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25 julho 2014

Cartas Brasileiras

Carta apaixonada, 
nem às paredes confesso.

Hoje acordei diferente.
Depois da higiene matinal corri até a cozinha onde minha mulher já tinha preparado meu pedaço de mão com manteiga, o leite pronto para ser aquecido, me aguardando; ela sempre faz isso, como porque ela faz, não que tenha fome pela manhã.
Dei-lhe um beijo de bom dia. Nossa, exclamou ela surpresa.
Pudera, foi um beijo diferente, um desses como não a beijava há muito tempo ao cair da cama. De troca recebi um suspiro como há muito não recebia.
Após o café fui para a varanda. Abri o jornal, folheei-o desinteressadamente, nada nele me despertava; também, naquela manhã! Fechei-o.
Fui para o computador. Não quis saber de emails, de mensagens pelo Twitter ou de notificações do Facebook. Busquei com certa ansiedade minha pasta com músicas; preciosidades!
E, naquela manhã em que me acordei diferente, senti uma vontade louca de ouvir Amália Rodrigues. Pus-me a escutar “Nem às paredes confesso”.
Repeti a música sei lá quantas vezes, até que resolvi buscá-la em vídeos na  Internet, quem sabe alguém tivesse postado uma interpretação. Infelizmente não tive sorte, encontrei apenas alguns slide show. 
Enfim, valeu.
            Minha mulher chegou e me perguntou o que se passava comigo, dei com os ombros. Ela comentou dizendo que eu acordara apaixonado. Apenas ri comigo mesmo, o coração apertado ao ver somente ela e eu em nossa casa, da mesma forma como chegamos após nos casarmos; somente nós e muitos sonhos.
Os filhos! Bem, os filhos cresceram e se foram. Vieram os netos, mas que também cresceram, que com seus afazeres, escola e atividades rarearam suas visitas.
Agora, novamente, nós. Por isso devo ter acordado diferente, acredito por ter, finalmente,  me dado conta de que, definitivamente, restamos ela e eu.
Por isso apenas para ela voltaram os meus beijos. Sem que tenha que dizer para mais ninguém de quem eu gosto, digo só para ela; mas não contem para ninguém!

P.T.Juvenal Santos
ptjsantos@bol.com.br

09 junho 2014

Cavaquinho em Cartas Brasileiras

Cavaquinho em Cartas Brasileiras  

Nelson Antonio da Silva, mais conhecido como Nelson do Cavaquinho é um dos grandes nomes da boa música brasileira; o apelido que ganhou já diz bem qual era o forte dele. Autor de umas 400 músicas, algumas chegou até a vender para poder se sustentar, tinham como tema o sofrimento, a ingratidão de amor, e uma quase obsessão  pela morte. Uma composição que bem demonstra o estilo das músicas é como “Quando eu me chamar saudade”.
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Sei que amanhã / Quando eu morrer / Os meus amigos vão dizer/  Que eu tinha um bom coração / Alguns até hão de chorar / E querer me homenagear / Fazendo de ouro um violão / Mas depois que o tempo passar / Sei que ninguém vai se lembrar / Que eu fui embora/ Por isso é que eu penso assim / Se alguém quiser fazer por mim / Que faça agora / Me dê as flores em vida/  O carinho / A mão amiga / Para aliviar meus ais / Depois que eu me chamar saudade / Não preciso de vaidade / Quero preces e nada mais.Nascido em 29 de outubro de 1911, faleceu em 18 de fevereiro de 1986.
No “chorinho” o grande intérprete e compositor foi Waldir Azevedo (27/01/1923 – 20-09/1980). É o autor do famoso  “Brasileirinho”.

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No Brasil todo grande tocador de cavaquinho gosta de executar essa música para mostrar sua qualidade artística e técnica. Waldir compôs muitas outras, como  “Delicado”, “Pedacinhos do céu”

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Waldir Azevedo com sua maestria levou o cavaquinho para uma posição de destaque na interpretação musical, com o que deixou de ser apenas mais um dos instrumentos de acompanhamento. 

E por que falo de cavaquinho! Por tudo que tinha até então escutado, imaginava que o cavaquinho fosse um instrumento genuinamente brasileiro. Mas, ao ver no blog o convite para o almoço comemorativo do 20° aniversário da Casa do Concelho de Penacova, li que uma das atrações será o Grupo de Cavaquinhos de Rebordosa. Fiquei curioso e me pus a pesquisar sobre o assunto tendo descoberto, o que de há muito ai já é sabido, que o instrumento,  também chamado de braquinha, braga e machete, tem origem no Minho (Portugal), de onde espalhou, até chegar ao Brasil.

E do Brasil mando abraços para todos.

P.T.Juvenal Santos


Nota da redacção: havia uma correcção a fazer relativa a datas de nasc / morte. Aos leitores as nossas desculpas.

