14 outubro 2021

"Quem foi quem na toponímia de Penacova" retrata algumas das personalidades que marcaram a vida do concelho

O jornal "A Comarca de Arganil" de hoje, 14 de Outubro, noticiou o lançamento do 1º volume dos "Cadernos de Toponímia", que decorreu no dia do feriado comemorativo da Implantação da República. Para memória futura, transcrevemos o texto publicado naquele periódico.

"Em dia de comemoração do 5 de Outubro, e integrado no programa do município para assinalar a Implantação da República em Portugal, realizou-se no Salão Nobre dos Paços do Concelho a apresentação do livro Quem foi quem na toponímia de Penacova: antropo-topónimos das vilas de Penacova, Lorvão e S. Pedro de Alva. Trata-se do primeiro volume de uma colecção que pretende não apenas analisar o caso de ruas, praças e largos com nomes de personalidades marcantes, mas todos os casos de toponímia das muitas localidades do concelho de Penacova.

Este trabalho integra-se, em parte, na dinâmica que levou à criação em 2019 de uma Comissão Municipal de Toponímia, de que o autor é membro convidado, juntamente com o Prof. Reis Torgal. O Regulamento Municipal de Toponímia e Numeração de Polícia, entrado em vigor a 1 de Fevereiro de 2020, é também resultado do trabalho dessa Comissão, coordenada pela Vereadora com o Pelouro da Toponímia, Drª Sandra Ralha.

O livro, de 80 páginas, apresenta uma síntese biográfica das vinte e quatro personalidades que constam da toponímia das três vilas referidas: Abel Rodrigues da Costa (1902-1990), Adelino Prista da Fonseca Hortelão (1901- c. 1980), Alberto José da Silva Sousa Leitão (1844-1889), Alípio de Oliveira Sousa Leitão (1839-1906), Álvaro Barbosa Ribeiro (1921-1999), António Alves Mendes da Silva Ribeiro (1838-1904), Artur Soares Coimbra (1918 -1976), Augusto César Barjona de Freitas (1834-1900), David Ubaldo da Silva Leitão Cardoso de Oliveira (1803-1879), Evaristo Lopes Guimarães (1857-1926), Fernando Augusto de Andrade Pimentel e Melo (1836-1892), Fernando Baeta Bissaya Barreto Rosa (1886-1974), Francisco Manuel Lumbrales de Sá Carneiro (1934 -1980), Homero António Daniel José Pimentel (1914-1987), João António Gomes (1890-1983), João Martins da Costa (1921-2005), Joaquim Maria Leite (1829-1896), José António de Almeida (1819-1901), José Horácio de Moura (1908-1995), José Maria de Oliveira Matos (1847-1924), José Maria Viegas Pimentel (1899 -1964), Maria Amélia de Orleães (1865-1951), Mário da Cunha Brito (1890-1953) e Maurício Vieira de Brito (1919-1975).

Tem a assinatura de David Almeida, autor que nas palavras do Professor Doutor Luís Reis Torgal, prefaciador e apresentador, “já é conhecido em Penacova e a quem é reconhecida a sua qualidade de procurar ser rigoroso, consultando todas as fontes que é possível, ou que lhe é possível, dado que este tipo de trabalho é complementar da sua nobre função de professor.”

Também na Nota de Apresentação, o Presidente da Câmara, Dr. Humberto Oliveira, reafirmou o apreço pelo autor, designadamente “pelo seu empenhado esforço em partilhar” com os penacovenses o “seu conhecimento e o seu amor pela História Local” dando-nos a conhecer “elementos que fazem a diferença” no campo da História de Penacova.

A terminar a apresentação o autor agradeceu ao Professor Doutor Luís Reis Torgal “todo o incentivo e apoio na concretização deste trabalho” e a “honra que lhe concedeu ao escrever o prefácio”. À Câmara Municipal, em especial ao seu Presidente, Dr. Humberto Oliveira, à Dr.ª Sandra Ralha, responsável pelo pelouro da Toponímia e ao Vereador da Cultura, Dr. João Azadinho, deixou também um agradecimento pelo “interesse e a disponibilidade para a publicação” de mais um trabalho da sua autoria.

Do programa das comemorações constou também a assinatura do contrato de doação de películas fotográficas de Luís Francisco da Cunha e Menezes, fotógrafo penacovense, bem como a deposição de uma coroa de flores junto ao busto de António José de Almeida."






25 setembro 2021

Bibliografia sobre Lorvão conta com mais um estudo de Maria Alegria F. Marques

 


No dia 18 de Setembro teve lugar, no Mosteiro de Lorvão, a apresentação do livro Memória de um Mosteiro: Lorvão, séculos IX-XII. História de uma comunidade masculina, de Maria Alegria Fernandes Marques, professora catedrática jubilada da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. A obra, editada pela Câmara Municipal de Penacova, foi apresentada por Maria José Azevedo Santos, também ela professora catedrática da referida Universidade.

De acordo com a autora, este livro tenta preencher algum vazio ainda existente sobre a acção organizativa e até orientadora do Mosteiro, na fase em que foi ocupado pelos monges.  Por outras palavras, perceber melhor “o papel que o mosteiro teve na organização e desenvolvimento de boa área da bacia do Mondego, pelos seus responsáveis, enquanto foi uma comunidade de monges de fronteira.”

O livro começa por fazer em traços largos a evolução histórica desta região, desde a ocupação muçulmana em 715 até à consolidação da fronteira do Mondego em 1147. Passa depois à história do mosteiro, desde a comunidade primitiva até ao “momento funesto do seu fim” nos inícios do século XIII. 

Este estudo insere-se no conjunto de outros que a autora tem vindo ao longo de alguns anos a publicar: Inocêncio III e a passagem do Mosteiro de Lorvão para a Ordem de Cister; Vida e morte de um mosteiro beneditino: o caso de Lorvão, e  O Mosteiro de Lorvão: ainda a saída dos monges e a entrada das freiras.

Um livro - segundo a autora - que apesar do rigor histórico e científico pretende ser de leitura acessível ao “cidadão comum interessado na sua terra, no seu passado, nas suas raízes e nos seus símbolos” isto é, a todos os penacovenses que se revejam, “com orgulho, numa instituição que levou longe o nome da sua terra. “

 


 

 

11 setembro 2021

As Invasões Francesas e o Mosteiro de Lorvão, de 1807 a 1811 (IV)


RELAÇÃO DO QUE SE PASSOU NESTE MOSTEIRO DE LORVÃO DESDE A INVASÂO DOS FRANCESES ATÉ QUE FORAM EXPULSOS DO REINO, A TERCEIRA VEZ EM ABRIL DE 1811por  Joana Delfina de Albuquerque, cartorária do Mosteiro


[Conclusão]

Sabendo as seis religiosas no dia seis que os franceses tinham saído de Coimbra, resolveram recolher no dia 7, que era Domingo, no dia de N. S.ª do Rosário, com mais quatro outras dos sítios vizinhos, que se lhes juntaram.
Vieram ouvir missa a este mosteiro, onde com mediação de poucos dias se chegou a aumentar o número de 25.

