21 julho 2020

Uma prenda para Penacova nos 80 anos do “Ténis”


A história do campo de “Ténis” de Penacova começa em 1940 (e não na década de 50 como foi dito recentemente aquando da inauguração das obras de requalificação). Antes disso naquele local o que existia era apenas um terreno de cultivo, por vezes montureira de lixo, onde, de acordo com informação de Vasco Viseu, em 1956, no Notícias de Penacova, afloravam vestígios de robustas paredes que em tempos recuados teriam sido construídas para dar lugar a um edifício destinado a Teatro, o que, obviamente,  nunca se concretizou. 

Por volta de 1940 foi António Feliciano de Sousa - o mesmo que nos anos 50 mandou construir o “Moinho do Aviador" -  o principal impulsionador da construção de um campo de Ténis em Penacova. Filho de um professor de Gondelim, José Júlio de Sousa Henriques, exercia a profissão de solicitador no Porto. Pessoa “capaz de ideias desempoeiradas, tudo sacrificou para que a ideia não fosse para o cesto dos papéis velhos”, assumindo a maior parte do custo da obra, salientam os jornais da época. 

Também Alípio Barbosa esteve envolvido no projecto. Nestas coisas, como se costuma dizer, “está tudo ligado”: na altura quem era o Presidente da Câmara? Era Alberto Alçada, seu genro, ambos ligados, como se sabe à Cerâmica Estrela d’Alva. Conta mais tarde (em 1957) Oliveira Cabral que certo dia Feliciano de Sousa lhe havia mostrado as contas discriminadas da construção do campo de ténis. Aquele pedagogo e jornalista, que foi um dos mais célebres aristas, também vivia no Porto. E foi precisamente daquela cidade que vieram os tenistas profissionais para dar brilho à inauguração, onde não faltou uma instalação sonora, montada pelo dono da Ideal Rádio, Júlio Silva, também da capital do Norte. 

Em Agosto de 1940 já se noticiava que os trabalhos estavam avançados e enaltecia-se a localização e a pertinência de tal obra: “A sua situação magnífica é invejável. A sua falta fazia-se sentir numa terra tão visitada pelos turistas e tão movimentada no Verão pelas pessoas que desejam descansar uns dias nesta deliciosa estância como é Penacova-a-Linda”. 

A inauguração teve lugar no dia 29 de Setembro daquele ano, domingo, integrada na Festa dos Bombeiros. No programa dos festejos, de sábado a terça, destacava-se também uma Récita ensaiada e organizada por Raimunda Martins de Carvalho e provas de ciclismo onde marcaram presença o “afamado corredor de Chelo”, José dos Santos Ralha (homenageado em 2014 na Gala do Desporto) e Antero Maia. 

No entanto, o Campo de Ténis, como tal, poucas vezes terá funcionado, ao ponto de Oliveira Cabral achar que não se justificava aquela designação, atendendo a que apenas uma vez se jogou ali “a preceito” e poucas mais “de qualquer maneira”...

Passados pouco mais de dez anos, já na imprensa local se dizia que as escadas de acesso estavam uma “vergonha” e perguntava-se por que não se reparavam e sugeria-se que ali fosse construído um palco “para dar uma récita ao ar livre”, pois “o Ténis” seria “um dos lugares onde se podiam realizar boas festas.” A ideia de construção de uma piscina foi também equacionada e perante a sua inviabilidade avançou-se, em 1956, com a proposta de um campo de patinagem. 

Nesse ano, o agora também designado “Parque Municipal”, teve obras de beneficiação a expensas de Abel Rodrigues da Costa. Foi construída uma “ampla e cómoda escadaria de acesso ao primeiro piso” e outros arranjos (por exemplo, vedação com muro ao lado da estrada), e foi colocado um “portão condigno”. 

Os anos passaram e o espaço foi-se degradando. Lendo as memórias de Luís Amante e de Pedro Viseu, publicadas no Penacova Actual, recordamos que o "ténis" foi local de eleição para os jovens da vila (e estudantes que foram passando por Penacova) jogarem futebol, namoriscarem, jogarem matraquilhos, “flippers”… Recordam-nos ainda que aqui actuaram os GNR e os SITIADOS, que teve restaurante-bar, escorregas e baloiços. No fundo, serviu um pouco para tudo: para a vacinação de “canídeos”, para a instalação de pavilhões pré-fabricados da “Escola Secundária”, para bailes, para festas. Por fim encerrou “durante anos, muitos e demasiados anos” – desabafa Pedro Viseu. 

