 dirá que “tal
como um pouco por todo o país a revolução dos cravos foi recebida
em Penacova com grande júbilo, pelo menos pelas pessoas com quem
contactava no café, na pensão e nas ruas.” Recordará entre
outros aspectos a falta gritante de estruturas e de verbas. Por vezes
eram uns cerca de 1000 contos feitos na venda de madeira que
conseguiam tapar os buracos maiores. Com mágoa recordará,
igualmente, quando certo dia um grupo de pessoas quis invadir a
Câmara e como nesse dia não estava, agrediram à bofetada o Eng.
Castro Pita,”um homem de 60 anos que tanto deu à sua terra”.
“Achavam que eu era um indivíduo perigoso, que tinha levado a
Câmara à falência, etc… Por estas e por outras acabou por pedir
a demissão. Em Agosto de 1975 a comissão fica demissionária.
Vai-se manter até Abril de 76. Nesta data dá-se a demissão, agora
em bloco. Perante isso foi nomeado para assegurar a presidência da
Câmara até às primeiras eleições autárquicas de Dezembro de 76
, como gestor municipal, José Alberto Rodrigues Costa.
Para terminar detenhamo-nos na legenda que acompanhava um foto de
Penacova oferecido ao jornal pelo sr. LuísCunha Menezes e publicada
na edição de 18 de Maio de 1974:
“Que à pureza dos ares que invadem a nossa região se possam
assemelhar os ventos da libertação que sacudiu o país a partir do
25 de Abril. Que a caminhada de Paz e a Liberdade iniciada pelas
Forças Armadas, de mãos dadas com o povo, não se detenha até
alcançar toda a terra portuguesa.”
David Almeida
(Comunicação apresentada hoje na sessão solene das comemorações do 25 de Abril em Penacova)