A apresentar mensagens correspondentes à consulta travanca ordenadas por data. Ordenar por relevância Mostrar todas as mensagens
A apresentar mensagens correspondentes à consulta travanca ordenadas por data. Ordenar por relevância Mostrar todas as mensagens

25 abril 2024

Ecos da revolução do 25 de Abril na Imprensa Local


Falar em jornais de Penacova na década de setenta é falar do “Notícias de Penacova” que veio a lume em 1932 e suspendeu a publicação em finais de 1978, para não mais voltar.

Este periódico, em vésperas do 25 de Abril poucas notícias locais publicava, possivelmente por falta de colaboradores.

Começando a analisar em Janeiro de 1974, encontramos, por exemplo, a defesa da política ultramarina e da guerra colonial. Em Fevereiro ressalta uma crítica muito grande à ONU, associando-a a “uma feira de vaidades” ao mesmo tempo que censura as “políticas onusinas”. Ainda neste mesmo mês, é feita especial referência a discursos de Marcelo Caetano nos quais refere as “atoardas e calúnias” de “certa imprensa”. Sobre o regime, o mesmo afirma no jornal de 9 de Março que “a experiência Corporativa” é “um êxito” evidente. No jornal de 18 de Abril, meia dúzia de dias antes do 25 de Abril, é noticiada a visita de Américo Tomás às obras da Barragem da Aguieira.

A 23 de Março, citando-se um discurso do Ministro Moreira Baptista, salienta-se que os Governadores Civis devem evitar que “alguns eclesiásticos se façam eco de críticas destrutivas que com má-fé são postas a circular para combater a acção governativa, esquecendo-se que a sua missão na Terra deve ser somente evangélica e não política”. Neste particular, apesar de não ter sido notícia no jornal, como é evidente, dizia-se que o Padre António Veiga, pároco de Travanca, Oliveira e Almaça, com grandes preocupações sociais e culturais, chegara a ter informadores da PIDE a escutar as suas homilias.

Estranhamente (ou talvez não) o jornal que tem a data de 27 de Abril alheia-se por completo dos acontecimentos que estão na ordem do dia. Só a edição de 4 de Maio faz eco da Revolução, publicando fotografias de Costa Gomes e de António de Spínola. O editorial, intitulado “Mudança de Rumo” apresenta-se ainda muito cauteloso e desconfiado, indo rebuscar as convulsões da I República e apresentando o 28 de Maio de 1926 como o início de uma fase que “não obstante os naturais defeitos, manteve a paz e o sossego durante meio século e transformou completamente a fisionomia da Nação.” O autor do artigo duvida muito que os portugueses saibam usar a Liberdade e teme, mesmo, que “a emenda seja pior que o soneto.”

Nesta data, dá-se realce ao Manifesto do Movimento das Forças Armadas. O jornal seguinte virá a ser publicado só passados quinze dias, a 18 de Maio, dado que a edição do dia 11 não se publicou, por motivos logísticos, conforme foi comunicado. Neste 18 de Maio já não consta o nome de Joaquim de Oliveira Marques como director. Agora, é o Pároco de Penacova, João da Cruz Conceição, que assume a direcção. Joaquim de Oliveira Marques escreverá em 13 de Julho na pequena nota intitulada “Palavra de Despedida”, que saía porque “a vontade de no máximo 2% por cento da população do concelho” (…) elegera “novas autoridades“ que impuseram a sua saída.”

O 1º de Maio de 74 foi, também em Penacova, o dia em que o Povo “saiu à rua” de uma forma mais visível. A notícia de um ou outro episódio só virá a público no dia 18, como vimos. Relata o jornal que “muitas pessoas se concentraram no Terreiro (…) realizando-se em seguida uma sessão pública no Salão dos Paços do Concelho. Muitos democratas tomaram a palavra para enaltecer o Movimento de Libertação”.

Nesta sessão foi eleita “uma comissão para gerir os interesses do Município”. Comissão que integrava os seguintes nomes: “Fernando Ribeiro Dias, tesoureiro da Fazenda Pública, Manuel Ribeiro dos Santos (comerciante), Rui Castro Pita (engenheiro civil), Joaquim Manuel Sales Guedes Leitão (notário), José Marques de Sousa (proprietário ), Teófilo Luís Alves Marques da Silva ( professor liceal), Américo Simões (industrial ), Adelaide Simões (farmacêutica ), Artur José do Amaral (estudante de Direito ), Artur Manuel Sales Guedes Coimbra (médico), António Coimbra Soares (professor e comerciante) e António de Sousa (electricista).

Esta Comissão alargada, que tomou posse em 2 de Maio, elegeu por sua vez o Presidente e o Vice-Presidente, respectivamente, Teófilo Luís Alves Marques da Silva e António de Sousa. Esta tomada de posse contou com a presença do Presidente e Vice- Presidente cessantes, Álvaro Barbosa Ribeiro e Francisco José Azougado da Mata. Os mesmos declararam ter solicitado e obtido a exoneração dos seus cargos junto do Comandante da Região Militar de Coimbra”. Álvaro Barbosa Ribeiro, à época Deputado, acabaria por passados alguns dias ser detido e preso em Lisboa e Coimbra, acabando o processo por ser arquivado por falta de provas.

Ainda sobre este 1º de Maio no concelho de Penacova lê-se numa local de Lorvão que se tratou de “um dia inesquecível em que todo o povo saiu em massa à rua e com ele a Filarmónica, entoando o Hino Nacional.”

No dia 5 de Maio, domingo, foram em diversas freguesias escolhidos os elementos para presidirem às respectivas Juntas. Em Penacova e Lorvão tal acto teve lugar no dia 12. Em Penacova também neste dia foi eleita nova direcção da Casa do Povo. Por sua vez em Lorvão, realizou-se uma sessão pública na sede da Associação Recreativa Lorvanense com a presença de membros da Comissão Administrativa concelhia e de um representante do Movimento Democrático de Coimbra. Foi notória a presença de um grande número de pessoas, sublinhando o articulista que predominavam as mulheres da povoação de Lorvão que “por mais de uma vez interromperam a sessão”. De Friúmes chega a notícia que ali se deslocara uma sub-comissão da Câmara Municipal para numa “grandiosa reunião sondar se era da vontade do povo continuar a mesma Junta, o que acabou por suceder.”

Sabe-se que em S. Pedro de Alva igual procedimento se fez e com os mesmos resultados: manutenção da Junta.

Com a finalidade de “instruir o povo, esse povo unido, esse povo honesto” para ser “pormenorizadamente instruído acerca da nossa política nacional actual – escreve o correspondente do NP em Friúmes – havia sido marcada uma reunião para o dia 9 de Junho. Recorde-se que estas sessões de esclarecimento e dinamização cultural, assim designadas e geralmente orientadas por elementos do MFA, no nosso caso, por militares da Região Militar de Coimbra, tiveram lugar na maioria das freguesias. Por exemplo, em Penacova a 17 de Fevereiro de 1975, as ovações ao MFA ( O povo está com o MFA) estenderam-se até cerca das 3 horas da madrugada! Ainda na vila, a 18 de Maio, teve lugar durante a tarde mais uma sessão de “Dinamização Cultural” com a presença das Filarmónicas do Concelho, da Orquestra Típica Infantil de Penacova e a Banda de Música do Regimento de Serviços de Saúde. Houve também uma sessão de cinema na Casa do Povo, dado que devido à chuva o programa não pôde ser feito no exterior como estava previsto. Refere o jornal que a dinamização da população em ordem à participação do povo neste programa fora feita pelos 1ºos sargentos penacovenses, José Alvarinhas e José Alberto. Penacova, Friúmes, mas também Chelo. Aqui, no dia 8 de Maio, no Ginásio Recreativo, teve lugar uma “sessão de esclarecimento pelas Forças Armadas”.

Ilustrativo do ambiente que se viveu por estes tempos, recordemos o “assalto” à Casa das Enfermeiras em Lorvão, edifício do antigo Hospício e que agora apenas tinha duas pessoas a residir. Em Agosto de 75, depois de várias reuniões inconclusivas e manifestações populares como aquela que uns tempos antes reunira mais de mil pessoas e onde falaram diversos oradores, entre os quais um representante do MRPP, em defesa da ocupação do edifício para Casa do Povo, que funcionava em condições muito precárias. Neste Agosto o povo decide avançar, pôr os móveis na rua e tomar conta das instalações. Sobre este episódio, António Simões, ex-cozinheiro do hospital, recordará mais tarde, a 30 de Abril de 1998 ao jornal penacovense Nova Esperança, essa “manifestação popular onde o povo é que mais ordenou”. A Comissão Instaladora do Hospital reconheceu, resignada, que “o povo entusiasmado com o que ouvia na rádio e lia nos jornais, resolveu tomar uma atitude sem o seu consentimento”. No fim de contas “O Povo é quem mais ordena!”

