31 março 2023

Roxo: Centenário da "Revolta do Azeite"

A associação ECOS (Encontros Culturais e Obras Sociais) levou a efeito, no passado sábado, um programa cultural que teve como objectivos recordar e honrar a coragem e a solidariedade dos habitantes desta localidade, afirmar o orgulho de pertencer a este povo que se sentiu injustiçado e reagiu, e igualmente homenagear aqueles que acabaram por ser mortalmente atingidos.

O evento incluiu Missa em memória das vítimas, exposição documental (fundamentalmente recortes de imprensa) conferência pelos historiadores Prof. Doutor Luís Reis Torgal, que fez um enquadramento social e político daqueles tempos, e Dra. Maria da Luz Rosa, que desenvolveu a evolução dos acontecimentos, recriação teatral pelo Rancho Folclórico Juventude do Roxo, sob a orientação de Sandra Henriques, do grupo de teatro Partículas Soltas, de Penacova, declamação de um poema de Luís Pais Amante, alusivo à “revolta”, inauguração de um mural (autoria de João Carpinteiro Santos) e lanche partilhado. 

“Não se tratou de uma revolta premeditada e organizada, mas de uma resposta solidária à prepotência e violência das forças da ordem. Com coragem e determinação, o povo uniu-se em defesa de dois filhos da mesma terra, contra uma lei injusta, saída do autoritarismo de governantes cegos à miséria que grassava por todo o país” – salientou Maria da Luz Rosa na sua intervenção, afirmando ainda: “É a este povo solidário e corajoso, trabalhador e humilde que eu tenho a enorme honra de pertencer. […] Que saibamos continuar a dignificar as nossas raízes e a nossa terra, vivendo aqui ou em qualquer parte do país ou do mundo”.

Transcrevemos, de seguida, a intervenção da Dr.a Maria da Luz Rosa:

              

                                             Por causa de um cântaro de azeite…

25 de março de 1921, faz hoje 102 anos. Era um dia duplamente santo, sexta feira santa e dia de Nossa Senhora da Anunciação, assinalado por aqui com a devoção das 100 Avé Marias.

A laboriosa população do Roxo, fiel cumpridora dos preceitos católicos, fazia uma pausa no trabalho para celebrar o dia santo de guarda.

Pela manhã, a jovem Alexandrina de Jesus Duarte, a pedido do seu irmão José Duarte, trabalhador como tantos outros da aldeia numa das quintas de Coimbra, saiu de casa com um cântaro de azeite à cabeça com destino àquela cidade.

Ainda no caminho do Roxo para a Carapinheira, foi mandada parar por uma patrulha da Guarda Nacional Republicana, que vigiava esta zona de fronteira entre o concelho de Penacova e o concelho de Coimbra.

Alexandrina fugiu, regressou à aldeia, pousou o cântaro no cimo das suas escadas, no exterior, e correu a casa do namorado, Bernardo Maia, a pedir auxílio. Este, no vigor da sua juventude, movido pelos sentimentos de obrigação de defesa da sua amada e de revolta pela possibilidade de perder tão precioso produto, dirigiu-se com a rapariga para o local onde tinha ficado o cântaro.

Aí chegados, confrontaram-se com os agentes da GNR, que facilmente tinham reconhecido o cântaro e reclamavam a apreensão do produto e a prisão da rapariga.

Era proibido transacionar azeite de um concelho para outro sem guias, Alexandrina sabia-o e por isso fugiu. Bernardo Maia resistiu à intenção dos elementos da guarda, a discussão começou e o jovem apelou à ajuda da população em defesa da namorada.

Não sendo dia de trabalho e estando a maioria da população em casa, numa aldeia pequena, facilmente se ouviram os tumultos. As pessoas juntaram-se e agiram em solidariedade com o casal. Sentiam, tal como os dois namorados, a injustiça de tirar a gente pobre e trabalhadora um dos poucos produtos que lhes podiam dar algum rendimento, para suportar as despesas do que era necessário e a terra não dava.

Nestas circunstâncias, a GNR retirou-se e regressou a Penacova.

Ainda no mesmo dia uma nova patrulha chegou à aldeia, agora mais reforçada, com “cinco praças e um cabo”, conforme refere a Gazeta de Coimbra de 29 de março de 1921.

Alguns habitantes em alerta rapidamente se juntaram na Eira do Barreiro, onde alguém de entre os populares decidiu tocar o sino a rebate. A aglomeração aumentou e as provocações também. Perante a concentração de pessoas e a incapacidade de impor a ordem, na ausência da colaboração da GNR de Poiares a quem tinham pedido ajuda, também estes militares da GNR de Penacova se retiraram.