02 abril 2014

Cartas Brasileiras: COISA CHIQUE É OUTRA COISA

          
Não sei como as esbeltas e espichadas manequins conseguem se equilibrar desfilando com todo aquele rebolado nas passarelas. Fico até na torcida para que não tropecem nas próprias pernas; elas caminham trocando passos  quase de malabaristas.
Exibem criações de famosos estilistas, roupas que depois ninguém mais vê, nem mesmo em festas; creio que sejam criações apenas para desfiles. Também, cada roupa mais estrambótica do que a outra.
Roupas feitas por estilistas e costureiros renomados é coisa para pouca gente, por isso o que mais se vê nas ruas é quase tudo “prêt-à-porter”,  de lojas de grife, ou  de redes mais populares, a depender do cacife.   
Nas lojas mais sofisticadas uma roupa “prêt-à-porter” pode até ser exclusiva, enquanto que nas populares os “modelitos” são feitos em série estão, em todos os tamanhos, e cores variadas. É só vestir e sair pela rua torcendo para não encontrar ninguém vestindo igual.
Toda essa conversa é muito mais dirigida às mulheres,  porque são elas as mais preocupadas com a moda. E essa coisa da moda é muito interessante. Cada estação uma novidade, não sei como, definem a cor predileta, se as roupas serão mais brilhantes ou não, se acima dos joelhos ou na altura das canelas, se os sapatos serão plataforma e as sandálias “rasteirinhas”. As mulheres ficam agitadas, todas correm para encontrar as novidades, nenhuma quer se sentir “démodé”;  querendo ser originais ficam quase sempre iguais.
           Contam que em 1808, quando D. João VI partiu de Portugal rumo ao Brasil levando  a família real, a fugir de Napoleão Bonaparte, houve uma peste de piolhos no navio.  Todas as mulheres, inclusive a Rainha e princesas tiveram que raspar a cabeça e jogar as perucas fora. No desembarque, elas se sentindo incomodadas por estarem com os cabelos raspados cobriram as cabeças com lenços ou turbantes.
As grã-finas do Rio de Janeiro, ao verem as mulheres da realeza usando turbantes, imaginaram tratar-se de “nova moda” na Europa, aderiram à novidade mais do que depressa, afinal, moda é moda.     
A curiosa passagem fiquei sabendo ao ler ao “1808” de Laurentino  Gomes, sobre a fuga da corte portuguesa de D. João VI para o Rio de Janeiro. É dele também “1822”, sobre a Independência do Brasil. O terceiro livro “1889”, trata da Proclamação da República. O autor ganhou vários prêmios: Premio Jabuti de Literatura, Melhor Ensaio de 2008 pela Academia Brasileira de Letras. É formado em Jornalismo pela Universidade Federal do Paraná, com pós-graduação em Administração pela Universidade de São Paulo, é membro titular do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo e da Academia Paranaense de Letras.

P.T.Juvenal Santos

           ptjsantos@bol.com.br

07 março 2014

Cartas Brasileiras: notas para a história da emigração penacovense para o Brasil

Capitão Arthur Cocks

Durante algum tempo persistiu a dúvida: de qual navio Maria Castanheira, da região de Penacova, e seus dois filhos (Lucília, minha sogra, e Orácio) desembarcaram em Santos no dia 6 de março de 1934. Apenas para recordar, escrevi na “carta” anterior, que no Passaporte de Desembarque constavam os carimbos de dois navios “Highland Brigade”  e  “Ruy Barbosa”.

Navio "Ruy Barbosa"  
A dúvida não existe mais. Conforme certificado, emitido em 29/01/2014, a meu pedido, pelo Arquivo Público do Estado de São Paulo, consta que chegaram pelo navio Highland Brigade, que integrava o Royal Mail Lines (Linha de Correios do Reino Unido). Diz ainda o Certificado que o navio estava sob o comando do Capitão Arthur Cocks, e que a bordo estavam  todos sob os cuidados médicos do Dr. Ernest Leach.
Ainda que nem todos os desembarques com suas listas tenham sido digitalizados ou disponibilizados para pesquisa, os arquivos digitais do Museu da Imigração   http://museudaimigracao.org.br/acervodigital são importante fonte de informação e bases para pesquisa. Tendo isso em mente, encontrei que o último desembarque do Cap. Arthur no porto de Santos se deu no dia 11/08/1940.
Acredito que a última viagem deve ter sido mesmo por volta dos anos 40, porque o Capitão aposentou-se em 1943, como comodoro, graduação na marinha de guerra inglesa, acima de capitão-de-mar-e-guerra e abaixo de contra-almirante.  Certamente, o Capt. Arthur Cocks elegantemente vestido, charmosamente fumando seu cachimbo, surgia na noite do Jantar com o Capitão, ostentando as honrosas condecorações na lapela:

Este segundo conjunto corresponde a várias condecorações recebidas por ter participado da Segunda Guerra.

A Gazeta de Londres, do dia   8 março de 1918 destaca a recomendação para honras recebidas em 31/12/1917,  assinado pelo comandante do 7 º Destroier: "Um funcionário zeloso e capaz, que tem estado desde o início da guerra, comandando, sucessivamente: " Earnest "," P-52 "e" Rother. " Atua com o seu navio com cuidado e habilidade; foi mencionado nos despachos em outubro de 1916, e é novamente recomendado pelo bom trabalho, e recomendado para o posto de Comandante”.
O Capitão Arthur, que trouxe muitos portugueses para o Brasil,  nasceu no dia 21/11/1879, em Colyton, Beer, Devon e faleceu em 16/11/1949, em Exmouth, Devon.

P.T.Juvenal Santosptjsantos@bol.com.br

Obs: as informações sobre o Capitão Arthur Cock foram obtidas no site http://www.unithistories.com/officers/rnr_officersc.html da Reserva Naval Real.

17 fevereiro 2014

Cartas Brasileiras: meteram a mão na taça

Taça Jules Rimet (1958)

A Copa do Mundo de 2014 está prestes a começar. Aqui está a maior correria, é preciso que tudo esteja pronto até lá. Temos visto manifestações nas ruas contra a realização da Copa, gente gritando atrasada, enquanto muita gente grande diz: “o Brasil” quis a Copa, então temos que dar conta do recado. Só faltava não dar.

