01 novembro 2019

Mês a mês com Portugal durante o mandato presidencial de AJA

NOVEMBRO DE 1919

18

Liberdade de importação, comércio e trânsito da batata, feijão e arroz.

22
Realiza-se em Lisboa o II Congresso do Centro Católico Português, fundado em 8 de Agosto de 1917. Trata-se do “congresso da reestruturação.” Aprovadas as bases regulamentares. Eleito para presidente António Lino Neto, apoiado por uma comissão central de que fazem parte António Pereira Forjaz e José da Fonseca Garcia. Na altura comemoram-se as festas do Beato Nuno. Há delegados de 13 dioceses.

26
A Lei n.º 910 manda arquivar todos os processos de imprensa, desde 5 de Dezembro de 1917 até 31 de Dezembro de 1918, sobre os quais será feito perpétuo silêncio. Ou seja, deixa cair os processos instaurados durante o Governo de Sidónio Pais.

OUTROS ACONTECIMENTOS:
- GREVE DOS SAPATEIROS EM BRAGA.
- TUMULTOS EM SETÚBAL.
- APUPOS A ANTÓNIO GRANJO NO PORTO.
- ASSALTO AO SEMANÁRIO RESSURREIÇÃO, PUBLICADO EM COIMBRA PELOS ESTUDANTES MONÁRQUICOS.

FONTES



Explicar aos mais novos quem foi António José de Almeida

Palestra de Luís Reis Torgal dirigida a alunos da Escola de S. Pedro de Alva

A assinalar os noventa anos da morte de António José de Almeida e a encerrar as Comemorações do Centenário da Eleição e Posse deste estadista como Presidente da República, realizou-se ontem, dia 31 de Outubro, na EBI de S. Pedro de Alva, uma palestra* pelo Professor Doutor Luís Reis Torgal. Teve também lugar a apresentação de uma biografia ilustrada especialmente vocacionada para o público infantil.

Na conversa com os alunos de uma turma do 9º ano, aquele historiador referiu alguns aspectos do perfil político de António José de Almeida, natural da freguesia, e destacou o seu papel em muitos campos de acção, nomeadamente no domínio da educação e do ensino, desde o infantil ao universitário.

Realçou também o facto de estar em curso o processo de atribuição a esta escola do nome daquele ilustre penacovense. No mesmo dia, semelhante palestra foi proferida em Penacova para alunos da Escola Secundária.

Ainda na Escola de S. Pedro de Alva, na sala da Biblioteca, foi apresentado o livro "António José de Almeida: memórias de um lutador republicano”, com texto de Paula Silva e ilustração de Cristina Carvalho e Paula Silva (reprodução dos "tapetes contadores" da história).

A sessão de apresentação contou com a presença do Vice-Presidente da Câmara, João Azadinho, da Secretária da União de Freguesias, Georgina Oliveira, da Prof.ª Clara Costa, em representação da Escola, e de membros da Comissão para as referidas Comemorações, Aires Henriques e David Almeida.
Apresentação do livro sobre
António José de Almeida

Coube ao Prof. Reis Torgal fazer a apresentação do livro perante uma plateia maioritariamente infantil. Na nota de apresentação,  que escreveu na abertura daquela obra, sintetizou  o trabalho que agora vem a lume:

É "muito oportuna, no ano do centenário da sua [de António José de Almeida] eleição e tomada de posse como Presidente da República, a publicação deste 'livro de histórias para crianças' da autoria de Paula Silva e de Cristina Carvalho, feito com amor e com a sensibilidade espontânea de quem cria imagens simples (por palavras e desenhadas em pano), artesanalmente, numa notável 'ingenuidade criativa' para as crianças lerem e verem."

Uma obra para crianças e adultos na medida em que, numa linguagem acessível e linear, reforçada visualmente com ilustrações que acompanham de perto a narração, nos conduz a uma noção condensada e objectiva do que foi a vida de António José de Almeida.

As autoras já em 2015 haviam publicado “Teresa de Portugal”, outra figura que marcou a história do nosso concelho, particularmente a história do mosteiro de Lorvão.

* No mesmo dia, semelhante palestra foi proferida em Penacova para alunos da Escola Secundária.

31 outubro 2019

“Horas de Luto: a Pátria e a República em Crepes”


“Horas de Luto: a Pátria e a República em Crepes”

O funeral de António José de Almeida
António José de Almeida morreu a 31 de Outubro de 1929, faz hoje 90 anos. O jornal  A Voz de S. Pedro de Alva, na edição de 16 de Novembro,  noticia com grande destaque: ''A Pátria e a República em Crepes: morreu o Dr. António José de Almeida. Está de luto a Pátria e a República, está de luto o coração dos portugueses!''

Conta aquele quinzenário que "assim que em S. Pedro de Alva, terra do venerando democrata, se soube do tristíssimo acontecimento, os seus conterrâneos vestiram de luto.” A bandeira nacional, “envolta em crepes”, foi hasteada “a meia adriça” na sede do jornal, ao mesmo tempo que “eram expedidos muitos telegramas de pêsames à família do egrégio cidadão.”

“Ainda há poucos meses o ex-presidente da República, em carta, nos dizia que, quando estivesse melhor dos seus padecimentos, escreveria umas linhas para o nosso jornal” – recorda A VOZ DE S. PEDRO DE ALVA. Naquela missiva terá escrito António José de Almeida que aquele periódico era  “uma gazeta interessante, despretensiosa e séria. E para mais, estruturalmente republicana.”