Pouco depois, ainda com a população concentrada no largo, chegou o contingente da GNR de Poiares, vindo de outra direção. Mais violentos, mais hostis, disseram ter sido atingidos por paus e pedras e responderam a essa agressão com a força desproporcional das armas de fogo.

Assassinaram Alípio Rodrigues Russo e José Luís da Fonte, deixando-os estendidos no chão1. Este último trespassado por uma bala que, segundo Francisco da Fonseca, num registo sobre os acontecimentos feito em 27 de junho de 1921, ia dirigida a Bernardo Maia.

O namorado da Alexandrina já tinha cumprido serviço militar, era conhecedor de técnicas de combate e, segundo relatos dos contemporâneos, entre ziguezagues e rebolões pela Eira do Barreiro abaixo, conseguiu escapar às balas das autoridades.

Ao contrário, José Luís da Fonte, conhecido como José Carretas, que andava a tirar estrume aos animais e veio à rua ver os tumultos, não tendo ouvido a ordem de recolha obrigatória, por ser muito surdo, foi atingido mortalmente.

A terceira vítima mortal dos confrontos foi António Miguel, que, tendo sido ferido gravemente num braço, foi levado para o Hospital da Universidade, onde, apesar da amputação do braço ferido, viria a morrer em consequência dos graves ferimentos. António Miguel tinha 27 anos.

A notícia foi publicada no jornal Primeiro de Janeiro de 6 de abril de 1921, num resumo de notícias de Coimbra referentes a 2 de abril, mas também o Jornal de Penacova lhe fez referência.

A crueldade, impiedade e desumanidade das forças da ordem foi ao ponto de não permitirem que os familiares das vítimas lhes prestassem homenagem. Os corpos caídos no chão foram recolhidos pelas autoridades e levados para Penacova, onde foram sepultados no cemitério local.

Para além dos mortos, resultaram destes confrontos também vários populares feridos.

No dia seguinte a povoação foi cercada e invadida por um aterrorizador grupo de militares. Segundo o Jornal de Penacova de 02 de abril de 1921, eram “60 praças de infantaria da G.R. com as praças de Penacova e Poiares, e 40 praças de cavalaria” que revolveram tudo o que julgavam poder ser usado para esconderijo: casas de habitação, palheiros, currais de animais, cômoros ou até poços. O Roxo foi completamente varrido. Atos como furar montes de palha nos palheiros com forquilhas ou varas, na esperança de neles detetarem pessoas escondidas, ou cavalos que galopavam em estradas e carreiros, saltavam cômoros ou atropelavam pessoas, ficaram gravados na mente dos contemporâneos para o resto das suas vidas e perduraram na memória coletiva passando de geração em geração.

Desta autêntica caça ao homem resultaram dezenas de presos, 35 segundo a Gazeta de Coimbra ou 55 segundo o Jornal de Penacova, que foram conduzidos sob o comando de uma força de cavalaria para Coimbra. Foram para a inspeção da polícia, como refere o primeiro jornal, ou para o Governo Civil, segundo o jornal do concelho. No dia 29 de março ainda alguns dos detidos estavam a ser interrogados em Coimbra. Os outros já tinham regressado em liberdade, alguns dos quais, segundo a tradição oral, ainda durante o caminho de ida do Roxo a Coimbra.

Aqueles que puderam, se tinham familiares a morar fora da terra, trataram de se por a salvo e sair da aldeia. Isso aconteceu particularmente com as crianças. O meu avô paterno, na altura com 12 anos, fugiu com os irmãos para a Assafarge, para casa da madrinha da irmã Ermelinda. Por lá ficaram várias semanas, sem coragem de regressar à aldeia e os familiares sem tranquilidade para os ir buscar.

Foi a ele que ouvi os primeiros relatos destes acontecimentos, repetidos várias vezes já com a idade mais avançada, às vezes com as lágrimas nos olhos, e sempre com uma recomendação: “-Mas isto não se conta, filha”. Do outro lado da minha família o sofrimento não foi menor. A minha mãe conta que quando ia a Penacova com a minha avó não regressavam sem ir junto ao cemitério local fazer uma oração por alma do, respetivamente, avô e sogro. Diz que a mãe lhe dizia: “- Ó filha, vamos ali rezar um Pai Nosso por alma do avozinho que está ali sepultado”. Mas ficavam sempre do lado de fora do cemitério, porque temiam ser associadas ao familiar que aí jazia e motivar alguma espécie de crítica ou provocação. Tal o terror que ficou gravado na alma da nossa gente.