Continuaram logo as súplicas a Deus a quem davam graças por se verem outra vez no seu mosteiro livres dos insultos bárbaros de um exército tão desenfreado; pois que apenas em S. Mamede encontraram duas religiosas que foram a madre D. Paula Micaela, já muito decrépita, e a madre D. Joaquina Cândida, demente, a quem não trataram como costumavam, satisfazendo-se com roubarem os móveis de outras religiosas, que para lá os tinham mandado.

Assim mesmo logo começaram a rezar em coro regularmente do modo possível em uma comunidade tão pequena e em conjunturas tão calamitosas, porque além de serem muitas as empregadas nas oficinas do mosteiro, outras andavam de contínuo no exercício de fazerem manifestar os remédios temporais e espirituais a a um grande número de criadas enfermas da malina que então grassou dentro do mosteiro, da qual morreram vinte e uma, e nenhuma religiosa foi atacada nem o médico deste mosteiro o Dr. António Xavier Pereira da Silva que logo recolheu e constantemente assistiu às enfermas com todo o desvelo assim como alguns religiosos do colégio da Estrela e Pedreira, os quais lhes assistiam e sepultavam e diziam as missas à comunidade, porque dos religiosos da casa apenas nos fins de Novembro apareceu e se conservou assistindo aqui o padre cartorário Fr. António Montenegro.

O susto contínuo de voltarem os franceses da província da Estremadura moveu algumas religiosas que se achavam no mosteiro a procurarem a casa dos seus parentes e outras a nossa quinta da Esgueira para onde logo no princípio tinham partido algumas religiosas e depois em os fins ou princípio de Dezembro se lhes juntou a actual prelada a Ex. ma Srª D. Ana Luísa de Vasconcelos Coutinho que até então andou pela sua terra de Soure e vizinhanças, chegando a ajuntar-se ali dezoito religiosas.

Apesar dos contínuos sustos em que estávamos da volta do inimigo e pelos reforços que lhe entravam que faziam as suas costumadas atrocidades por onde passavam, como era pelas terras de <poiares e outras, sempre continuaram a permanecer religiosas neste mosteiro, as quais intimamente , no dia 13 de março de 1811 foram obrigadas a sair rapidamente para as vizinhanças do Buçaco ficando ainda neste mosteiro a madre D. Maria Arcângela de Melo, a madre D. Leonor Joana de Albuquerque, a madre D. Grácia Perpétua Beltrão, e mais cinco religiosas que não se tinham ainda podido retirar, mas nesse dia chegou ao mosteiro aviso do general Trant que lhes mandou dizer que os franceses tinham desistido do empenho de entrarem em Coimbra e que por Foz de Arouce se retiravam perseguidos do nosso exército, o que sabido pelas religiosas fugidas fez com que se recolhessem todas com as comodidades possíveis, que todas lhes tinham faltado na saída.

Conservou-se na quinta da Esgueira a prelada com as religiosas acima mencionadas, acompanhadas pelo padre capelão deste mosteiro, Fr. João do Amaral, até à semana antes ada Páscoa, princípios de Abril, que recolheram juntas pela igreja, onde se cantou o Te Deum laudamus e assim mesmo se continuaram a recolher as outras religiosas que faltavam e os padres confessor e feitor.

Em 5 de Novembro de 1811 o prelado veio fazer eleição de nova prelada que foi a Ex.ma Srª D. Maria Tomásia de Albuquerque, e por recomendação do mesmo prelado a mim, D. Joana Delfina de Albuquerque, cartorária deste mosteiro, para se fazer assento do que se passou, assim o executo com a possível individuação, por ser uma das que primeiro se recolheram a este mosteiro."






09 setembro 2021

Locuções populares (10): IR PARA O MANETA




A expressão “Ir para o maneta” tem origem nas crueldades praticadas pelo general Loisson durante a primeira invasão francesa, significando desaparecer, morrer, avariar-se, acabar…

Portugal, velho aliado da Inglaterra, recusou-se a aderir ao Bloqueio Continental e Napoleão invadiu Portugal. O general Jean-Andoche Junot entrou em Portugal pelo vale do Tejo, a 17 de Novembro de 1807, seguindo o caminho mais curto para Lisboa.

Das tropas de Junot fazia parte o general Louis Henri Loisson (1771-1816), prestigiado militar que tinha perdido uma mão numa campanha na Suíça.

Este oficial distinguiu-se, durante a 1ª invasão, pela ferocidade com que ordenava prisões, fuzilamentos e atrocidades.

A fama de Loisson, o ‘”maneta”’, como o povo lhe chamava, chegou a todos os cantos do país. Quando alguém era preso por ordem deste general, a probabilidade de escapar ileso era era quase nula. E quando a alguém isso acontecia, dizia-se que tinha ido para o maneta. 

Tal foi o medo que se instalou que se alguém falava de modo menos cuidadoso, alertava-se: "Cuidado, vê lá se queres ir pró maneta!”. 

A expressão manteve-se até aos nossos dias, apesar de muitas vezes nem sequer se associar já às Invasões Francesas.

07 setembro 2021

As Invasões Francesas e o Mosteiro de Lorvão, de 1807 a 1811 (III)

 por Joana Delfina de Albuquerque, cartorária do Mosteiro

[continuação]


Em dezanove e vinte de Setembro esteve alojado no hospício dos religiosos deste mosteiro o general Lord Wellington com todo o seu estado maior
, sustentando-se à sua custa, sem que do mosteiro fosse mais que algumas cousas para o serviço e um mimo de doce, que ele agradeceu muito à Prelada, tratando-a com a maior civilidade, assim como a toda esta comunidade e lhes disse que não estávamos aqui bem e nos devíamos retira, para o que ele concorreria em caso de precisão.

Logo no dia 22 de manhã começaram a sair deste mosteiro algumas religiosas, mesmo a pé, consternadas e atemorizadas por verem aproximar-se o inimigo e que já os padres confessor e feitor se tinham ausentado de noite sem o publicarem.