Finalmente, chegou a hora de a Câmara Municipal de Penacova, presidida por Humberto Oliveira, avançar, no âmbito do PARU (Plano de Ação de Regeneração Urbana) com a requalificação do icónico “Parque Municipal (Ténis)”, revitalizando assim “um dos históricos espaços públicos de eleição das gentes de Penacova, que por incúria, falta de manutenção ou até pela dificuldade de conter a exigente topografia acentuada que o caracteriza, foi deixado ao abandono.” 

A obra implicou um investimento de cerca de 500 mil euros estando previstos mais 100 mil para a colocação de telas de sombreamento. 

A inauguração deste renovado espaço teve lugar no dia do feriado municipal (17 de Julho de 2020) com a presença da Ministra da Coesão Territorial, Ana Abrunhosa, 80 anos depois de ter sido iniciado naquele local um sonho que ainda hoje perdura: acrescentar às singulares belezas naturais o poder da acção e do querer dos penacovenses em prol do seu bem-estar e daqueles que nos visitam. 

11 julho 2020

Nudismo em Penacova?




Pois é verdade. E hoje podemos garanti-lo, o nudismo continua na ordem do dia por esse mundo além, parece que cada vez com maior número de adeptos. O que nós não calculávamos é que a nossa terra, apesar do seu actual progresso, chegasse tão depressa a tal civilização.

É um facto, caros leitores. Em Penacova, neste decantado rincão de Portugal à beira rio plantado, onde a mãe Natura foi pródiga em benesses de encanto e maravilha, onde o ar que respiramos tem perfumes de inebriante odor, onde o sol tem mais luz e o luar maior claridade, neste altar maravilhoso que Deus fez talvez para ser o primeiro degrau nas escadas do céu a civilização atingiu o auge.Em Penacova pratica-se escandalosamente o nudismo.

Estamos a ver o pasmo dos nossos leitores. A máscara de um sorriso incrédulo desenhando-se-lhes no rosto.

-Será verdade?

É verdade sim senhores. E se querem a confirmação do que dizemos, vão até ao Mirante, ao fim da tarde, à hora apetecida do banho e…olhem lá para baixo, para o Mondego, manso e sereno…

Chamamos, para esta falta de vergonha, a atenção das autoridades administrativas deste concelho.

A nossa terra, por enquanto, dispensa tais manifestações de progresso e civilização.

in Jornal de Penacova,16 Jul 1932



Entardecer(es) em Penacova

21 junho 2020

Pneumónica de 1918: em Penacova, como foi?

Entrou na Europa entre Abril e Maio de 1918. Espalhou-se rapidamente, apesar de numa fase inicial se ter apresentado com alguma benignidade, pelo que as autoridades não lhe prestaram a atenção devida. No entanto, nos meses de Setembro, Outubro e Novembro, revelou a sua agressividade. Falamos da “gripe pneumónica”, também conhecida por “gripe espanhola” e por “influenza”.

No distrito de Coimbra foi na Figueira da Foz que nos inícios de Julho se manifestou, tendo a partir de Setembro adquirido feições muito graves. Nos finais daquele mês já era Góis que registava alguns casos que em poucos dias aumentaram, lançando o caos no concelho. Segue-se Arganil, Tábua, Penacova, Cantanhede, Coimbra, Pampilhosa da Serra, Montemor… enfim, nenhum concelho escapou à pandemia, ao ponto de a imprensa ter dito que por todo o distrito a pneumónica caíra “que nem um vendaval que tudo destrói”. 

De modo a não agravar ainda mais o clima de medo e de angústia, os sinos deixaram de tocar a finados. As escolas foram encerradas e nelas foram instalados hospitais provisórios, como foi o caso de S. Pedro de Alva. Na Universidade de Coimbra o arranque das aulas foi adiado. 

Em Portugal, as vítimas mortais terão sido, segundo os números oficiais da época, cerca de 50 mil, mas há quem aponte para um número que ronda os 135 mil. Terá infectado entre um quinto e um terço dos cerca de seis milhões que então compunham a população residente, ou seja, entre 1,2 e 2 milhões de portugueses, com a particularidade de ter atingido especialmente a população em idade activa, entre os 20 e os 40 anos. A nível mundial a pandemia matou cerca de cinquenta milhões! 