Segundo documentação interna da Guarda Nacional Republicana, de 10 de setembro de 1921, constante no Arquivo Histórico da GNR, dois dos militares de Poiares que atuaram no Roxo foram agraciados com louvores. O soldado António Correia Ralha foi louvado pelos seus atos de “energia, decisão e coragem (…) atingindo os agressores com tiros certeiros”. Cada um dos militares foi ainda recompensado pela instituição com 10 dias de licença.

Como é evidente, não houve cobertura jornalística dos acontecimentos do Roxo, a versão que passou para os meios de comunicação da época foi a versão que a GNR veiculou. Ninguém veio ouvir a população da aldeia para fazer uma leitura mais completa do sucedido.

Com base na versão das autoridades foi-se criando nessas primeiras décadas uma ideia muito negativa sobre os habitantes do Roxo.

Em 1 maio de 1921, o jornal O Progresso Lorvanense, numa notícia sobre acontecimentos ocorridos numa feira na Aveleira, iniciou o texto dizendo: “Casos há que bem revelam o atraso, cegueira ou malvadez de um povo. Pouco mais de um mês terá decorrido desde que se deram os lamentáveis acontecimentos no Roxo, e dos quais resultou ficarem sem vida três infelizes que nem sequer tiveram sepultura na sua freguesia natal, e já no dia 21 na feira da Aveleira se iam repetindo factos semelhantes. Parece que aquele povo, a respeito de civilização, anda com atrazo de duzentos, trezentos, quatrocentos ou mais anos”.

É este o início da notícia, ao continuar a leitura da mesma constata-se que não envolve nenhum habitante do Roxo, apenas envolve pessoas da Aveleira e de Lorvão, mas a referência aos acontecimentos da nossa aldeia estava lá.

Destaca-se dos vários meios de comunicação que publicaram a notícia o jornal O Despertar, este foi o único, dos meios de comunicação que li, a procurar entender e retratar os dois lados do conflito. Fê-lo na edição do dia 30 de março de 1921, onde refere:

“Os lamentáveis acontecimentos (…) do Roxo, povoação pacata e graciosa (…) dos quais resultou caírem varados pelas balas da força publica dois filhos do povo, teem sido desfavoravelmente comentados, não se encontrando rasão que justifique esses excessos, tão deshumanos como improprios dos nossos dias”. E acrescenta: “(…) desejamos que a corporação da Guarda Nacional Republicana viva mais da força do seu prestigio do que do prestigio da sua força (…) a sua missão, longe de provocar o odio das populações, antes se deve conduzir de forma a conquistar a simpatia pública (…)”. Termina esta notícia defendendo que “ (…) no caso de agora, a Guarda Nacional Republicana excedeu-se deshumanamente, tingindo de sangue e luto um lugarejo, cuja população apenas se exaltou diante duns míseros quartilhos de azeite. Não defendemos, é certo, esse povo pela atitude. Mas devemos-nos todos lembrar que a fome é inimiga das melhores virtudes (…) ao povo não se devem dar balas nem patas de cavalos quando, ele apenas pede pão!”.

Não queremos refazer a História, queremos completá-la. Os vários meios de comunicação que noticiaram os acontecimentos de 1921 no Roxo, embora com algumas contradições, tiveram todos a mesma fonte, a à época jovem GNR que precisava de afirmar a sua autoridade e legitimar a sua atuação.

Para além das contradições, há também mentiras, como aquela noticiada no jornal Primeiro de Janeiro de 27 de março de 1921. Diz que “Os sinos tocaram a rebate reunindo pessoas de várias povoações limítrofes”, referindo-se às aldeias de Dianteiro, Carapinheira e Aveleira, às quais a publicação do Jornal de Penacova afirmava ter sido pedida ajuda. As várias pessoas a quem ouvi o relato dos acontecimentos nunca fizeram referência a qualquer ajuda externa. Questionei recentemente alguns dos habitantes mais idosos e todos eles me disseram que nunca ouviram falar de ajuda de outras aldeias. De facto, dada a imprevisibilidade dos acontecimentos e a inexistência de meios de comunicação como os que hoje temos, não seria possível organizar a ajuda de pessoas externas à aldeia.

Contra paus e pedras com que um agente (segundo o Jornal de Penacova) ou três (segundo a Gazeta de Coimbra) foram agredidos, responderam com balas mortais que deixaram sem vida três filhos da terra. A crueldade chegou ao ponto de fazerem as famílias calar a dor da perda dos seus entes queridos, não permitindo sequer que velassem os corpos ou que estes fossem sepultados junto dos antepassados. Felizmente, sabemos que hoje os valores da GNR são outros e uma situação como a ocorrida no Roxo em 25 de março de 1921 seria completamente intolerável.