De tarde saíram muitas mais religiosas e a prelada, da forma que se puderam arranjar, e a maior parte sem parentes; não tendo antes a prelada proporcionado meios alguns para isto, pela impossibilidade em que estava o mosteiro por falta de dinheiros.

Desde esse dia até o último de Setembro foi saindo a comunidade acomodando-se algumas religiosas mais velhas e das terras mais remotas, com muitas criadas, no lugar de S. Mamede.

Em o primeiro de Outubro por fim da tarde acabaram de sair as 6 únicas religiosas que ainda aqui existiam, para o sítio de Vale do Fojo, como foram a madre ex-abadessa D. Maria Arcângela e a madre ex-abadessa D. Maria Tomásia de Albuquerque e as madres D. Antónia Gertrudes de Albuquerque, D. Ana Bárbara, D. Maria Delfina. D. Joana Ferraz, e D. Maria Cândida, onde se conservaram até domingo 7 do dito mês de Outubro, amparadas pelo caritativo, zeloso e inteligente escrivão deste mosteiro José Alves Cardoso, que não só dirigia tudo o que respeitava à subsistência e cómodo possível das religiosas e grande número de criadas, mas a que o mosteiro onde tinham ficado quatro criadas muito velhas, não fosse roubado pela gente deste povo, como pretenderam e ele muito bem soube atalhar.

Sabendo as seis religiosas no dia seis que os franceses tinham saído de Coimbra, resolveram recolher no dia 7, que era Domingo, no dia de N. S.ª do Rosário, com mais quatro outras dos sítios vizinhos, que se lhes juntaram.

Vieram ouvir missa a este mosteiro, onde com mediação de poucos dias se chegou a aumentar o número de 25. [...]
[continua]

06 setembro 2021

As Invasões Francesas e o Mosteiro de Lorvão, de 1807 a 1811 (II)

 por 

Joana Delfina de Albuquerque, cartorária do Mosteiro


(Continuação)

“Poucos meses passámos que não nos víssemos em novos sustos e precisadas a redobrarmos as preces e devoções, dirigindo ao Céu as nossas súplicas pela salvação do reino, de perto ameaçado por outro exército que projectava nova invasão.

Realizou-se esta segunda invasão dos franceses comandados pelo general Soult, entrando por Chaves nos fins de março de 1809 e passando por Braga conseguiu entrar no Porto em quarta feira de trevas 29 de Março, o que logo se soube aqui e causou uma grande aflição, obrigando algumas religiosas a saírem da clausura com o fim de escaparem ao perigo, que se receava, de chegarem a este mosteiro os franceses por estarem ameaçando o rio Vouga.

Não passaram adiante porque em o princípio de Maio entrou em Coimbra o exército inglês e português comandado pelo general Lord Wellington, que no dia 12 fez a sua entrada no Porto, que desamparou o exército francês retirando-se pela mesma estrada por onde tinha vindo, com muita perda e geral alegria das gentes, de que participou esta aflita comunidade a que logo se vieram unir as religiosas que tinham saído a todas juntamente agradecemos a deus este grande benefício.

Tinha precedido a este acontecimento terem-se tomado todas as medidas possíveis de acautelar-se ao saque furioso de tão bárbaros inimigos os preciosos tesouros dos corpos das nossa Santas Rainhas, trazendo-os dos seus altares para dentro do mosteiro, escondendo-se com a maior cautela e possível decência, o assim mesmo o santuário e resto das alfaias e preciosidades da igreja; conservando-se tudo desta maneira na terceira invasão do maior exército francês comandado pelos general Massena que entrou no reino e se fez senhor da praça de Almeida em 22 de Agosto de 1810. Em 19 e 20 de Setembro esteve alojado no hospício dos religiosos deste mosteiro o general Lord Wellington com todo o seu Estado Maior (…)

CONTINUA


04 setembro 2021

AS INVASÕES FRANCESAS E O MOSTEIRO DE LORVÃO, de 1807 até 1811 (I)

por Joana Delfina de Albuquerque, cartorária do Mosteiro

“Logo que pelo Verão do ano de 1807 se soube neste mosteiro de Lorvão que o exército francês marchava pela Espanha para invadir este reino, com quem a França tinha rompido, despedindo o nosso embaixador, esta comunidade começou a dirigir ao Céu as suas fervorosas súplicas por meio de preces e vários exercícios de piedade, afim de conseguir de deus livrar o reino do perigo iminente que o ameaçava com a entrada dos franceses; a qual fez o seu exército, comandado pelo general Junot, em Lisboa no dia 30 de Novembro 1807, tendo-se evadido no dia 27 a rainha, o príncipe regente e mais família real com a sua corte para ao Rio de Janeiro; cujas notícias não afrouxaram as rogativas a Deus e só causaram uma mágoa geral e consternação. 



Em Fevereiro de 1808, esta comunidade se viu necessitada (como todo o reino) a reconhecer por seu soberano ao Imperador Napoleão, e enviarmos muita parte da prata deste Mosteiro para a contribuição que ele impôs ao reino, em que ela toda devia entrar, menos os cálices e juntamente concorrermos com o terço das nossas rendas, do que pouco chegámos a mandar, porque em Junho desse ano se começou pelas partes e províncias do norte a rebelar a Nação contra os franceses, que em Agosto do dito ano foram obrigados a fazerem uma convenção com o general inglês depois de serem batidos pelo seu exército e [pelo] português na batalha do Vimeiro, o que se verificou no dia 15 de Setembro, que se arvoraram em Lisboa as nossa bandeiras com a maior alegria, de que participou esta comunidade e dirigiu ao Céu as mais vivas e solenes graças por este tão desejado benefício, sem que porém nunca cessassem os ditos exercícios para implorar a duração de tão grande bem.

Era prelada deste Mosteiro a Ex.ma Srª D. Maria Casimira de Meneses, e estando no fim do seu triénio, passou esta comunidade a fazer nova eleição, e saiu eleita a Ex.ma Srª D. Ana Luiza de Vasconcelos.

Poucos meses passámos que não nos víssemos em novos sustos.”

CONTINUA

OBS: ESTE TEXTO FOI PUBLICADO PELO "NOTÍCIAS DE PENACOVA" A PARTIR DO SEU 1º NÚMERO, PELA MÃO  DE AUGUSTO MENDES SIMÕES DE CASTRO

02 setembro 2021

Livraria do Mondego: quem se lembrou de a chamar assim?