E no concelho de Penacova? Cremos que nenhum estudo aprofundado foi feito e a sensação que temos é que (no País e também aqui) não percebemos porquê, este momento trágico (que matou muitos, mas muitos mais portugueses do que a I Grande Guerra) parece ter sido desvalorizado nos compêndios de História. 

Tendo por base a consulta dos livros de registos de óbitos, concluímos que em apenas um mês e meio (de finais de Setembro a meados de Novembro) foram cerca de 50 pessoas que não resistiram à fatal pandemia. Dias houve em que se registaram 3 óbitos (10,16 e 29 de Outubro e 1 de Novembro). Falamos apenas dos casos em que expressamente está registada a causa da morte. Se analisarmos o número de óbitos entre 1911 e 1925, não contando com 1918, obtemos uma média anual de cerca de 330. Ora, em 1918 temos 739 registos! Outras causas de morte eram a tuberculose e a bronco-pneumonia, que provavelmente se agravaram por influência da gripe pneumónica. É arrepiante também o número de crianças que morriam em tenra idade e não só, bem como o de mulheres muito jovens que deixavam órfãos e viúvos na sequência de gestações e de partos sem qualquer assistência médica e hospitalar.

A freguesia de Penacova (neste período analisado) é a que praticamente concentra a totalidade dos casos. Um olhar rápido pelos 12 meses do ano aponta para a conclusão que, de facto, o restante concelho não foi assim tão severamente fustigado, apesar de haver notícia de que em S. Pedro de Alva foi montado um hospital provisório.

Na vila de Penacova registaram-se 14 óbitos, seguindo-se Carvalhal (5) e Ponte (4). Outros lugares da freguesia foram atingidos: Riba de Baixo, Gondelim, Cheira, Travasso… Na sede do concelho, houve famílias que em poucos dias viram desaparecer dois elementos: filha, de 31 anos, no dia 8 de Outubro e pai, de 70 anos, uma semana depois.

No global, a mortalidade foi maior nas mulheres (60%). No sexo masculino, o grupo etário mais atingido foi dos 0 aos 20 anos e no sexo masculino foi dos 20 aos 40. Assim, a média de idades nos homens foi de cerca de 22 anos e nas mulheres de 34 anos. A vítima mais nova terá sido um menino de 2 anos residente no Belfeiro. Os mais velhos tinham 70 anos (um na Vila e outro no Carvalhal). 

Naquele período (27 de Setembro a 8 de Novembro) outras localidades vestiram de luto: Vale de Lagar, Ronqueira, Casal, Felgar, Hospital, Chã, Belfeiro, Chelo, Monte Redondo, Boas Eiras, Oliveira do Mondego e Paredes…

Numa época em que a I Grande Guerra apenas estava em vias de terminar, em que o país vivia tempos políticos muito conturbados, em que havia falta de médicos (o concelho teria apenas um facultativo na altura) imagine-se o quanto Penacova (a par de outros concelhos e de todo o país) terá sofrido, quer em termos emocionais, quer em termos sociais e económicos. 

Para todos os que não resistiram, para todos os que sobreviveram e tiveram de enfrentar as dificuldades e para todos os que, de algum modo, labutaram para suavizar tantas feridas, vai a nossa respeitosa homenagem, cem anos depois, neste momento em que estamos a ser confrontados com outra pandemia que ameaça a nossa existência e exige de todos uma capacidade suplementar de responsabilidade e de resiliência. 

Travanca do Mondego, 21 de Junho de 2020
David Gonçalves de Almeida

20 junho 2020

Os dias dos aristas: oxigenar os pulmões, piquenicar, pescar, conviver na Pérgola, dançar no Club ...




Durante algumas décadas caído em desuso, o termo foi agora recuperado para a promoção turística de Penacova. O "Roteiro do Arista" selecciona oito locais de maior expressão turística, tantos quantos as letras que formam a palavra Penacova. 

A criação da Sociedade de Propaganda de Portugal (1906), onde militavam destacadas personalidades, entre elas Alfredo da Cunha e Manuel Emygdio da Silva e a criação da Repartição de Turismo, no seio do Ministério do Fomento (1911), foram decisivas para o desenvolvimento do turismo no nosso país. 

Acompanhando o movimento europeu de valorização do turismo, e acreditando-se que o turismo podia ajudar o país a sair da profunda crise social e económica que atravessava, realizou-se em Lisboa, em 1911, o IV Congresso Internacional de Turismo, de cujo secretariado fez parte Emídio da Silva. Também Alfredo da Cunha, director do Diário de Notícias, teve um papel importantíssimo neste processo. 