Não se tratou de uma revolta premeditada e organizada, mas de uma resposta solidária à prepotência e violência das forças da ordem. Com coragem e determinação, o povo uniu-se em defesa de dois filhos da mesma terra, contra uma lei injusta, saída do autoritarismo de governantes cegos à miséria que grassava por todo o país.

É a este povo solidário e corajoso, trabalhador e humilde que eu tenho a enorme honra de pertencer.

O Roxo não é só lindo pela beleza das suas paisagens, é também lindo pela beleza dos valores das suas gentes.

Somos solidários entre nós, acolhemos bem quem escolhe a aldeia para viver e somos solidários para com outros que fora daqui atravessam momentos difíceis, como aconteceu recentemente com a gigantesca e impressionante onda de solidariedade para com Pedrógão e Arganil.

Que saibamos continuar a dignificar as nossas raízes e a nossa terra, vivendo aqui ou em qualquer parte do país ou do mundo.

Nota: Agradeço ao Eduardo Ferreira e ao Manuel Jesus as pesquisas que efetuaram e os documentos que reuniram e partilharam comigo.
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1. N.R.: Seriam cinco da tarde. Alípio Matias (na imprensa da época identificado como Alípio Rodrigues Russo) e José Luís da Fonte, ambos casados, de 42 e 65 anos, respectivamente. Os corpos das vítimas foram levados pela Guarda para Penacova e sepultados no cemitério da Eirinha, de acordo com o Registo de Óbito da Conservatória de Penacova que, laconicamente, apenas refere: “Ignora-se quaisquer outros esclarecimentos”.

GALERIA FOTOGRÁFICA 















































23 março 2023

Lugares, monumentos e sítios de Penacova (13): Capela de S. João

Capela de S. João, 2023

A capela de S. João, na vila de Penacova, datada de finais do século XVI, integra-se no tipo de arquitectura Maneirista / Barroca.

Com uma planta longitudinal simples, apresenta telhado de duas águas, nave, capela-mor e alpendre.

O alpendre tem 3 arcos, tendo o do lado da estrada sido aberto aquando da abertura do arruamento contíguo ;

O espaço interior tem cobertura de madeira, sendo iluminado por quatro frestas, duas nas paredes laterais e duas na frontaria. Umas apresentam molduras barrocas da segunda metade do séc. XVIII e outras são de remate contracurvado.

A fachada principal, que está voltada a Sul, pode ser descrita como “de pano único entre cunhais apilastrados e empena triangular, rasgada ao centro por um arco de volta inteira.”

A porta de entrada é rectangular. A verga tem a inscrição “S. SEBASTIANVS / 1581”, depreendendo-se que originariamente era dedicada àquele Santo, cuja imagem, em pedra, marca presença no retábulo maneirista, também daquela rocha.

O retábulo que tem dois nichos entre três pilastras e as imagens de São Sebastião, como referimos, e também em pedra, a de São João Baptista, em tamanho maior que a do outro Santo.
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Fontes: 
Inventário Artístico de Portugal
Direção-Geral do Património Cultural









04 março 2023

Município marcou presença na BTL: apresentado novo vídeo promocional



O Município de Penacova estreou na BTL (Bolsa de Turismo de Lisboa) um novo vídeo promocional, ao mesmo tempo que apresentou os eventos para 2023 e o projeto do  Hotel em Lorvão (hotel de cinco estrelas que está previsto “nascer” no Mosteiro de Lorvão, monumento nacional que vai ser transformado em unidade hoteleira de luxo através de um investimento privado de 11 milhões de euros.

A apresentação teve lugar no stand da Comunidade Intermunicipal da Região de Coimbra (CIM-RC), na Feira Internacional de Lisboa (FIL) e foi replicada, na parte da tarde, no stand do Turismo Centro Portugal. A Casa do Concelho de Penacova recebeu a comitiva do Município de Penacova para assistir à mesma apresentação. Durante as apresentações, a pastelaria "O Mosteiro", de Lorvão, e a "Rota da Bairrada" farão, respetivamente, uma degustação de doces conventuais e de vinhos.

ver Fonte

 

27 fevereiro 2023

Personalidades (2): Abel Rodrigues da Costa


Abel Rodrigues da Costa nasceu em Penacova no dia 20 de Agosto de 1902. Neto paterno de Bento da Costa e Maria Carolina e materno de Luís Rodrigues Perpéctuo e Ana de Jesus. Os pais, Libório da Costa, barqueiro, e Maria Cândida, doméstica, eram naturais e residentes  na vila.  