O local “Livraria do Mondego” deve o seu nome ao facto da formação rochosa existente se assemelhar à disposição dos livros nas estantes de uma biblioteca.  Formação rochosa que é constituída por quartzitos e faz parte da grande falha tardi-hercínia  que se estende ao longo de cerca de 250 km desde a povoação de Verín, em Espanha, até à zona de Penacova (Falha Verin-Régua-Penacova). 


Sabe-se que, nas distantes eras da vida da Terra, esta região esteve coberta pelas águas de um mar não muito profundo que cobria grande parte da Península Ibérica, um oceano de areias e lamas, entretanto desaparecido. Nesse habitat vivia uma espécie de artrópodes, as trilobites, cujos rastos de locomoção formam as bilobites ou cruzianas. Um desses icnofósseis (como os de Penha Garcia) foi encontrado aqui, em 1915, aquando das obras na estrada.

A designação “Livraria do Mondego” é muito antiga, não se sabendo se tem origem  popular ou erudita. Já no séc. XIX era referenciada por António Feliciano de Castilho, na “Conversação Preambular” (uma espécie de prefácio) introdutória ao livro de Tomás Ribeiro, D. Jayme ou a dominação de Castela. 

Castilho, que estudou Direito em Coimbra e era cego desde os 6 anos (em consequência de sarampo), nasceu em 1800. Sendo assim, essa viagem de Santa Comba Dão a Coimbra terá acontecido há sensivelmente 200 anos, quando  estudava na Lusa Atenas. 

A designação, apesar de, no texto em causa, ter saído da boca do barqueiro, poderá ter uma origem erudita. Por sua vez, “Entre Penedos” seria a designação nascida no linguajar do povo.

17 julho 2021

A actualidade de António José de Almeida em dia de Feriado Municipal


"Pelas nove horas da noite" do dia 17 de Julho de 1866 nascia em Vale da Vinha aquele que viria a ser uma das figuras mais importantes da cena política portuguesa da primeira metade do século XX. O Município de Penacova elegeu-o como figura primeira do concelho, adoptando como dia de Feriado Municipal precisamente a data do seu nascimento. Praticamente silenciado, em Penacova e no País, durante o período do Estado Novo, é de novo enaltecido com a alvorada do 25 de Abril de 1974. Foi assim que em 5 de Outubro daquele ano foi alvo de uma significativa homenagem na sede do concelho.

Na altura, o jornal Notícias de Penacova noticiou a cerimónia e publicou uma crónica de Urbano Duarte, padre, professor e jornalista, salientando a actualidade deste penacovense ilustre e dos valores que defendeu. Por se tratar de um texto um pouco diferente daqueles que habitualmente são citados, consideramos que se justifica a sua transcrição integral:

ANTÓNIO JOSÉ DE ALMEIDA SOB SILÊNCIO DE CEMITÉRIO


«Penacova sentiu-se agora com força bastante para celebrar o seu filho mais ilustre António José de Almeida.

Do seu nascimento em vale da Vinha, já lá vai o centenário e sobre a morte (1929) já pesam quatro décadas… Como se ele fosse um vulgar qualquer, metido sem voz nos poucos palmos da campa!

Se, neste cinco de Outubro, o povo de Penacova glorificar o seu nome galhardamente, a peito cheio, é porque algum feitiço terrificante e silenciador, de verdade acabou.

E em que consistia o maldito feitiço?

No facto de ele ter sido a voz mais belamente profética e romântica que trouxe ao País a República.

Infelizmente, por ignorância, por instalação e subserviência, durante excessivas dezenas de anos, deixaram-se crescer sucessivas gerações, adestradas em descrer e malsinar o ideal republicano que andou a luzir em todo o ser de António José de Almeida. Como se o ideal republicano de então consubstanciasse as desgraças da Pátria e da alma cristã do povo.

Os republicanos, ainda até há pouco tempo, passavam por gente suspeita, sem merecer confiança ao estado e a alguns católicos, porque sonhavam com a mudança do regime político totalitário, porque se arvoravam em defensores da liberdade de pensamento e de religião, porque defendiam a separação entre a Igreja e o Estado, porque exigiam maior justiça social. Aspirações estas que nenhum cristão devia deixar que lhe amortecessem no espírito já que são maravilhosa semente evangélica. E aí estão os documentos do último Concílio a colocar estas verdades como fundamentais ao cristianismo.

Bem sei que todas as lutas, mesmo as de maior pureza, trazem consigo o risco de algumas feridas. Não admira, por isso, que no meio da refrega política travada nos primeiros anos que precederam ou seguiram a instauração do regime republicano, se tenham aberto por algumas imprudências de parte a parte, chagas dolorosas, que o bom senso evitaria.

Mas até neste aspecto, António José de Almeida soube estar atento não só à alma popular como aos ditames do próprio coração: dos três partidos republicanos o seu era o mais moderado!

Que Penacova festeje então o maior dos seus filhos; a suavidade da terra  ficou-lhe no temperamento e no verbo arrebatado.

Político, médico, fundador de jornais, a sua obra continua viva e irreversível. Desde estudante a Presidente da República, foi homem de ideal, capaz de discordar, de atacar, de sofrer processos e prisões, sempre por um Portugal diferente e digno. Sem perder contacto com a aldeia e os vizinhos dedicou-se ao futuro de todos os nascidos na Pátria que estremecia. Com tal doação que morreu pobre!

Após tantos anos, António José de Almeida talvez pareça a alguns como ultrapassado: hoje há menos reptos líricos e outras palavras a traduzir novos ideais. O que, porém, não está ultrapassada é a sua estrutural e sinceríssima aspiração por um novo mundo onde reine a liberdade e a igualdade. O que não está ultrapassado é o exemplo  de ser um político que nunca pôs de lado o coração."

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Urbano Duarte, “António José de Almeida sob silêncio de cemitério”, artigo  publicado no Notícias de Penacova de 5 de Outubro de 1974.

Urbano Duarte, padre, professor e jornalista (1917-1980) Urbano Duarte foi uma das figuras mais marcantes de Coimbra na segunda metade do século XX.

 

 

 


30 junho 2021

Locuções populares (IX): Coisas do Arco da Velha


Como sabemos, a expressão tem o significado de coisas inacreditáveis, absurdas, espantosas, inverosímeis, prodigiosas. 

No imaginário popular, e na linguagem coloquial, o arco-íris era designado por arco-da-velha. Só a população mais culta dizia arco-íris. 

O arco-íris (ou arco-da-velha) sempre esteve associado a fenómenos atmosféricos por vezes inusitados e, por associação, a acontecimentos extraordinários. Assim, é bem possível que esta associação se fosse progressivamente expandindo, acabando por se associar a ocorrências inacreditáveis. 

