20 agosto 2023

Emigração para o Brasil: a ida de penacovenses para Barretos (S. Paulo)


Recordar-se-ão os nossos leitores das interessantes “Crónicas Brasileiras”, assinadas por Paulo Santos e aqui publicadas em tempos. Recebemos agora mais um interessante trabalho seu sobre a emigração para o Brasil, onde nos relata a odisseia de algumas famílias penacovenses.  

Obrigado Paulo por esta partilha!

A IDA/VINDA DOS PENACOVENSES PARA BARRETOS (SP-Br)



O tempo passa e não perdoa, e quando nos damos conta, lá se foi quase uma década. Pois foi em 13/12/2013 que David de Almeida publicou em seu blog um texto meu sobre a migração de penaconvenses para o Brasil. https://penacovaonline2.blogspot.com/2013/

Faz parte da História, muitos europeus imigraram para o Brasil, durante aqueles dias difíceis porque passou a Europa. Alguns moradores da freguesia de Penacova seguiram o mesmo caminho.

Como os ascendentes da minha esposa (bisavós, avós maternos, paternos, pai e mãe) eram oriundos da freguesia de Penacova, isso me levou a “entrar de cabeça” na empreitada de saber um pouco mais sobre a aventura da travessia do Atlântico, encontrar os navios, descobrir as datas e onde desembarcaram os Batistas, D´Assumpção, Castanheiras e Feitor. Foi uma longa peregrinação pelos arquivos de registros de desembarque de passageiros, em documentos oferecidos pelo Governo Federal e pelo Governo do Estado de São Paulo. Os dados sobre os antepassados encontrei nos arquivos do museu do Tombo, disponibilizados pela Universidade de Coimbra.

Em uma dessas levas de imigrantes, em 22/04/1924, após cruzarem o Atlântico, a bordo do vapor GELRIA, desembarcaram no porto de Santos (São Paulo-Brasil) Maria Piedade, mãe e filho. Eles integravam o grupo de 721 imigrantes, na 3ª classe, de várias nacionalidades: 355 romenos, 136 tchecos eslovacos, 133 portugueses, 45 austríacos, 22 polacos, 17 alemães, 8 espanhóis, 3 turcos, 1 holandês e 1 húngaro. O pai, Eduardo Batista, tinha vindo alguns anos antes para preparar.

Pesquisas dos registros de batismo, nascimento e de casamento

As pesquisas foram feitas no site https://tombo.pt/ nos registros digitalizados efetuados pela Universidade de Coimbra. Iniciando pelo site do Tombo, busca-se a Região, pretendida, nela o Concelho, depois a Freguesia, por fim o período do ano que interessa, entre os disponíveis. Por exemplo, na Freguesia de Figueira de Lorvão há registros de “baptismo” no período de 1766-1911. E de casamento e de óbitos entre 1849-911. Nem sempre as caligrafias dos registros ajudam, ainda que muitas sejam maravilhosas. Postar fotos desses registros pode decepcionar, daí entender ser preferível disponibilizar os links, e apresentar pelo menos a imagem de um deles, para matar a curiosidade mais imediata.


 

Batistas & D´Assumpção

Eduardo Batista (25/03/1897 - 12/03/1945), nasceu em Carvalhal, batizado aos 17/04/1897, na igreja paroquial de Penacova, registro sob nº 25, páginas 10ª e 11ª, filho de Felicidade da Silva, neto materno de Francisco Lopes Loiro e Maria Benedicta. Faleceu em Barretos (SP-Br).
https://pesquisa.auc.uc.pt/viewer?id=42745&FileID=673870

Maria Piedade (16/03/1898 - 31/12/1963), nasceu Gondelim, batizada aos 9/04/1898, registro nº 26, página 23, na igreja paroquial de Penacova, filha de Maria Rosa d´Assumpção, neta materna de Maria Assumpção Peralta. Faleceu em Barretos (SP-Br).


https://pesquisa.auc.uc.pt/viewer?id=275704&FileID=1021086

Eduardo Batista e Maria Piedade d’Assunção se casaram no dia 5/04/1920, conforme registro n°12, do Registro Civil do Concelho de Penacova, página 17ª e 18ª.
https://pesquisa.auc.uc.pt/viewer?id=275887



Em Portugal, aos 25/09/1920 tiveram Eduardo Batista Filho.

Castanheira & Feitor


Manuel Rodrigues Castanheira (23/04/1906 - 7/05/1982), nasceu na Figueira, o assento de batismo nº 26, dia 2/05/1906, Igreja São João Baptista, da Figueira do Lorvão, Penacova, diocese de Coimbra, filho de António Rodrigues Castanheira e Maria do Rosário, neto paterno de Manuel Rodrigues Castanheira e Deolinda da Silva, maternos: José Simão e Maria do Rosário.

Maria Rodrigues Feitor (5/12/1907 - 12/09/1989), batismo em 25/12/1907, nº 52, Igreja São João Baptista, nasceu na Povoa, pais: Joaquim Rodrigues Feitor e Maria Pereira da Costa, neta paterna de António Rodrigues Feitor e Maria de Nossa Senhora, materna: João Rodrigues Valente e Rosaria de Nossa Senhora. Faleceu em Barretos (SP-Br).

Para ver o registro batismo/nascimento de Manuel basta clicar no link abaixo, deverá abrir na página 53, é o registro nº 26.

https://pesquisa.auc.uc.pt/viewer?id=275512&FileID=1137038

O de Maria, mesmo livro, página 90, registro nº 52, link:

https://pesquisa.auc.uc.pt/viewer?id=275512&FileID=113707


Manuel Castanheira e Maria Rodrigues Feitor casaram no dia 25/09/1926, no Registro Civil da Figueira, concelho de Penacova.


Em Portugal tiveram os filhos: Lucília (02/07/1927) e Horácio (04/03/1929)

No Brasil, Manuel Castanheira e Maria Rodrigues tiveram uma penca de filhos: Maria Terezinha, Armando, Zulmira e Izabel. Todos constituiram famílias, tiveram filhos, deram aos pais netos e alguns bisnetos

Relação de passageiros desembarcados no Rio de Janeiro e em Santos

Para encontrar as listas de passageiros utilizei fontes: para desembarque no porto Rio de Janeiro e outra no porto de Santos, respectivamente:

https://sian.an.gov.br/sianex/consulta/resultado_pesquisa_new.asp
http://www.arquivoestado.sp.gov.br/web/acervo/solicitacao_certidoes/lista_passageiros_pesquisa

Para pesquisar no site do Governo Federal é necessário criar conta e senha. Enquanto que nos arquivos do Governo do Estado de São Paulo é livre. Para pesquisar a lista de passageiros, basta usar um dos links, conforme o posto de desembarque, colocar o nome do navio e o ano, pelo menos uma dessas informações. Evidentemente, inserindo ambas ficará mais fácil a pesquisa. Se colocar o nome do navio e a data correta da chegada, ficará ainda mais fácil.