Outros episódios poderiam ser recordados. Vamos referir por agora o célebre “Dia de Trabalho pela Nação”. Foi a 6 de outubro de 1974 que, sob proposta de Vasco Gonçalves e tendo a dispensa da Conferência Episcopal, foi pedido que as pessoas dedicassem um dia de trabalho voluntário a favor do País. Referiremos o caso de Travanca, Rebordosa, Chelo e Lorvão. Em Travanca a Junta de Freguesia lançou o apelo e muitas pessoas, incluindo o Pároco, lançaram mãos à obra e procederam ao arranjo do caminho que ligava o ramal da Igreja ao Cemitério. Na Rebordosa, a Juventude (dos 12 aos 23) deixou “as ruas num mimo”. Em Chelo, um grupo “constituído por pessoas que normalmente não pegam na enxada e na picareta “deu início às escavações para a construção de um fontenário”. Por fim, em Lorvão os jovens estudantes reuniram em grupos de trabalho e (…) limparam as ruas da povoação. Mas Lorvão não se ficou por aqui. As paliteiras juntaram-se em grupos fazendo o seu dia de trabalho. Como resultado da venda de palitos (…) recolheram, juntamente com ofertas de voluntários a quantia de 2.485 escudos, que entregaram para os Deficientes-Mutilados das Forças Armadas.

Como sabemos, foi Teófilo Luís Alves Marques da Silva, que desde 1971 era professor de História e Director do Ciclo Preparatório, que assumiu a presidência da Comissão Administrativa Provisória. Em entrevista ao Jornal de Penacova de 15/12/2002 dirá que “tal como um pouco por todo o país a revolução dos cravos foi recebida em Penacova com grande júbilo, pelo menos pelas pessoas com quem contactava no café, na pensão e nas ruas.” Recordará entre outros aspectos a falta gritante de estruturas e de verbas. Por vezes eram uns cerca de 1000 contos feitos na venda de madeira que conseguiam tapar os buracos maiores. Com mágoa recordará, igualmente, quando certo dia um grupo de pessoas quis invadir a Câmara e como nesse dia não estava, agrediram à bofetada o Eng. Castro Pita,”um homem de 60 anos que tanto deu à sua terra”. “Achavam que eu era um indivíduo perigoso, que tinha levado a Câmara à falência, etc… Por estas e por outras acabou por pedir a demissão. Em Agosto de 1975 a comissão fica demissionária. Vai-se manter até Abril de 76. Nesta data dá-se a demissão, agora em bloco. Perante isso foi nomeado para assegurar a presidência da Câmara até às primeiras eleições autárquicas de Dezembro de 76 , como gestor municipal, José Alberto Rodrigues Costa.

Para terminar detenhamo-nos na legenda que acompanhava um foto de Penacova oferecido ao jornal pelo sr. LuísCunha Menezes e publicada na edição de 18 de Maio de 1974:

“Que à pureza dos ares que invadem a nossa região se possam assemelhar os ventos da libertação que sacudiu o país a partir do 25 de Abril. Que a caminhada de Paz e a Liberdade iniciada pelas Forças Armadas, de mãos dadas com o povo, não se detenha até alcançar toda a terra portuguesa.”

David Almeida 

(Comunicação apresentada hoje na sessão solene das comemorações do 25 de Abril em Penacova)




08 fevereiro 2024

Penacova um olhar 1921: características, anseios, necessidades (I)


Com o título “Monografia” e assinado por Bernardino Pereira, o Jornal de Penacova publicou em 1921 um artigo / crónica que nos transpõe para tempos que já levam a marca de um século e nos dão uma imagem, nalguns aspectos curiosa, do nosso concelho no primeiro quartel do século XX.

À época, Penacova enquadrava-se no conjunto dos concelhos de 2ª ordem e das comarcas de 2ª classe, agregando, em termos judiciais, o “novo” concelho de Vila Nova de Poiares. O concelho de Penacova, estendendo-se por uma área de 193 Km2 era formado por 11 freguesias: “Nossa Senhora da Assunção” (sede), Lorvão, Sazes de Lorvão, Carvalho, Travanca, S. Pedro de Alva, Oliveira do Mondego, “S. Paio de S. Pedro de Alva”, Paradela e Friúmes. Confrontava, tal como hoje, com Santa Comba Dão, Tábua, Arganil, Vila Nova de Poiares, Coimbra, Mealhada e Mortágua, concelhos com quem estabelecia “relações sociais e comerciais, transmitindo e recebendo influência psíquica regional, reciprocidade de novos sentimentos e costumes.”

A sede do concelho, com mais de 900 fogos, teria, em termos “redondos”, 4 000 habitantes. A Vila possuía “edifícios alegres, bem caiados e devidamente alinhados.” 

As artérias principais eram a Avenida 5 de Outubro, a Rua Conselheiro Fernando de Melo e a rua Dr. Joaquim Correia”. É referido também o Largo Alberto Leitão. Relativamente aos edifícios públicos merece destaque “o novo edifício Escola Maria Máxima, do legado do benemérito António Maria dos Santos”. Acrescenta o cronista que “dizem que vai possuir também um hospital”. Por sua vez os Paços do Concelho são considerados “sofríveis”.

Vejamos a apreciação feita sobre as estruturas turísticas: “tem dois hotéis, insuficientes para conter com as devidas comodidades, os seus hóspedes no Verão; nesta época os forasteiros são aos milhares, que aqui vêm veranear e repousar. Vêm de Coimbra, Figueira da Foz, Lisboa e outras terras de Portugal e do Estrangeiro.”

Sobre as actividades económicas é referido o seguinte quanto à agricultura: “O terreno não pode ser considerado como o mais fértil – refere Bernardino Pereira – mas está longe de ser estéril”: tem muitos terrenos regados pelos rios, veigas entre pinhais, em estreitos vales, nas encostas e nos planaltos dos seus montes, “alimentando cerca de 6 000 famílias, isto é, perto de 20 000 dos seus habitantes. Em “géneros alimentícios não é muito abundante” pelo que “tem de importar milho, trigo, vinho, batata, feijão“ e outros produtos.

Pelo contrário, em termos de comércio, exportava “palitos em grande quantidade, cal parda, madeiras, lenha e telha.”

Num registo, de algum modo “romântico”, o cronista salienta que o concelho de Penacova “exporta para o Brasil e para outras partes, braços de camponeses robustos e morigerados”; exporta também “música, flores e seus perfumes”, pelos seus “admiradores e forasteiros envia a saúde do corpo e principalmente do espírito”, bem como “o retemperamento das forças perdidas, com ares salubérrimos das proximidades do Bussaco e com uma relativa economia.”

Enaltecendo as personalidades ilustres do concelho, sublinha B. Pereira que “desta terra abençoada têm saído lentes e sábios notabilíssimos e oradores dos mais distintos.”

“Quem não conhece o grande orador Alves Mendes, quem se não verga respeitoso e submisso perante esse vulto eminente da República, nobre e sublime, muito grande para um país tão pequeno; quem não rende as devidas homenagens ao maior vulto que tudo sacrifica ao bem da Pátria – o nosso venerando Chefe de Estado?”


(Continua)

01 dezembro 2023

Memórias da apanha da azeitona em Travanca do Mondego

A cultura da oliveira e a produção do azeite sofreu nas últimas décadas muitas transformações. Longe vai o tempo em que o processo era feito manualmente, a faina da azeitona coincidia com a quadra do Natal, os lagares eram movidos a água e as prensas eram pesadas varas de castanheiro, de pinheiro ou de eucalipto. Aqui fica o registo desses tempos escrito em 2011. Maria da Pureza, que no passado dia 27 teria feito 96 anos se fosse viva, depois de ter conhecimento da recriação da apanha tradicional da azeitona que a Junta de Freguesia de Travanca fez nesse ano, registou algumas memórias - como era seu hábito fazer, sobre este e outros temas -  que nos transmitem um pouco deste trabalho sazonal tão marcante para o ritmo da vida no campo.



"A apanha da azeitona era um pouco complicada e perigosa. Apanhava-se muito frio. Não era fácil andar numa escada em cima de uma oliveira. Às vezes a escada era atada à oliveira para ficar segura. A azeitona era respigada à mão mas também se utilizava a vara para varejar a que estava mais difícil e os ganchos para puxar as hastes que estavam mais longe da escada. Estendiam-se os panais debaixo das oliveiras e começava o trabalho. Os homens subiam as escadas e iam respigando. A que caía fora dos panais era apanhada por mulheres para cestos feitos de tiras de madeira. A seguir ia para os sacos, depois era erguida. Punham-se panais encostados a uma parede e com um prato atirava-se a azeitona do saco e jogava-se ao ar no sentido contrário ao vento para limpar as folhas.