A inauguração do Mirante em 1908 que além de Emídio da Silva, que tinha conhecido Penacova pela mão do Deão Leite, e de Alfredo da Cunha, trouxe a Penacova nomes importantes da elite lisboeta e catapultou as belezas da vila para as páginas dos jornais (Diário de Notícias), das revistas (Serões) e dos roteiros turísticos que começaram a surgir. 

Estamos convencidos que Penacova, com as suas belezas naturais, com os seus “bons ares”, com a vantagem de integrar o triângulo turístico Coimbra- Luso – Penacova, só beneficiou deste movimento nacional e se afirmou como estância turística porque teve a sorte de seduzir “apaixonadamente” pessoas influentes do nosso país que se tornaram embaixadores de Penacova em todos os areópagos que frequentavam. Recordemos alguns dos seus nomes: Emídio da Silva, Alfredo da Cunha, Raul Lino, Simões de Castro e Oliveira Cabral (mais tarde). 

Foi assim que Penacova se tornou terra de “Aristas” e na década de quarenta “regorgitava” já de “ilustres creaturas” que “atraídas pelos bons ares, águas e pitorescas paisagens“ aqui vinham gozar as suas férias para “oxigenarem os seus pulmões e tonificarem os nervos” envolvidos pelo “magnífico ambiente" de "verdadeiro sanatório" e "carinhosa hospitalidade". 

Gazeta de Coimbra[1] noticia em 1932: "Penacova tem sido este ano muito concorrida por famílias que ali foram passar a época calmosa, sendo também numerosas as excursões que têm vindo à Sintra do Mondego". Ficamos também a saber que "a maior parte das famílias que ali têm feito vilegiatura são de Lisboa e, em geral, divertem-se pescando no Mondego, realizando pic-nics, passeando em barcos, reunindo-se na Pérgola e organizando bailes no Club." 

Ainda não se tinham "descoberto" as praias, por isso de banhistas não tem Penacova histórias para contar… mas de aristas e excursionistas muitas marcas ficaram nesta " terra de encantamento", nesta terra que inspirou muitos escritores e poetas:

  “Eis ao longe Penacova… / P'ra lá vai o pensamento / É formosa e sempre nova / E terra de encantamento // D'aquele Mirante altivo / E de tamanha grandeza / Fica nosso olhar cativo / De tanta, tanta beleza …”[2]


[1] Setembro de 1932
[2] Grupo Musical Recreativo de Coimbra


15 junho 2020

Marquês de Pombal falso Morgado de Carvalho?


Sebastião José de Carvalho e Melo é uma das personalidades que, de acordo com a página “GENTE COM HISTÓRIA”, no site do Município, de algum modo se relacionaram com o território penacovense.

Ora, acontece que se coloca a hipótese de a pretensa descendência do Marquês de Pombal dos Morgados de Carvalho não passar de uma grande vigarice. Dizem os entendidos que ele e os seus antepassados se apropriaram indevidamente de títulos e de mercês a que não tinham direito, forjando documentos, comprando testemunhos, corrompendo funcionários... E essa baixeza em termos éticos parece ter também estado presente quando o Morgadio de Carvalho ficou vago pela morte do conde de Atouguia, genro dos Távoras, que tal com eles foi vítima da perseguição de Sebastião José e executado.

É que - acrescenta Marcos Soromenho Santos - a 22 de Fevereiro de 1759, pouco mais de um mês após a execução dos Távoras, e do Conde de  Atouguia, o futuro marquês de Pombal arrogando-se de um parentesco rebuscado fez-se nomear pela Câmara de Coimbra novo morgado dos Carvalhos.

Parece que Sebastião José seria descendente de um João de Carvalho, mas que não tinha ligação genealógica com os antigos Senhores do Morgado de Carvalho.

Da linhagem dos Carvalhos,  o elemento mais antigo que se conhece é Paio Carvalho, fidalgo do séc. XII, pai de Domingos Feirol que instituiu o Morgado de Carvalho em 1178, explica aquele especialista em genealogia.

Posteriormente, o mesmo ministro de D. José alterou a cláusula que o beneficiara, e extinguiu a sucessão irregular em todos os morgadios, de modo a assegurar que a partir dali a posse do morgadio dos Carvalhos se mantivesse na sua descendência.