Porém, a expressão só terá começado a ser utilizada a partir do século XIX.

A designação de arco-da-velha está relacionada com o texto do Livro do Génesis: o "Arco" da "Velha Aliança" (Antigo Testamento). 

E disse Deus: Este é o sinal da aliança que ponho entre mim e vós, e entre toda a alma vivente, que está convosco, por gerações eternas .O meu arco tenho posto nas nuvens; este será por sinal da aliança entre mim e a terra. E acontecerá que, quando eu trouxer nuvens sobre a terra, aparecerá o arco nas nuvens.

Então me lembrarei da minha aliança, que está entre mim e vós, e entre toda a alma vivente de toda a carne; e as águas não se tornarão mais em dilúvio para destruir toda a carne .E estará o arco nas nuvens, e eu o verei, para me lembrar da aliança eterna entre Deus e toda a alma vivente de toda a carne, que está sobre a terra. (Genesis 9:12-16)

Fonte: Repositório do conhecimento Inútil

 

25 maio 2021

Invasões Francesas no concelho de Penacova: o outro lado da História


A exaltação da vitória anglo-lusa na Batalha do Buçaco não pode, no nosso entender, atirar para o esquecimento os horrores sofridos pelo povo anónimo das povoações do nosso concelho em 1810 e 1811. Povo alheio aos interesses militares e políticos, povo que foi, pura e simplesmente, vítima de assassinatos, violações, atrocidades, roubos… e viu destruídas  pelo furor das chamas muitas das suas casas, muitas das suas aldeias até.

Só no concelho de Penacova (território actual) foram cerca de 60 pessoas assassinadas, entre elas uma criança, e perto de 80 casas incendiadas, não contando com a destruição total de 6 aldeias e das “casas principais”, não contabilizadas, de Oliveira do Cunhedo. Atingidas pelo fogo posto também 2 igrejas, 1 capela e 1 residência paroquial.

Os relatos[1] que cada paróquia - dos então arciprestados de Sinde, Arganil e Mortágua - fez no rescaldo da incursão dos franceses, principalmente no primeiro trimestre de 1911, dão-nos uma ténue imagem do que realmente aconteceu.

A freguesia mais atingida em termos de vítimas pessoais foi sem dúvida Farinha Podre: assassinados 16 homens e 9 mulheres. O mapa elaborado pelo pároco regista mesmo os locais e por vezes os nomes. Na Sede da freguesia pereceram 3 homens e 3 mulheres, em Hombres 5 homens e 3 mulheres, em Laborins 2 homens, no Carvalhal, na Cruz do Soito e no Silveirinho 1 homem em cada uma das terras. Calcula-se que muitas outras pessoas terão acabado por morrer na sequência dos maus tratos sofridos. Também a destruição de 30 casas incendiadas nos dão uma ideia da violência e do terror espalhado na actual freguesia de S. Pedro de Alva.

Na freguesia de S. Paio de Farinha Podre assassinaram 1 criança, contabilizando-se no total 3 indivíduos do sexo masculino  e três do sexo feminino. Além de 8 casas incendiadas também a Igreja sofreu igual ofensa. Nesta, roubaram imagens e objectos de culto.

Todo o concelho sofreu de um modo ou de outro. Apenas a freguesia de Sazes terá tido a sorte de passar à margem destas desgraças. Refere o relato do arcipreste que “nesta freguesia não entraram franceses alguns.”

A freguesia de Carvalho foi outra das que sofreram duros revezes. Não tanto em mortes mas sim em destruição. Morreu 1 indivíduo do sexo masculino e é  importante recordar que as aldeias de Seixo, Soalhal, Pendurada, Lourinhal e Cerquedo foram totalmente incendiadas. Quanto a roubos o relatório traduz a situação em poucas palavras dizendo que “tudo se foi”.

Por falar em aldeias incendiadas passemos à freguesia de Penacova. A aldeia do Felgar foi também completamente destruído pelo fogo. Foi esta zona da freguesia (Felgar, Travasso, Sanguinho, Ferradosa, Hospital, Balteiro e Ribas) a mais atingida pelos invasores, registando-se “pesados roubos” de gado, porcos, fruta e alfaias religiosas. Das capelas do Travasso e da Riba de Cima levaram o cálice e “todos os ornamentos”. No que toca a mortes há a referência a 5 homens e 3 mulheres.

Passando a Lorvão, há o registo do assassinato de 4 homens e a ocorrência de inúmeros “roubos sacrílegos”. Nas capelas do Roxo e do Caneiro foram roubados cálices, patenas, paramentos e óleos.

Figueira de Lorvão “foi menos atacada”… No entanto, mataram António Francisco e F. Henriques dos Santos e ainda Ana Marques, de 45 anos, moradora em Alagoa.

Em Paradela assassinaram Manuel Carvalinho e Isabel Henriques, ambos na casa dos 80 anos. Na Sobreira foi um homem de 40 anos: António Silveira e ainda uma mulher de 50 anos, viúva, Isabel Lemos. As violações foram outro dos dramas vividos, quer nesta freguesia, quer em todas as zonas atingidas. Nesta freguesia queimaram a residência paroquial “com tudo o que tinha dentro” e 16 casas tiveram igual destino. Roubaram “todo o grão, vinho e azeite”, hortas e gado. Destruíram  searas e vinhas. Na Igreja “escavacaram” o trono, o altar-mor e o sacrário. Queimaram todos os livros de Assentos, Pastorais e outros documentos.

Oliveira do Cunhedo e Travanca foram “visitadas” pelos  franceses em Setembro de 1810, nas vésperas da batalha do Buçaco, e em Março de 1811 quando retiravam pela margem esquerda do Mondego.

Em Oliveira assassinaram 3 homens e 1 mulher e incendiaram as “casas principais” da localidade. Roubaram casas, “grãos”, gado e a Igreja.

Na freguesia vizinha de Travanca, mataram 3 homens, sendo um deles Manuel Rodrigues, sapateiro de Lagares, com mais de 80 anos. Outro foi vítima de cutiladas. Uma mulher casada foi presa, acabando os soldados de Napoleão por “a deixar”…provavelmente violada como tantas outras. Queimaram 7 das melhores casas e roubaram tudo o que apanharam na residência paroquial. Na Igreja, que foi assaltada por duas vezes, “arrancaram a pedra de Ara”, destruíram o sacrário e relíquias e até os galões dos paramentos levaram.