De manhã, íamos já com um almoço tomado e levávamos uma bucha para o meio da tarde. Antigamente andava-se a apanhar até Janeiro. Agora fica madura mais cedo.

A família Tenreiro de Oliveira do Mondego tinha oliveiras em Travanca e arredores. O Sr. José Cortez de Lagares era encarregado de contratar as pessoas para a apanha dessa azeitona. Formavam grupos e traziam um corno. Tocavam de manhã para se juntarem. Como as oliveiras eram longe umas das outras iam tocando durante o dia para saberem uns dos outros. A Igreja de Travanca também tinha oliveiras em vários sítios, até no Vale do Barco.

Antigamente muitas pessoas ofereciam uma oliveira à Igreja. Os membros da Irmandade é que se encarregavam da apanha dessa azeitona, chamavam-lhe a azeitona da Confraria. Também juntavam grupos: de manhã tocavam o corno para se juntarem, iam tocando durante o dia para se comunicarem e à noite, quando regressavam a casa. Essa azeitona era leiloada. Uma parte era para pagar ao pessoal, a outra revertia para a Igreja. Só estes grupos é que utilizavam o corno.

Até ter vez no lagar, a azeitona era conservada em tulhas com sal; hoje em dia não se utiliza o sal, conserva-se em água. Antigamente a funda do azeite chegava a 20 e tal por cento, porque a azeitona ia para o lagar muito apertada.

Os lagares só faziam três moinhos por dia. Eram tocados a água, quando faltava a água eram os bois que faziam andar a roda. Essa roda é que fazia andar as galgas, eram pedras em forma de mó feitas de pedra milheira. Estavam a andar de roda, a moer a azeitona. Depois de moída era enceirada numas ceiras enormes feitas de capacho. A seguir ia para a prensa. Era o tronco inteiro de uma árvore muito forte com raiz e pedras agarradas. No meio tinha uma cavidade onde trabalhava um fuso, em madeira com rosca, tinha uma peça com buracos e metiam umas trancas. Eram dois homens que faziam aquilo rodar para ir baixando a vara e apertando cada vez mais. O azeite seguia para as tarefas, que eram umas pias de pedra. Estava um tempo a apurar. Não havia separadora.

Eu só fui a dois lagares desses tocados a água, o da Ribeira da Pesqueira (fui uma vez mais o meu pai levar almoço ao lagar da Ribeira da Pesqueira e lá é que eu vi como eram os lagares daquele tempo) e o do rio Alva no lugar do Cornicovo. Eram os dois do Sr. Celestino da Conchada. Mais tarde foram vendidos para o Sr. José Carlos de Oliveira do Mondego. Também havia o Lagar do Petêlo e o da Ribeira de Lagares.   

Os lagares eram sempre em sítios baixos e com maus caminhos. Eram carros de bois que carregavam a azeitona em sacos de mais de 100 quilos. Era carregada para o carro numa padiola. Vinha um homem na véspera ensacá-la.

No lagar tinha o mestre que era o responsável pelo fabrico do azeite. No Lagar da Ribeira da Pesqueira era o Sr. Joaquim Manaia da Parada. Tinha um lenheiro que fornecia a lenha para a fornalha e mato das ladeiras e mais três homens para descarregar a azeitona e todo o trabalho que era preciso. A luz eram candeias de azeite. Os trabalhadores dormiam em tarimbas.

O azeite era medido para latas do dono do lagar. Quando estavam vazias tínhamos de as levar ao lagar. Quando se ia assistir à medição do azeite levava-se uma vasilha para as borras, que postas ao lume, o azeite apurava e tirava-se até dois litros. Também se trazia a baganha para alimento dos porcos. Por cada moinho de baganha, dava-se uma refeição aos trabalhadores.

Eu só fui a dois lagares desses tocados a água, o da Ribeira da Pesqueira (fui uma vez mais o meu pai levar almoço ao lagar da Ribeira da Pesqueira e lá é que eu vi como eram os lagares daquele tempo) e o do rio Alva no lugar do Cornicovo. Eram os dois do Sr. Celestino da Conchada. Mais tarde foram vendidos para o Sr. José Carlos de Oliveira do Mondego. Também havia o Lagar do Petêlo e o da Ribeira de Lagares. 

Mudaram os tempos."

                                                                            Maria da Pureza dos Santos Gonçalves (1927-2020)

Portela, Travanca do Mondego

Texto publicado em 2011 no Nova Esperança


20 agosto 2023

Emigração para o Brasil: a ida de penacovenses para Barretos (S. Paulo)


Recordar-se-ão os nossos leitores das interessantes “Crónicas Brasileiras”, assinadas por Paulo Santos e aqui publicadas em tempos. Recebemos agora mais um interessante trabalho seu sobre a emigração para o Brasil, onde nos relata a odisseia de algumas famílias penacovenses.  

Obrigado Paulo por esta partilha!

A IDA/VINDA DOS PENACOVENSES PARA BARRETOS (SP-Br)



O tempo passa e não perdoa, e quando nos damos conta, lá se foi quase uma década. Pois foi em 13/12/2013 que David de Almeida publicou em seu blog um texto meu sobre a migração de penaconvenses para o Brasil. https://penacovaonline2.blogspot.com/2013/

Faz parte da História, muitos europeus imigraram para o Brasil, durante aqueles dias difíceis porque passou a Europa. Alguns moradores da freguesia de Penacova seguiram o mesmo caminho.

Como os ascendentes da minha esposa (bisavós, avós maternos, paternos, pai e mãe) eram oriundos da freguesia de Penacova, isso me levou a “entrar de cabeça” na empreitada de saber um pouco mais sobre a aventura da travessia do Atlântico, encontrar os navios, descobrir as datas e onde desembarcaram os Batistas, D´Assumpção, Castanheiras e Feitor. Foi uma longa peregrinação pelos arquivos de registros de desembarque de passageiros, em documentos oferecidos pelo Governo Federal e pelo Governo do Estado de São Paulo. Os dados sobre os antepassados encontrei nos arquivos do museu do Tombo, disponibilizados pela Universidade de Coimbra.

Em uma dessas levas de imigrantes, em 22/04/1924, após cruzarem o Atlântico, a bordo do vapor GELRIA, desembarcaram no porto de Santos (São Paulo-Brasil) Maria Piedade, mãe e filho. Eles integravam o grupo de 721 imigrantes, na 3ª classe, de várias nacionalidades: 355 romenos, 136 tchecos eslovacos, 133 portugueses, 45 austríacos, 22 polacos, 17 alemães, 8 espanhóis, 3 turcos, 1 holandês e 1 húngaro. O pai, Eduardo Batista, tinha vindo alguns anos antes para preparar.

Pesquisas dos registros de batismo, nascimento e de casamento

As pesquisas foram feitas no site https://tombo.pt/ nos registros digitalizados efetuados pela Universidade de Coimbra. Iniciando pelo site do Tombo, busca-se a Região, pretendida, nela o Concelho, depois a Freguesia, por fim o período do ano que interessa, entre os disponíveis. Por exemplo, na Freguesia de Figueira de Lorvão há registros de “baptismo” no período de 1766-1911. E de casamento e de óbitos entre 1849-911. Nem sempre as caligrafias dos registros ajudam, ainda que muitas sejam maravilhosas. Postar fotos desses registros pode decepcionar, daí entender ser preferível disponibilizar os links, e apresentar pelo menos a imagem de um deles, para matar a curiosidade mais imediata.


 

Batistas & D´Assumpção

Eduardo Batista (25/03/1897 - 12/03/1945), nasceu em Carvalhal, batizado aos 17/04/1897, na igreja paroquial de Penacova, registro sob nº 25, páginas 10ª e 11ª, filho de Felicidade da Silva, neto materno de Francisco Lopes Loiro e Maria Benedicta. Faleceu em Barretos (SP-Br).
https://pesquisa.auc.uc.pt/viewer?id=42745&FileID=673870

Maria Piedade (16/03/1898 - 31/12/1963), nasceu Gondelim, batizada aos 9/04/1898, registro nº 26, página 23, na igreja paroquial de Penacova, filha de Maria Rosa d´Assumpção, neta materna de Maria Assumpção Peralta. Faleceu em Barretos (SP-Br).


https://pesquisa.auc.uc.pt/viewer?id=275704&FileID=1021086

Eduardo Batista e Maria Piedade d’Assunção se casaram no dia 5/04/1920, conforme registro n°12, do Registro Civil do Concelho de Penacova, página 17ª e 18ª.
https://pesquisa.auc.uc.pt/viewer?id=275887



Em Portugal, aos 25/09/1920 tiveram Eduardo Batista Filho.

Castanheira & Feitor


Manuel Rodrigues Castanheira (23/04/1906 - 7/05/1982), nasceu na Figueira, o assento de batismo nº 26, dia 2/05/1906, Igreja São João Baptista, da Figueira do Lorvão, Penacova, diocese de Coimbra, filho de António Rodrigues Castanheira e Maria do Rosário, neto paterno de Manuel Rodrigues Castanheira e Deolinda da Silva, maternos: José Simão e Maria do Rosário.