O quinzenário publicado em S. Pedro de Alva (tendo como Director Francisco Cordeiro dos Santos, e como editor e administrador, Eduardo Pedro da Silva) descreve os últimos momentos de vida de António José de Almeida, bem como o funeral civil que teve a participação de cerca de trezentas mil pessoas.

Enviaram pêsames, por intermédio de A Voz de S. Pedro de Alva: Francisco Cordeiro dos Santos, Rodolfo Martins Gomes, António Maria Marques, José Maria Marques, Alípio Simões Bispo, Antero Gomes Fróis, José Cunha Martins, Joaquim Marques Cordeiro, Joaquim Marques Morgado, Aníbal Ramos, António Jorge dos Santos, António Henriques da Fonseca, Abel Lopes Figueiredo, Marques Basso, Valentim Ramos, Júlio dos Santos, Martinho de Paiva, Francisco Fonseca Lourenço, António Costa Figueiredo, Hermenegildo Pereira, Joaquim Pereira Castanheira, Francisco Cunha Martins, José Alberto Coimbra, Oliveira Nascimento, José Campos Ribeiro, Augusto Sousa Gonçalves e António Pereira da Costa. Em nome da Junta de Freguesia, Campos Ribeiro, presidente, também endereçou mensagem de pesar através de telegrama.

A Voz de S. Pedro de Alva não poupará elogios póstumos a este seu ilustre conterrâneo, dizendo que este fora um grande "apóstolo da Democracia” e que  “tinha um altar em todos os corações portugueses''.

José de Oliveira e Costa escreverá que, perante o grande abalo que acabava de sofrer o país e ''sobretudo a grande massa liberal'' havia que destacar o carácter bondoso deste vulto que ''professava a religião do Bem por interesse do próprio Bem''.

Eduardo Silva (sobrinho de Eduardo Pedro da Silva), no artigo ''Horas de luto'' destaca também as qualidades de António José de Almeida, "o homem de palavra brotando da sua alma límpida, que na tribuna arrastava multidões em delírio de fé e patriotismo".

A morte de António José de Almeida também é notícia em grande destaque na edição de 2 de Novembro do Jornal de Penacova:  " Morreu! Descubramo-nos perante o seu cadáver. Curvemo-nos em respeito e admiração. É o cadáver de um grande português. É o cadáver de um homem honradíssimo. A república portuguesa perdeu um dos seus soldados mais valorosos e um dos seus filhos mais ilustres."

Eduardo Silva, que era à data o redactor deste periódico, escreverá:

“O dr. António José de Almeida era nosso conterrâneo. Nasceu além, na freguesia de S. Pedro de Alva, num lugarzito, lindo e pitoresco, que se chama Vale da Vinha. Lá está o seu solar que nos desperta lembranças da sua mocidade indómita de combatente pelo ideal republicano, desde os seus mais verdes anos.[…] Foi um grande português, homem de uma honestidade intransigente, a sua vida não teve mancha a diminuir o seu valor e o seu prestígio, o seu carácter de fino e puro quilate esteve sempre de pé mantendo-se numa integridade absoluta."

Em S. Pedro de Alva, por iniciativa do professor Joaquim dos Santos Cordeiro, foi colocado na escola do sexo masculino o retrato de António José de Almeida, oferta do ''fervoroso republicano” Eduardo Pedro da Silva.

A Câmara de Penacova, que se fez representar no funeral por António Rodrigues do Amaral, residente em Lisboa, aprovou um "voto de profundo pesar".

21 outubro 2019

Festas das Santas Rainhas em Lorvão comemoram a trasladação para os túmulos de prata em 1715

Comemorando a trasladação das infantas Teresa e Sancha, beatificadas em 1705,  dos túmulos de pedra para urnas de prata, todos os anos se realizam em Lorvão as tradicionais “Festas das Santas Rainhas”.
No livro “As Freiras de Lorvão” Lino d'Assumpção faz uma descrição bastante completa daquele acontecimento. Aquele acto solene, a que assistiram o Bispo de Coimbra e seu Cabido, o Senado daquela cidade, o Abade Geral, diversos abades cistercienses e grande multidão, realizou-se a 19 de Outubro de 1715.

"Findos os três dias de festa, os cofres foram levantados do altar onde elas se conservaram e colocados nos camarins que lhes estavam preparados na capela mor; o de D. Tereza do lado do evangelho, e o de sua irmã do lado da epistola."

Também neste ano de 2019 se cumpriu a tradição. Com a devida vénia, transcrevemos da página do facebook do Dr. José Rodrigues Pisco, guia do mosteiro,  a descrição das festas deste domingo:

Um dia em Lorvão nas Festas em Honra de Santa Teresa e Santa Sancha filhas de Dom Sancho I

"Hoje dia 20 de Outubro, realizaram-se as Festas em honra de Santa Teresa e Santa Sancha, filhas de Dom Sancho I, no mosteiro de Santa Maria de Lorvão. Participaram com muita fé e devoção na missa e na procissão as Irmandades de Lorvão, Arouca, Santa Clara a Nova, Santo Izidoro de Leon, Espanha, Santa Maria de Celas e as capelas da Paróquia. Participaram na solene Missa autoridades civis e religiosas do concelho. Presidiu o Senhor Padre João Paulo Fernandes da Unidade Pastoral das Terras de Santa Maria. A cerimónia decorreu com grande dignidade com o Grupo de Coral da Freguesia de Lorvão e Grupo Etnográfico de Lorvão a cantarem cânticos de Louvor às Santas Rainhas.