Em Friúmes assassinaram 6 homens e 4 mulheres. Luís António levou um tiro na cara e João Reis foi enforcado na Igreja, escapando por milagre. Incendiadas 15 casas, queimada a Igreja e a capela do Espírito Santo em Vale do Tronco (que acabou por ser demolida). Roubaram 600 cabeças de gado, 800 alqueires de milho, 10 pipas de vinho e 60 alqueires de azeite.

Milhares de páginas se escreveram nestes 200 anos passados sobre a chamada Guerra Peninsular. E quem se lembra das “vítimas mais humildes e ignoradas”, das “populações civis espoliadas, cruelmente martirizadas e assassinadas”? – perguntamos também, subscrevendo  as palavras de Maria Antónia Lopes, da Faculdade de Letras e Centro de História da Sociedade e da Cultura da Universidade de Coimbra.



[1] Relatórios elaborados pelos párocos e arciprestes da diocese de Coimbra, dando conta dos “Estragos, incêndios e mortes causados pelo exército na invasão de 1810-1811”.


10 abril 2021

Francisco Rodrigues Lobo e Penacova, nos 400 anos da sua morte

 

ESTÁTUA DE FRANCISCO RODRIGUES LOBO, EM LEIRIA

Assinalam-se em 2021 os 400 anos da morte do poeta Francisco Rodrigues Lobo (1574-1621), que foi um dos grandes escritores portugueses. Nasceu em Leiria e aí viveu, com ligeiros intervalos, para fazer a sua  formação em Leis, na Universidade de Coimbra, que concluiu em 1602. Aquela cidade está a assinalar a efeméride.

A sua vida não terá sido fácil e está revestida de algum mistério. Um traço característico da sua obra é esconder-se por detrás dos pastores que são os seus protagonistas, nas suas três obras principais: “A Primavera”, “O pastor peregrino” e “O desenganado”. Escreveu também “Corte na Aldeia”. Na sua poesia, Rodrigues Lobo evoca  os rios Lis e o Lena, os seus campos e vales. Tudo aí é utópico, como é próprio da literatura bucólica. 

Era Cristão Novo, o que gerava a desconfiança da Inquisição. O seu irmão, já depois da morte dele, foi objeto de um processo daquela. Lobo cresceu sob a protecção dos Marqueses de Vila Real, que tinham Paço em Leiria. No entanto, caiu, a dado momento, em desgraça junto do herdeiro da casa, que era D. Miguel de Meneses.

E é aqui que entra a relação com Penacova.

Não se sabe se a  perseguição terá sido por ser cristão novo, se teria a ver com uma “estranha” relação de amizade com D. Juliana de Lara, irmã de D. Miguel: “Relação que se manteve enquanto o poeta estudou em Coimbra, pois que a visitou mais de uma vez no palácio de Penacova, do Conde de Odemira, com quem, entretanto ela tinha casado. E dedicou-lhe uma das suas obras. Esta relação poderá ter estado na origem dos problemas.

Atente-se que no texto bucólico “A Primavera” (1601), há uma passagem que fala desta vila e arredores.

Por onde entre penedos e aspereza passa o Mondego … rompendo os montes seus... Corre por entre as serras furioso, perto donde o rio Alva se derrama...

Se alevanta uma pena graciosa... uma profunda cova se descobre…

“A Primavera” divide-se em três partes: Vales e montes entre Lis e o Lena, Campos de Mondego e Praias do Tejo. Cada parte corresponde à caracterização e representação de três espaços marcados pelo protagonista, nas passagens a três momentos que o destino lhe vai ordenando.

“Nesta obra existem espaços em que o texto enraíza uma realidade geográfica, porém também há espaços situados fora da realidade, num universo fascinante e sobrenatural (…) No episódio de Penacova o espaço aparece descrito com realismo e o elemento temporal é distante da realidade histórica devido a transformação das personagens reais e seres mitológicos (…) A ruptura de laços que ligariam a história narrativa ao tempo histórico é mais uma característica da construção da narrativa da novela pastoril."[1]

Francisco Rodrigues Lobo morreu perto de Santarém, num naufrágio no Tejo, quando regressava de uma viagem a Lisboa no ano de 1621.







[1] (1) Cf. estudo de Sirlene de Lima Corrêa Cristófano, mestre em Literatura, Culturais e Interartes, pela Faculdade de Letras Universidade do Porto – FLUP (2009).

Locuções populares (VIII): Tudo como dantes no quartel general d' Abrantes


"Tudo como dantes no quartel general de Abrantes" significa que não há nada de novo, que continua tudo na mesma.

A expressão parece ter origem  nos  acontecimentos ocorridos durante a primeira invasão francesa.

Napoleão decretou o ‘Bloqueio Continental’, isto é, o encerramento dos portos da Europa continental ao comércio com a Inglaterra. Como Portugal não cumpriu este bloqueio Napoleão decidiu invadir Portugal.

A 17 de Novembro de 1807 o exército francês entrou em Portugal pelo vale do Tejo, que era o caminho mais curto para chegar a Lisboa. Nevava nas serras espanholas e chovia muito nas Beiras, provocando cheias nos rios, dificultando a travessia dos cursos de água pelas tropas e, principalmente, pelos canhões.

Só a 23 de novembro de 1807 é que a vanguarda do exército francês entrou na vila de Abrantes, de forma dispersa, desordenada, com os militares famintos, rotos, sem poder sequer utilizar as munições, que estavam molhadas. Junot chegou no dia seguinte, e aí instalou o seu quartel-general para que as forças pudessem retemperar forças e para aguardar por grande quantidade de militares que se tinham atrasado

A vila permaneceu sob ocupação francesa durante muito tempo. Quando se perguntava como iam as coisas, que notícias havia da situação no país, a resposta era: Tudo como dantes no quartel d'Abrantes’.

Fonte: Repositório do Conhecimento Inútil

25 março 2021

Locuções populares (VII): Ficar a ver navios

 


Como sabemos, a expressão significa  não conseguir o que se deseja, ficar decepcionado. Também se diz por vezes “ficar a chuchar no dedo”...

A origem mais provável desta locução terá a ver com a primeira invasão francesa e a chegada de Junot a Lisboa, quando a família real fugia para o Brasil.

Em 20 de Novembro de 1807 as tropas francesas, reforçadas por forças espanholas, comandadas por  Junot, invadiram Portugal, entrando pela Beira Baixa.

O principal objectivo de Junot era chegar a Lisboa e prender a família real. Entretanto, a corte e a nobreza preparou-se à pressa para sair do país. Cinquenta navios transportando 15 000 pessoas juntamente com jóias, móveis, livros, e outras bens, saíram a 27 de Novembro rumo ao Brasil.