Não foi bem o “Brasil”, ou a população que quis a Copa, foi decisão autônoma do Governo, com apoio das construtoras e da mídia, os grandes interessados. Até poderia ser verdadeiro que muitos a quisessem. Porém, com o sistema de saúde em condições precárias, sistema de transportes em verdadeira pindaíba, a segurança vivendo um enorme caos, o mundo enfrentando séria crise econômica, tudo levava a crer que não era o momento. Pior é que teremos mais gastos com Rio - Olimpíadas 2016! Com o mundo na maior crise! Era evidente que o Brasil tinha outras prioridades, e nelas não estava construir estádios. Aqui sabemos, depois da Copa muitos estádios irão se transformar em “elefantes brancos.” Mas, deixando de lado todos esses problemas, enveredo-me para um assunto mais ameno, contando um pouco de história.
Em 1958 conquistamos, na Suécia, pela primeira vez a Taça Jules Rimet. Depois, veio o “bi” em 1962 no Chile e o “tri” em 1970 no México. A terceira conquista nos garantiu a posse definitiva do troféu. A peça, obra do artesão francês Abel Lafleur, representava a Vitória com asas em forma estilizada, com os braços levantados segurando um vaso de formato octogonal. Sobre as faces da base em mármore preto havia pequenas placas em ouro, onde estavam gravados os nomes dos países campeões:  Uruguai (1930 e 1950), Itália (1934 e 1938), Alemanha (1954), Inglaterra (1966) e Brasil (1958, 1972, 1970). Medindo cerca de 30 centímetros, todo o conjunto pesava 4 quilos, sendo 3,8 quilogramas em ouro.
            O troféu  correu o país, foi exposto em praça pública, o povo fazia fila para ver a taça. Em São Paulo ela era exposta na Praça Roosevelt (ao lado da Igreja da Consolação), e ao final da tarde era levada, em um carro forte, para ser guardada na casa-forte da Matriz do Banespa; banco no qual eu trabalhava.
            Então, quando a taça chegava para ser recolhida, não havia como resistir à tentação, todos queriam tocar nela e repetir os gestos de Hideraldo Luiz Bellini, Mauro Ramos de Oliveira e Carlos Alberto Torrões, os nossos capitães. Tirar fotos nem pensar. O tesoureiro não deixou. Ah! Se existisse celular naquela época tudo teria sido registrado e postado nas redes sociais.
Pelé e a Taça Jules Rimet conquistada na Suécia em 1958.
Depois dos nossos gestos à la capitão do esquete nacional, não foram tantos mais que puderam repetir aquele gesto. Na noite de 19 de dezembro de 1983, uma segunda-feira, enquanto uma réplica estava guardada no cofre da CBF, o troféu original que estava exposto no 9° andar daquela sede foi roubado por Peralta, Luiz Bigode e Chico Barbudo, que após o roubo repassaram o produto para um argentino comerciante de ouro, Juan Carlos Hernandez, que cortou a taça em três pedaços para poder derretê-la, formar barras de ouro e vender.
E assim, o troféu disputado por tantas nações, em partidas com gosto de suor, lágrima e sangue, teve um triste fim, justamente porque caiu nas mãos de quem não poderia “meter a mão na taça.”   

P.T.Juvenal Santos 
            



17 janeiro 2014

Cartas Brasileiras: Eusébio e Cristiano Ronaldo

Eusébio &  Cristiano Ronaldo

 Não vou dizer que não gosto mais de futebol, diria que já não sou mais tão apaixonado. Que ninguém me diga que seria por causa da idade, porque os setenta anos me aguardam logo mais pelo meio do ano, até porque há muito bom velhinho ainda morrendo por causa da pelota a rolar pelos gramados.
Diria mais que se deve à violência das torcidas, se bem que isso é apenas parte do problema. Acho que a perda da identidade entre jogador e clube contribui muito mais para o desinteresse, tanto para o time do coração,  como pela Seleção.
Antes os jogadores permaneciam muito mais tempo nas equipes (aqui dizemos times), daí em seus países, e por consequência eram unanimidades nacionais na Seleção. O craque era adorado, jogasse em que time fosse, na Seleção virava deus. Hoje, há selecionado que mal sabemos por qual time teria atuado no Brasil, há uns que foram levados ainda meninos.
Meu “gostinho” maior começou em Copa do Mundo de 1958, com os deuses da bola, o jovem Pelé, Garrincha e Cia encantando o mundo. Repeteco em 1962 (Chile), com quase todos os mesmos “monstros”.
Em 1966, na Copa da Inglaterra, a bagunça começou na preparação aqui, formaram umas quatro seleções, todo mundo botando o bico, sendo que alguns jogadores entraram em campo somente com o nome, sem condições físicas, como foi o caso de Garrincha e que Pelé foi caçado em campo. Mas isso é choro de perdedor.
O que nos derrubou de forma contundente foi o timaço de Portugal, jogando a melhor de suas copas com José Pereira, Morais, Baptista, Vicente e Hilário; Jaime Graça e Mário Coluna; José Augusto, Eusébio, Torres e Simões.
O placar da Copa de 1966: Portugal 3 x 1 Brasil, com dois golos (dizemos gols) de Eusébio, um  de Simões, e o nosso  de Rildo.   
Grande Eusébio, moçambicano nascido em 25 de janeiro de 1942, em 1960 foi levado para jogar no Benfica. O craque faleceu dia 5 de janeiro de 2014, causando uma grande comoção em Portugal e no mundo esportivo.
Dias depois, a nova alegria portuguesa tratou de aliviar um pouco a dor, Cristiano Ronaldo, nascido em 5 de fevereiro de 1985, em Funchal (Madeira) foi eleito o Melhor do Mundo.
Quando estive em Portugal em 2003, estava no lobby do hotel em Leiria e via uma partida do campeonato português. Fiquei de boca aberta vendo um jovem jogando pelo time de camisa verde (Sporting). Perguntei quem é, me disseram, Cristiano Ronaldo. Falei para todos ouvirem, esse é craque. Fácil!