Depois decorreu a procissão no Jardim do Mosteiro segundo a vetusta tradição após a qual decorreu na Igreja a bênção do Santíssimo Sacramento.Seguiu-se o almoço convívio no Mosteiro. Da parte da tarde, assistimos a um excelente Concerto com os Coros Divo Canto de Penacova e de Niort (França) que abrilhantaram as Festas das Santas Rainhas Teresa e Sancha com instrumentistas e vozes fantásticas.

Para terminar conduzi uma visita guiada aos nossos amigos franceses de Niort que ouviram com atenção a História do Mosteiro de Lorvão e se deliciaram com os encantos do Claustro.do Coro com o magnífico Cadeiral, o Antecoro, a Grade que separa a Igreja do coro, a porta artisticamente trabalhada da entrada na Igreja, a própria Igreja com as telas de Pascoal Parente do séc XVIII, os Túmulos de Prata de Santa Teresa e Santa Sancha e as preciosidades da Sala do Capítulo. Agradeci a visita e desejei-lhes uma boa noite e boa viagem de regresso a França.

Quanto a vós que ledes este artigo, recomendo-lhes que venham visitar o Mosteiro de Lorvão para fazerem uma visita guiada como uma viagem no tempo, interativa e com uma História e um Património que são únicos apenas pelo módico preço entre 1 Euro e 1.50 Euros. Não se arrependerão. Serão bem vindos.

Lorvão, 20 de Outubro de 2019, José Rodrigues Pisco

07 outubro 2019

Outubro de 1919: Mês a mês com Portugal durante o mandato presidencial de António José de Almeida


Propomo-nos, mês a mês, de Outubro de 2019 a Outubro de 2023, publicar a cronologia dos principais acontecimentos políticos ocorridos em Portugal no período correspondente ao mandato presidencial de António José de Almeida (1919-1923).
OUTUBRO 1919
5 ANTÓNIO JOSÉ DE ALMEIDA toma posse do cargo de PRESIDENTE DA REPÚBLICA. prestando o seu compromisso de honra perante o Congresso. Fora eleito Presidente da República na sessão do Congresso de 6 de Agosto de 1919, ao fim do terceiro escrutínio.

A Federação Maximalista Portuguesa (FMP), lançou a sua publicação semanal, A BANDEIRA VERMELHA, um jornal que se tornou muito popular entre as classes trabalhadoras portuguesas chegando mesmo a atingir uma tiragem de 6.000 exemplares.

Criado o PARTIDO REPUBLICANO LIBERAL, tendo como base os partidos evolucionista e unionista, que se tinham dissolvido em fins de Setembro. Estando os líderes dos dois anteriores partidos no desempenho de cargos políticos de relevo (António José de Almeida, eleito para a Presidência da República e, Brito Camacho, nomeado Alto-Comissário da República em Moçambique, os Liberais escolheram António Granjo para seu líder. No entanto, este viria a ser assassinado em 19 de Outubro de 1921, pelo que teve uma existência efémera.

Reúne o CONGRESSO para eleger o Conselho Parlamentar. Nesta sessão esteve presente o Senador Júlio Ernesto de Lima Duque (ligado a Penacova).

António Granjo é eleito líder parlamentar dos liberais. Nesse dia, Júlio Martins, ex-evolucionista, anuncia a constituição do grupo parlamentar popular. Terá o apoio de alguns grupos de radicais democráticos.

13 Vários grupos sidonistas aderem ao Partido Liberal. O directório do PARTIDO NACIONAL REPUBLICANO aconselha a dissolução do mesmo, liderado por Egas Moniz. Idêntica posição toma a facção que se lhe opunha, dirigida por Feliciano Costa.

20 Os Integralistas anunciam no jornal ”A MONARQUIA” que se desligam da obediência a D. Manuel II.

GREVES por todo o país. Greve dos barbeiros em Lisboa. Da construção civil em Guimarães. Dos descarregadores de terra no Porto. Dos soldadores em Olhão. Dos operários conserveiros em Setúbal. Dos carniceiros em Faro

BOMBAS na Marinha Grande e contra um comboio no Porto.

26 “A Bandeira Vermelha” proclama fazer em toda a parte a APOLOGIA DA REVOLUÇÃO RUSSA.

29 O decreto n.º 6184 cria o CONSELHO DE PATRIMÓNIO ARTÍSTICO, órgão consultivo acerca da “distribuição, apropriação, destino, reconstituição e restauro dos bens móveis e imóveis de valor artístico, histórico ou arqueológico”.

FONTES:
http://www.fmsoares.pt/aeb/crono/id?id=039810
http://www.arqnet.pt/portal/portugal/liberalismo/lib1919.html
http://maltez.info/respublica/Cepp/governos_portugueses/i_republica/sa_cardoso_1919.htm

04 outubro 2019

5 de Outubro de 1919: António José de Almeida toma posse como PR

Páginas da "Ilustração Portuguesa"

No dia 5 de Outubro de 1919, por volta das 14 horas, depois de encerrada a sessão, o Presidente do Congresso, da varanda central do Palácio, anunciou que o Presidente da República, depois de haver prestado perante o congresso o compromisso de honra, estava investido no seu alto cargo.

Refere a Acta da Aclamação que “esta comunicação foi recebida com entusiásticos e longos aplausos da parte do povo e das pessoas que tinham tomado lugar na varanda bem como nas outras janelas do palácio.”