IDA/VINDA dos BATISTAS & Assumpção para o Brasil



Eduardo Batista veio para o Brasil no vapor, Zeelandia, de uma companhia holandesa. Desembarcou no dia 15/05/1922, no Rio de Janeiro. Veio sozinho, para preparar as condições para trazer a família, o destino, Barretos, uma cidade bem ao norte do estado de São Paulo, quase na divisa com o estado de Minas Gerais. Ele é p 349º na relação de passageiros.

http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_rjanrio_ol/0/rpv/prj/17898/br_rjanrio_ol_0_rpv_prj_17898_d0001de0001.pdf

Maria Piedade e Eduardo B Filho (3 anos) desembarcaram em Santos no dia 22/04/1924. Vieram no Vapor Gelria, da mesma companhia que o Zeelandia, passageiros 621º e 622º, foram para Barretos. http://www.arquivoestado.sp.gov.br/uploads/acervo/textual/mi_listavapores/BR_APESP_MI_LP_014226.pdf

No Brasil, Eduardo e Piedade tiveram outros filhos: Zulmira, Osmildo, José Batista, Arthur, Américo, Armando e Neide. Exceto Américo, os demais constituiram famílias, tiveram filhos e netos e bisentos.


IDA/VINDA dos Castanheiras & Feitor para o Brasil



Manuel R. Castanheira desembarcou, no porto de Santos, no dia 19/11/1928, veio pelo Vapor Sierra Morena, Companhia Alemã. De Santos, por viaférrea, passando por São Paulo, seguiu, para Barretos, cidade localizada norte do estado de São Paulo, distante uns 500 km (estado seria um distrito em Portugal). Veio também sozinho.

Em 6/03/1934, Maria Castanheira Feitor chegou a Santos, com Lucília (7 anos) e Horácio (5 anos), pelo Vapor Highland Brigade, do Correio Real Inglês. Foram para Barretos encontrar ao encontro de Manuel.

No Brasil, Manuel Castanheira e Maria tiveram mais filhos: Maria Terezinha, Armando, Zulmira e Izabel. Todos constituiram famílias, tiveram filhos, deram aos pais netos e alguns bisnetos

O casamento: Batista & Castanheira


Eduardo Batista Filho (25/09/1920 – 25/10/1984) que nascera em Gondelim (Penacova), que chegou ao Brasil em 22/04/1924, e foi para Barretos. Lucília Castanheira (2/07/1927 - 17/05/2020), que chegou ao Brasil em 6/03/1934 e que o destino a levou também para Barretos. Com tantas coincidências, não deve ter havido muita dificuldade para se conhecerem, tanto que se casaram aos 4/04/1944, em Barretos.

Tiveram: Marísia (1946), Marilda (1947), Marineide (1949, minha esposa) e José Eduardo (1954). Os filhos constituiram famílias, deram a eles lindos e maravilhos netos, dois dos quais levam meu sangue porque eu me casei com a filha caçula.

Assim vieram os antepassados do Concelho de Penacova, são esses os laços que nos unem a Figueira do Lorvão, Povoa, Gondelim e Carvalhal, lugares que ainda não conhecemos, mas que esperamos e desejamos conhecer.


LISTA DE PASSAGEIROS

Nem sempre as imagens baixadas das listas de passageiros ficam adequadas para publicação. É melhor serem vistas direto pelo link. Publicarei apenas uma para mostrar, as demais poderão ser vistas através dos links dos arquivos em PDF, ou até direto nos arquivos governamentais.

Eduardo Batista – desembarque no Rio de Janeiro - 15/09/1922 - Vapor Zeelandia, é o 349º da lista

http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_rjanrio_ol/0/rpv/prj/17898/br_rjanrio_ol_0_rpv_prj_17898_d0001de0001.pdf

Maria Piedade e Eduardo – desembarque em Santos - 22/04/1924 - Vapor Gelria, passageiros 621º e 622º.

Passageiros: 621º e 622º. http://www.arquivoestado.sp.gov.br/uploads/acervo/textual/mi_listavapores/BR_APESP_MI_LP_014226.pdf

Manuel Castanheira – desembarque em Santos - 19/11/1928 - Vapor Sierra Morena, é o passageiro 85º da 3ª classe http://www.arquivoestado.sp.gov.br/uploads/acervo/textual/mi_listavapores/BR_APESP_MI_LP_015090.pdf

Maria Rodrigues, Lucília e Horácio – desembarque em Santos – 5/3/1934 – Vapor Highland Brigade, passageiros 9º, 10º e 11º da 3ª classe

http://www.arquivoestado.sp.gov.br/uploads/acervo/textual/mi_listavapores/BR_APESP_MI_LP_023807.pdf


CURIOSIDADES E DÚVIDAS

Os registros, em parte, solucionaram as dúvidas existentes nas nossas famílias, quanto aos sobrenomes. Em parte, porque nos diversos registros (batismo, nascimento, casamento e listas de embarques), há divergência nas grafias.

d´Assumpção ou d´Assunção: No registro de batismo/nascimento, Maria Piedade consta como d´Assumpção. No registro de casamento aparece como d´Assunção, bem como na lista de passageiros, e no registro de Eduardo Filho. A conferir nos demais filhos do casal Eduardo e Maria Piedade.

Baptista ou Batista: em todos os documentos de Eduardo consta apenas Batista.

Feitor ou Feitora: Nos documentos portugueses consta Feitor, assim seria mesmo Maria Rodrigues Feitor antes de se casar com Manuel Rodrigues Castanheira.
 

MAPAS E DISTÂNCIAS


O Distrito de Coimbra tem 17 Concelhos: Arganil, Cantanhede, Coimbra, Condeixa-a-Nova, Figueira da Foz, Góis, Lousã, Mira, Miranda do Corvo, Montemor-o-Velho, Oliveira do Hospital, Pampilhosa da Serra, Penacova, Penela, Soure, Tábua e Vila Nova de Poiares.


Mapa de Portugal Continental e do Distrito de Coimbra. Penacova ao norte com a coloração azul mais claro.

Penacova tem 11 freguesias: Carvalho, Figueira de Lorvão, Friúmes, Lorvão, Oliveira do Mondego, Paradela, Penacova, S. Paio de Mondego, São Pedro de Alva, Sazes do Lorvão e Travanca do Mondego.

Obs: O Concelho de Penacova, que tem uma área total de 216,7km2 e, de acordo com os Resultados Preliminares dos Censos 2021, uma população de 13.119 habitantes, divide-se- desde 2013 - por 8 freguesias: Carvalho, Figueira de Lorvão, Lorvão, Penacova, Sazes do Lorvão, União das Freguesias de Friúmes e Paradela, União das Freguesias de Oliveira do Mondego e Travanca do Mondego e União das Freguesias de São Pedro de Alva e São Paio de Mondego

Algumas Distâncias (rodovias): Penacova/Gondelim: 12 km
Penacova/Coimbra: 30 km
Penacova/Figueira do Lorvão: 6,5 km
Penacova/Lisboa: 229 km
Lisboa/Santos (de avião): 7.968 km





Maria Piedade d´Assunção e Eduardo (621º e 622º)

Obs: aceito contribuições para eventuais equívocos.
Texto e grafismo: Paulo Santos

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NOTAS DA REDACÇÃO sobre causas da emigração e sobre o estado "patológico" da emigração portuguesa

“Na raiz da atitude de emigrar havia uma causa geoeconómica e social, mas, também, psicológica, familiar, política e, muitas vezes, de pressão demográfica. A falta de desenvolvimento do sector agrícola, agravada pela carência de e nas propriedades industriais, empurrava o grosso da população, maioritariamente masculina e dentro da faixa produtiva, que, numa penumbra vivenciada na subsistência de um salário de jornaleiro tão exíguo que roçava pelo mínimo indispensável ao seu parco sustento, o desejo de emigrar, sobretudo para o Brasil, no qual, o espírito alimentava o sonho de uma vida melhor.