Maria Rodrigues Feitor (5/12/1907 - 12/09/1989), batismo em 25/12/1907, nº 52, Igreja São João Baptista, nasceu na Povoa, pais: Joaquim Rodrigues Feitor e Maria Pereira da Costa, neta paterna de António Rodrigues Feitor e Maria de Nossa Senhora, materna: João Rodrigues Valente e Rosaria de Nossa Senhora. Faleceu em Barretos (SP-Br).

Para ver o registro batismo/nascimento de Manuel basta clicar no link abaixo, deverá abrir na página 53, é o registro nº 26.

https://pesquisa.auc.uc.pt/viewer?id=275512&FileID=1137038

O de Maria, mesmo livro, página 90, registro nº 52, link:

https://pesquisa.auc.uc.pt/viewer?id=275512&FileID=113707


Manuel Castanheira e Maria Rodrigues Feitor casaram no dia 25/09/1926, no Registro Civil da Figueira, concelho de Penacova.


Em Portugal tiveram os filhos: Lucília (02/07/1927) e Horácio (04/03/1929)

No Brasil, Manuel Castanheira e Maria Rodrigues tiveram uma penca de filhos: Maria Terezinha, Armando, Zulmira e Izabel. Todos constituiram famílias, tiveram filhos, deram aos pais netos e alguns bisnetos

Relação de passageiros desembarcados no Rio de Janeiro e em Santos

Para encontrar as listas de passageiros utilizei fontes: para desembarque no porto Rio de Janeiro e outra no porto de Santos, respectivamente:

https://sian.an.gov.br/sianex/consulta/resultado_pesquisa_new.asp
http://www.arquivoestado.sp.gov.br/web/acervo/solicitacao_certidoes/lista_passageiros_pesquisa

Para pesquisar no site do Governo Federal é necessário criar conta e senha. Enquanto que nos arquivos do Governo do Estado de São Paulo é livre. Para pesquisar a lista de passageiros, basta usar um dos links, conforme o posto de desembarque, colocar o nome do navio e o ano, pelo menos uma dessas informações. Evidentemente, inserindo ambas ficará mais fácil a pesquisa. Se colocar o nome do navio e a data correta da chegada, ficará ainda mais fácil.


IDA/VINDA dos BATISTAS & Assumpção para o Brasil



Eduardo Batista veio para o Brasil no vapor, Zeelandia, de uma companhia holandesa. Desembarcou no dia 15/05/1922, no Rio de Janeiro. Veio sozinho, para preparar as condições para trazer a família, o destino, Barretos, uma cidade bem ao norte do estado de São Paulo, quase na divisa com o estado de Minas Gerais. Ele é p 349º na relação de passageiros.

http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_rjanrio_ol/0/rpv/prj/17898/br_rjanrio_ol_0_rpv_prj_17898_d0001de0001.pdf

Maria Piedade e Eduardo B Filho (3 anos) desembarcaram em Santos no dia 22/04/1924. Vieram no Vapor Gelria, da mesma companhia que o Zeelandia, passageiros 621º e 622º, foram para Barretos. http://www.arquivoestado.sp.gov.br/uploads/acervo/textual/mi_listavapores/BR_APESP_MI_LP_014226.pdf

No Brasil, Eduardo e Piedade tiveram outros filhos: Zulmira, Osmildo, José Batista, Arthur, Américo, Armando e Neide. Exceto Américo, os demais constituiram famílias, tiveram filhos e netos e bisentos.


IDA/VINDA dos Castanheiras & Feitor para o Brasil



Manuel R. Castanheira desembarcou, no porto de Santos, no dia 19/11/1928, veio pelo Vapor Sierra Morena, Companhia Alemã. De Santos, por viaférrea, passando por São Paulo, seguiu, para Barretos, cidade localizada norte do estado de São Paulo, distante uns 500 km (estado seria um distrito em Portugal). Veio também sozinho.

Em 6/03/1934, Maria Castanheira Feitor chegou a Santos, com Lucília (7 anos) e Horácio (5 anos), pelo Vapor Highland Brigade, do Correio Real Inglês. Foram para Barretos encontrar ao encontro de Manuel.

No Brasil, Manuel Castanheira e Maria tiveram mais filhos: Maria Terezinha, Armando, Zulmira e Izabel. Todos constituiram famílias, tiveram filhos, deram aos pais netos e alguns bisnetos

O casamento: Batista & Castanheira


Eduardo Batista Filho (25/09/1920 – 25/10/1984) que nascera em Gondelim (Penacova), que chegou ao Brasil em 22/04/1924, e foi para Barretos. Lucília Castanheira (2/07/1927 - 17/05/2020), que chegou ao Brasil em 6/03/1934 e que o destino a levou também para Barretos. Com tantas coincidências, não deve ter havido muita dificuldade para se conhecerem, tanto que se casaram aos 4/04/1944, em Barretos.

Tiveram: Marísia (1946), Marilda (1947), Marineide (1949, minha esposa) e José Eduardo (1954). Os filhos constituiram famílias, deram a eles lindos e maravilhos netos, dois dos quais levam meu sangue porque eu me casei com a filha caçula.

Assim vieram os antepassados do Concelho de Penacova, são esses os laços que nos unem a Figueira do Lorvão, Povoa, Gondelim e Carvalhal, lugares que ainda não conhecemos, mas que esperamos e desejamos conhecer.


LISTA DE PASSAGEIROS

Nem sempre as imagens baixadas das listas de passageiros ficam adequadas para publicação. É melhor serem vistas direto pelo link. Publicarei apenas uma para mostrar, as demais poderão ser vistas através dos links dos arquivos em PDF, ou até direto nos arquivos governamentais.

Eduardo Batista – desembarque no Rio de Janeiro - 15/09/1922 - Vapor Zeelandia, é o 349º da lista

http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_rjanrio_ol/0/rpv/prj/17898/br_rjanrio_ol_0_rpv_prj_17898_d0001de0001.pdf

Maria Piedade e Eduardo – desembarque em Santos - 22/04/1924 - Vapor Gelria, passageiros 621º e 622º.

Passageiros: 621º e 622º. http://www.arquivoestado.sp.gov.br/uploads/acervo/textual/mi_listavapores/BR_APESP_MI_LP_014226.pdf

Manuel Castanheira – desembarque em Santos - 19/11/1928 - Vapor Sierra Morena, é o passageiro 85º da 3ª classe http://www.arquivoestado.sp.gov.br/uploads/acervo/textual/mi_listavapores/BR_APESP_MI_LP_015090.pdf

Maria Rodrigues, Lucília e Horácio – desembarque em Santos – 5/3/1934 – Vapor Highland Brigade, passageiros 9º, 10º e 11º da 3ª classe

http://www.arquivoestado.sp.gov.br/uploads/acervo/textual/mi_listavapores/BR_APESP_MI_LP_023807.pdf


CURIOSIDADES E DÚVIDAS

Os registros, em parte, solucionaram as dúvidas existentes nas nossas famílias, quanto aos sobrenomes. Em parte, porque nos diversos registros (batismo, nascimento, casamento e listas de embarques), há divergência nas grafias.

d´Assumpção ou d´Assunção: No registro de batismo/nascimento, Maria Piedade consta como d´Assumpção. No registro de casamento aparece como d´Assunção, bem como na lista de passageiros, e no registro de Eduardo Filho. A conferir nos demais filhos do casal Eduardo e Maria Piedade.

Baptista ou Batista: em todos os documentos de Eduardo consta apenas Batista.

Feitor ou Feitora: Nos documentos portugueses consta Feitor, assim seria mesmo Maria Rodrigues Feitor antes de se casar com Manuel Rodrigues Castanheira.
 

MAPAS E DISTÂNCIAS


O Distrito de Coimbra tem 17 Concelhos: Arganil, Cantanhede, Coimbra, Condeixa-a-Nova, Figueira da Foz, Góis, Lousã, Mira, Miranda do Corvo, Montemor-o-Velho, Oliveira do Hospital, Pampilhosa da Serra, Penacova, Penela, Soure, Tábua e Vila Nova de Poiares.


Mapa de Portugal Continental e do Distrito de Coimbra. Penacova ao norte com a coloração azul mais claro.

Penacova tem 11 freguesias: Carvalho, Figueira de Lorvão, Friúmes, Lorvão, Oliveira do Mondego, Paradela, Penacova, S. Paio de Mondego, São Pedro de Alva, Sazes do Lorvão e Travanca do Mondego.