Então, António José de Almeida, “em voz clara e forte” dirigiu-se às pessoas que o aguardavam, dizendo:

“Venho de afirmar pela minha honra, lá dentro, na Casa do Congresso, que hei de servir com dedicação e amor a República Portuguesa, respeitando integralmente a sua Constituição.
Agora, pela minha honra também, afirmo ao povo de Lisboa e, por seu intermédio, a todo o Povo Português que, através dos maiores sacrifícios e vicissitudes, hei de cumprir os deveres sagrados a que me comprometo
Nasci do Povo e toda a minha vida o tenho servido e amado. Não me esquecerei jamais dele. E, mais do que nunca, todas as energias da minha vida vão ser postas ao serviço incondicional da Pátria e da República. Viva a República! “

Publicamos de seguida o discurso proferido por António José de Almeida na tomada de posse, nesse dia em que se completavam 9 anos após a Revolução de Outubro.

                                              
                                         O DISCURSO DE TOMADA DE POSSE

"Agradeço ao Congresso da República Portuguesa a alta honra que me dispensou, elegendo-me Chefe do Estado.
Sou um homem simples e modesto, sem qualidades que o distingam nem predicados que o imponham. E se fui elevado ao alto cargo que me encontro, a dignidade que me concederam só pode ser atribuída à benevolência de quem me elegeu e porventura ainda à circunstância de o Congresso querer mostrar que não se esquecia da minha dedicação à causa pública, e da persistência convicta, inalterável e tenaz com que, nesta casa do Parlamento, defendi, sem um desfalecimento, e nas condições mais variadas, a legítima causa dos Aliados, a que sempre considerei indissoluvelmente ligada à nossa sorte de povo livre.
E, procedendo assim, o Congresso quis significar, sem dúvida, que, perante aquelas razões fundamentais, não prevaleciam razões de ordem secundária, que, todavia, anteriormente, exerceram influência na vida e marcha do Estado. De facto, eu mantive-me, até à última hora, na política activa, exercendo uma acção combativa na imprensa e na tribuna parlamentar e popular. Até à ultima hora estive à frente dum bravo e generoso partido, que, embora ligado por fortes laços de camaradagem patriótica aos outros agrupamentos políticos, tinha a sua doutrina peculiar e adoptava processos que acentuadamente lhe pertenciam.
Apesar disso, o Congresso deliberou escolher-me para, numa República parlamentar, em que o Chefe do Estado se deve conservar alheio a todas as lutas e paixões, presidir aos destinos da Nação, a que se condicionam todos os destinos partidários. Este facto, que não deve ser olvidado, significa que a República Portuguesa está na resolução de pôr acima dos interesses de grupo, os interesses genéricos da Pátria, e que só passageira e superficialmente se deixará impressionar pela modalidade técnica da política dos homens, para apenas ter em conta a superior expressão do seu patriotismo, contanto que eles sejam merecedores, pela sua lealdade, da confiança com que os honrem.
Mais ainda do que o galardão que me conferiu, eu agradeço ao Congresso a segurança que atribuiu ao meu carácter e a certeza antecipada que se criou de que eu, no alto cargo a que ascendo, serei imparcial e sereno, sem outra paixão que não seja a do engrandecimento da Pátria e sem outro sentimento que não seja o do amor à República.
Não se há-de iludir o Congresso. Aqui cheguei sem qualquer espécie de tergiversação ou doblez. A nenhuma convenção ou pacto anterior tenho de subordinar os meus intuitos, a não ser àquele pacto fundamental que regula toda a vida da Pátria: a Constituição. Essa, sim, respeitá-la-ei sempre, servindo-a ao mesmo tempo com consciência e amor, e de maneira tal que eu, zelando-a, a engrandeça, e, engrandecendo-a, não deixe de a zelar, até mesmo naquilo que são atribuições minhas, das quais não cederei jamais, na compreensão de que, se seria um atentado invadir a esfera dos outros, seria uma defecção consentir que os outros apoucassem ou deprimissem os direitos que me pertencem.
Tomei o meu compromisso há pouco. Aqui o formulei em voz bem alta, dando-lhe a garantia da minha honra e aí fica ele escrito sob a responsabilidade do meu nome. Saberei cumpri-lo.
É bem difícil o momento em que assumo a Presidência da República. O mundo, abalado nos seus fundamentos pela Grande Guerra, durante muito tempo procurará debalde a fórmula do seu equilíbrio. Portugal que, cavalheirosamente, se envolveu na luta, ressente-se dos estragos que a furiosa devastação produziu nas suas finanças e na sua economia. Estamos num momento agudo da nossa história, e, porventura, esse momento é decisivo. Mas não devemos preocupar-nos além daqueles limites em que são legítimos a prevenção e o receio, como estímulo de energias adormecidas.
O país tem condições de vida que são suficiente garantia do seu futuro. Com trabalho ordeiro e disciplinado e com uma economia severa, pautada pelas mais austeras normas de moralidade administrativa, triunfaremos de todas as dificuldades. Tenhamos essa fé, essa certeza. Qualquer palavra de desânimo será criminosa. Erradamente se costuma dizer que o país é pequeno, parecendo ignorar-se que somos a terceira nação colonial, com imensos tractos de terreno virgem, onde se acumulam as mais extraordinárias riquezas. E quando os defectistas dizem que a raça é indolente, eles fingem ignorar as provas de vigor que ela tem dado sempre e ainda agora está manifestando, na ânsia indomável com que deseja acompanhar o movimento de renovação que vai pelo mundo.
Mas, para que o país possa desenvolver-se com intensidade e harmonia, é preciso que gozemos duma paz sem sofismas, e essa só é possível numa atmosfera de ordem, fecunda e acolhedora.
Para que essa atmosfera se crie pela solidariedade de todos, empregarei os melhores esforços e farei os melhores sacrifícios. Conto com o êxito. Acalmando as paixões, apaziguando as cóleras, moderando as ambições dos homens e estimulando as suas energias, o seu amor ao trabalho, o seu poder de iniciativa, conseguirei, pela concórdia e persuasão, aquilo que afinal tem sido o lema político de toda a minha vida: a Paz.
Alheio às lutas políticas, só nelas intervirei com o fim de as acalmar e aproveitando sempre o estímulo patriótico que delas derive. Respeitador de todas as ideias políticas e religiosas dos portugueses, como é próprio da minha tradição e do lugar que vou ocupar, só combaterei, segundo os ditames da Constituição, quem atentar contra a República, e, então, não defenderei só o Estado republicano, mas defenderei, como me cumpre, a própria doutrina republicana.
O âmbito da minha acção política é — eu o sei — pequeno. E não sou eu homem que em caso algum o ultrapasse. Mas a esfera da minha influência moral pode ser vasta, enorme. E é precisamente essa grande e por vezes dominadora influência que eu vou empregar na missão elevada de conciliar os cidadãos portugueses.
Respeitador, por índole e dever, da Soberania Nacional, a minha acção de Chefe de Estado vai cifrar-se na palavra Fraternidade.
Só assim poderei dalguma forma merecer a liberalidade com que me haveis honrado, elegendo-me, e só dessa maneira eu serei digno da satisfação, por tantos modos revelada, com que a Nação aplaudiu esse acto.
Fui o presidente do Governo da União Sagrada. Esse facto impõe-me obrigações que corajosamente aceito, e aponta-me um caminho que intrepidamente seguirei. Na minha fé sagrada, apesar da perturbante emoção que então senti, não tive um momento de hesitação ou desalento quando se tratou de sujeitar o país às provas dolorosas duma guerra atroz. Servindo a Pátria nos seus altos destinos e obedecendo às vozes da Raça, contribuí para que Portugal, graças ao heroísmo do seu exército e da sua marinha, assegurasse, com a integridade do seu território, a prosperidade e benefícios duma honrada independência.
Agora, com devoção igual me dedicarei inteiramente à missão pacifica de harmonizar os meus compatriotas, trabalhando pela Paz com o mesmo afã patriótico com que empreguei todas as minhas energias nas horas angustiosas da guerra.
Só assim corresponderei ao vosso mandato e só assim não serei amaldiçoado pela memória daqueles que dormem o glorioso sono sob a terra em que, defendendo a Pátria, caíram prostrados.
Que a vossa benevolência e o vosso autorizado conselho me não faltem, Senhores Congressistas. Que me não falte o agasalho fraternal do Povo. Que não me falte, em suma, a confiança generosa da Nação. E contanto com esse amparo, que é ao mesmo tempo estímulo e fortaleza, deste lugar, onde imerecidamente cheguei, saúdo todos os Portugueses sem excluir ninguém, na sentida aspiração de ver a Pátria engrandecida — a Pátria a cujas virtudes, a cujo prestígio, e a cuja glória rendo, neste momento, uma suprema homenagem, vitoriando-a no seu símbolo supremo:
Viva a República Portuguesa!