Coisas da História…

17 maio 2020

Um caso do séc. XIX que agitou a região: homicídio na Ponte da Mucela


“Foi achada morta com três facadas na barriga e peito uma mulher, cujo nome e morada se desconhecem”. Pelo estado adiantado de decomposição, foi logo ali, na Ribeira Pequena, sepultada depois de “encomendada” pelo cura José da Cunha.

Este intrigante caso, ocorrido em 1838, gerou, naturalmente, grande perplexidade nas povoações vizinhas,  na Cortiça e em Paradela, mas foi na memória das gentes da Ponte da Mucela que ele perdurou durante mais tempo.

É que, no Verão de 1837, chegaram àquela localidade, ponto de passagem de quem fazia a “estrada da Beira”, num certo dia, já no final da tarde, dois homens ainda novos, acompanhados de uma rapariga, “carregada de oiro”, ao pescoço e nas orelhas. Cansados da viagem, comeram e beberam numa tasca ali existente. E no meio da conversa terão mesmo, para quem quis ouvir, contado de onde vinham e para onde se dirigiam.

Junto à noite, prosseguiram viagem. Mas...aquela mulher, que parecia ser solteira, tão nova e adornada daquela maneira, a acompanhar aqueles dois marmanjos… Não, qualquer coisa ali escapava às pessoas que estavam na altura na taberna. E, claro, alguém mais bisbilhoteiro, não deixou de os seguir, sorrateiramente, depois de retomarem a estrada. Conclusão: os viajantes fizeram o caminho normal pela antiga estrada, na direcção de Mucelão. E o caso ficou por ali.

Chegou o Inverno e, em princípios de Janeiro, eis senão quando um grupo de caçadores se depararam, no Vale da Ribeira Pequena, com aquele macabro achado. Instalou-se a polvorosa naquelas terras e quando a taberneira da Ponte da Mucela e outras pessoas foram ver o cadáver, fácil foi concluir-se que se trataria da infeliz rapariga que, juntamente com os dois homens, comera e bebera naquele dia de Verão.
A história espalhou-se e foi perdurando no tempo. Não raro acontecia os viandantes, ao pararem para beber um copo, comentarem: “Com que então, foi aqui que apareceu uma mulher morta?...” .

Com o tempo tudo acabou por se saber, apesar de na altura as autoridades, ao que parece, não terem investigado o que quer que fosse.
Soube-se que, precisamente em 1837, tinham chegado  à Bobadela dois irmãos vindos do Alentejo, estranhamente com dinheiro suficiente para  comprar propriedades na terra.  Estranho!  Naquele tempo as notícias já circulavam, mais devagar, é certo, mas espalhavam-se rapidamente. E tudo se soube na Ponte da Mucela e redondezas. Foi fácil juntar as peças e concluir: os assassinos só podiam ter sido os tais dois homens. 
E não querem saber que um dos irmãos, muitos anos mais tarde, terá vindo viver para Paradela de Cortiça, onde até lhe chamavam o Bonadela?  Muitas vezes lhe foi atirada à cara a suspeição do assassínio, mas o homem acabou por morrer, velho e cego, em completa decadência.

Como tive conhecimento desta história? - perguntarão os leitores. Recentemente, foi publicado em Coimbra um livro que compila artigos publicados na imprensa regional pelo Padre Doutor Nogueira Gonçalves.
E foi então, ao consultá-lo, que a páginas tantas, me deparei com o título “Um Velho Crime”, crónica de 1932 publicada no "Correio de Coimbra".

Acrescenta Nogueira Gonçalves que por detrás da tese do roubo do ouro, mais óbvia aos olhos do povo, será plausível acrescentar também um mobile de feição amorosa. Segundo se pensou, a malograda rapariga ter-se-á apaixonado por um deles e terá feito questão de o acompanhar. Mas tal sentimento não seria recíproco. Carregar com aquele “fardo”, com aquele empecilho, até à Bobadela para ser causa de possíveis desavenças familiares, enfim, e sabe-se lá que mais, porque não desfazerem-se dela, logo ali?  Ao que se juntava, claro,  o aliciante de ficarem ricos com tanto ouro que a infeliz ostentava.

“A mania de folhear velhos papéis, obriga-nos a ler dezenas de documentos inúteis, sem interesse para os nossos estudos, mas traz-nos porém grandes emoções e,  algumas vezes , sentimos naquela descolorida letra o palpitar de corações antigos e parece até que as lágrimas derramadas há muito ainda escorrem do papel e nos molham as mãos” – escreve N. Gonçalves a iniciar a crónica em questão.Foi nessas pesquisas que terá encontrado um registo de óbito que lhe suscitou curiosidade.