Para a explicação do intenso movimento emigratório que se fez sentir no período em   questão, concorrem, igualmente, factores externos como a actuação das autoridades brasileiras na promoção de uma política de atracção de braços para fazer face à crescente necessidade de mão-de-obra que substitua o progressivo desmantelamento das estruturas esclavagistas e, ao mesmo tempo, explore um imenso território despovoado.”

In A emigração no concelho de Penacova através dos Registos de Passaportes (1870-1899), de Mário Jorge Martinho da Costa


“É certo que a emigração portuguesa tomou nos últimos anos caracteres realmente alarmantes, não por ela mesma, mas pelo que significava de destruição e quase morte no organismo económico da nação. Até há pouco tempo ainda nem sequer tínhamos um só tratado de comércio, que nos permitisse exportar os produtos da nossa agricultura que podem defender a nossa existência económica (…) a emigração portuguesa perderá dentro de poucos anos o seu aspecto doloroso, patológico, para assumir os caracteres de um fenómeno normal, eminentemente profícuo, e intimamente ligado, nas suas origens e funções, como no seu movimento, à própria vida da nação.”

Afonso Costa, O problema da emigração, 1911















25 julho 2023

Governadores civis (1): José Joaquim dos Reis Vasconcelos

GOVERNADORES CIVIS NATURAIS DE PENACOVA 
OU AO CONCELHO LIGADOS POR CASAMENTO


Circular de Pedro José de Oliveira, pelo Secretário Geral da Repartição Central do Governo Civil de Lisboa, 
ao Administrador do Concelho de Sintra, referente à nomeação de José Joaquim dos Reis e Vasconcelos, 
para o cargo de Governador Civil Interino.

Sabia que, naturais de Penacova, ou a este concelho ligados por casamento, tivémos seis Governadores Civis? Foram eles: José Joaquim dos Reis Vasconcelos (Governador Civil Interino de Lisboa, 1846); Fernando Augusto de Andrade Pimentel de Melo (Governador Civil de Coimbra, 1876 e 1878-1879); Júlio Ernesto de Lima Duque (Governador Civil de Évora, 1904-1905); Artur Ubaldo Correia se Sousa Leitão (Governador Civil de Leiria, 1904-1906); Luís Duarte Sereno (Governador Civil de Coimbra, 1905) e Vítor Fernando da Silva Simões Alves (Governador Civil de Bragança, 2009).

NOTA HISTÓRICA SOBRE OS GOVERNOS CIVIS

Após a instauração definitiva do liberalismo em Portugal foi estabelecida (1835) uma nova divisão territorial do país, tendo sido criados, pela primeira vez, os Distritos, circunscrições administrativas que tinham à sua frente um magistrado, o Governador Civil.
Apesar das mudanças de regime operadas em 1910 com a instauração da República e em 1926 com Revolução de 28 de Maio que esteve na base do Estado Novo, esta estrutura manteve-se intacta até 1974.

A Constituição da República Portuguesa de 1976 alterou profundamente o nosso regime jurídico-administrativo, ao instituir o sistema de governo das autarquias locais, que passaram a ser, no território do Continente, as freguesias, os municípios e as regiões administrativas, retirando assim ao Distrito essa categoria.

No entanto, a Constituição estabeleceu que, enquanto não fossem instituídas as regiões administrativas, o Distrito subsistiria como “divisão distrital”, continuando a ter à sua frente um magistrado administrativo, o Governador Civil.

Em 2011 o Governo presidido por Pedro Passos Coelho exonerou os Governos Civis em exercício e criou as condições necessárias, quer por parte do Governo, quer por parte da Assembleia da República, para se proceder à transferência das competências dos Governadores Civis para outras entidades da Administração Pública.

In Os Governos Civis de Portugal e a Estruturação Político-Administrativa do Estado no Ocidente, 2014

Falaremos hoje de José Joaquim dos Reis Vasconcelos, um daqueles notáveis nascidos no nosso concelho e que pouca gente conhecerá ou terá sequer alguma vez ouvido falar.

Apesar de ter feito carreira política em Lisboa, onde foi Deputado, Par do Reino, Conselheiro de Estado, Governador Civil interino e “rico proprietário”, passou a sua juventude na vila de Penacova e cursou Direito em Coimbra. Foi também pelo Círculo de Arganil que pela primeira vez foi eleito deputado. Enquanto amigo de Alípio Leitão estamos convencidos que, mesmo que indirectamente, terá intercedido pelo nosso município junto do Poder Central.

José Joaquim dos Reis (Campos) e Vasconcelos nasceu em Penacova no dia 1 de Março de 1804, filho de Joaquim José Correia dos Reis e de Joaquina Engrácia de Campos e Vasconcelos.

Matriculou-se no Curso de Direito da Universidade de Coimbra em 17 de Novembro de 1818. Mais tarde, a sua carreira profissional viria a passar pelo desempenho do cargo de Procurador Régio.

Partidário da ideologia liberal, acabou por partir para o exílio quando em 1828 D. Miguel se fez aclamar rei absoluto. Perseguidos, os liberais refugiaram-se na Galiza e depois emigraram em grande número para França e Inglaterra. Por este motivo, cedo deixou Penacova. Conta-se que nesta vila os Miguelistas quando souberam da sua fuga fizeram um boneco em palha, representando-o. No Terreiro, depois de simbolicamente fuzilado deitaram-lhe fogo no meio de grande algazarra. Por tudo isto parece que nunca mais terá voltado a Penacova, mantendo, contudo, contactos com a família Correia e com Alípio Leitão, que casara com a filha de Joaquim Correia de Almeida.Quando em 1879 Alípio Leitão tomou posse como deputado terá ido hospedar-se em casa de Reis e Vasconcelos.

O futuro Duque de Palmela também se exilou em Londres. Junto deste, Reis e Vasconcelos tornou-se procurador dos exilados portugueses. Mais tarde, depois da Convenção de Évora-Monte e da vitória definitiva dos Liberais, foi criado o importante cargo de Curador Geral dos Órfãos. Como recompensa pelos altos serviços prestados junto dos exilados foi José Joaquim o escolhido para o lugar, começando assim a sua ascensão social no círculo aristocrático do liberalismo triunfante. Vivendo na alta “roda dos grandes políticos do constitucionalismo”, no dizer de José Albino Ferreira, foi Par do Reino de 1861 a 1884, data da sua morte.

