05 julho 2019

A família Iglésias e os cenários do Grupo de Teatro da Casa do Povo


O Grupo de Teatro e Variedades da Casa do Povo de Penacova apresentou em Março passado o espectáculo “Recordar é Viver”, inspirado na obra de Alípio Sousa Borges. No dia 20 de Julho vai, novamente, ser apresentado ao público penacovense.
Além de recuperar textos e músicas do Mestre Alípio Borges também, ao nível da cenografia, foram utilizados alguns trabalhos do início da década de cinquenta do século passado. Concretamente dois grandes painéis, representando a Igreja Matriz e a Ponte de Penacova. Trabalhos que logo numa primeira observação indiciam mão de artista. No entanto, passados cerca de setenta anos, já se torna difícil saber a sua autoria. Diz-se que teria sido alguém da Anadia de apelido Iglésias. Dado que se trata de um trabalho em tela com evidente qualidade artística, considerámos que seria pertinente ir mais além no esclarecimento dessa questão.
Foi quando nos recordámos de uma entrevista que o Sr. Alípio Borges deu ao jornal Nova Esperança. E ao reler esse texto, cruzámo-nos com uma passagem que nos poderá levar à descoberta do autor daqueles cenários. Conta Alípio Borges que aprendera muito sobre “os segredos” do teatro não só com a D. Raimunda de Carvalho, à volta do Grupo Orfeónico Católico Penacovense, mas também com o Padre Firmino Carvalhais, com o “cenógrafo Pepe Iglésias” e com o Prof. Eliseu, no Grupo de Variedades da FNAT de Coimbra.
Cá está o apelido Iglésias. Procurando indagar na Anadia, foi fácil chegar ao célebre Grupo de Teatro “Os Rouxinóis”, nada mais nada menos que fundado em 1948 por José Luís Iglésias, também conhecido por Zeca Iglésias, de seu nome completo, José Luís Fernandes Llano Iglesias. Em 2017 foi apresentada na Assembleia Municipal da Anadia uma proposta no sentido de atribuir ao Cineteatro o nome de Cineteatro Mestre José Iglésias, músico, compositor “verdadeiro animador cultural”. Sabe-se que foi desenhador tipógrafo, deixando “a sua marca artística nos rótulos das garrafas de espumante da Bairrada e nas mesas do antigo Café Central”.
German Iglésias, pintor Galego,
pai do autor dos cenários
Podemos então afirmar, desde já, que o autor dos cenários é o Mestre José Iglésias? Ainda não. É que Alípio Borges fala no cenógrafo Pepe Iglésias. Qual dos três irmãos? Germano José Ignácio Iglésias (1909-1971), José Fernandes Iglésias (1913-1965) ou José Luís Fernandes Llano Iglésias (1924-2005)? Como sabemos, o hipocorístico de José, em espanhol, é Pepe. É sabido também que todos eles tinham grande vocação para a pintura, já que, como veremos, eram filhos de um pintor espanhol. Todos eles terão trabalhado com o pai no restauro da capela dos Passos de Ovar. Temos a informação que o mais versátil dos irmãos (pintor, cenógrafo, executante de violino) era o José Luís. Mas, fica a dúvida. A qual deles se referia Alípio Borges? Ao José, ou ao José Luís? Na verdade, foi o José Luís que em 1948 veio viver para a Anadia e também nesta vila da Bairrada os cenários dos irmãos Iglésias ganharam fama...
Resta dizer então de quem eram filhos. O pai, German Iglésias, nascera em Ferrol (norte da Galiza) em 1884. Morreu em Penafiel em 1955. Veio para Portugal por volta de 1912. Formado em Belas Artes na Academia de San Fernando (Madrid) foi colega do futuro chefe espanhol, Francisco Franco, de quem era conterrâneo. A actividade artística da família Iglésias passou por Ovar, Penafiel e Anadia.  Também no mundo do teatro amador. Enquanto autores e actores e na qualidade de encenadores e cenógrafos. A sua dinâmica cultural, que terá influenciado Alípio Borges, afirmou-se também na criação e pintura de grandes e deslumbrantes cenários.  Por essas terras ainda perduram algumas das suas  obras. E, curiosamente, também em Penacova.  




23 junho 2019

No centenário da eleição presidencial de António José d'Almeida: [1] A visita a Coimbra


A reportagem fotográfica na "Ilustração Portuguesa"

O ano de 1919 ficou marcado pela eleição de António José de Almeida para a Presidência da República. Penacova celebra, assim, neste ano de 2019, o Centenário da sua Eleição Presidencial.

A eleição teve lugar em 6 de Agosto de 1919, reunido o Congresso[1] em sessão especial das duas câmaras, Câmara dos Deputados e Câmara dos Senadores. No 3.º escrutínio, António José de Almeida obteve 123 votos (73,7%), seguido de Manuel Teixeira Gomes com 31 votos e 13 listas em branco. Tomou posse em 5 de Outubro de 1919, em sessão solene preparada para a ocasião.

António José de Almeida sucedeu a João do Canto e Castro. Foi o primeiro Presidente da República eleito que cumpriu o seu mandato por inteiro. Mandato que terminou  em 5 de Outubro de 1923, sucedendo-lhe  Manuel Teixeira Gomes.

No final de Novembro e início de Dezembro de 1919, efectuou uma Visita Presidencial a Coimbra. No dia 1, presidiu à sessão solene inaugural do ano lectivo na Universidade, tendo sido a Oração de Sapiência proferida pelo Lente de Medicina João Duarte de Oliveira que  abordou a questão da autonomia universitária.