[Proferido na Câmara dos Deputados do Palácio de São Bento, a 5 de Outubro de 1919. Conforme transcrito no Diário do Congresso, Sessão N.º 8 (5 de Outubro de 1919).]





27 setembro 2019

Batalha do Bussaco: o princípio do fim da guerra peninsular

Imagens da recriação no II Centenário


Foi a 27 de Setembro de 1810. A Batalha do Buçaco, opondo tropas francesas e os exércitos anglo-lusos, marcou a III Invasão Francesa. Depois de terem invadido Portugal por duas vezes, em 1807 e 1809, os exércitos napoleónicos, comandados pelo Marechal Massena voltaram, no verão de 1810, a atacar as nossas fronteiras.
Adicionar legenda
As tropas francesas entraram em Almeida em Julho de 1810, depois de terem tomado Ciudad Rodrigo. No âmbito do plano de defesa da península, as tropas aliadas comandadas pelo General Wellesley, Duque de Wellington, e compostas por soldados ingleses e portugueses, tinham já iniciado a construção das Linhas de Torres, cujo objetivo era a defesa da cidade de Lisboa.
A marcha dos franceses com destino a Coimbra, foi interceptada por Wellington no Buçaco. Naquele dia 27 de Setembro deu-se a maior e mais sangrenta batalha travada em Portugal durante a Guerra Peninsular. 

Dividindo a sua posição defensiva em dois núcleos - o do Campo de Santo António do Cântaro e o do Campo de Moura/Sula - o exército anglo-luso derrotou com retumbante sucesso as tropas francesas, que perderam um número considerável de soldados e comandantes.

Na zona onde se desenrolou a batalha foi erguido, em 1873, um obelisco comemorativo, formado por uma pirâmide composta por várias peças e rematado por uma estrela de cristal. 