Junot chegou a Lisboa no dia 30. Já só conseguiu deter 3 navios porque  os restantes já iam demasiado longe… E assim, “ficou a ver navios”…

Há uma outra versão que relaciona a origem da locução com o desastre de Alcácer Quibir. Havia pessoas que durante muito tempo,  dos lugares mais altos da cidade de Lisboa, olhavam os navios que chegavam ao Tejo, à espera que de um deles surgisse o Rei D. Sebastião.

 

18 março 2021

Lorvão vai ter unidade hoteleira


Vai hoje ser assinado o contrato de concessão do Mosteiro do Lorvão para instalação de uma unidade hoteleira. A reabilitação e exploração do Mosteiro foi adjudicada à empresa Soft Time, de Luís Sérgio Aleixo Pita.

Saiba + sobre a Soft Time:
e sobre a notícia:

Depois de tanto impasse, oxalá seja desta que que aquele majestoso espaço "REVIVA" efectivamente, para bem do nosso concelho e da nossa região.

14 março 2021

Lenda de Penacova



Foi um dia o Mondego

Todo jovem, todo ledo

A Coimbra a estudar.

Levou os livros no intento

De passar bem o seu tempo

Se tivesse de parar.



Longa via já andada

Toda a roupa ensopada

No suor do corpo seu

Ali, na falda da serra

Deitou os livros em terra

E à fadiga se rendeu.



Lá do Céu meigo luar

Já cuidava em pratear

As negras cristas dos montes,

E o Mondego já tremia

Do medo que então sentia

Do rumor surdo, das fontes.



Temeroso ajoelhou

E de mãos postas rezou

Ao Senhor de quanto havia,

Que do Céu prestes mandasse

Um Anjo que lhe falasse

E fizesse companhia.



E o Senhor atento ouvia

E depois pena sentia

Do seu amargo penar…

Seu pedido despachou

E um anjo, prestes mandou

Num raio do seu lar.



E nessa noite distante

Jovem Mondego estudante

Dormindo naquela cova

Dos livros fez livraria

Da pena fez alegria

Da Cova fez Penacova



E o anjo da caridade,

Todo amor, todo bondade,

todo puro e sem labéu

Em sua visão infinda

Achou a terra tão linda

Que não mais voltou ao Céu



E quando um beijo de amor

Quis dar ao seu protector

No momento de partir

O anjo tornou-se astro

E sobe ao monte do Castro

E a meio pôs-se a sorrir



Não posso subir ao Monte

Para pôr na tua fronte

O meu beijo apaixonado?!

Ficarei aqui, ao fundo

Enquanto o mundo for mundo

Dizendo muito obrigado!



E a promessa do Mondego

Todo jovem todo ledo

Foi promessa de valor.

Sabe a gente velha e nova

Que o rio de Penacova

Nunca mais se fez Doutor!



P.e Agostinho

In Notícias de Penacova ,1950



Locuções populares (VI): Estar nas suas sete quintas


Significa estar satisfeito, contente, feliz.

Os nossos reis detinham, no concelho do Seixal, sete quintas onde o rei e o seu séquito gostavam de passar longas temporadas.

Então, nesses tempos, quando se perguntava pelo rei, dizia-se que estava nas suas sete quintas.

No Dicionário de Caldas Aulete, “Estar nas suas sete quintas” significa estar muito contente. Para Cândido de Figueiredo “Estar nas suas sete quintas" seria estar como se quer, perfeitamente à vontade.

Em relação a muitas locuções, há dúvidas, indefinições e discussões sobre as suas origens. Com esta expressão que, como vimos, tem fundamentação histórica profusa, tal não se verifica.

Essas quintas situavam-se na margem sul do Tejo, quase em frente a Lisboa, e a sua história é bem conhecida: Alfeite, Romeira, Piedade, Outeiro, Quintinha, Antelmo e Bomba.

10 março 2021

Locuções populares (V): Emprenhar pelos ouvidos

 


A expressão é muitas vezes usada com o significado de dar importância a rumores, dar ouvido a intrigas, a mexericos.

Na origem desta expressão está, evidentemente, a alusão ao processo de gravidez da virgem Maria.

É no Evangelho de S. Lucas que se refere o episódio do anjo quando anunciou a concepção de Maria. Com efeito, aí se afirma que foi pelos ouvidos que as palavras do Arcanjo Gabriel foram ela recebidas. 

A importância do ouvido como local de estabelecimento da alma e do espírito humano foi reconhecida desde a Grécia antiga tendo essa ideia subsistido durante séculos no imaginário das populações.

Nesses tempos recuados, acreditava-se que a mulher podia realmente engravidar sem ter relações sexuais, isto é, ‘sine decubito’. Tal poderia acontecer por várias formas, principalmente por sonhos e consumo de determinados alimentos.

Os inumeráveis casos de gravidez ‘sine concubito’ motivaram debates judiciais na Idade Média e os tribunais davam muitas vezes razão às mulheres dos cruzados que combatiam na Terra Santa, acreditando que estas podiam ser fecundadas à distância e em sonhos!

Fonte: Repositório do conhecimento inútil, op.cit.

27 fevereiro 2021

Locuções populares (IV): "Mal e porcamente"

 


Esta expressão significa “de modo muito imperfeito”, “muito mal”, “de forma desleixada”, apressada e mesmo até atabalhoada.

Pensa-se que a origem esteja na corruptela de «mal e parcamente» que teria o sentido de “fez mal e, ainda por cima, pouco”. Sendo assim, a expressão original corresponderia a alguma coisa mal feita e com poucos recursos

Como vimos, a expressão ‘mal e porcamente’ era, originalmente, “mal e parcamente”. “Parco” vem do latim “parcus” com o significado de pouco abundante, poupado, pequeno… Como o termo “parco” não é habitualmente utilizado na linguagem popular, a expressão sofreu uma corruptela, sendo “parcamente” trocado por “porcamente”, palavra bastante conhecida e com sonoridade semelhante.

Fonte: Repositório do Conhecimento Inútil, op.cit.

21 fevereiro 2021

Lorvão: páginas cinzentas da sua história


Escreveu Hipólito Raposo (1885-1953):

“As monjas para quem Alexandre Herculano pediu esmola, já não existem. Infinita crueldade seria que a morte as não tivesse poupado ao destino de ver as celas da penitência convertidas em lares onde duas dúzias de famílias foram procurar uma ilusão de abrigo.