Apesar de não duvidar, fui pesquisar e lá encontrei, de facto, o assento lavrado pelo Padre J. Cunha:


17 de Maio de 2020. David Gonçalves de Almeida

03 maio 2020

Deixa, deixa, oh barqueiro, ir o barco lentamente...


Escreveu Carolina Michaelis (1902), in “A Arte e a Natureza em Portugal”, a respeito da vida amorosa dos barqueiros: “Uma curva lancha vae rio abaixo, tão devagar como se o homem que a move à vara, obedecesse às raparigas que o provocam, cantando estâncias quinhentistas: ir-me quero, madre, com o marinheiro…” ou “Deixa, deixa, oh barqueiro / ir o barco lentamente!/ Deixa, deixa! que a saudade/ ir mais longe não consente.”

Sobre esta importante profissão de outros tempos, transcrevemos o que o Grupo “Barqueiros do Mondego” de Miro, pela mão de Manuel Nogueira, publicou em 2004. O texto é acompanhado da foto que agora publicamos:

O rio Mondego era preferencialmente usado, dando emprego a muita gente das suas proximidades, sendo uma grande percentagem da população de Penacova. O Mondego foi a única via de comunicação importante que a região teve até princípios do século XX, dedicando-se sempre à barcagem e actividades ligadas ao rio: Barqueiros, Calafetes, Carreiros, Estanqueiros, etc.


O Barqueiro do Mondego, tinha como função conduzir a Barca serrana, no transporte de lenha, carqueja e carvão para Coimbra ou Figueira da Foz. No sentido inverso, era possível receber mercadorias por mar e embarca-las rio acima: além de peixe (seco ou salgado), sal, louça de Coimbra, vinho, etc.

Paralelamente com o transporte de mercadorias, também transportavam lentes e estudantes da Universidade de Coimbra, que iam passar férias às suas terras.

O Barqueiro do Mondego, provocava a deslocação da Barca serrana, com ajuda de remos, da vela, da corrente do rio e por vezes das varas ( quando havia menos água), espetando-as no fundo do rio e andando pelo bordo, apoiando a vara contra o lado do peito, virados para a ré. Tinham que colocar um pano grosso, para protegerem o peito, mas mesmo assim fazia "mossa".
O traje do Barqueiro do Mondego era composto por ceroulas até aos joelhos, uma camisola de lã, um colete, um garroço para o frio e os pés descalços ou com alpercatas de pano.

Para dormir, as barcas serranas, ou barcos, possuíam na proa ou na ré, umas cavidades "leito", onde os barqueiros dormiam, sendo o colchão de esteiras de palha, colocados por cima do estrado, e tendo como cobertores, a vela ou sacos, e dormiam com os pés para o bico.

Muitos eram os portos importantes ao longo do Rio Mondego, para carregarem e descarregarem mercadoria. Dos quais destacamos o Porto da Raiva, como sendo o mais importante, e considerado um dos maiores do país, até meados do séc. XIX. Porto este que diz a tradição se situava na Foz do Rio Alva.

Aqui chegados, as mercadorias eram descarregadas, e depositadas em locais apropriados, e depois eram levadas em carros de bois, pelos  "carreiros", e distribuídas pelos concelhos de Penacova, Arganil, Tábua, Mortágua e Oliveira do Hospital.

Nos portos de Coimbra, os barqueiros quando procediam ao carregamento ou descarregamento das barcas, tinham de calçar as alpercatas de pano porque se fossem apanhados descalços pelos guarda rios, eram multados. Se porventura andassem com um pé calçado e outro descalço, pagavam metade da multa!

09 abril 2020

Semana Santa, 1955


Tinha chegado uma das semanas de maior azáfama do ano e Felismina andava atarefada com as limpezas da sua casa. Os quartos já estavam limpos, só faltava a cozinha e a sala…  Claro que a sala tinha de ser a última divisão a ficar a brilhar, pois era o local da casa onde Jesus seria recebido. Seria ali que, no Domingo de Páscoa, se juntava toda a família e amigos para beijar a Cruz. Contudo, não era só Felismina que labutava dentro da sua casa… Toda a aldeia andava em preparação para o tão aguardado dia. No entanto, havia sempre tempo para, nas pausas das limpezas, as vizinhas se juntarem na rua e trocar dois dedos de conversa.
- Ó Felismina, qual é a toalha que vais pôr na tua mesa este ano? Foi a da tua fogaça?
- É essa mesmo... É a que tem o bordado e rendas mais lindos, porque fi-la há menos tempo que as outras. – responde Felismina toda orgulhosa. – Também vou pôr nas janelas aquelas cortinas de rendinha branca, que te mostrei no rio a semana passada, quando fomos lá lavar a roupa. Vai ficar tudo a condizer…