P.T.Juvenal  Santosptjsantos@bol.com.br


13 dezembro 2013

Cartas Brasileiras: ainda o tema da emigração de penacovenses para o Brasil


Um dos navios da minha  sogra

Contar como famílias portuguesas vieram para o Brasil, falar sobre aqueles que deixaram Penacova para fazer a América é também contar um pouco da história da nossa gente. Na carta anterior falei sobre o navio que trouxe meu avô português, na de hoje falarei sobre o da avó  que adotei, por ser a da minha mulher.

O Highland Brigade

E, mudando o curso, falarei sobre o navio de minha sogra, porque ela veio com a mãe e o irmão, desembarcando em Santos no dia 6 de março de 1934. Veio mesmo de navio, como está comprovado, o que me impede de dizer a asneira de que teria vindo montada em uma vassoura, como dizem os genros desalmados; não ela, especialmente ela.
 
O interessante é que, como se observa no documento aqui já publicado em carta anterior, no Passaporte de Viagem contam dois navios: Highland Brigade e Ruy Barbosa. Segundo ela, a data da  viagem, depois de tudo pronto, foi alterada, talvez por isso constem os nomes de dois vapores, porque não trocaram de navios, nem na parada ocorrida em Recife (Pernanbuco- Brasil).
 
Sobre o vapor inglês Highland Brigade, reproduzo fragmento extraído do livro “O ano da morte de Ricardo Reis”, do famoso escritor português José Saramago:

“...Um barco escuro sobe o fluxo soturno, é o Highland Brigade que vem atracar ao cais de Alcântara. O vapor é inglês, da Mala Real, usam-no para atravessar o Atlântico...enfim entrará o Tamisa como agora vai entrando o Tejo, qual dos rios o maior, qual a aldeia.”
 
Como era o vapor? Deixemos que o mesmo Saramago nos diga:

“ Não é grande embarcação, desloca catorze mil toneladas, mas aguenta bem o mar, como outra vez se provou nesta travessia, em que, apesar do mau tempo constante, só os aprendizes de viajante oceânico enjoaram, ou os que, mais veteranos, padecem de incurável delicadeza do estômago... provido de tombadilho espaçosos para sport e banhos de sol, pode-se jogar, por exemplo, o cricket, que, sendo jogo de campo... Em dias de amena meteorologia ...é jardim de crianças e parada de velhos, porém não hoje, que está chovendo e não iremos ter outra tarde...”
 
Possuía acomodação para 150 passageiros na 1ª classe, 70 na segunda, e 500 na 3ª, na qual vieram Vó Maria com os filhos: Lucília (a sogra), com 6 anos e Orácio (como grafado) com 4 anos, que partindo de Povoa da Figueira, passaram por Souselas, de trem para o Porto onde embarcaram rumo a  Lisboa, desembarcando em Santos (Brasil).  

Em 1940, e durante a II Guerra Mundial foi transformado para transporte da tropa inglesa. Com o fim da guerra voltou aos antigos proprietários, vendido em 1959 para um armador grego, passou a se chamar Henrietta, fazendo rotas entre Gênova e Austrália, posteriormente foi rebatizado de Marianna em 19660, e finalmente, em 1965 foi levado para ser demolido no estaleiro de Kaohsiung, em Taiwan.

Sobre o outro navio falarei em outra carta.

Abraços  - Paulo T J Santos – ptjsantos@bol.com.br

15 novembro 2013

Cartas brasileiras: o navio do meu avô português


O navio Sierra Morena que em 1928
 transportou Manuel Castanheira, emigrante de Figueira de Lorvão

Se botarmos atenção nos documentos que ilustraram a carta anterior (Matar a cobra e mostrar o pau), mais precisamente no Passaporte de Imigrante do meu avô Manuel Castanheira, de Figueira do LorvãoPenacova, que já disse por parte de minha mulher, vê-se que tendo partido de Lisboa em 13/11/1928, desembarcou em Santos, no dia 29/11/1928, como se observa no carimbo da imigração.

Pode-se ainda notar que no passaporte existe a identificação do navio, Sierra Morena; curiosamente, o nome hispânico nada tem a ver com a origem do navio.
 
Valendo-me do site do Governo do Estado de São Paulo, http://memorialdoimigrante.org.br/ pude verificar que o navio Sierra Morena era um navio alemão, da companhia Norddeutscher Lloyd (ND), construído 1924, em Bremer (Alemanha), com 11 430 toneladas, com capacidade para transportar 1 100 passageiros, cuja empresa foi fundada e 1857, tendo sido uma das mais importantes companhias de navegação alemã do final do século 19 e início do século 20.
Der Deutsche, resultado da remodelação do Sierra Morena
Despertada em mim a curiosidade, avancei um pouco mais pela internet, descobrindo que em 1928 o navio atracou nos portos de  Bremen (Alemanha), Boulogne (França), Vigo (Espanha), Lisboa (Portugal), Madeira (Portugal), Rio de Janeiro (Brasil), Santos (Brasil), Montevideo (Uruguai,) e Buenos Aires (Argentina).