Agora, aqueles que no amor ou curiosidade das coisas mortas, se aventuram a transpor os montes que muralham o vale até ao céu, sombriamente, impressiona-os de surpresa a majestade do edifício que o roçar dos séculos tornou venerando.

A cúpula rebrilhante ergue-se no ar sereno, e quando o sol volta, deixa projectar na encosta, a sombra alongada por sobre a ramaria verde-negra dos pinheirais. E toda a face do mosteiro tem no aspecto contrafeito uma opulência decaída, aquela melancólica saudade dos solares de província, abandonados para sempre à vida simples dos abegões.

No Páteo relvoso em que virgens em flor apeando das liteiras no braço dos pais, voltavam os olhos chorosos para dizer adeus ao mundo, vendo apenas ao alto um recorte de céu azul, nesse Páteo dançam agora as moças aos domingos, danças profanas que ultrajam a santidade do lugar e escandalizariam as freiras como um pecado vivo.

Lá dentro, guarda o órgão um silêncio doloroso: das harmonias que derramavam clarões de divindade na alma das noviças, só as paredes e os altares vibram, como outrora na solenidade fúnebre das profissões.

Virgens imateriais quase, erguem na sombra os vultos brancos, entre círios que rodeiam o sacrifício da carne estéril, a chorar pela Vida para gloria de Deus. Toda a visão se ilumina, revive o velho Cenóbio a sua grandeza, cheira a incenso, vozes esvoaçara aflitivamente pelas naves, como suspiros de saudades do céu ...

Em túmulos de prata, dormem há séculos duas filhas de Sancho I e pasma a gente de ver que lhes tenham respeitado a paz, ao lado de oleografias e alfaias milagrosamente salvas à mesma cobiça sacrílega que desnudou a igreja e o convento.

Olhando ao fundo o coro, sumptuoso lavor, luz fria entristecendo a face das coisas e como uma súplica sem esperança, alevanta-se o vulto anguloso da estante do ofício, suportando ainda o velho antifonário coberto de poeira sagrada.

Mal resistindo à deterioração de toda a hora, o cadeirado glorioso alonga a todo o comprimento a graça das decorações, todas animadas da celeste espiritualidade que resplandecem cada figura tutelar.

Pelas altas arcarias, emparedadas aqui e além de fragmentos de capiteis e colunas, vai-se escoando o fumo dos lares que tendo bafejado torpemente os azulejos dos corredores, anda a denegrir os ornatos do coro, da mais preciosa talha de este país, porque o Governo para cobrir o deficit e matar a dívida, arrendou a míseros paliteiros, por uma centena de mil réis, as celas das freiras de Lorvão.

Se cada convento em Portugal é uma página de vergonha para a história contemporânea, creio que em nenhum haverá tão numerosos exemplos de ladroagem e desleixo como neste que tendo sido poupado pelo vandalismo francês, é destruído e roubado em proveito dos liberais do presente e em nome do interesse público.

Aqui, no alto da cúpula, a vista sobe a encosta, pela extensão da verdura até ao céu, torna a descer o declive e pára no fundo do vale, nas trepadeiras e heras da cerca, enlaçando ruínas musgosas, entre silvas e alecrim, a romper vigorosamente dos entulhos onde erram perfumes de cravos do outono e cintilações de azulejos migados ao sol.

Dos três claustros, ainda de pé, alguns arcos, alternando com fustes brancos de colunas mutiladas e inertes. Debaixo das arcarias abatidas movem-se crianças famintas, olhos vermelhos do fumo, fugindo das celas para a agonia dos corredores onde o ar é opaco e a friagem passa rudemente, ululando rumores de morte, sem a resistência das portas já moídas do temporal.

Mulheres de andrajos cruzam-se na faina, outras espreitam dos buracos e encontram ainda um sorriso de motejo pelos que lhes devassam o martírio que nem o sacrifício da Arte lhes abranda a existência, ao menos.

Nas ruas, mocinhas de rosto seráfico e olhar tímido, paradas de curiosidade, duvidam que alguém possa ter interesse em peregrinar àquela ruinaria com que entestam a toda a hora, desde que nasceram.

E assim, entre o desdém de um povo que desejaria aniquilar um monumento que lhes humilha a pobreza dos casebres e o fisco faminto, amolecendo mais a indiferença de um Conselho de Monumentos Nacionais, é que se extinguirá até aos alicerces, o que ainda resta do mais histórico mosteiro de Portugal.

Velhas Crónicas falam gravemente de estes frades da cogula negra, cultivadores de terras bravias nos primeiros séculos, em doações alargadas mais tarde e mantidas pelos próprios moiros já dominando em Coimbra, até que em tempo de cristãos eles cederam casa e senhorio à virtude das netas do primeiro Rei de Portugal.

Toda a tragédia das Rainhas Teresa e Sancha, com a dedicação de nobres damas que nos votos acompanharam o infortúnio daquela - eu a revivo entre matagais agrestes lá no fundo da Idade Média portuguesa, o irmão feroz usurpando-lhes os castelos e a triste Infanta Beringela, deserdada, na Dinamarca cinzenta, chorando com saudades do sol e da terra que perdera.

Casa de penitência agora, viveiro de bastardos, quatro séculos depois, no governo de Filipa d'Eça, quando as monjas ricas e protegidas, resistiam com tantos abusos pelo prestígio da sua beleza, ao intuito reformador de D. João III.

Sob estes claustros se exaltou o misticismo de Joana de Albuquerque, discípula de Santa Teresa, que na alucinação histérica de cada hora, tinha colóquios de amor com Jesus, de novo ressuscitado para a sua paixão ardente, com beijos, ciúmes e amuos, como no mais trivial namoro português, segundo a sua própria narrativa.

O Mosteiro de Lorvão - “antre serras onde o sol não era visto” - a saudade de Crisfal o rememora a todo o coração enamorado; as lembranças tristes das freiras que resolviam morrer à fome para não quebrarem a clausura, a mendigar nos caminhos, hão de sepultar-se nas últimas ruinas que impressionando-nos com respeito, ainda mais nos indignam pelo testemunho de uma execranda malvadez."

In Livro de Horas de Hipólito Raposo. Coimbra. França Amado Editor. 1913

[José Hipólito Vaz Raposo (São Vicente da Beira, 13 de Fevereiro de 1885 — Lisboa, 26 de Agosto de 1953), mais conhecido por Hipólito Raposo, foi um advogado, escritor, historiador e político monárquico, que se notabilizou como um dos mais destacados dirigentes do Integralismo Lusitano.]