O Campo Militar da Batalha do Buçaco distribui-se por uma extensa zona da Serra do Buçaco, repartida pelos concelhos de Mealhada, Mortágua e Penacova. A primeira área corresponde ao Campo de Santo António do Cântaro. 

"Posto de Comando do Marechal General Artur Wellesley, Duque de Wellington, Comandante em Chefe das Forças Anglo-Lusas, na Batalha do Buçaco, travada em 27 de setembro de 1810."
No concelho de Penacova fica o local onde se instalou o Posto de Comando do general Wellington, localizado na parte mais alta da serra. Aí se encontra uma placa evocativa. 

A Batalha do Buçaco marcou o início da derrota e enfraquecimento do exército francês e o posterior fim da Guerra Peninsular. Ao mesmo tempo, contribuiu para que as tropas aliadas ganhassem algum tempo para terminar o sistema defensivo de Lisboa, as Linhas de Torres.

21 setembro 2019

Republicanismo em Penacova na vigência da monarquia

Neste edifício (foto da época) se reuniu (em 1908)  um grupo de republicanos
para formar a 1ª Comissão Republicana de Penacova

Em Penacova, as ideias republicanas foram ganhando força por acção de médicos e juristas, muitos deles formados na academia coimbrã. Também alguns emigrantes regressados do Brasil vieram engrossar as fileiras dos opositores ao regime monárquico.

Ainda na vigência da Monarquia, em 1908, constitui-se, primeiro, a Comissão Municipal Republicana, com sede em Penacova e, de seguida, o Centro Republicano de S. Pedro de Alva. Esta dinâmica culminou com o grande comício nesta freguesia, no dia 1 de Agosto de 1909, com a presença de António José de Almeida.

No dia 8 de Março de 1908 teve lugar uma reunião de republicanos ''no edifício onde funcionavam as fábricas[1] de José Pedro Henriques''[2], com o objectivo de fundar uma Comissão Municipal Republicana. Assim, da primeira comissão concelhia, passaram a fazer parte, como membros efectivos, Rodolfo Pedro da Silva, médico, José Alves de Oliveira Coimbra, comerciante, José Pedro Henriques, industrial e Amândio dos Santos Cabral, proprietário. Como suplentes: Manuel Correia da Silva, farmacêutico, António Maria, ferrador, Joaquim de Almeida Coimbra, comerciante, Joaquim Pereira Castanheira, comerciante, e Augusto Ferreira de Carvalho, farmacêutico.

A 14 de Março, o Jornal de Penacova, que à data já estava nas mãos dos republicanos, noticia aquela reunião e avança com uma relação dos inscritos, à data, no Partido Republicano:

Dr. Alípio Barbosa Coimbra, Dr. Rodolfo Pedro da Silva, José de Almeida Coimbra, Francisco de Almeida, Joaquim Pereira Castanheira, David Cordeiro de Brito, Albino Leonardo, Francisco Rodrigues da Silva, José António de Almeida Júnior[3], José de Matos Vieira, Augusto Ferreira de Carvalho, António Pedro Gonçalves, António de Matos Vieira, António Maria, Joaquim de Almeida Coimbra, João António de Almeida, José Joaquim Duarte Júnior, Vitorino de Almeida, Serafim José de Almeida, Francisco Duarte Almeida, José Pedro Henriques, José Alves de Oliveira Coimbra, Amândio dos Santos Cabral, Eduardo Pedro da Silva, José Augusto Ribeiro, José Esteves Viseu, Joaquim Serra Cardoso (que anunciará a implantação da República na manhã de 6 de Outubro), Manuel Correia da Silva, Luís Pereira de Paiva Pita, Alípio Carvalho, Aníbal Duarte de Vasconcelos, Alípio Lopes Flórido, António Joaquim Dias e Fernando da Assumpção.
Rodolfo Pedro da Silva

Em 1909 realizam-se as eleições para aquela Comissão, onde vamos encontrar nomes já conhecidos. Efectivos: José de Almeida Coimbra, José Alves de Oliveira Coimbra, Manuel Correia da Silva, Luís Pereira de Paiva Pita e Augusto Ferreira de Carvalho. Substitutos: dr. Alípio Barbosa Coimbra, dr. Rodolfo Pedro da Silva, José Pedro Henriques, Eduardo Pedro da Silva e Urbano Ferreira da Natividade.

Por sua vez, S. Pedro de Alva acabou por ser pioneira na criação dos Centros Republicanos a nível do concelho de Penacova. Em Junho de 1909 foi provisoriamente instalado o Centro Republicano naquela localidade. A inauguração oficial fora anunciada para o dia 1 de Agosto, coincidindo com a data do Comício. Da comissão instaladora faziam parte José de Almeida Coimbra, Eduardo Pedro da Silva (ambos cunhados de António José de Almeida), António Henriques da Fonseca Júnior, Francisco da Costa Gonçalves, José Maria Henriques, Joaquim Pereira Castanheira e Joaquim de Almeida Coimbra.

O novo Centro terá sido instalado num antigo edifício pertencente à família de António José de Almeida (onde hoje existe o Talho Abranches). Joaquim António Madeira ofereceu ''um belo quadro da República'', um outro com o ''notável Manifesto do Partido Republicano'' e ainda outro com os ''retratos dos deputados Republicanos''. Também foram oferecidos livros para a biblioteca por António Joaquim dos Santos, António dos Santos e José Madeira Marques. Este ofereceu, entre outras obras, Cartas Políticas de João Chagas e Pró-Pátria de Homem Cristo.