Se esta era a semana das limpezas, a anterior (chamada semana dos ramos) tinha sido dedicada para ir ao rio lavar… Já dizia o ditado “Na semana dos ramos, lava os teus panos. Porque na maior, ou fará chuva, ou fará sol”. E convinha ter a roupa lavada e enxuta para nada ficar por fazer até ao Domingo de Páscoa. Era também no domingo dessa semana (dia esse designado por Domingo de Ramos), que as gentes das aldeias se juntavam na Igreja da Freguesia, para assistir à missa e benzer os seus ramos (feitos de louro, oliveira e alecrim). Nesse dia, ao almoço, comia-se a tradicional sopa de grão de bico com carne do palaio, chouriça e presunto… Verduras?! Nem falar nisso… Não se podia comer. Também dizia o ditado que “Quem come verdura no Domingo de Ramos, como moscas todo o ano”… E mais valia prevenir, que nestas coisas nunca se sabe…
- Olha, eu na quarta-feira tenho de ir à horta, buscar couves para os animais. Eu na quinta-feira não ponho lá os pés, não… - continuou a vizinha. – Sabes bem o que diziam os antigos: que Jesus se ia esconder no horto na quinta-feira, antes de ser preso. Olha que tu não te esqueças de lá não ir também.
- Pois, tens razão. E, nem na quinta-feira de tarde e nem na sexta-feira até ao meio dia, não se faz nada. Só as coisas mais necessárias… Porque sabes que esta semana é a maior, tem nove dias, como se costuma dizer. – tagarelava Felismina, ainda na rua, com a sua vizinha.
- E ouve lá, ó Felismina, tu já tens as abróteas e o feno, para pôr à porta?
- As abróteas já tenho, já. Mas o feno só costumo ir buscar no sábado de manhã.
Antigamente, as ruas das aldeias eram todas cobertas de mato, para as pessoas calcarem, quando por lá passavam. Esse mato seria, pois, para fazer o estrume que servia de fertilizante para as terras. No Domingo de Páscoa, de manhã, era tradição cobrir-se todo esse mato com abróteas e feno, sendo que cada pessoa cobria junto à sua porta. Além desta tradição, muitas outras existiam no período entre o Carnaval e a Páscoa, por exemplo, todas as sextas-feiras se fazia jejum de carne e, nesse período, não havia bailes, nem músicas. A Quaresma era, portanto, um momento de tristeza e de respeito.
- Eu no sábado de manhã vou cozer os meus folares. – continuava a vizinha, dando seguimento à conversa. – Vê se não te esqueces de ir à capela às 10h da manhã, para cantar Aleluia a Jesus ressuscitado. – disse, relembrando uma outra tradição, pois existia a crença de que Jesus teria ressuscitado no sábado às 10h da manhã. E era também por isso que se tocavam os sinos e se lançavam foguetes.
Passado o Sábado de Aleluia, chegava o tão aguardando dia: o Domingo de Páscoa. O mais festivo do ano. As mesas das salas eram decoradas com as tais toalhas branquinhas, cheias de rendas e bordados… Além disso, sob as mesas, era colocado um pires com uma laranja e, no cimo desta, espetava-se o dinheiro que era dado como “folar” ao Senhor Padre, que o recolhia na Visita Pascal. Ao almoço, comia-se um belo arroz de cabidela, feito com um galo, ou galinha, criado durante o ano especialmente para tal. No final da refeição, vestiam-se os melhores fatos e juntava-se toda a aldeia na capela, para novamente cantar Aleluia, iniciando a Visita Pascal. Depois, lá seguiam de casa em casa para beijar a Cruz, bebendo também as suas pingas e comendo uma fatia de pão doce, e os afilhados entusiasmados lá iam a casa das madrinhas e padrinhos para buscar o seu folar (um pão com dois ovos).
E era assim que terminava essa época tão festiva, com a aldeia toda em união!...