Emigrou para o Brasil quando tinha 21 anos, onde já se encontravam dois irmãos. No Rio de Janeiro destacou-se como empresário da indústria de carnes verdes, celebrizando-se com a marca “O Porco que Ri”. A firma “Abel Rodrigues da Costa & Cª Lda” era proprietária do “Açougue Universal” e das filiais “Grande Açougue da Lapa” e “Salsicharia Olímpica”.

Além da actividade empresarial, foi presidente da Casa das Beiras e Beneficência Portuguesa e membro das direcções  do Ginásio Clube Português e do Clube Português de Leitura, no Rio de Janeiro.

Abel Rodrigues da Costa foi condecorado em 1953 pelo Estado Português com a distinção de “Cavaleiro da Ordem de Benemerência”.

Visitava a sua terra natal com bastante frequência, contribuindo com avultadas verbas para a concretização de muitas obras públicas, apoio a instituições e donativos regulares a pessoas carenciadas. A ele muito ficaram a dever a Câmara Municipal, os Bombeiros, a Misericórdia (principalmente  o Hospital), a Filarmónica, a Igreja e as Capelas.

Em 1947, o Comendador Abel Rodrigues da Costa ofereceu à Câmara 30 000$00 para o ajardinamento do Terreiro e, mais tarde, 500 contos para apoio construção de parque de estacionamento entre a Pensão Avenida e a Capela de S. João.

Em 1946, a 15 de Agosto, aquando da sua primeira visita depois de ter emigrado, foi homenageado no Salão Nobre dos Paços do Concelho. 

Na segunda metade da década de cinquenta do século passado, foi atribuído o nome da Abel Rodrigues da Costa à artéria que liga a capela de S. João à Igreja Matriz. Também nesta altura, mais do que a placa toponímica, se entendeu que seria de toda a justiça a edificação de um busto em local central da vila. Proposta  que nunca chegou a ver a luz do dia.

Em 1951, no contexto do Cortejo de Oferendas para o Hospital da Misericórdia, coordenou no Brasil uma subscrição que rendeu 70 000$00, uma verba bastante significativa para a época.

Visitou novamente Penacova em 1952. Recebido entusiástica e solenemente em 7 de Junho foi homenageado, na hora de voltar ao Brasil, com um Jantar de Despedida que teve lugar na Pensão Avenida. 

Em 1956 veio a Penacova e voltaria em 1969  mais uma vez à sua terra natal oferecendo 5000$00 à Misericórdia e dinheiro para ser distribuído pelo Natal a pessoas necessitadas. Aos Bombeiros ofereceu o seu automóvel para ser sorteado em favor da Corporação. Deixou ainda  200 contos para a estrada no interior da Cheira e 1000$00 para o Notícias de Penacova. 

No dia do 80º aniversário, em 1982, Abel Rodrigues da Costa encontrava-se em Penacova. A Câmara, presidida pelo Dr. Joaquim Leitão Couto, prestou-lhe uma homenagem, visitando-o na sua residência e manifestando-lhe o reconhecimento concelhio pelo apoio ao Hospital da Misericórdia, ao embelezamento do Mirante, aos Bombeiros e a muitos penacovenses com dificuldades económicas. 

A ele se deveu também a compra de todo o equipamento para a sala de operações do Hospital (1951), o apoio ao Asilo de Figueira de Lorvão e a abertura da avenida de acesso ao Mirante (1951)  e, mais tarde, o financiamento da construção da estrada para o Penedo do Castro (1973). 

Quando já era viúvo de Vita Soares Perpéctuo, o Comendador e Grande Benemérito de Penacova, Abel Rodrigues da Costa, faleceu no Rio de Janeiro em 5 de Novembro de 1990, 

11 fevereiro 2023

Personalidades (1): Manuel de Oliveira Cabral

 


Nasceu na Covilhã a 15 de Setembro de 1890 e morreu em S. Martinho do Porto em 30 de Outubro de 1974, terra onde casara, em 1916, com Estefânia Cabreira. 

Na capital do norte, onde viveu muitos anos, dirigiu o suplemento infantil de “O Comércio do Porto”. O nomes Estefânia Cabreira e Oliveira Cabral ficaram impressos na capa de muitas obras de carácter didáctico, em especial manuais escolares e colectâneas de música e poesia para crianças. Quem frequentou a escola primária nos anos trinta terá muito provavelmente estudado pelo “ Bom Amigo” e pelo “ Cantinho Florido”, livros de leitura para a 1ª e 4ª classes, respectivamente.