Obs: O Concelho de Penacova, que tem uma área total de 216,7km2 e, de acordo com os Resultados Preliminares dos Censos 2021, uma população de 13.119 habitantes, divide-se- desde 2013 - por 8 freguesias: Carvalho, Figueira de Lorvão, Lorvão, Penacova, Sazes do Lorvão, União das Freguesias de Friúmes e Paradela, União das Freguesias de Oliveira do Mondego e Travanca do Mondego e União das Freguesias de São Pedro de Alva e São Paio de Mondego

Algumas Distâncias (rodovias): Penacova/Gondelim: 12 km
Penacova/Coimbra: 30 km
Penacova/Figueira do Lorvão: 6,5 km
Penacova/Lisboa: 229 km
Lisboa/Santos (de avião): 7.968 km





Maria Piedade d´Assunção e Eduardo (621º e 622º)

Obs: aceito contribuições para eventuais equívocos.
Texto e grafismo: Paulo Santos

____________________________

NOTAS DA REDACÇÃO sobre causas da emigração e sobre o estado "patológico" da emigração portuguesa

“Na raiz da atitude de emigrar havia uma causa geoeconómica e social, mas, também, psicológica, familiar, política e, muitas vezes, de pressão demográfica. A falta de desenvolvimento do sector agrícola, agravada pela carência de e nas propriedades industriais, empurrava o grosso da população, maioritariamente masculina e dentro da faixa produtiva, que, numa penumbra vivenciada na subsistência de um salário de jornaleiro tão exíguo que roçava pelo mínimo indispensável ao seu parco sustento, o desejo de emigrar, sobretudo para o Brasil, no qual, o espírito alimentava o sonho de uma vida melhor.

Para a explicação do intenso movimento emigratório que se fez sentir no período em   questão, concorrem, igualmente, factores externos como a actuação das autoridades brasileiras na promoção de uma política de atracção de braços para fazer face à crescente necessidade de mão-de-obra que substitua o progressivo desmantelamento das estruturas esclavagistas e, ao mesmo tempo, explore um imenso território despovoado.”

In A emigração no concelho de Penacova através dos Registos de Passaportes (1870-1899), de Mário Jorge Martinho da Costa


“É certo que a emigração portuguesa tomou nos últimos anos caracteres realmente alarmantes, não por ela mesma, mas pelo que significava de destruição e quase morte no organismo económico da nação. Até há pouco tempo ainda nem sequer tínhamos um só tratado de comércio, que nos permitisse exportar os produtos da nossa agricultura que podem defender a nossa existência económica (…) a emigração portuguesa perderá dentro de poucos anos o seu aspecto doloroso, patológico, para assumir os caracteres de um fenómeno normal, eminentemente profícuo, e intimamente ligado, nas suas origens e funções, como no seu movimento, à própria vida da nação.”

Afonso Costa, O problema da emigração, 1911















19 julho 2022

Alfredo Fonseca apresentou o seu décimo livro de Memórias


Da esquerda para a direita:  Humberto Oliveira, Álvaro Coimbra, Alfredo Fonseca; David Almeida e Vítor Cordeiro


Integrada no programa das Festas do Município, decorreu no dia 16, ao fim da tarde, no Largo Alberto Leitão, a apresentação do livro "Tarde é o que nunca se faz: o meu emocionado obrigado a quem tanto me tem estimado", tendo como autor Alfredo Santos Fonseca, penacovense, radicado em S. Pedro de Alva, personalidade bem conhecida da vida autárquica, do comércio local, do associativismo e da palavra escrita. O livro foi apresentado por David Almeida, professor, natural de Travanca do Mondego e amigo do Autor. A sessão contou com a presença do Presidente da Câmara, Álvaro Coimbra, do Presidente da Assembleia Municipal, Humberto Oliveira e do Presidente da União de Freguesias de S. Pedro de Alva e S. Paio do Mondego, Vítor Cordeiro. Presentes também, além da família, muitos amigos do autor e muitas outras pessoas que se interessam pelos eventos culturais.

Depois de constituída a mesa de honra, deu-se início à sessão tendo David Almeida traçado alguns dados biográficos do autor e da sua produção literária trazida a público não apenas nos muitos livros já editados, mas também na imprensa local e regional. Destacou ainda as qualidades de cidadão empenhado e interventivo em muitos outros domínios, tendo mesmo sugerido a atribuição da Medalha de Mérito Municipal, acto de inteira justeza. Referiu-se ainda a alguns pormenores da personalidade do autor, na perspectiva de muitas das pessoas que ao longo dos anos foram assinando os prefácios das obras e que são unânimes em reconhecer que Alfredo Fonseca é uma pessoa e um cidadão que se distingue pelas suas qualidades de excepção. 


De seguida, usou da palavra Vítor Cordeiro, reconhecendo em Alfredo Fonseca "um grande homem, um distinto ex-autarca, um amigo e um grande Sãopedralvense." Usaram ainda da palavra Álvaro Coimbra e Humberto Oliveira que, de improviso, enalteceram a vida e a obra do autor e manifestaram a sua satisfação pelo apresentação de mais este livro.

Por último, Alfredo Fonseca dirigiu-se aos presentes, afirmando que este livro "tem a dupla finalidade" de ser a sua "despedida", não só "da escrita, mas também como cidadão activo", dada o peso dos seus setenta e oito anos. Fez questão de não esquecer os amigos, dizendo que no seu "percurso de vida" fizera muitos amigos, os quais têm sido a sua "maior riqueza. Este livro é, pois, uma maneira de lhes dirigir "um terno e emocionante muito obrigado" e um pedido de desculpas por eventuais falhas que todos temos. Terminou com um agradecimento à família, ao prefaciador, ao Presidente da Câmara e a todos quantos contribuíram para que o livro e a sua apresentação fossem uma realidade.

Para memória futura e para conhecimento de quem não teve a possibilidade de estar presente, achamos pertinente transcrever as intervenções de fundo deste evento.

PALAVRAS DO APRESENTADOR, DAVID ALMEIDA

"(...) Recorde-se que este livro hoje apresentado é a décima obra de Alfredo Fonseca. Se fizermos uma pesquisa no Catálogo da Biblioteca Nacional de Portugal vamos encontrar devidamente registados e catalogados todos eles. São mais de 1500 páginas! É obra! Recordemos: "Memórias do Sofrimento na Guerra de Moçambique" (2001); "Pegadas dos Meus Pés" (2006); "(Farinha Podre) S. Pedro de Alva. Figuras e Factos para a sua História" (2011); "História do Batalhão de Artilharia 1885" (2010); "Os Sampedralvenses da Diáspora" (2012); "Divagação sobre a Génese das Nossas Gentes"(2015); "Memórias Imperfeitas de um Ex-Autarca" (2016); "Casa do Povo de S. Pedro de Alva" (2018); "Episódios na Guerra do Ultramar (Moçambique) vol II" (2022) e "Tarde é o que Nunca se Faz" (2022)

Vejamos um pouco quem é Alfredo Fonseca. Em todos os seus livros faz questão de incluir uma nota biográfica mais ou menos extensa, onde além da sua infância nos conta a entrada no mundo do trabalho - a profissão de alfaiate - depois a vida militar em Moçambique e, ao regressar, a vida passada em S. Pedro de Alva, 30 anos como Autarca com grandes responsabilidades, não esquecendo o seu papel crucial na vida da Casa do Povo bem como a sua vida de empresário de sucesso.

Alfredo dos Santos Fonseca nasceu na freguesia de S. Paio do Mondego (à época, S. Paio de Farinha Podre) no dia 30 de Maio de 1944. Frequentou o Ensino Primário nas Escolas das Ermidas e da Atouguia. Feita a 4ª classe e o Exame de Admissão ao Liceu, viu-lhe cerceada a possibilidade de prosseguir estudos. Aprendeu a arte de alfaiate e no dia 27 de Abril de 1966 partiu para a Guerra do Ultramar. Regressou no dia de Santo António de 1968, casou em S. Pedro de Alva e aí tem vivido até ao presente. Foi agente da "Singer", correspondente de diversos Bancos, representante da Esso Gás e igualmente de cinco Companhias de Seguros.

Aos 27 anos passou a exercer o cargo de Secretário da Junta de Freguesia. Estávamos em 1972. Daí, até 2001, cumpriu 3 mandatos como Secretário, 3 como Presidente e 1 como Presidente da Assembleia de Freguesia. Depois de deixar a vida autárquica foi "atraído" para a Direcção da Casa do Povo. A par de toda esta actividade conseguiu conciliar a sua vida de comerciante na área do mobiliário e electrodomésticos, revelando o seu espírito empreendedor. 

Agora aposentado, dedica-se à família, aos amigos e à escrita, onde desde sempre se revelou como grande comunicador, crítico e interventivo, quer nos seus livros, quer, não esqueçamos, na imprensa regional. E neste domínio, deixo aqui um repto: vamos organizar - disponibilizo-me para nisso colaborar - mais um livro, agora com uma seleção das muitas centenas de crónicas publicadas em jornais locais e regionais?