Já Par do Reino, Conselheiro e com 61 anos de idade, casou com a filha do Visconde de Vila Nova de Gaia, Joana Cândida Stubbs, viúva de António Jacinto de Castro Ribeiro.

Filiado no Partido Histórico, foi eleito deputado pela primeira vez em 1838 pelo círculo eleitoral de Arganil, mantendo-se, quase ininterruptamente, durante muitos anos na Câmara dos Deputados.

De Julho a Outubro de 1846 foi Governador Civil Adjunto de Lisboa e há notícia de que em 1867 fez parte do Conselho de Estado e que em 1875 assumiu funções de Vogal do Supremo Tribunal Administrativo.

Coligiu e publicou, em 1851, a obra em dois tomos, Despachos e Correspondência do Duque de Palmela, abrangendo os anos de 1817 a 1826.
Em Janeiro de 1884 foi eleito para presidir à Comissão Administrativa na Câmara dos Pares, mas acabaria por falecer um mês depois, no dia 7 de Fevereiro. Era na altura presidente do Conselho de Ministros Fontes Pereira de Melo. Na sessão do dia 11 deste mês, sob proposta do “Digno Par” Carlos Bento, foi aprovado por unanimidade um voto de pesar, enaltecendo as suas qualidades de “verdadeiro homem de bem”.

03 julho 2023

Nelson Correia Borges homenageado pela Câmara e pela Faculdade de Letras






O Município de Penacova homenageou o investigador e professor universitário Nelson Correia Borges, no decorrer da cerimónia de encerramento do congresso internacional “O Mosteiro de Lorvão no tempo de Catarina de Eça (1471-1521”, que se realizou nos dias 29 e 30 de Junho no Mosteiro de Lorvão, promovido pelo Instituto de Estudos Medievais da Universidade Nova de Lisboa e Câmara Municipal de Penacova. 

Na sessão de homenagem, usaram da palavra o Presidente da Câmara Municipal de Penacova, Álvaro Coimbra, o Director da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Albano Figueiredo e Joana Antunes, docente da Secção de História da Arte daquela faculdade.


Começou por dizer Álvaro Coimbra: "Quero falar de alguém que tem dado um contributo inestimável em defesa deste mosteiro. Um trabalho de décadas, exaustivo, incansável e de grande reconhecimento académico, visível em várias obras publicadas em áreas do saber como a arqueologia, a antropologia e a etnografia, na Associação Pró-Defesa do Mosteiro de Lorvão que fundou em 1982 e no amor sem limites que tem dedicado a esta causa." Salientou igualmente, de seguida, que "ao longo de quatro décadas foi defensor acérrimo desta causa. Foi uma das vozes que se levantaram contra os anos em que o mosteiro esteve privado do seu órgão de tubos exemplar único neste país e que durante anos a fio esteve desmontado e sem destino. Indignou-se com a indiferença do Estado em relação à degradação deste monumento e com a total ausência de medidas de salvaguarda do seu património. Afirmou alto e bom som na imprensa, há vinte anos, “se este mosteiro estivesse localizado em Coimbra, Lisboa ou Porto as coisas não estariam assim!” Felizmente a sua voz fez-se ouvir e contribuiu para uma mudança de atitude dos responsáveis políticos."

O Presidente da Câmara afirmou também que "uma das suas grandes reivindicações foi a criação de um museu que guardasse os tesouros de Lorvão. O que considerou o caso mais escandaloso está a poucos dias de ser uma realidade. Perfeccionista e exigente em todos os projectos e causas em que se envolveu procurou a autenticidade e o respeito pelas origens e pela história. Ao Professor Doutor Nelson Correia Borges agradecemos uma vida dedicada à sua terra Lorvão, ao Mosteiro. Senhor Professor Nelson Correia Borges: em nome do Município de Penacova, Muito obrigado por tudo o que tem feito por Lorvão e pelo Mosteiro!"




Por sua vez, o Director da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Professor Doutor Albano Figueiredo, proferiu as seguintes palavras:


Excelentíssimo Senhor Professor Nelson Correia Borges:

Começo naturalmente por neste final de tarde, magnífico, a todas e a todos cumprimentar com uma saudação institucional em nome da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e com um agradecimento em particular a Penacova, às suas gentes, mas sobretudo a toda a comunidade aqui reunida, pela belíssima ideia de celebrar científica e culturalmente este espaço com o todo o significado que ele tem numa saudação pela qualidade elevada que sei que marcou todo o trabalho aqui desenvolvido nestes dois dias e que termina com um momento a que a Faculdade de Letras quer, naturalmente, associar-se.

Permita-me Senhor Professor que aqui diga algumas palavras em nome da sua, da nossa Faculdade, e que nunca serão tantas como aquilo que efectivamente a Faculdade de Letras e a Universidade de Coimbra lhe devem.

O Senhor Professor Doutor Nelson Correia Borges está intrinsecamente ligado a este local pelas suas origens, pelo seu trabalho, pelo amor à cultura, investigação e ensino.

Licenciado em História por meados dos anos setenta, tornou-se, a partir do final dessa década docente do então Instituto de História, hoje Secção de História da Arte.

Foi director deste mesmo Instituto durante alguns anos, nomeadamente no final dos anos noventa.

Doutorou-se em 1993 na Universidade de Coimbra com uma brilhante dissertação intitulada “Arte Monástica em Lorvão: Sombras e realidade: Das origens a 1737” que viria a ser editada, já no inicio do séc. XXI, pela Fundação Calouste Gulbenkian em mais um reconhecimento da elevadíssima qualidade da investigação que o Senhor Professor sempre produziu e que está bem patente na sua dissertação que continua actual.

A sua carreira ficou marcada pela dedicação e sobretudo pela elevada qualidade dos trabalho publicados e por aquilo que deu à sua Universidade, à sua Faculdade e que seria recordado em vários momentos e sobretudo quando se torna vogal correspondente da Academia Nacional de Belas Artes, a partir de 1995.

Não serei eu, que sou professor de Literatura Portuguesa, a melhor pessoa para com todo o cuidado e pormenor falar do Senhor Professor enquanto especialista em arte moderna e perdoe-me Senhor Professor essa ousadia.

Todos o sabem aqui que tem como áreas de investigação privilegiada, teve e tem, a arte monástica em Portugal, desde o séc. XVI, particularmente até ao séc. XIX, a Arquitectura e Talha em Coimbra, o Rococó em Portugal e a Região e a Cultura e Arte Popular a que toda a região de Coimbra, não só Penacova, mas a toda a região de Coimbra e todas as gentes da zona de Coimbra tanto devem precisamente pela sua belíssima actividade científica em todos estes domínios enquanto especialista.

Mas sobressai de forma indiscutível - e peço perdão de repetir o que já foi aqui dito - o seu labor como pessoa que se dedicou ao Mosteiro de Lorvão, lugar que marca toda a história da sua terra natal e a que dedicou sempre uma atenção absolutamente central.