O Centro Republicano de S. Pedro de Alva irá, nos tempos mais próximos, exercer a sua acção política, cultural e cívica. Nesse sentido, achamos particularmente significativo o facto de Eduardo Pedro da Silva ter, em Outubro de 1909, apresentado uma moção, que foi aprovada por unanimidade, contra o assassinato de Francisco Ferrer[4], considerando aquele acto como ''o maior crime do século XX''. Em Abril de 1910 o Centro procedeu à escolha do delegado[5] ao 11.º Congresso do Partido Republicano Português que iria decorrer no Porto nos dias 29 e 30. Foi eleito, por unanimidade, António dos Santos Henriques, residente naquela cidade.[6]
José de Almeida Coimbra

As adesões sucedem-se. Angariadas por João António de Almeida, irmão de António José de Almeida e presidente da Comissão Paroquial Republicana de Paradela da Cortiça, temos: José Henriques Castanheira, comerciante e regedor, Joaquim Henriques Castanheira, proprietário, José Lourenço Rodrigues, barbeiro, José Neves Pinhão, carpinteiro, Joaquim Ferreira, serrador, António das Neves Carvalho, proprietário, todos de Paradela, e ainda Abel Mateus, da Cova do Barro.

Em Penacova, o Centro Democrático António José de Almeida, situado na Avenida 5 de Outubro,  só será inaugurado oficialmente já depois da queda da monarquia, no dia 1 de Dezembro de 1910. Discursou o Dr. Daniel Silva e foi descerrado um retrato de António José de Almeida (pintura a óleo) oferecido por Leonel Lopes Serra. O jantar de confraternização teve lugar ''no hotel da Sr.ª Altina Amaral.'' Foi também inaugurado neste dia, o sistema de iluminação pública a ''acetylene'', o que levou o Jornal de Penacova a reconhecer que ''com vagar embora, o progresso” ia “penetrando na nossa terra."
 . David Almeida
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Bibliografia:
ALMEIDA, David - Penacova e a República na Imprensa Local. Penacova: Câmara Municipal de Penacova, 2011.



[1] Muito provavelmente, ocupava o edifício onde funciona hoje a Escola Beira-Aguieira. Edifício que, segundo fotografias de 1909, já tinha a estrutura actual.
[2] Pedro Henriques & Cª, empresa que era detentora de uma fábrica de conservas e se dedicava também à indústria de palitos. Representou o distrito de Coimbra na Expo 1908, no Rio de Janeiro, conquistando medalhas de ouro e prata, pela qualidade dos seus produtos: palitos e azeite.
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[3] Irmão de António José de Almeida, bem como de João António de Almeida, que também consta da lista.
[4] Francisco Ferrer i Guardia, republicano catalão,  foi o fundador de um movimento de pedagogia libertária que deu origem à Escola Moderna. Os aspectos educacionais que defendia foram considerados "perigosos" para a aceitação social da autoridade e, em 1909, Francisco Ferrer foi preso na Catalunha, Espanha. Depois de julgado por um Conselho de Guerra foi executado em 13 de Outubro de 1909 na Fortaleza de Montjuich.
[5] Em 25 de Abril de 1910.
[6] Cfr. Jornal de Penacova, 30 de Abril de 1910.           

07 setembro 2019

Algumas notas sobre a Barca (Serrana) no Mondego


Desde tempos muito recuados que o rio Mondego serviu de via de comunicação do litoral para o interior beirão. Romanos, Mouros, Normandos estabeleceram circuitos de navegação ao longo do maior rio português, atingindo a região de Coimbra e cerca de cinquenta quilómetros a montante até à foz do rio Dão. O leito era então muito mais profundo do que actualmente. Até Coimbra chegavam a vir caravelas e outras embarcações vocacionadas para o mar. Nos séculos XV e XVI ainda aportavam pequenos navios nos cais da cidade onde se desenvolvia alguma indústria de construção naval. 

Entretanto, o progressivo assoreamento do rio veio alterar a paisagem ribeirinha. Principalmente no período de estiagem a navegação começou a ser muito difícil. As embarcações de carena deram lugar a barcos de fundo chato, mais adaptados às novas características do rio. O casco sem saliências facilitava a navegação em águas pouco profundas. 

As primeiras referências escritas às barcas aparecem no Foral de Coimbra (1516). Também se encontram alusões ao “mestre barqueiro ou arraes” a quem, a partir do século XVII passou a ser exigida uma carta. 

O tráfego fluvial com ritmos intensos manteve-se até meados do século XIX, verificando-se a partir daí uma progressiva decadência para um século depois se extinguir quase por completo. Foi já no século XX que a designação de Barca Serrana passou a ser utilizada. 

Como sabemos, as barcas transportavam, em direcção a Coimbra e à Figueira da Foz, lenha, madeira, carvão, carqueja, telha, pipas de vinho, produtos agrícolas e também pessoas. Com destino ao interior, circulava o peixe, o sal, o sal e peças de louça. 

As barcas serranas tinham com dimensões muito variadas, podendo ir dos 10 metros até ao máximo de 22 de comprimento. Existiram barcas que permitiam uma carga de cerca de 15 toneladas, com vantagens de rentabilidade económica mas ao mesmo tempo com dificuldades acrescidas de manobra em épocas de cheia e na atracagem. 