Com a Segunda Guerra Mundial, passou-se a chamar-se  Der Deutsche, tendo sido remodelado, fazia cruzeiros organizados pelo Partido Nazista – Programa Força na Alegria. No final da guerra, foi “apropriado” pela Rússia, e de 1947/1949 passou a integrar da linha Ásia, com bandeira soviética. A partir de 1950 atuou apenas em águas do extremo oriente, entre Valdivostok e Kamchatka, até 1970, quando deixou de operar.   

Na internet há inúmeras referências sobre navio, inclusive com fotos. Não tendo como saber qual a fonte original, resta-me a citar pelo menos uma, dando assim os créditos pelas imagens.


Paulo Santos - S. Paulo

28 outubro 2013

Cartas Brasileiras / Matar a Cobra e Mostrar o Pau...

Nota do Penacova Online:
 
O nosso primeiro contacto com Paulo Santos foi através de um e-mail que recebemos do Brasil pedindo esclarecimentos sobre a Senhora da Moita, em Gondelim, e sobre o Montalto. A partir daí fomos trocando impressões sobre Penacova e região . É que a  esposa deste nosso amigo  tem raízes no nosso concelho. Por outro lado, foi com muito agrado que tomámos contacto e colaborámos na revisão de uma novela  que está quase pronta a ser publicada. Um livro que faz muitas referências a Gondelim e a outros locais da nossa região e inclui desenhos aguarelados sobre o concelho de Penacova. Este livro poderia muito bem vir a ser uma edição luso-brasileira. Quem sabe isso venha a ser possível. De tudo isto surgiu também a ideia da publicação regular das "Cartas Brasileiras".
Na crónica de hoje, Paulo Santos faz precisamente referência aos  antepassados (avós) de sua mulher, oriundos de Lorvão e Figueira de Lorvão e de Carvalhal de Mansores e Gondelim.
 

Matar a cobra e mostrar o pau

Pesquisando pela Internet não encontrei qual seria em Portugal a expressão correspondente ao ditado popular empregado no Brasil, título desta Carta Brasileira, ou se seriam idênticos, cá e ai e se com igual significado. Aqui, do lado Oeste do Oceano Atlântico, significa: comprovar o que se fez, dar provas do feito ou do dito.
 
Cartas Brasileiras é fruto da proximidade entre os daqui com os daí, mais precisamente, com as pessoas de Penacova e seus arredores, não por parte de quem vos escreve, mas pela de minha cara-metade, cujos pais são também dos arredores, mas isso deixo para outra carta.
  
E tendo matado a cobra, ao afirmar que os parentes são de Penacova, mostro os paus, comprovando, apresentando documentos; passaporte de viajante da Avó Maria e passaporte de emigrante do Avô Manoel, ambos de Figueira de Lorvão,  e registros de nascimento do avô Eduardo (Carvalhal - 1897), e da avó Maria Assumpção (Gondelim- 1898).

Abraços do Brasil.

P.T.Juvenal Santos

 

As raízes em Gondelim e Carvalhal:

Assento de Nascimento de Maria, nascida em 1898 em Gondelim,
filha de Maria Rosa da Assumpção.
 
Assento de Nascimento de Eduardo, filho de Felicidade da Silva,
nascido em Carvalhal, tendo como padrinhos
Alípio Barbosa Leite e Elisa da Conceição Leite.
Repare-se que o Prior era na altura o irmão do Deão Leite.
 

A ligação a Lorvão e a Figueira de Lorvão
 
Passaporte de Manuel Rodrigues Castanheira
, natural da freguesia de Lorvão (1928)  
Passaporte de Maria Rodrigues, natural de Figueira de Lorvão  (1933)  


 

11 outubro 2013

A crónica, ainda que efémera, vive...

CARTAS BRASILEIRAS

A libélula e a crônica

Das aulas de biologia nos tempos de colégio, e isso já beira meio século, martelam ainda em minha cabeça denominações da botânica, angiospermas, gimnospermas, briófitas e piteridóficas. Dos estudos da genética, lembro-me das drosófilas, uma espécie de mosca.
 
E nesses voos solitários, quase sempre noturnos, recordo-me de um artrópode interessante, as libélulas, que com a leveza de um balé, tocam as águas dos córregos, lagos e rios.
 
Como os românticos e sonhadores, o macho da libélula é tido com um inseto efêmero, de vida curta, morre logo após o acasalamento, pertence à ordem dos Efeméridos; palavra de origem grega que significa curto, que dura apenas um dia
 
Nos dias de hoje, diante da velocidade dos acontecimentos e da dinâmica da informação, com notícias transmitidas “online”, no momento em que acontecem, parece claro que os jornais impressos estão com os dias contadas; outras midias que se cuidem!
 
O jornal chega pela manhã trazendo as notícias, passa o dia sobre a mesa, algumas vezes pelo chão. Quando chega a noite, ou no máximo na manhã seguinte vai para a pilha de jornais velhos; fica velho de um dia para o outro.
 
E a crônica! Coitada, mal vive um dia, lida torna-se página virada, ultrapassada e velha, ninguém mais quer saber dela.
 
Ainda assim o cronista não desiste, como o romântico sonhador, quem sabe o vaivem dos dedos pelo teclado, no momento da composição do texto, o faça lembrar do balé da libélula e do macho.  Então, segue escrevendo, porque a crônica ainda que efêmera, vive.
P.T.Juvenal Santosptjsantos@bol.com.br
 
NOTA: o título do post é do Penacova Online

03 setembro 2013

Cartas Brasileiras: um espaço que vai continuar no Penacova Online

Durante estas semanas de paragem, recebemos, via postal, uma simpática carta do Brasil, onde não faltou o pormenor de escolher selos significativos para aquele país, nestes últimos tempos. Ainda antes de definir o novo esquema de conteúdos que anunciámos em Julho, aqui fica a mensagem do já amigo de Penacova Paulo Santos, de S. Paulo.
 