Dizem-me que o Senhor Professor com as suas próprias mãos - e não e mito é realidade - aqui produziu muito trabalho e muitos aqui o sabem, por exemplo a propósito duma magnífica grade e muitas outras benfeitorias que por sua intervenção directa ou indirecta se foram fazendo neste local.

É por mais uma homenagem justíssima que hoje lhe é devida que nos reunimos também aqui.

A qualidade cientifica da sua investigação alia-se a um momento muito importante porque estamos aqui, hoje, no local a que o Senhor Professor dedicou muita da sua imensa atenção do ponto de vista da investigação e do seu labor profissional. Não poderia certamente haver outro local tão bom e tão bem escolhido para hoje fazermos esta homenagem ao Senhor Professor. Para além da sua brilhante dissertação de doutoramento muitos outros trabalhos terão sido certamente nestes dois dias novamente aqui citados e trabalhados.

Permitam-me que, muito brevemerente, recorde os trabalhos que dedicou ao órgão do mosteiro de Lorvão, às origens do mosteiro de Lorvão, as relações, por exemplo, estabelecidas entre - ou não – Lorvão e Arouca a que dedicou também grande parte do seu labor ou, por exemplo, ainda aqui a propósito do mosteiro, um importante trabalho com o titulo “As intervenções de Mateus Vicente de Oliveira no Mosteiro de Lorvão”. Igualmente a propósito de Arouca e Lorvão “A exaltação de Cister em Arouca e Lorvão, no século XVIII”, entre muitas outras obras que aqui podiam ser recordadas. "

É, por isso, desnecessário fazer aqui outra referência àquilo que foi o magistério do Senhor Professor na Faculdade de Letras, a sua casa, a nossa casa, uma casa de artes, uma casa de humanidades, uma casa de ciências sociais e que, como há pouco dizia, quer como professor quer como investigador, quer como pensador, quer como critico, a Universidade e a Faculdade de Letras tanto lhe devem.

Mas tomando também aqui o caminho do Sr. Presidente da Câmara, permita me Senhor Professor, mais esta ousadia, a de recordar que a Universidade, a Região, as pessoas, lhe devem também, para além da sua qualidade como investigador e docente o trabalho em torno da defesa do património. Pessoa ligada ao Grupo de Arqueologia e Arte do Centro, pessoa ligada à Associação Pró-Defesa do Mosteiro de Lorvão, de que foi presidente, à Confraria dos Sabores de Coimbra e ao Grupo Folclórico de Coimbra, que também liderou.

Permita-me Senhor Professor que lhe dê um testemunho aqui mais pessoal. Nunca tive o gosto de o poder conhecer mais de perto. A primeira vez que o vi e que associei o nome que conhecia de algumas coisas que já tinha lido e ouvido do Senhor Professor, dizendo bem, foi precisamente quando o vi ligado às tradições folclóricas na cidade de Coimbra. Não me leve a mal que aqui o refira. É preciso que todos e todas saibam que um universitário é uma pessoa, e não é, seguramente , um universitário completo aquele que se fecha no casulo da academia e não tem preocupação de valorização de tudo o que o rodeia.

O Senhor Professor soube sempre privilegiar o seu trabalho académico mas ao mesmo tempo compaginá-lo com um legado e um labor que desenvolveu paralelamente no âmbito da cultura, das artes populares, da revivificação de tradições, daquilo que foi a recuperação rigorosa dessas mesmas tradições no campo musical, no campo da dança, no fundo, no campo do património e das artes. O Senhor Professor é claramente um cientista das artes e um homem das artes. Homem rigoroso, correcto, exemplar, exigente, e que soube dosear esses elementos que colocou à disposição dos seus estudantes e da sua faculdade, precisamente, com abertura ao mundo, permitindo que toda a nossa região, também a esse nível, possa ainda hoje beneficiar daquele que foi o seu trabalho.

Termino por lhe agradecer genuinamente tudo o que fez pela sua, pela nossa Faculdade de Letras, pelo seu, pelo nosso, Instituto da História da Arte, pelos seus estudantes, pelos seus colegas, pela história, pela arte, pela cultura, em Coimbra, em Portugal, dentro e fora da Academia.

É uma justíssima homenagem que todos lhe devíamos, lhe devemos, e que em boa hora os organizadores deste congresso e o Sr. Presidente da Câmara decidiram levar por diante.

Muito obrigado Senhor Professor por tudo o que lhe devemos. Muito obrigado pela sua dedicação. Muito obrigado e Parabéns Senhor Professor!

Notas: 1 - O texto publicado foi extraído do vídeo publicado pela organização do Congresso.
            2 - Créditos das imagens seguintes: Município de Penacova











NOTA BIOGRÁFICA

Natural de Lorvão (1942), Nelson Correia Borges desde cedo se interessou pela história do mosteiro em torno do qual a povoação se desenvolvera, nomeadamente a partir do momento em que se decidiu, pelos meados da década de 70, a fazer o curso de História na Faculdade de Letras de Coimbra. No âmbito da cadeira de Epigrafia, no ano lectivo de 1975-1976, estudou a única inscrição romana daí proveniente, estudo que viria a publicar-se na revista Conimbriga (XV 1976 117-125), sob o título «Nova leitura da inscrição CIL II 6275a (Penacova)», e também no jornal Notícias de Penacova (2-9-1977, p. 2: «A inscrição romana de Lorvão»). 

Pouco tempo depois, deu à estampa os resultados da investigação que tivera como um dos pontos de partida a identificação de uma pedra visigótica «ornada de vide ondeada com cachos de uvas e gavinhas» que teria pertencido ao «primitivo templo» (p. 16), datável da época do bispo Lucêncio, a 2ª metade do século VI («Lucêncio, bispo de Conímbriga, e as origens do Mosteiro do Lorvão», Conimbriga XXIII 1984 143-158). 

Tendo ingressado como docente na área de História da Arte, a sua dissertação de doutoramento, em 1992, foi, naturalmente, sobre Arte Monástica em Lorvão: sombras e realidade, obra que viria a ser publicada pela Fundação Calouste Gulbenkian, em 2001.

Fonte: José d’Encarnação | Universidade de Coimbra 
in Recensão ao livro de NCB,  Doçaria Conventual de Lorvão.

Reportagem: Congresso "O Mosteiro de Lorvão no tempo de Catarina de Eça (1471-1521)"


Nos dias 29 e 30 de junho, decorreu no Mosteiro de Lorvão o Congresso Internacional "O Mosteiro de Lorvão no tempo de Catarina de Eça (1471-1521)", uma parceria entre o Instituto de Estudos Medievais da Universidade Nova de Lisboa e o Município de Penacova.

A sessão de abertura contou com a presença e uso da palavra de Álvaro Coimbra, Presidente da Câmara Municipal de Penacova, Catarina Tente, Directora do Instituto de Estudos Medievais, Catarina Fernandes Barreira, do projecto “Books, Rituals and Space in a Cistercian Nunnery - Lorvão” e de Hilda Gonçalves, Diretora do Centro de Formação da Associação de Escolas Minerva.