Mariana Assunção

07 abril 2020

Brinquedos Tradicionais Populares na região de Coimbra

Muitos de nós recordamos as brincadeiras e os brinquedos construídos pelas nossas mãos, quer herdados das gerações anteriores, quer fruto da nossa criatividade e jeito manual. Ainda não tinha chegado a invasão do plástico e estávamos muito longe dos jogos de computador.

Existem ao longo do país espaços museológicos dedicados ao brinquedo. Aqui bem perto, temos para visitar a “Escola do Brinquedo Tradicional Popular”, na freguesia de Cernache (Loureiro).

Penacova organizou, ainda não há muito tempo (2018) uma exposição sobre o brinquedo popular e uma conferência proferida pelo Dr. João Silva Amado, um estudioso e divulgador desta vertente da cultura popular.

Escreveu este investigador universitário, ligado à Associação do Loureiro, o seguinte:

“Brinquedos Tradicionais Populares: trata-se de brinquedos produzidos pela própria criança ou pelos familiares mais próximos, a partir de diversos materiais existentes no meio, da terra ao fogo, passando pela água e pelo vento, sem esquecer ramos, folhas, flores e frutos…

Apesar da sobriedade destes materiais, da efemeridade das suas vidas e da modéstia do seu aparato, pode afirmar-se que foi com os brinquedos populares, transmitidos num milenar diálogo de espaços e de tempos pela faixa infantil da cultura, que a geração anterior ao plástico aprendeu o fundamental das suas vidas!

Produzindo-os e utilizando-os, toda a criança foi equilibrista e pintora, ceramista e botânica, arquitecta e caçadora, lavradora e escultora, tecedeira e investigadora…e tudo o mais quanto pôde aprender na principal das suas escolas - a rua!

Imitando, utilizando a imaginação criadora e cooperando na produção destes brinquedos, ela incorporava a memória cultural da sua comunidade sem conflitos graves nem com os outros humanos nem com as outras espécies.”


João Amado, in “Brinquedos dos Nossos Pais”, (3ª edição, 1992) opúsculo da Associação Desportiva e Recreativa do Loureiro (ADRL), Cernache-Coimbra.

A pequena brochura acima referida recorda-nos o andador, o arco e a gancheta, a mota, o estoque, a espingarda de cana, a boneca de papoila, o pífaro de cana, o arraioco, a atiradeira…e muitos outros.

O estoque, um dos brinquedos que nos recordamos fazer muitas vezes, aqui no concelho de Penacova,  e com ele viajar para os campos de batalha da imaginação, que por vezes era bem real, quando uma “bala” certeira de estopa bem prensada causava alguma dor…





O estoque é "também conhecido por repuxo, estourete, estaleiro, estraque, puxavante, alcatruz, pistola…" nomes que remetem para ""o estalido provocado pelo disparo".

"Consiste num pequeno pau de sabugueiro, de mais ou menos 15 centímetros, a que se retira o miolo. O orifício assim conseguido é tapado com duas buchas de papel (ou estopa ou outro material) de cada um dos lados; de seguida, com um pau mais forte, o atacador ou vareta, moldado de forma a caber no orifício,funcionando como um êmbolo, faz-se pressão, muitas vezes apoiando no peito, sobre uma das buchas de tal maneira que a da outra extremidade sai disparada devido à pressão do ar."


"Há anos, qual era a menina que não sabia dobrar por baixo, com muito jeito, as pétalas de uma papoila para depois as atar com uma ervinha, de molde a provocar uma espécie de cinta de vestido?

Ajeitadinhos, o vestido e os peitos, só faltavam dois pequeninos paus espetados na parte superior ao jeito de braços…

Finalmente aí tínhamos: a boneca de papoila tendo por cabeça o disco do estigma,  e por cabeleira eriçada, um sem número de estames.

A natureza era tão pródiga nesta espécie de plantas , que a brincadeira podia até dar origem a intermináveis procissões vermelhas, dedicadas, sabe-se lá a que santo!"

Fonte:
João Amado, Brinquedos dos Nossos Pais, caderno editado pelo Clube dos Brinquedos Populares, (ADRL) Loureiro . Cernache, 3ª edição, 1992

Nesta pequena publicação são apresentados outros brinquedos com a respectiva ilustração. Ao desenho original, a traço preto, acrescentámos o lápis de cor.










Muitos dos nossos brinquedos tradicionais são comuns a vários países. Curiosamente, na vizinha Galiza existe um número muito grande de brinquedos que nos são familiares.  


Sugerimos uma visita a http://www.noticieirogalego.com/tiratacos/