 

22 junho 2013

Cartas Brasileiras: Arroz com Feijão



"Arroz com feijão”

No Brasil, para dizer que algo é corriqueiro, fácil, comum, do dia a dia, existe a expressão “é arroz com feijão”, porque a dupla de alimentos é uma constante na nossa mesa.
Deixando de lado a comida mais sofisticada e regionalismos,o feijão desde há muito tem estado presente na culinária doméstica. O arroz veio para cá em 1808, junto com a Coroa Portuguesa.
O prato é tão apreciado e comum, que muitos sentem sua falta depois de alguns dias fora de casa, ainda que desfrutando as delicias das cozinhas regionais do nosso Brasil, ainda que na Europa ou América.
O sentimento de falta se dá mesmo estando no Brasil, creio que muito mais pelo tipo de feijão. Para nós paulistas, uma semana maravilhosa no Rio de Janeiro é suficiente para que sintamos saudade do feijão vermelho, porque o feijão preto dos cariocas nos basta nas tradicionais feijoadas das quartas ou sábados (feijoada acompanhada pelo arroz).
A famosa dupla  (Arroz com Feijão) não tem nome próprio, a não ser no aconchegante e alegre nordeste Lá existe o "Baião de dois", arroz e o feijão preparados juntos, mais arroz do que feijão, regados com manteiga de garrafa. Contudo, passados alguns dias, mesmo com o forró (dança, ritmo e música local) queimando o pé, já chega.
Estando na Europa a situação ficar pior, com a barriga roncando de fome pela comida de casa. Em uma das viagens, depois de atravessarmos a fronteira Espanha-Portugal, em um restaurante do lugar chamado Vila Verde de Ficalho, o gentil casal de proprietários nos serviu arroz, feijão com toucinho e torresmo, fritas e bife acebolado!
Nos Estados Unidos, mais precisamente na Flórida, destino preferido de muitos brasileiros, ninguém mata cachorro a grito. Pode-se encontrar com facilidade arroz com feijão, como o "Gallo Pinto", feito com feijão vermelho, comida típica da Nicarágua e Costa Rica. O prato vem  acompanhado com  carne assada ou "desmenuzada" (desfiada), "maduros" fritos (banana frita), tajada (banana fatiada desidratada e frita) e queijo assado.
Na cozinha cubana, feito com feijão roxo e arroz, há os "Moros y Cristianos" (mouros, os povos bárbaros de pele morena, como o feijão e os cristãos de pele branca). Também de Cuba, o Congrí, feito com feijão preto. Os porto-riquenhos oferecem o "Arroz con habichuelas", El Salvador o "Casamiento" (arroz a noiva e o feijão preto o noivo).
A variedade dos nomes desse combinado pode vir da denominação que o feijão recebe em cada região: frijoles na Costa Rica, Cuba, El Salvador, Guatemala, Honduras, México e Nicarágua, habichuela em Porto Rico e Colômbia, chaucha na Argentina, Paraguai, Uruguai, poroto no Chile e caraota na Venezuela.
Puxando a sardinha para a minha brasa, diria que arroz com feijão imbatível era o da casa da minha meninice; um mexidinho preparado na frigideira com alguma sobra do almoço, abobrinha, batata, mandioca cozida, se sobrasse, quando não, apenas os "astros" com um pouco de farinha e um ovo quebrado por cima e mexido. Santo Deus!
 
ptjsantos@bol.com.br

 




26 abril 2013

Cartas Brasileiras: Expressões Populares

 
Em Cartas Brasileiras I, publicada neste blog em 3 de setembro de 2012, que abriu o espaço para este brasileiro tão distante, falei da ousadia em escrever as cartas, sabendo da existência de peculiaridade entre “as nossas línguas”; tão iguais e tão distintas.

Dificuldades que podem dificultar o entendimento, principalmente quando escrevemos utilizando expressões populares. Pouco sei das expressões daí, como não sei quais daqui têm ai o mesmo entendimento. Na Carta de hoje, escreverei utilizando em grande parte expressões populares daqui. Se algumas não forem entendidas, poderei explicá-las, de bom grado, caso postem comentários no blog. Vamos lá:     
Era uma tarde "com sol de rachar mamona". Sentado na arquibancada, enquanto aguardava a entrada do meu time em campo, "peguei de orelhada" um "rabo de conversa" que vinha pelas minhas costas. "Dei uma de migué", olhei para trás, eram pai e filho; "cara de um focinho do outro". Sem querer "dar com a língua nos dentes", diria que o fulano "falava pelos cotovelos", o jovem "atento como coruja". A vida, dizia o pai, não estava para "amarrar cachorro com salsicha", e "dar milho para bode".  E advertiu o filho: "vai chover sopa e estará com garfo na mão”, “pego de calças curtas”. E não me diga que estou “procurando pelo em ovo!” Parece que tem “minhoca na cabeça”, “a república” está  “uma zona”, “de pernas para o ar”! E prosseguiu na bronca: “acertei na mosca” aqui, “te peguei  no pulo”, com a “boca na botija”. Não estuda, se acha  com "memória de elefante", quando "cair na real" verá que  "a vaca já foi pro brejo", não vai conseguir "tirar leite de pedra. Para mim chega, “vou chutar o balde", prometo, vou "chegar junto", não sou de ficar "cheio de dedos" para mim foi "a gota d'água". "Vá lamber sabão" e "pentear macaco". Ou acha que vou "pagar o pato",  enquanto o "belezão" vive "galinhando" e "entortando o bico"! Se não "entrar na linha" o "pau vai quebrar". 
A gritaria dos torcedores, quase me impediu de ouvir quando disse: "ponha a barbas de molho" porque se "pisar na bola”! A vida "não é essa gelatina" que você pensa. Outra coisa, mude as companhias, deixe aquele "mala sem alça", "amigo da onça". Mande-o  "chupar prego até virar tachinha". Já fiz minha parte, "dependurei a chuteira". Não me virei mais do que "azeitona em boca de banguela" para o "folgado" ficar de "papo para o ar", "cozinhando o galo", enquanto me "enfiam a faca"na Faculdade! Puxa vida, disse o pai, bem agora, tenho que "tirar água do joelho". E foi.