Com um programa muito intenso o Encontro distribuiu-se por 8 sessões: a 1ª e 2º sessões foram dedicadas ao tema "O Mosteiro de Lorvão, Portugal e o Mundo ". Seguiu-se a 3ª sessão, que teve como assunto "Catarina de Eça: arte e representações", tendo a 4ª sessão sido afectada ao tema "Sons e representações". A quinta sessão teve como tema geral “Espaço, liturgia e materialidade” e a sexta “O culto dos santos em Lorvão: São Bernardo e Mártires de Marrocos”. As duas últimas sessões foram dedicadas aos temas “ Projetos sobre e para o Mosteiro de Lorvão: o futuro da memória” e “O espaço monástico”. A terminar o evento foi prestada uma homenagem ao Prof. Doutor Nelson Correia Borges no fim da qual actuou o Coral Divo Canto.

O colóquio, tal como o nome sugere, pretendeu destacar e estudar a figura de Catarina de Eça que teve um longo abadessado (1471-1521) à frente da comunidade lorbanense, “numa fase de profundas transformações na própria vida religiosa e política do reino”.

“Conhecemos hoje melhor a sucessão de importantes mulheres que, durante os séculos medievais, governaram os principais e mais ricos mosteiros cistercienses portugueses, com particular enfoque para os de Arouca e Lorvão”. Catarina de Eça emerge como uma figura revestida de uma particular autoridade, logrando impor uma verdadeira “dinastia” no governo deste importante mosteiro e desenvolvendo toda uma estratégia de prestígio e afirmação da sua família e do mosteiro, desde logo testemunhada pelas empresas artísticas por ela promovidas: a construção de novos edifícios e a renovação de outros já existentes; os investimentos na arquitetura, na escultura e na pintura, ou ainda a encomenda de imagens devocionais e de equipamentos litúrgicos, como alfaias, paramentos e códices manuscritos” – salientam os investigadores do Instituto de Estudos Medievais.

Para os leitores do Penacova Online, transcrevemos, a partir da visualização de vídeos publicados pela organização, a excelente síntese que Maria Helena da Cruz Coelho fez no encerramento deste Congresso em que estivemos presentes e que muito nos agradou e enriqueceu.

Conclusões do Congresso

(Professora Doutora Maria Helena da Cruz Coelho)


O congresso intitulado O MOSTEIRO DE LORVÃO NO TEMPO DE CATARINA DE EÇA (1471-1521) , que decorreu em dois intensos dias de frutuosíssimo trabalho cientifico e excelente convívio humano, abriu com uma conferência que nos rasgava horizontes. Saindo do mosteiro, situado em Lorvão, no concelho de Penacova e no Reino de Portugal, projectou-nos por terras de África e da Ásia, dando-nos a conhecer o alcance político do império português. Roger Lee abriu-nos os caminhos levando-nos do Golfo da Guiné, onde chegavam os portugueses quando Catarina de Eça assumia o cargo de abadessa em 1471, passando pela Índia e pelo Brasil, até alcançar as Molucas, que já eram conhecidas em 1521, no ano da sua morte.

Em seguida, a organização do Congresso, que calorosamente felicitamos, estabeleceu seis eixos condutores no desenvolvimento dos estudos, mais contextualizadores ou mais específicos, da realidade monástica, em particular a Lorbanense. axializados em torno: o Mosteiro de Lorvão e a sua integracão em Portugal e, de uma forma mais lata, no espaço peninsular no âmbito de uma pertença à Ordem de Cister; Catarina de Eça, a arte, a música e as representações; espaço, liturgia e materialidade; o culto dos santos em Lorvão, S. Bernardo e os Santos Mártires de Marrocos; projectos sobre e para o mosteiro de Lorvão; o futuro de uma memória e, por fim, o espaço monástico.

Após o afastamento dos monges beneditinos que habitavam o mosteiro de Lorvão as monjas que aí se instalaram observaram os costumes cistercienses de acordo com a decisão do papa em 1211. A incorporação na Ordem de Cister implicava a pertença a uma estrutura supranacional que se estendia a toda a cristandade através das centenas de mosteiros que então se fundavam um pouco por toda a Europa.

O mosteiro de Lorvão estava, assim, sujeito às decisões emanadas da cúpula da ordem de Cister - Capítulo Geral - que se reuniu em Cister todos os anos e onde tinham assento todos os abades dos mosteiros das Ordens.

Extraordinariamente preocupados com as questões da unanimidade litúrgica e do cumprimento da normativa, usaram as visitações para regular e corrigir a forma como as diferentes comunidades cistercienses punham em prática as determinações emanadas do Capítulo Geral.

É neste contexto que Ghislain Baury nos traça o programa de reforma dos mosteiros cistercienses peninsulares, mas convocando para além dos visitadores da ordem, outros agentes nela empenhados como a Realeza, a Congregação de Castela e o Papado.

Da espacialidade peninsular fomos conduzidos pela palavra de Saúl Gomes para o território de Portugal, percebendo o estado das abadias cistercienses nos finais do séc. XV e nos alvores do séc. XVI, as quais, tendo Alcobaça por cabeça, se nos revelaram em grande diversidade sócio- económica, cultural e religiosa, havendo casas arruinadas e pobres, outras apresentando bons rendimentos, vários privilégios e significativo património material e cultural, umas seguindo as boas normativas de Cister e noutras reinando costumes relaxados.

E continuando a aproximar a lente de focagem do objecto a captar, Luís Rêpas centrou a sua comunicação na reconstituição da linhagem de Catarina de Eça, mostrando a sua ascendência régia, a forma como tal ascendência poderá ter sido determinante na sua escolha para ascender ao cargo máximo do mosteiro e articulando o exercício do poder no mosteiro como o de Lorvão, com o que isso poderia representar para o reforço do seu prestígio pessoal e da sua família.

Tal estratégia passou, como ficou óbvio, pela sua acção mecenática que foi desenvolvia no eixo temático seguinte em que se desvendou a Abadessa Catarina de Eça pela arte e pelas representações.

Joana Antunes analisou com mestria e deu-nos a conhecer o perfil comitente, altamente qualificado, de Catarina de Eça, concretizado no que mandou realizar em Lorvão, em Botão e em Gouveia.

Por sua vez, Mercedes Perez Vidal focou as encomendas artísticas da referida abadessa, nomeadamente as de uso litúrgico, perspectivando-as como uma forma de reforçar e exercer a sua “auctoritas” bem como, obviamente, de construir uma memória que perdurasse e que fosse lembrada e celebrada pela comunidade conventual ao longo de múltiplas gerações.

Para tal, contribuía, de uma forma clara, a utilização recorrente da sua representação heráldica que foi amplamente analisada e contextualizada por Miguel Metelo Seixas que, mostrando várias manifestações heráldicas de Catarina de Eça que ainda hoje subsistem e aludindo a outras que entretanto se perderam mas das quais felizmente se conservou um precioso registo, descodificou o simbolismo das suas diversas componentes iconográficas para vir a concluir como nele se lê uma vontade pessoal de imperativo linhagístico de mimetismo da emblemática régia.