Grande comunicador, contador de histórias, no seu sentido mais nobre, empreendedor, confiante (auto-estima elevada), resiliente, como agora se diz, inconformado, líder nato...enfim, um conjunto de adjectivações que poderíamos apontar.

Em muitos dos seus escritos, Alfredo Fonseca faz questão de salientar: "Sou apenas um autodidacta, apaixonado pela leitura e pela escrita, por narrativas históricas e ainda por tudo o que diga respeito ao progresso da terra que me adoptou.) (in Divagação sobre a Génese das nossas Gentes). Por sua vez, em "Pegadas dos meus Pés", livro onde já aparecem muitas partes em verso, escreveu:"Não sou pessoa letrada / Nem muito bem preparada/ No condão da literatura/Tenho uma devoção / Escrever é uma paixão / Lições para a vida futura." No livro hoje apresentado, define-se como "um terra-a-terra", um humilde "Zé Ninguém" e escreve em verso "Não sou uma pessoa muito culta / a cultura em mim foi comedida / Pois o que sei aprendi-o / na 'Universidade da Vida'."

Também a sua motivação profunda para escrever nos é apresentada em vários locais da sua obra. A propósito de um dos seus grandes temas de escrita, as Vivências da Guerra, escreveu no seu primeiro livro: "Este e outros escritos do género são necessários para que o alheamento (...) para coma Guerra do Ultramar não se transforme em esquecimento." A propósito dessa guerra é de salientar que esse seu 1º livro resultou de um conjunto de 316 versos que o autor foi registando dia-a-dia. No livro " Farinha Podre / S. Pedro de Alva: pessoas e factos para a sua história" escreveu que "a vida de um cidadão é efémera (...) descrevê-la é um dever de todo o ser humano, porque só assim se saberá na posteridade quem foram essas pedras ancestrais (...). Essas "figuras cairão no esquecimento e as suas memórias passaram sem deixar rasto, como uma cortiça na corrente de um rio".

E o que escreveram outros sobre o Sr. Alfredo e a sua Obra? - "Alfredo Fonseca escreve como pensa, isto é, com autenticidade" - Ruy Miguel, cronista da Beira-Serra. Por sua vez, Luís Adelino, num dos prefácios: "Um sincero obrigado ao autor que em muito contribuiu nas últimas décadas para manter a originalidade e identidade das gentes do Alto Concelho." Noutro prefácio, agora assinado pelo saudoso Dr. Eurico Almiro Menezes e Castro,  são destacadas as qualidades de trabalho, de luta, de esforço, a vontade de vencer e de aprender cada vez mais. Salienta ainda "a sua alegria de viver e ser útil", bem como o seu dinamismo, capacidade de trabalho" e grande " afectividade pelos lugares e pelas pessoas." 

Muitas outras referências podíamos fazer. No prefácio ao livro "Memórias Imperfeitas de um Ex-Autarca", Teodoro Antunes Mendes recorda a frase de Ghandi: "Quem não vive para servir, não serve para viver." 

Na obra hoje apresentada, Arlindo Cunha (ex-ministro da Agricultura, deputado, empresário e professor) escreve igualmente no prefácio: "Alfredo Fonseca constitui também um exemplo vivo de que se pode ter uma vida digna, coerente, feliz, pessoal e profissionalmente realizada, em qualquer contexto social, económico ou geográfico". E acrescenta: "Revela-se um autodidacta, exibindo consideráveis conhecimentos, especialmente no que respeita à sua região, em matérias como a história, a geografia, a agricultura, ou a etnografia, a política, a cultura e a sociedade em geral (...) graças à sua inteligência, sagacidade, espírito de observação e muito trabalho."

Vejamos agora alguns aspectos do livro de hoje. Em nota ao título, o Autor sublinha que se trata de uma "forma singela mas afectuosa" de "atribuir" o seu "sincero obrigado" a quem tanto "o tem estimado". Esta mesma ideia aparece a seguir, agora em verso: "Dou hoje por satisfeito / um desejo acalentado / saudando as gentes deste jeito / que tanto me têm estimado." E ainda: "Este meu décimo livro / tem uma nobre missão / dizer um terno obrigado / a quem me tratou com educação."

A obra começa com cerca de 40 páginas em prosa, onde se faz uma breve descrição autobiográfica. Seguem-se 30 páginas em verso. Em primeiro lugar, sobre o seu percurso de vida, seguindo-se um conjunto de estrofes sobre lugares /localidades da União de Freguesias: Vimieiro, Hombres, Laborins, Bêco, Carvalhal, Arroteia e Vale da Serra, Vale da Vinha, Ribeira, Silveirinho, Quintela, Zarroeira, Castinçal, Sobral, Parada, Vale do Barco, Cruz do Soito, Lufreu, Cavaleiro, S. Pedro de Alva, S. Paio do Mondego, Ermidas, Estrela de Alva e S. Paio do Mondego.

Muito mais haveria a dizer. Obrigado Sr. Alfredo por ter partilhado connosco todas estas vivências e experiências de vida. Obrigado pelo seu testemunho de vida, de uma vida que não se fechou nos legítimos interesses pessoais, mas se dedicou á freguesia de S. Pedro de Alva, ao Alto Concelho, a Penacova. Que Penacova, no seu todo, saiba reconhecer o seu valor e um dia destes lhe seja atribuída a Medalha de Mérito Municipal. Bem o merece. Muita saúde e que Deus o conserve por muitos anos mais no nosso convívio."

PALAVRAS DO PRESIDENTE DA UNIÃO DE FREGUESIAS, VÍTOR CORDEIRO

"(...) Cumprimento de forma muito  especial o autor da obra, o Sr. Alfredo Santos Fonseca, por ser um grande homem, um distinto ex-autarca, um amigo e um grande Sãopedralvense. Antes de mais quero agradecer-lhe o convite que me endereçou para estar aqui presente, dando-me assim, a oportunidade de pela sexta vez, partilhar consigo a apresentação de mais uma obra, das onze já escritas. [No prelo está já um pequeno livro sobre a história do Vimieiro]. 

Por isso, é com imenso prazer que aqui estou, como amigo e em representação da União das Freguesias de S. Pedro de Alva e S. Paio de Mondego, para o felicitar e parabenizar, mas acima de tudo, para contribuir, ainda que modestamente, para que este acto seja para si um momento de alegria e em especial um encontro de amigos. 

É sem dúvida um orgulho que sinto, em fazer parte deste grupo de amigos, oriundos das várias vivências, das várias circunstâncias e de vários locais do Concelho. Se é verdadeira a expressão de que “a grandeza de um homem se mede pelo número de amigos que tem”, não restam dúvidas quanto à dimensão humana do autor.

Pois é sempre com agrado que vemos nascer obras literárias e mais ainda, quando essas obras têm um conteúdo referente ao território em que habitamos e do qual fazemos parte integrante. Este facto leva-nos à conclusão de que o que for escrito hoje perdurará para sempre, serão as nossas memórias futuras.

Contudo, não são as obras em si que devemos relevar, porque essas cada um dirá sobre elas coisas diferentes, mas sim, o homem que está por trás delas.

Importante será referir, as origens humildes do autor, homem de muito valor na nossa comunidade, que desde muito novo se começou a destacar pela sua vontade de vencer e empenho nos projectos que foi abraçando ao longo da sua vida, dando muito de si, quer à comunidade, quer até mesmo à sua pátria, ao fazer parte de uma Companhia de Combatentes em Moçambique.

É dessas vivências que o autor tem escrito as suas memórias, as suas experiências, os seus sentimentos e os seus sofrimentos, narrando-os na primeira pessoa. 

Volvidos alguns anos, ao sabor da vida, o Sr. Alfredo, quando começou a ter um pouco mais de tempo para si, começou a sentir uma necessidade tremenda, não pela escrita em si, mas pelo que ela podia representar no sentido de poder dar continuidade a um sonho que sempre alimentou e que de certeza ainda traz no coração…o de perpectuar para sempre a sua terra, as suas gentes, os momentos mais importantes, por vezes na vida de cada um. 

Nessa sua caminhada, por vezes sentiu-se apolítico e protestou por causa da guerra do Ultramar, outras foi mesmo político na verdadeira acepção da palavra e lutou. Lutou por aquilo em que acreditava, lutou pelos sonhos, lutou pela vida, lutou pelos filhos e família e assim conforme talhava os fatos, cortava e os fazia por medida, também talhou a sua própria vida, deixando um espólio bastante considerável.

Em jeito de conclusão, um homem sem memórias não é homem, um homem sem moral e sem respeito não é homem, um homem que não guarda as suas raízes não é homem... mas um homem que reuna estes predicados nunca será esquecido. Bem-haja Sr. Alfredo!"