 P.T.Juvenal Santos

24 março 2013

Cartas Brasileiras: Do Outro Lado do Rio

Iporanga é uma pequena cidade localizada no Vale do Ribeira, banhada pelo Rio Ribeira de Iguape, em uma das regiões mais pobres do Estado de São Paulo, estado mais rico do Brasil.

Meu pai era iporanguense, dai minha ligação com a cidade.

As primeiras ocupações do lugar se deram em meados de 1576, com a formação do Garimpo de Santo Antônio, a oito kilômetros da foz do Ribeirão Iporanga, que desemboca no Ribeira de Iguape.

Seguiu-se a exploração do ouro. Era tanto o ouro que a igreja tem os sinos fundidos na Europa com o brasão do Império.

A extração trouxe mais gente, a fixação se deu  em pequenos núcleos,  com atividade agrícola de subsistência, cana de açúcar e cereais; depois, arroz, mandioca, mais tarde as plantações de banana. 

 
VEJA AQUI UM VÍDEO
 
É uma cidade com muita religiosidade. Anualmente, em 31 de dezembro é realizada a Festa de Nossa Senhora do Livramento, quanto a imagem desce o rio em uma balsa, em romaria, acompanhada por canoeiros. Devotos acompanham a descida em bóias feitas com câmaras de ar de pneu de caminhão. No final da festa a Santa sobe o rio na balsa, levada para a capelinha onde fica até o próximo ano.  A balsa é desmontada. Iporanga tem 2.032 habitantes na cidade e 2.702 na zora rual.

As casas de Iporanga da minha infância eram iluminadas apenas durante pouca parte da noite. Era uma luz amarela fornecida por um gerador a diesel.  Nos finais de tarde, quando o dia ia morrendo  e a noite chegava, sentava-me, com meu irmão, nas escadarias da igreja para ver as estrelas nascerem. Íamos contando uma a uma, conforme eram encontradas.

Cinco, gritava eu! Seis, respondia. Veja  aquelas pequeninas lá! Sete! Oito! Nove!. Assim prosseguíamos, até que de repente, na quase completa escuridão da noite, podíamos contemplar o céu repleto de estrelas, espetáculo que hoje somente pode ser visto bem longe das luzes das cidades. Às vezes, tirávamos os sapatos, deles fazíamos almofadas para apoiar as cabeças; deitados de barriga para cima, podíamos contemplar melhor a beleza. Nossos pais, juntamente, com nosso avô, ficavam dando voltas pela igreja. Quando mamãe via que estávamos deitados no chão, ensaiava uma reprimenda, no que era contida pelo sogro. Ele, muito calmo e com um sorriso no rosto, demonstrava adorar as peraltices dos netos. A dos filhos nunca aceitara; como todo  avô.

A Iporanga de hoje iluminada pelo progresso tem as estrelas do céu quase apagadas. Recentemente, quando lá estive, para que pudesse ver, novamente, o espetáculo da noite estrelada, atravessei a ponte para cruzar o rio, fui um pouco além da cidade. De lá pude sentir o mesmo deslumbramento da infância. Pude contar as estrelas, até mesmo identificá-las. Deitei-me na grama de barriga parar cima, sem me preocupar com o pito de minha mãe. Ela não estava mais lá, quem sabe fosse a estrelinha mais brilhante. Meu avó também não estava lá.  Nem mesmo meu pai. Ele, depois da longa caminhada percorrida, preferiu ficar descansando, sentado no banco da praça da igreja, aguardando que eu retornasse do outro lado do rio.

P.T.Juvenal Santos

08 fevereiro 2013

Cartas Brasileiras: A Ditadura e a Música

Os regimes totalitários, ditaduras, governos de exceção, ao reprimirem a livre expressão popular se transformam em campo fértil para a criação dos artistas, na música, no teatro, no cinema e na literatura.
Se a regra é geral, imagem quanto o povo oprimido conta com uma casta de compositores e autores, como nunca parece ter existido, todos de uma só vez, em uma mesma geração! Assim se deu no Brasil; manifestações caladas pelo Regime Militar que imperou de 1964 a 1985, criações de uma geração de ouro. Deu no que tinha que dar, muita gente tendo que fugir “num rabo de foguete” (avião)
Para não serem presos os artistas deixaram o país, uns fugindo mesmo, outros foram “convidados” a fazê-lo. Não vou escrever muito para mostrar a imagem do Brasil naquela época, se uma imagem vale mais do que mil palavras,  vale muito cantada.
No começo da ditadura brasileira, a exemplo do Festival de Cannes (França) aqui também eram realizados festivais; a censura era ainda leve, o povo estava começando a experimentar o novo regime.
 