Professor, escritor e pedagogo muito conhecido na sua época, Oliveira Cabral também deixou marcas indeléveis em Penacova. A “esta aprazível estância de repouso” como escreveu um dia, veio passar, nas décadas de 40/50 muitas das suas férias. Ainda hoje este casal é recordado por algumas pessoas, especialmente pelos saraus culturais que promoviam. Além disso, Oliveira Cabral foi um dos grandes impulsionadores do grupo “ Os Amigos de Penacova” que viria a dar origem à Sociedade de Propaganda e Progresso de Penacova. Também nos jornais da região, Notícias de Penacova e Correio de Coimbra, ficaram muitos dos seus escritos. Ainda no Natal de 1960 - e cremos que terá sido das últimas colaborações no Notícias de Penacova – podemos ler uma poesia sua, ilustrada por Guida Ottolini, neta de Roque Gameiro. No “Notícias de Penacova” de 30 de Agosto de 1952, escrevia, sob o título “ Parabéns bom povo de Penacova”, felicitando os penacovenses, na pessoa do presidente da Câmara, Francisco Martins, pela criação de uma Biblioteca Popular, à qual prometia oferecer algumas obras, sugerindo a criação de uma secção infantil. Neste artigo, Oliveira Cabral levanta a questão duma presumível doação testamentária de livros à Câmara de Penacova por parte de Emídio da Silva, facto de que pouco se sabia.

Também no mesmo ano e no mesmo periódico, Manuel do Freixo, pseudónimo de Manuel Vieira dos Santos, escreve sobre Oliveira Cabral, rendendo-lhe homenagem e manifestando o seu agradecimento pela acção que desenvolvera em prol de Penacova. Conta o Arcipreste Manuel dos Santos que fora aquando da primeira homenagem a Abel Rodrigues da Costa que Oliveira Cabral lhe prendera a atenção, ao propor a atribuição do nome daquele benemérito a uma artéria da vila, o que acabou por acontecer, como sabemos. Neste artigo a que estamos a fazer referência, Manuel do Freixo, não esquece a fundação de “ Os Amigos de Penacova” e o seu esforço por “ orientar Penacova no sentido turístico “, salientando nesse aspecto, a publicação duma “ pagela artística” intitulada “ Algumas Palavras sobre Penacova”. Para o articulista, esta iniciativa onde revela o quanto aquele “aprecia, admira e estima tudo o que diz respeito à alcandorada vilazinha de sua predilecção”.

O folheto abre com uma vista geral de Penacova, tirada a partir da zona do Penedo do Castro, aparecendo depois uma gravura sobre o quadro de Eugénio Moreira “ A Ferreirinha ou a Gioconda de Penacova” – que hoje podemos apreciar no Museu Soares dos Reis – enquadrada por um texto do escritor Antero de Figueiredo nas suas “Jornadas em Portugal”. Da “pagela” faz parte também o conhecido cartaz com o slogan “ Penacova - Zona de Turismo - A 25 Km de Coimbra”. É também aqui que Oliveira Cabral publica as quadras “Penacova,a Linda”, inspiradas num trecho de um livro de Raul Proença.

Em Outubro de 1950, Oliveira Cabral publica no Notícias de Penacova uma Carta Aberta ao Presidente da Câmara, onde faz questão de esclarecer que “ não é natural de Penacova, não tem interesses na vila ou na região” e que, por isso “ fala desapaixonadamente”. Começa por louvar a iniciativa da Câmara ao editar cartazes de promoção turística, dos quais teve conhecimento no café Guarani, na cidade do Porto e os quais lhe suscitaram alguns reparos sobre o Turismo em Penacova. “ O turismo quer alegria para os olhos e higiene para a saúde” – escreve a dado momento. Assim, vem alertar para “ o estado lastimoso em que se encontra a muralha de suporte em frente da Pensão Avenida” – onde geralmente se hospedava - e para a poeira que os carros levantam quando atravessam a vila. Depois de sugerir o asfaltamento da estrada até à Casa do Repouso, conclui com alguma ironia dizendo que o cartaz “ pode levar algumas pessoas ao engano, mas…só uma vez!”.

Oliveira Cabral, uma figura interventiva em Penacova, que não sendo penacovense, tal como Emídio da Silva, Simões de Castro, Vitorino Nemésio e alguns mais, procurou ser um embaixador desta terra cheia de potencialidades turísticas. 