Também no campo das representações, Rosário Morujão conduziu-nos pelo belíssimo e falante mundo da sigilografia, traçando um quadro geral sobre o uso dos selos, sobretudo em contexto monástico, para depois nos mostrar e analisar os espécimes sigilares conventuais usados no mosteiro de Lorvão num período lato que chegou mesmo ao abadessado de Catarina de Eça.

Igualmente no campo das representações e das formas de validação documental, Maria José Azevedo Santos fez-nos uma interessantíssima incursão pela literacia das mulheres nestes séculos mais recuados, um tema cada vez mais actual, através dos estudos das assinaturas autógrafas de várias religiosas da família Eça, nomeadamente, da de Catarina de Eça.

E concluímos o primeiro dia com música pela mão de Joel Machado e Alberto Medina de Seixas que apresentaram os estudo que realizaram a partir dos manuscritos musicais do mosteiro de Lorvão em particular da colecção de 15 livros de coro, de grande e media dimensões que incluem as melodias cistercienses para a missa e o oficio divino, copiadas nas primeiras décadas do séc. XVI, deixando claro o plano de Catarina de Eça no sentido de dotar a comunidade com um conjunto de novos livros para as celebrações litúrgicas do mosteiro.

O segundo dia dos trabalhos iniciou-se com uma interpelante sessão inteiramente dedicada à biblioteca do mosteiro de Lorvão sobre diferentes perspectivas de análise.

Catarina Barreira centrou-se se nos livros, na sua origem, na sua adaptação, e digo na sua origem desde os que aqui existiam e outros vindos de Alcobaça, na sua adaptação às monjas cistercienses e na sua importância para o viver quotidiano da comunidade na prática diária da liturgia cisterciense.

Conceição Casanova e Catarina Tibúrcio concentraram a sua atenção e a sua análise nas encadernações dos códices manuscritos para perceber as intervenções que a este nível foram sendo realizadas no mosteiro ao longo de séculos, mas particularmente em tempos de Catarina de Eça, num esforço para conservar a sua biblioteca em bom estado.

E, por fim, Catarina Miguel dedicou-se ao estudo da cor em três manuscritos de Lorvão a partir da análise com métodos não invasivos de tintas usadas na produção das iluminuras, mostrando como a química poderá trazer excelentes contributos à construção do conhecimento histórico.

Igualmente de vivo interesse científico foi a sessão que se organizou em torno do culto dos santos em Lorvão incidindo particularmente, como não podia deixar de ser, em S. Bernardo, uma referência maior entre os cistercienses, e nos mártires de Marrocos, em virtude da presença antiga de relíquias desses santos no mosteiro de Lorvão.

Foi precisamente pelo culto dos mártires de Marrocos e das suas relíquias que João Luís Fontes e Maria Filomena Andrade começaram, focando com mestria, em primeiro lugar, a renovada mensagem da espiritualidade mendicante, para se centrarem depois na ligação de Catarina de Eça e sua linhagem ao convento franciscano do Espírito Santo de Gouveia, panteão dos Eça.

Especificaram a extraordinária oferta que esta abadessa fez a essa casa mendicante de uma relíquia dos próprios proto-mártires de Marrocos bem como de um conjunto de alfaias que serviam para a celebração litúrgica da memória dos mártires que nos mostram como tal acto era significativo da estratégia de Catarina de Eça no sentido de exaltar o culto dos mártires associados à espiritualidade franciscanas e de reforçar a memória da sua própria linhagem onde muitos dos seus parentes mais próximos estavam sepultados.

Carla Varela Fernandes, ainda no mesmo contexto, centrou a sua intervenção na análise estilística e iconográfica, muito interrogativa, da arca relicário dos santos mártires de Marrocos que pertenceu ao mosteiro de Lorvão e que hoje se conserva no museu nacional Machado de Castro em Coimbra a qual constitui uma singular escultura medieval portuguesa sempre a desafiar as interpretações dos estudiosos.

Por sua vez, Manuel Pedro Ferreira apresentou os livros de Lorvão relevantes para a prática musical e comparou as características paleográficas da notação de um hino polifónico conservado nos mosteiros femininos de Lorvão e Arouca e de um antifonário oriundo de Alcobaça para chegar a importantes conclusões sobre a circulação de textos nas abadias cistercienses portuguesas.

A tarde foi dedicada ao património edificado de Lorvão e aos projectos em curso para valorizar e divulgar este mesmo património, louvando-se, desde logo, a criação do Centro Interpretativo de Lorvão que aqui nos foi apresentado por Fábio Nogueira, Centro esse a ser inaugurado dentro de breves dias.

Este projecto e os esforços empreendidos por Ana Pagará para a promoção de uma rota nacional dedicada ao património cisterciense, articulada com a rota europeia de abadias cistercienses, apresentam boas perspectivas para o desenvolvimento económico e cultural da vila de Lorvão e do concelho de Penacova.

A base de dados que nos foi apresentada pelos investigadores do projecto “Livros, rituais e espaço num mosteiro cisterciense feminino. Viver, ler e rezar em Lorvão (séc. XIII a XVI)”, para além de servir uma comunidade especialista de várias áreas do saber, desde a musicologia, a codicologia, a história, a história da arte, a heráldica, a sigilografia, a química, poderá contribuir igualmente para a divulgação de Lorvão e do seu património material que conservante essencialmente no arquivo nacional da Torre do Tombo e na Biblioteca Nacional de Portugal não deixa igualmente de remeter para Lorvão e o seu mosteiro onde ainda hoje se guardam alguns códices manuscritos e impressos de que destacamos uma Regra do séc. XVI.

Este espaço monástico propicia de facto múltiplas perspectivas de abordagem. Uma delas, vimo-la ou sentimo-la por via de Miguel Metelo Seixas e com algumas achegas de Luís Repas e essa via será precisamente a descoberta das representações heráldicas que também contam uma história ou aliás contam várias histórias, a história da comunidade conventual e de quem viveu no mosteiro de Lorvão e a história de cada uma das suas religiosas ou doutras mulheres que passaram por Lorvão ou aqui viveram.

Creio que se tratou de um congresso da maior relevância científica e cultural, para além de se centrar numa cronologia extraordinariamente importante para a história de Portugal, por ser um tempo em que Portugal atinge todos os continentes e se abre em definitivo para o mundo,

proporcionou-se, em consentâneo, uma visão multifacetada da história através das diversas vertentes de análise que resultaram da aplicação das diferentes metodologias de investigação, própria das ciências e dos saberes que se cruzaram nestes dois dias.

Certo é que algumas das informações que aqui foram apresentadas já eram conhecidas por intermédio do trabalho desenvolvido, de muitos outros autores, mas permitam-me aqui destacar, mormente pelos estudos do Professor Nelson Correia Borges, meu ilustre colega e amigo e uma figura ímpar na historiografia de Lorvão.