 A Banda  (Chico Buarque) – Intérprete: Chico Buarque

A BANDA clique na imagem para aceder a vídeo
No primeiro festival (1966) realizado pela TV Record (SP), venceu a maravilhosa, nostálgica e bucólica “A Banda”, de Chico Buarque, cantando um tempo maravilhoso, tempo de saudade, não como o tempo que então se vivia. A beleza da música não permitiu que “vissem” a verdadeira mensagem.

 Disparada (Téo de Barros – Geraldo Vandré)  1966 – Intérprete: Jair Rodrigues 



DISPARADA  clique na imagem para aceder a vídeo
Em segundo lugar, “Disparada”, com mensagem mais direta: “e no sonho que fui sonhando, as visões se clareando... até que um dia acordei... porque gado a gente marca, tange ferro, engorda e mata, mas com gente é diferente; se você não concordar não posso me desculpar, vou deixar você de lado, vou cantar em outro lugar”.

 Sabiá ( Chico Buarque – Tom Jobim)  - Intérprete: Quarteto em Si


SABIÁ  clique na imagem para aceder a vídeo
Em 1969, no Festival Internacional da Canção, promovido pela TV Globo, da qual já se dizia ser a “voz do regime”, venceu Sabiá de autoria de ninguém mais do que dos “adorados” e “venerados” Chico Buarque e Tom Jobim. O vídeo mostrará a reação do público, gritando “marmelada”, que no Brasil, além do doce feito com o marmelo, quer também dizer  conchavo, acordo, conluio; queriam a música de Vandré.

Pra não dizer que não falei de flores  (Geraldo Vandré) 1968 – Com Geraldo Vandré



P´RA NÃO DIZER...
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Era a música preferida do público; dizem que a censura  assim não quis. Vandré provoca o poder a partir do título da música, porque nela ele até fala de flores. A música é também conhecida como “Caminhando”. A repressão calava o povo que ficava a esperando que alguma coisa pudesse acontecer.
Então cantou Vandré
“vem vamos embora que esperar não é saber, quem sabe faz a hora não espera acontecer.” 
Depois do festival a música foi proibida; Vandré teve que ir embora, quando voltou, com o fim da ditadura, nunca mais cantou. Já havia cantado “o necessário”.                       
 
Apesar de você – Chico Buarque – 1970 – Intérprete: Chico Buarque & MPB4  
APESAR DE VOCÊ
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Chico Buarque teve ser o compositor com mais músicas proibidas, porque censuradas pelo regime. Contudo, nem sempre o censor captava de “primeira vista” o verdadeiro significado da poesia. Foi o que aconteceu com “Apesar de você”. Quem ouve a música, hoje, terá a nítida impressão de que ela fala sobre as mágoas de um jovem com a amada. Não é disso que se trata a música. Apesar de você presidente, amanhã há de ser outro dia.
Era puro protesto. O final genial diz: “você vai se dar mal, etc. e tal”. Esse “etc. e tal” é tudo aquilo que Chico gostaria de dizer, em palavras de baixo calão, que cada um imagine quais seriam conforme os costumes locais.    

Meu caro amigo (Chico Buarque. Francis Hime) – Intérprete: Chico Buarque


MEU CARO AMIGO  clique na imagem para aceder a vídeo
Nessa música, novamente a genialidade de Chico, na gostosa música de Francis Hime. Como já dito, muitos haviam ido embora do Brasil, obrigados ou “aconselhados”; no exterior se encontravam os integrantes da  fina nata da música brasileira. Chico que também teve que partir, compôs músicas assinando  Julinho de Adelaide, tentando ludibriar a censura, sempre atenta ao nome dele. Em “Meu caro amigo”, Chico envia mensagens ao amigo  e compositor Augusto Boal,  outro exilado.
Diz ele: “ aqui na terra tão jogando futebol, tem muito samba, muito choro, rock’n... mas o que eu quero-te dizer é que a coisa aqui ta preta.” (Aqui estar preta significa dizer que está feia). Fala sobre a censura: “acontece que não pode te contar as novidades”. E outro trecho: “quis até telefonar, mas a tarifa não tem graça”.  E fala da censura no Correio. 
 
Cálice – (Chico Buarque – Gilberto Gil) –Intérpretes: Chico e Caetano Veloso

CÁLICE  clique na imagem para aceder a vídeo

O titulo é trocadilho, cálice por outra expressão com mesma sonoridade: cale-se.
 
O Bêbado e a Equilibrista 1978(João Bosco, Aldir Blanco) –Intérprete: Elis Regina


O BÊBADO ....clique na imagem para aceder a vídeo
A música se tornou o hino da abertura.


Caía a tarde feito um viaduto

E um bêbado trajando luto

 Me lembrou Carlitos

A lua, tal qual a dona do bordel

Pedia a cada estrela fria

 Um brilho de aluguel.

E nuvens, lá no mata-borrão do céu

Chupavam manchas torturadas,

que sufoco!

Louco, o bêbado com chapéu-coco

Fazia irreverências mil pra noite do Brasil

Meu Brasil!

Que sonha com a volta do irmão do Henfil

Com tanta gente que partiu num rabo de foguete.

Chora a nossa pátria mãe gentil

Choram Marias e Clarisses no solo do Brasil.

Mas sei que uma dor assim pungente

Não há de ser inutilmente, a esperança

Dança na corda bamba de sombrinha

E em cada passo dessa linha pode se machucar.

Azar, a esperança equilibrista

Sabe que o show de todo artista

Tem que continuar...

A mesma música na interpretação do autor, ou do público, porque, na verdade ele pouco canta.


O BÊBADO  clique na imagem para aceder a vídeo
 
Abraços a todos.

P.T.Juvenal Santos -  ptjsantos@bol.com.br