Escreveu, em 1947, referindo-se a Penacova, a profª Eduarda Silva, que com ele conviveu enquanto jovem:

Sem uma alma cheia de poesia 
Que te cantasse em versos sem rival 
Tua beleza decerto esquecia 
Quem acha belo o nosso Portugal 

E entre tantos que tem cantado 
a tua formosura sem igual  
Um nome com carinho tens guardado 
Porque te ama – Oliveira Cabral

David Almeida
publicado no jornal Nova Esperança, Jan 2011

23 janeiro 2023

Lugares, monumentos e sítios de Penacova (12): Capela de Santo António


A capela de Santo António situa-se a Sul da vila, implantada em terreno de acentuada inclinação, envolvido por amplo adro, parcialmente cercado por baixo muro, com um coreto octogonal em alvenaria de onde se podem apreciar excelentes panorâmicas sobre o Mondego.

Trata-se de uma construção do séc. XVII (com planta longitudinal, simples, com coberturas diferenciadas) enquadrável no tipo de arquitectura maneirista vernácula, apesar de ter sofrido algumas modificações. Fachada principal com alpendre com seis colunas toscanas (quatro na frente e uma a meio de cada lado) em cantaria e pavimento com seixos. 

 No chão da capela-mor existe uma campa, com evidentes sinais de desgaste, tendo uma faixa envolvente decorada e brasão sumido. Apresenta os seguintes dizeres:

 ESTA SEPVLTURA HE DE / MANOEL.DE PAIVA.NATV / RAL.DE COINBRA.../ FES QVATRO.FILHOS BO(NS) / LETERADOS E (HV(M) DELES. (F)OI / IOÃO.DE PAIVA PRIOR DESTA / IGREIA.LHE.MANDOV.FAZER /ESTA SEPVLTVRA.FALECEO / A 21.DE DEZEMBRO.DE.1621. 

 O retábulo secundário é dos sécs. XVII/XVIII, com esculturas de Santo António e S. Francisco, do mesmo período. O púlpito é cilíndrico e, numa mísula, vê-se um Anjo da Anunciação, de pedra, do séc. XVI, manuelino; numa outra, uma Virgem de madeira, dos XVII/XVIII. 

A capela é detentora de um cálice de prata sem ornatos, onde, no listel de base, se lê: “ESTE CALIX HE DA IRMANDADE DE SANTO ANTONIO FOI FEITO ERA D. 1664 a.” 

 Fontes: "Inventário Artístico de Portugal", vol IV, 1953 e Plano Director Municipal



19 janeiro 2023

"Basta que os penacovenses tenham a iniciativa dos suissos”




A longa teoria de estrangeiros que todos os anos percorre sistematicamente a Suissa, sob as tirânicas imposições dos Baedecker (1), dos Kook, e de outros Dracons das vilegiaturas (2), a par de excursões extremamente pitorescas, sofrem a desilusão de muitas ascensões e caminhadas que não valem o tempo que perderam.

Pode-se dizer que não há na Suissa um recanto de vale, uma dobra de terreno, um píncaro de monte que não seja visitado por milhares de forasteiros que, mal chega o verão, invadem por todos os lados este afortunado país e por ele se espalham numa ânsia de subir às suas montanhas, ou de bordejar nos seus lagos pelo simples prazer da vista, pela necessidade de fortalecer os pulmões ou de acalmar os nervos.

Mas em cada cantinho de vale, em cada socalco de terreno, assim como nos vértices das montanhas, esse vai-vem formidável de estrangeiros encontra sempre uma pousada, um albergue, uma hospedaria confortável, quando não depara com um desses grandiosos edifícios, que abundam na Suissa, tanto á beira dos lagos como nas regiões alpinas e que, sob os nomes de Palace Hotel, Grand Hotel, Kurhauss Hotel, proporcionam aos seus hóspedes, além de bom alojamento e boa comida, os atractivos dos seus hall sumptuosos e dos seus salões de festas onde se realizam bailes, concertos e soirées dramáticas que em alguns desses hotéis chegam a dar a ilusão de festas particulares elegantíssimas.

A Suissa, que explora como nenhum outro país a indústria das viagens entendeu que, antes do caminho de ferro, do funiculare até da própria estrada, quando se não podem fazer duas coisas ao mesmo tempo, é mister começar por construir o hotel…

Quantos hotéis teve e tem ainda a Suissa que apenas são acessíveis por estradas e até por simples caminhos, enquanto a tracção mecânica não pode ser estabelecida em condições económicas de provável êxito?…

O hotel, principalmente o bom, é muitas vezes a única razão de ser de algumas vilegiaturas suissas que tanto andam na voga!…

Porque em Portugal as hospedarias são na maioria más, as camas duras e o asseio escasso, e muitas vezes nem boas nem más existem, o estrangeiro, em geral, limita a Lisboa e seus arredores, as poucas viagens que faz ao nosso país, que, mesmo dos próprios portugueses, não é inteiramente conhecido.