Ainda assim, ao revisitar essas temáticas, agora os investigadores aqui presentes colocaram por certo novas questões, reformularam os ângulos de análise, diversificaram as fontes e as metodologias usadas, cruzaram os saberes e, desta forma, conseguiram avançar nas abordagens e nos resultados e, mesmo em alguns casos foi já evidente a utilização de fontes e de técnicas até agora absolutamente desconhecidas ou quase desconhecidas e pouco utilizadas que em boa hora estão a ser desenvolvidas e a ser dadas a conhecer a um público mais vasto.

Estão pois, reitero, de parabéns os organizadores, os parceiros e os oradores deste congresso internacional O MOSTEIRO DE LORVÃO NO TEMPO DE CATARINA DE EÇA (1471-1521) ,

mas estão sobremaneira de parabéns a história, a cultura e o património de Lorvão, de Portugal e da Humanidade, articulados em saberes múltiplos, em amplas diacronias, em diversificadas espacialidades e potenciados por diálogos bidirecionais do local global e do global local que rompem fronteiras do conhecimento e apelam a uma revivificada e universal confraternidade cientifica, cultural e humana.

Muito obrigada.

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(Créditos das imagens: Instituto de Estudos Medievais e Município de Penacova)












29 junho 2023

S. João, o padrinho caloteiro...

 


O jornal A Lanterna (1901-1935) foi o principal representante do movimento anticlerical brasileiro e teve larga divulgação neste país no século XX. O anticlericalismo Brasileiro neste órgão da imprensa, foi muito mais de cunho religioso do que político, atacando principalmente os clérigos nos aspectos morais e dogmáticos.

Entre nós, o Jornal de Penacova, nos anos que precederam a implantação da Repúbica e principalmente durante os tempos agitados da aplicação da Lei da Separação, também foi veículo dessa crítica, muitas vezes implacável e não raro enxovalhadora dos padres que estavam à frente das paróquias.

Terá sido neste contexto, que naquele jornal brasileiro apareceu um pequeno artigo intitulado “Lanterna Mágica: Padrinho Caloteiro” e que, anedota ou não, dizia o seguinte:

“Segundo conta o Jornal de Penacova (Portugal) na igreja duma das freguesias daquele concelho procedeu-se ao baptismo de um rosado pimpolho, com a solenidade exigida pelo ritual respectivo.

A alturas tantas, o sacerdote pergunta ao padrinho se era casado e, tendo este respondido afirmativamente, indaga ainda se tinha casado civil ou catolicamente.
- Civilmente, respondeu de pronto o interrogado.
- Nesse caso não pode ser padrinho da criança…
- Não haja dúvida. O pior é que a criança tem de ser baptizada hoje e não há facilidade em encontrar outro padrinho, por toda a gente andar agora na azáfama dos campos…
- Tudo se remedeia, diz o padre, conciliador. Está ali S. João, que nada tem que fazer e que da melhor vontade se prestará a apadrinhar a criatura.
- Pois seja assim!

E assim foi.

Realizada a cerimónia, todos se preparam para sair, quando o padre pergunta:
- Então quem paga o baptizado?
- Quem paga ?! O padrinho, como é costume...
- Mas o padrinho…foi o S. João. Peça-lhe o dinheiro, Sr. Prior, que ele tem obrigação de lhe pagar…

Calculem a cara de... esperto com que o padre ficou... “




26 junho 2023

Quem conta um conto aumenta um ponto


Um dia desses, pesquisando um assunto no Google, por acaso deparei-me com uma publicação de abril/2016 no blog Penacova Online, na qual David de Almeida ao escrever sobre Gondelim e a Lenda da Senhora da Moita, se referiu a um texto meu, no qual eu dizia terem os moradores enterrado os sagrados objetos quando da invasão moura.

Com a minha revisita ao texto publicado pude ler dois comentários. Um de 2021, onde no um leitor anônimo apontava erros na minha narrativa, pois que os escondidos haviam sido encontrados no oco de um carvalho, e não que estivessem enterrados. No comentário de 2022, do próprio bloguista, defendeu-me ele dizendo ter sido minha narrativa romanceada. Comentário que encerra perguntando: E quem sabe afinal?

Do que se tem de mais antigo registrado, e creio ser de onde se retira todo o contexto histórico, está corretíssimo o leitor anônimo: melhor teria sido se tivesse eu escrito simplesmente que esconderam a imagem, sem florear muito.

Frei Agostinho de Santa Maria, em sua obra Santuário Mariano e Histórias das Imagens Milagrosas de Nossa Senhora, publicada em 1721, no Tomo VII, Livro IV, Título XXIX, página 467, na busca de informações, sobre a imagem, esteve em Gondelim, lugar então com não mais que trinta vizinhos.

Deve ter podido conversar com todos. Falando sobre o que escutara dos moradores, registrou:

“…cujas notícias confesso as tive por frívolas, mas como não pude descobrir quem me
desse mais exatas, me acomodei a descrever o que pude achar”.
“… não é possível averiguar, que quando o bárbaro Almansor destruiu a Província de
Beira, no ano de 983, os cristãos de Gondelim, temerosos do diabólico furor,
despojaram a igreja de todas as coisas sagradas”.
“... esconderam a imagem e o sino em um bosque ou mata fechada”
“… passado aquele furioso tormento…esta fé dilatou por tantos anos, que mortos os
pais e filhos espalhados por lugares, se perderam a lembrança do escondido tesouro,
de sorte que os novos moradores de Gondelim já não tinham dela notícia, que aos
mouros havia sido ocultada e não permitiu tantos anos fosse achada”.

Escondida que fora em 983, com os mouros expulsos em 1492, se deduz ter sido mantida escondida por mais de 500 anos.

Quanto ao encontro extraordinário o frei escreveu:

“…nessa pois tradição os naturais, referida de pais para filhos que fora escondida
e achada milagrosamente, a imagem de Nossa Senhora da Moita metida em um
cavernoso tronco de carvalho...”.

Em 1712, o mesmo autor, de modo mais conciso, escrevera no Tomo IV, Livro 2, Título XCII, página 645:

“Os princípios e a origem dessa Santa Imagem se referem mais por tradição do que
escrituras…dizem os moradores e velhos daquele lugar, que os princípios dessa
imagem são de tempo imemoriais”.
“… porque dizem que assim ouviram dos seus antepassados, e a tradição conservam”.
“ …havia uma mata onde fora achada a Santa Imagem metida no tronco de
um carvalho…”.

Dessas obras extraí a passagem para o prefácio do meu romance, ainda não publicado. Para melhor deixá-lo, na revisão optarei pelos verbos utilizado pelo Frei Agostinho. 

Assim a imagem teria sido escondida e depois achada no tronco oco. Sem querer ferir suscetibilidades religiosas, até porque católico sou, o círio que não incluí entre os sagrados escondidos, caso o faça, ao serem encontrados, eu o manterei apagado, porque esse detalhe me parece um ponto que alguém aumentou ao contar o conto.

P.T.JUVENAL SANTOS

https://archive.org/details/santuariomariano07sant_0

https://archive.org/details/santuariomariano04sant_0