PALAVRAS DO AUTOR, ALFREDO FONSECA

"É para mim uma sublime honra ter-vos aqui nesta apresentação deste meu décimo livro. Muito obrigado por terem vindo pois a vossa presença é para mim motivo de muita satisfação.

Conforme facilmente se aperceberão, na leitura desta modesta obra, ela tem a dupla finalidade de ser a minha despedida, não só da escrita mas também como cidadão activo, pois apercebo-me constantemente das minhas mazelas que me anunciam poder estar perto o fim da minha caminhada, embora não tenha pressa nenhuma, agora que ela está certa, isso é que está e os meus setents e oito anos não me deixam muitas dúvidas e são como que um aviso para arrumar a casa e as minhas contas com Deus.

No meu percurso de vida fiz muitos amigos, os quais tem sido a minha maior riqueza, pois ajudaram-me muito a vencer os obstáculos que se me depararam na vida, sempre com uma amizade, estima, consideração e respeito fora de série.

Pesava na minha consciência o dever de lhe atribuir um terno e emocionante muito obrigado e pedido de desculpas pelos meus desleixos e imprecisões que, se aconteceram, foram sempre involuntários e nãopropositados.

De todas as hipóteses que afloraram à minha mente, naqueles cerca de dois meses em que estive retido em casa, para ver se enganava o Covid19 no seu maior pico, escrevi não só este livro, mas também outro intitulado "Episódios na Guerra do Ultramar-Niassa-Moçambique" fazendo uma cronologia verdadeira do que eu e os meus companheiros lá passámos.

Não me alongo mais, pois como dizia um africano "se falas, muito erras" e eu quero evitar isso. Muito obrigado por terem vindo e que a vossa vida vos sorria e se prolongue por muitos e felizes anos.

Agradeço ao senhor Presidente da Câmara não só o apoio dado para que a edição deste livro fosse possível, como também o ter integrado o seu lançamento nas festas do Município e neste lugar nobre deste maravilhoso largo. Muito obrigado senhor Presidente.

Agradeço também à minha querida família o apoio que sempre me deram. Lembro aqui a impossibilidade de estar presente um grandeamigo, que até foi o autor do brilhante e muito eloquente prefácio, que enriqueceu sobremaneira esta obra. Ele é o Senhor Doutor Arlindo Cunha, que foi proeminente Ministro da Agricultura e é actualmente professor na Universidade Moderna no Porto e também Presidente da Comissão Vitivinícola do Dão. Além de ser um grande produtor de vinho numa propriedade com mais de seis hectares em S. João da Boavista, no concelho de Tábua. A sua ausência é porque se encontra neste momento nos Açores.

Agradeço as palavras elogiosas, mas de certa forma imerecidas, que me foram dirigidas. Também por elas o meu muito obrigado. Muito obrigado a todos."

20 fevereiro 2022

Terras de Penacova no "Portugal Antigo e Moderno" [3]: a vila de "Pena-Cóva"

 


Pinho Leal, publicou - entre 1873 e 1890 - a obra em 12 volumes intitulada «Portugal Antigo e Moderno», um dicionário sobre “todas as cidades, vilas e freguesias de Portugal.” Aqui podemos encontrar muitas referências às principais localidades que hoje fazem parte do concelho de Penacova.

Já fizémos referência à vila de Farinha Podre e às localidades de Travanca e de S. Paio, bem como de Carvalho, Figueira de Lorvão, Friúmes, Lorvão, Paradela e Oliveira do Cunhedo. Hoje, é a vez da sede do concelho. 

“PENA-CÓVA” [assim aparece escrito] é vila e freguesia, cabeça do concelho do seu nome e comarca. Na província do Douro [à época], dista 18 quilómetros a N.E. de Coimbra, 20 da Mealhada, 18 da Lousã e de Mortágua, 12 de Farinha Podre, 6 de Santo André de Poiares e 220 de Lisboa. Tem 680 fogos (em 1757 tinha 397).

Refere o “Portugal Antigo e Moderno” que o concelho de Penacova, era formado pelas 9 freguesias, todas no bispado de Coimbra: Carvalho, Farinha Podre, Figueira de Lorvão, Friúmes, Lorvão, Oliveira do Cunhedo, “Pena-Cóva”, Sazes, e Travanca, num total de 2900 fogos. Chama a atenção para o facto de até 1855 ter só cinco freguesias: Carvalho, Figueira de Lorvão, Lorvão, Penacova e Sazes, totalizando 2100 fogos. Pinho Leal salienta que pertence a este concelho a antiquíssima povoação de “Gondolim” (Vila-Verde).

Refere-se que “D. Sancho I lhe deu foral, em Dezembro de 1192 e que  D. Afonso II o confirmou (em Coimbra a 6 de Novembro de 1219) e ainda que  D. Manuel lhe deu foral novo (em Lisboa a 31 de Dezembro de 1513).  “Foram seus donatários os condes de Odemira e, depois, os senhores de Tentúgal, duques do Cadaval”.

Penacova, refere Pinho Leal, “é uma das mais antigas povoações de Portugal, e talvez da península hispânica, o que se colige do seu próprio nome – Pen - que é cantábrico. Está a vila edificada sobre uma montanha (por cuja base passa o rio Mondego) patenteando a sua nobre vetustez nas muitas ruínas que foram outrora esplêndidas habitações, e tendo em tempos felizes, mais de trezentos fogos, está hoje reduzida a noventa e tantos.”

E prossegue: “Consta que, em tempos remotíssimos, teve um castelo, cujos vestígios se divisam em um escarpado monte, ao S. da vila, onde hoje está a Igreja matriz. Este monte é quási talhado a prumo sobre o Mondego mas, apesar disso, está coberto de oliveiras.”

De acordo com o padre Carvalho da Costa na sua “Chorographia” (diz Pinho Leal), “a primeira notícia d'esta vila data das contendas que os seus moradores tiveram com os monges de Lorvão, em 1105, as quais compôs o conde D. Henrique e diz que D. Sancho I a mandou povoar em 1193.”

No cartório de Lorvão, existia uma escritura de 1086 que era uma doação feita por Piniolo, àquele mosteiro, de uma morada de casas na vila de “Pena-Cóva” e uma vinha em “Ribellas”, que ele havia plantado e regado com o suor do seu corpo. Isto, para sustento dos monges que ali morarem (no mosteiro) e de todos os fiéis que ali concorrem. (…)

Aquando da publicação do “Portugal Antigo e Moderno” ainda existiriam os Paços dos Duques do Cadaval. As justiças de Penacova eram dependentes do ouvidor de Tentúgal e, depois, do corregedor de Coimbra.

Orago: Nossa Senhora da “Assumpção”. Era o Mosteiro de Santa Clara, de Coimbra, que apresentava o prior, que tinha 470$000 réis de rendimento. A Igreja matriz “é um templo vasto e muito decente, com nove altares (sete dos quais são dedicados a Nossa Senhora, nos seus diferentes mistérios.” Refere-se de seguida a Capela de N. Sª da Guia: “No âmbito outrora ocupado pelo castelo, existe a antiga capella de Nossa Senhora da Guia. É um “templozinho” pequeno e pobre e só com um altar. É tradição que esta ermida foi a primitiva Igreja paroquial da vila. Porém, como era pequena, e em sitio incómodo, se construiu, no século XVI, a Igreja actual.” [Não parece que esta informação esteja correcta. No entanto vem sendo referida com frequência].

Ainda sobre esta capela: “diz-se aqui que “Plácido Castanheira de Moura, contador-mor do reino, tinha muita devoção com esta Senhora da Guia, e quis mandar-lhe construir um bom templo; porém, como falecesse antes de realizar o seu desejo, deixou por testamento, à Senhora da Guia, umas fazendas que tinha n'esta vila, para que com o seu rendimento, se reconstruísse a capela, dando lhe maior amplitude.” o que não corresponde à versão de Alves Mendes, no Conimbricense de 1857.

A principal indústria do concelho, “é a navegação do Mondego, à qual se entrega a maior parte dos seus naturais, conduzindo do centro da província, para a Figueira da Foz, [ou vice versa] sal, milho, vinho, azeite, lenhas e outros géneros.”

Sobre a morfologia lê-se aqui que “a serra do Bussaco, atravessa este concelho, de Este a Oeste e, do mesmo modo, a serra de Coimbra. O Mondego corta-as ambas e recebe dentro do seu termo, as ribeiras da Vila, de “Gondolim” e de Lorvão, que todas nascem neste concelho, e a de “Poyares” que o atravessa. Também nele desaguam os regatos de Além do Rio, Abarqueira e Vale-Bom (o de Sazes, desagua na ribeira do Botão).”