Há distritos e até províncias onde, à excepção do viajante do comércio e dos funcionários civis ou militares que viajam por obrigação, raríssimos são os viajantes de recreio que se têm aventurado a ir até lá!

O próprio Minho, que é a província mais percorrida nas viagens de prazer, tem tanta aldeia formosa e mesmo vilas das mais pitorescas, que nós não conhecemos!...

Nestas condições ainda há poucos anos se encontrava uma das regiões mais encantadoras do distrito de Coimbra, a qual nem mesmo com as estradas do reino estava sequer ligada !

Referimo-nos à região de Penacova-Lorvão, nos contrafortes da Serra do Bussaco e na margem direita do Mondego.

O desleixo dos governos e as frequentes alternativas da política não permitiram ainda até hoje que fosse concluída a estrada do Bussaco a Penacova, nem tão pouco a que liga esta vila com Lorvão, que continua acessível apenas por uma íngreme e tortuosa ladeira!

Mas já se pode ir a Penacova por Coimbra e a estrada que lá nos conduz levará ali todos os estrangeiros que visitem Portugal, quando esta região estiver nas condições de os hospedar. Esta estrada por si só vale a viagem, quando o panorama que se goza em Penacova, do Penedo do Castro ou do Mirante Emygdio da Silva não sejam dos mais deslumbrantes que é dado contemplar aos que percorrem o mundo na demanda do pitoresco e do belo surpreendente !

A estrada de Coimbra a Penacova segue a margem direita do Mondego, cingindo- se tanto quanto possível ás ondulações da encosta e à linha caprichosa do talweg desse rio que percorre uma das regiões mais pitorescas e variadas, ora espraiando-se por campos feracissimos através de hortas e laranjais, ora apertado entre aprumados alcantis onde a vegetação nem sempre consegue ocultar os maciços de rocha que se destacam majestosos daquela paisagem luxuriante.

Essa estrada, que nem mesmo uma fita cinematográfica seria capaz de reproduzir, é com efeito um dos mais belos trechos do Portugal pitoresco e não conhecemos muitas que sob este aspecto se lhe avantagem na Europa dos touristes.

E’ no meio deste cenário deslumbrante e cheio de contrastes flagrantes, que surge a vila de Penacova, debruçada sobre o Mondego, que domina de grande altura, abrangendo por isso um vasto panorama em que os olhos se perdem extasiados num horizonte longínquo que serve de esfumada moldura a uma imensa paisagem, ora retalhada de pinhais ou sobrepujada de penedias que dão ao quadro uma tonalidade grave e austera, ora entrecortada de pomares, de vinhas e de milheirais, numa harmonia quase geométrica que é felizmente quebrada aqui e acolá, perto ou longe, inúmeras vezes, pela casaria branca das vilas, das aldeias e dos lugarejos que põe manchas alegres e dá vida e animação a esta grandiosa tela do maior e mais divino dos mestres - a Natureza! E através de todo esse tranquilo e ridente quadro descobre-se sempre o curso do poético Mondego, que ora veste o coturno trágico ao passar Entre Penedos, ora desliza na amenidade da paisagem coimbrã espraiando-se pelos campos a jusante de Penacova.

Uma vez ligada a Lorvão e ao Bussaco pelas estradas que estão em adiantada construção, Penacova fica ocupando o vértice de um triângulo de vilegiatura que há-de constituir um percurso de turismo obrigatório, dependendo apenas da edificação de um hotel simples e moderno a fixação dessas colónias ambulantes. . .

Não faltam para isso atractivos à linda vila, e não é de certo o menor deles a visita ao histórico mosteiro de Lorvão que fica a meia hora de distância, pelo ramal da estrada que está em construção.

Centro de numerosas excursões, como qualquer dos outros vértices do triângulo que tem por base Coimbra-Bussaco, a região penacovense pode ser um dia tão afamada como algumas estações da Suissa.

Basta para isso que os penacovenses tenham a iniciativa dos Suissos.

L. MANO


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(1) Karl Baedeker (Essen, 3 de novembro de 1801 — Koblenz, 4 de outubro de 1859, notação contemporânea: Karl Bædeker) foi um editor alemão e fundador do mundialmente famoso e ainda hoje publicado Guia de Viagem Baedeker.

 (2) Temporada que se passa fora da zona de habitação habitual, a banhos, no campo ou viajando, para descansar dos trabalhos habituais.