Um excelente trabalho sobre estas embarcações típicas do Mondego foi publicado em 2005 pela Câmara Municipal. O livro, da autoria do Arquitecto Fernando Simões Dias intitula-se precisamente “Ó da barca! “ e tem como subtítulo “Memória da Barca Serrana do Mondego”. 
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02 setembro 2019

Penacova na Exposição Distrital de 1869: cento e cinquenta anos depois


De 2 a 31 de Julho de 1869 realizou-se em Coimbra a Exposição Distrital de Indústria Agrícola e Fabril e de Arqueologia, organizada pela Associação dos Artistas de Coimbra.

O concelho de Penacova também se fez representar. Na época, era Administrador concelhio o Dr. Joaquim Correia d’Almeida. Este, num ofício dirigido à organização,  comunica a intenção de disponibilizar para a mesma “o foral original”, com uma encadernação antiquíssima,  concedido por D. Manuel,  e um “exemplar do desenho das armas da Câmara". Mas a representação de Penacova não se ficou por aí. Há notícia de muitos outros objectos e produtos agro-florestais e minerais ali apresentados.

Esteve exposto mármore da pedreira de Sazes e “Cal em Pedra”, proveniente do forno de Manuel dos Santos Laço, de Sernelha. Refere o catálogo da exposição, que os fornos de cal do concelho de Penacova eram “muito superiores aos de Coimbra."

De referir também um “tinto de mesa comum de 1868, com força alcoólica de 13, 1”, um “branco de mesa comum” do mesmo ano, com uma graduação de 14,4 e uma “aguardente baixa” com graduação de 16,5.

Azeitona, azeite, cereais (trigo, milho, centeio, cevada), feijão, linho, tremoços, grão de bico, ervilhas, batatas e nozes foram outros tantos produtos apresentados naquele certame.

De Lorvão estiveram patentes amostras de “palitos para os dentes” cedidas por Emídio Maria da Fonseca. António Maria Seabra d’Albuquerque expõs um conjunto de pratos “que a tradição” dizia terem pertencido às “Infantas D. Sancha e D. Teresa”, agora na posse do Marquês de Sousa Holstein.

Especial destaque na exposição mereceram os seguintes produtos de Penacova: uma cesta, conjuntos de varas de castanho, amostras de palitos, amostras de  "pau" de castanho e de pinheiro, de cortiça, de carqueja e também de palha de milho (bandeira, folha e capa).  

A "cesta redonda" fora executada por José Joaquim Carvalho. Utilizava-se a “vara de castanho dos soitos  de talhadia (aproveitamento dos rebentos). Muitas pessoas do concelho se ocupavam na indústria da cestaria. As cestas eram vendidas em Coimbra e noutras localidades da região. As varas de castanho (cortadas de quatro em quatro anos) também expostas, traduziam a existência de muitos soitos no nosso concelho. Além da utilização no fabrico dos cestos entravam na produção de arcos de diversas vasilhas e serviam também para varejar a azeitona e para uso dos “carreiros” com as suas juntas de bois.

Os palitos para os dentes não podiam faltar. Haviam sido premiados na exposição internacional de Paris (1855). No entanto, refere-se no citado relatório que naquele momento se encontrava em decadência aquela indústria, que era “boa” mas podia ser “óptima”, se não fosse” a fraude de alguns paliteiros que a desacreditaram no país e no estrangeiro.” No fabrico dos palitos empregava-se a “vergôntea de salgueiro branco e choupo de dois anos”.

O “pau” de castanho era abundante e era aproveitado para fabricar vasilhas para vinho e na construção de casas. Quanto ao pinheiro “foi este concelho um dos mais abundantes” nesta madeira, mas à data, a “boa madeira” estava quase esgotada, devido à construção de novas casas e de barcas. Também a exportação de madeiras e de lenhas para Lisboa e “para fora” gerara a sua escassez.


A indústria da cortiça dava trabalho a muita gente. Era extraída não só no concelho mas também a grandes distâncias. Era transportada para a “borda do rio”, onde era preparada e daí enviada para o Porto da Figueira nas barcas serranas.

A apresentação de amostras de carqueja poderia parecer de pouca importância. Pelo contrário. Recorde-se que o concelho de Penacova era o principal fornecedor da carqueja e lenha que se consumia nos fornos e nas casas da cidade de Coimbra.

A palha de milho também ocupava um lugar de relevo na economia do concelho. Dizia-se que era aqui que se aproveitavam melhor as palhas do milho. Tirava-se primeiro a “bandeira”, de seguida “desfolhava-se” e ficava apenas a espiga na capa. No final da maturação as espigas eram conduzidas para as eiras onde eram “escamisadas” e deixadas a secar. A “capa” era um “óptimo alimento para o gado e para outras aplicações”.

Através da consulta do catálogo/relatório desta exposição é possível recolher alguns elementos caracterizadores da vida social e económica do nosso concelho (e de todo o distrito de Coimbra) na década de sessenta do século XIX.

A  primeira exposição internacional em Portugal fora em 1865. Teve lugar no Porto, onde, à semelhança do que sucedera em Londres em 1851, se erigiu também, propositadamente, um «Palácio de Cristal». Quatro anos passados sobre a data da realização do nosso primeiro certame internacional da indústria, a Associação dos Artistas de Coimbra, impulsionada por Olímpio Nicolau Rui Fernandes, como acima referido,  realizou  com assinalável sucesso esta  exposição de âmbito distrital, onde o nosso concelho ombreou com os restantes do distrito de Coimbra.