15 fevereiro 2022

Penacova no “Portugal Antigo e Moderno” [2]: Carvalho, Figueira, Friúmes, Lorvão, Oliveira, Paradela e Sazes

Pinho Leal, militar, ficou conhecido pela publicação (entre 1873 e 1890) da obra em 12 volumes intitulada «Portugal Antigo e Moderno», uma espécie de dicionário sobre “todas as cidades, vilas e freguesias de Portugal.” Nesta obra de finais do século XIX podemos encontrar muitas referências às principais localidades que hoje fazem parte do concelho de Penacova.

Já fizemos referência à vila de Farinha Podre e às localidades de Travanca e de S. Paio. Apresentaremos agora Carvalho, Figueira de Lorvão, Friúmes, Lorvão, Oliveira do Cunhedo, Paradela e Sazes. Terras que se situavam, à época, não na Beira Litoral, mas na província do Douro. Concluiremos oportunamente com a vila e freguesia de Penacova. 



CARVALHO 

Esta vila dista 24 quilómetros de Coimbra e 228 ao Norte de Lisboa e situa-se “nas abas da serra do Carvalho, à qual se chama também serra do Cântaro.”

Tem 320 fogos (em 1757 tinha 224). Orago: Nossa Senhora da Conceição. “O morgado do Carvalho, e depois Condes de Oeiras e Marqueses de Pombal, apresentavam aqui o prior, que tinha 200$000 réis."

Acrescenta o Dicionário que “havia aqui próximo uma albergaria, chamada de Santo António do Cântaro, com três camas permanentes e com a obrigação de ter nos meses de Julho, Agosto e Setembro, um cântaro cheio de água e um púcaro para se beber, na dita serra, à qual por isso se dá também o nome de Cântaro.”

Segue-se a referência à antiquíssima albergaria:

“Na larga doação que D. Bartolomeu Domingues fez à Albergaria do Cântaro, junto à vila, em 1215, se determina que todo o que for contra aquela doação, pague o dobro do dano que causar. Esta obra caritativa foi instituída por uma senhora de apelido Carvalho, que atravessando esta serra (do Carvalho ou do Cântaro) lhe morreu um criado à sede. Já se vê que é muito antiga, pois em 1215 já existia esta albergaria. Esta senhora é ascendente dos atuais srs. condes de Oeiras, marqueses de Pombal, por casar em Sernancelhe Diogo de Carvalho com D. Filipa de Seixas, filha e herdeira de João de Figueiredo e de Maria Seixas.”

Refere-se ainda que morgado de Carvalho “foi instituído em 1178 por Domingos Feyo de Carvalho”, sendo “terra realenga” e “governava-se por um juiz ordinário e câmara, confirmada pelo corregedor de Coimbra.”

A serra do Carvalho (ramo da Alcoba, que é ramo da Estrela) é “abundante de árvores e ervas medicinais, e diz Grisley[1] no seu Herbolario, que nela encontrará todas as ervas que Laguna descreve”, apesar de ser “terra pouco fértil.”

Por fim, regista-se que “D. Manuel lhe deu foral em Lisboa, a 8 de Junho de 1514.”                                          

FIGUEIRA DE LORVÃO

Esta freguesia é referida como estando a 12 quilómetros de Coimbra e a 215 ao Norte de Lisboa. Apresentava 400 fogos (em 1757 registaria 228). Salienta-se que é uma terra muito fértil.

S. João Baptista era o Orago da freguesia. Figueira pertencia ao Bispado e Distrito Administrativo de Coimbra.

Eram as freiras de Lorvão que apresentavam o vigário, que tinha 60$000 réis, e o pé d'altar.

O nome Luiza de Jesus é aqui recordado.  Diz-se que aqui nasceu, em 1750, “uma mulher (um monstro) chamada Luiza de Jesus. Em 1772, tendo apenas 22 anos de idade (!) foi por muitas vezes à Roda de Coimbra buscar grande número de expostos, dos quais envenenou 34, só para adquirir 600 réis e o enxoval que a Roda dava a quem levava cada criança! Foi presa e sentenciada à morte, mas parece que morreu na prisão, pois não consta que morresse no patíbulo.” 

Como sabemos, por outras fontes, foi condenada à morte. Depois de “atazanada” pelas ruas de Lisboa, foram-lhe cortadas as mãos ainda em vida, foi garrotada e queimada em 1 de Julho de 1772.

FRIÚMES

A freguesia de Friúmes pertenceu ao concelho de Poiares até 1855 e, desde então, ao concelho de Penacova. Àquela data pertencia à comarca de Coimbra.  O dicionário diz que se situa a 24 quilómetros de Coimbra e a 215 ao Norte de Lisboa, sendo uma “terra fértil”.

Teria 230 fogos (contra os 133 em 1757).

Pertencendo ao Bispado e Distrito Administrativo de Coimbra tinha como Orago S. Mateus. Era o prior de Penacova que apresentava anualmente o Cura, que tinha 30$000 réis de rendimento.

LORVÃO

Lorvão é situa-se a Este de Coimbra, distando 12 quilómetros desta cidade e 215 de Lisboa. Tinha 600 fogos (em 1757 apresentava 380).  O Orago é Nossa Senhora da Esperança, mas havia sido Nossa Senhora da Expectação. Bispado e Distrito Administrativo de Coimbra.

As religiosas de S. Bernardo, “do real mosteiro de Lorvão”, apresentavam o cura (anualmente) e este tinha 80$000 réis de rendimento – refere o Dicionário.

Acrescenta -se aí que esta freguesia, “posto ser um terreno acidentado” era “muito fértil.

“A aldeia é situada em um vale, dividido por um pequeno ribeiro, em cujas margens está também assente o famoso mosteiro.”

De salientar a referência à produção de palitos:

“Fazem-se n'esta freguesia anualmente três a quatro mil cruzados de palitos, para o reino e exportação. Crianças, adultos e velhos, trabalham nesta indústria, e faz pasmar a ligeireza e perfeição com que a executam.”

Segue-se um extenso historial do Mosteiro.

OLIVEIRA DE CUNHEDO

 Freguesia da província do Douro, concelho e comarca de Penacova, distrito administrativo e bispado de Coimbra. Orago: Santa Marinha.

A 30 quilómetros desta cidade e a 240 de Lisboa. Em 1757 tinha 91 fogos.

“Foi antigamente da comarca d'Arganil e do concelho de Farinha Podre. Depois passou para o concelho da Tábua, comarca de Midões, até que passou para o concelho de Penacova, da comarca de Coimbra.

Era o Prior de Penacova que “apresentava anualmente o Cura, que tinha 20$000 réis de côngrua e o pé de altar. É terra fértil.

O Dicionário destaca também o lugar da RAIVA, dizendo que era um aldeia da freguesia de Farinha Podre, no concelho de Penacova, comarca de Coimbra, distando 35 quilómetros desta cidade.

“Situada à beira do Mondego, em lugar bastante agradável, é o termo ordinário da navegação do Mondego, no Estio; mas no Inverno, enquanto há abundância de águas, vão os barcos até à Foz do Dão. Da Raiva, “em carros e em cargas se conduzem os objectos de comércio até ao centro da Beira Baixa.”

PARADELA

À época, Paradela pertencia ao concelho de Arganil, bem como à Comarca desta mesma vila, depois de ter sido do concelho de Farinha Podre, entretanto extinto.

Dista 30 quilómetros de Coimbra e 210 de Lisboa. Tem 150 fogos. Em 1757 tinha apenas 80.

Orago: S. Sebastião, mártir. Bispado e Distrito Administrativo de Coimbra. “O vigário de S. Pedro de Farinha Podre apresentava o cura, que tinha 50$000 réis e o pé de altar.”

É terra fértil.

SAZES

A 18 quilómetros de Coimbra e a 220 de Lisboa. Tinha 220 fogos (em 1768 teria 160). Orago, Santo André, apóstolo. As “freiras bernardas” de Lorvão, e a Sé Apostólica, apresentavam o prior, que tinha 190$000 réis de rendimento.

O dicionário destaca que  “para a diferençar da freguesia seguinte [Sazes da Beira], se diz Sazes de Lorvão."

“É povoação muito antiga, mesmo como paróquia. Em 1152, D. João d'Anaya, bispo de Coimbra, e seu cabido, confirmaram a D. Pedro Gavino e sua mulher, D. Ero Nunes, a doação e liberdade da terça pontifical que a igreja de Sazes lhes tinha feito”, mas “com a proibição de testarem esta terça a qualquer mosteiro ou convento, que não fosse a sua catedral, sob pena de tornar a dita terça para a Sé de Coimbra.”

À semelhança da maioria das terras do concelho, também Sazes  é tido como “ terra fértil”.


[1] Simões de Castro escreveu no seu “Guia histórico do viajante no Bussaco” que “Grisley, insigne herbolário italiano, em um Tratado que da matéria compôs, afirma que, havendo peregrinado a maior parte da Europa, encontrara na serra do Bussaco quási todas as ervas que descreve Laguna sobre Dioscórides, com a excelência de serem vigorosas, sobre as que a herbolária conhece.”