A visita a esta cidade revestiu-se de grande imponência. Fora recebido, no dia 29 de Novembro, na Estação Nova, vindo de Lisboa de comboio e também nos Paços do Concelho a que se seguiu a visita ao Paço das Escolas. À noite teve lugar um banquete de Gala nos Paços do Concelho oferecido pela Câmara Municipal (servido pelo Coimbra Hotel). No dia 30 visitou o Quartel de Infantaria nº 23 e na Ínsua dos Bentos passou em revista o Batalhão Expedicionário de Infantaria 23. De tarde visitou a Universidade e à noite assistiu a uma récita de gala no Teatro Avenida onde a Companhia do Teatro Nacional apresentou “A Morgadinha de Vale Flor”. O regresso a Lisboa aconteceu no dia 2 de Dezembro, onde à tarde, iria assistir à abertura do Parlamento.


Refere a Gazeta de Coimbra que na terça-feira, dia 2, veio a Penacova o Ministro do Comércio e Comunicações, Ernesto Júlio Navarro, acompanhado do Director de Obras Públicas, para se inteirarem das obras da estrada Penacova-Lousã. De passeio, terão vindo também o Ministro da Guerra (Hélder Ribeiro) e o Presidente da Câmara dos Deputados (Domingos Pereira).

Escreve o mesmo jornal que “a  cidade de Coimbra, vestindo-se de galas, cobrindo-se de flores, de bandeiras, soube prestar-lhe as honras que se devem a quem, pela Pátria, tem trabalhado incansavelmente.” E mais adiante: “A figura do Sr. Presidente da República foi saudada carinhosamente. A alma popular via nela ainda, como nos tempos da propaganda revolucionária, aquele orador arrebatador, transcendental, demosténico, que sabia fazer vibrar intensamente a escala das emoções humanas.”

No discurso proferido na Universidade, considerou a cidade de Coimbra “como a terra natal do seu espírito” dizendo que, ao entrar na Sala dos Capelos, depois da sua ascensão à presidência da República, sentira “na sua alma recordações inolvidáveis duma mocidade distante”.

António José de Almeida ao chegar a Coimbra
__________
A tomada de posse em 5 de Outubro de 1919

[1] Nos termos da Constituição Política da República Portuguesa de 1911 que então vigorava, o Presidente da República era eleito através de sufrágio indirecto, requerendo pelo menos dois terços dos votos das duas Câmaras do Congresso da República (Deputados e Senado) reunidas em sessão conjunta. As eleições tiveram lugar a 6 de Agosto de 1919, e decidiram-se ao fim do terceiro escrutínio, tendo António José de Almeida obtido 73,7% dos votos, contra os 18,6% do segundo candidato mais votado, Manuel Teixeira Gomes. O Presidente da Republica eleito tomou posse em 5 de Outubro de 1919.

16 junho 2019

“Penacova-a-Linda” na poesia e na música

Não se sabe ao certo quem pela primeira vez usou a  expressão  “Penacova-a-Linda”. No entanto, encontrámos no jornal Notícias de Penacova uma alusão a António Casimiro Guedes Pessoa (1879-1935) como sendo o seu autor. No mesmo periódico, em 1932, aparece um artigo assinado por Dora (Aurora Rodrigues) intitulado “Penacova-a-Linda”, provavelmente já uma  influência daquele penacovense.

Em 1947 Manuel de Oliveira Cabral,grande divulgador de Penacova e das suas belezas naturais, escreveu o poema “Penacova-a-Linda”. Este escritor e pedagogo, acompanhado da esposa, Estefânia Cabreira, conhecera Penacova, em 1933, na qualidade de arista, e não mais esqueceu esta terra.

Poesia de 1947, in Notícias de Penacova (1968)
A poesia de Oliveira Cabral foi musicada por Estefânia Cabreira. A composição foi executada pela Orquestra da Emissora Nacional (secção do Norte) sob a regência do maestro Resende Dias e cantada por Júlio Guimarães (uma das vozes da locução mais conhecida no Porto durante décadas e afamado cantor de tangos), tendo sido gravada em disco e em fita magnética. A pedido de Oliveira Cabral terão sido feitas expressamente duas cópias para serem oferecidas a António Feliciano de Sousa (que seria solicitador no Porto e terá construído o “Moinho do Aviador”) e António Rodrigues Amaral.

Também no jornal “Comércio do Porto”, sob o título “Belezas de Portugal” foi publicado aquele poema sobre Penacova.

Partitura da composição gravada em disco nos anos quarenta
Uma outra composição (letra e música) dos mesmos autores intitulada “A Voz do Mondego” foi publicada no Notícias de Penacova em 1947. Temos também o “Hino de Penacova”, cuja autoria é atribuída a Álvaro Alberto dos Santos. Consta que, igualmente, o Dr. Manuel Ferreira Sales Guedes terá escrito um poema sobre Penacova, “musicando-lhe uma Marcha”. Refira-se ainda a obra “Penacova”, da autoria de Joaquim Fernandes Fão, maestro da GNR e autor de inúmeras obras para Bandas Filarmónicas. Este trabalho, uma fantasia (termo que designa uma peça de carácter livre),  foi estreado em 1934, em Lisboa, num concerto da Orquestra de Saxofones e Banda da AIRFA (Banda Filarmónica da Academia de Instrução e Recreio Familiar Almadense).

Antes de terminar, não podíamos deixar de referir canções como "As Nevadas" e "Penacova Minha Terra"  do Mestre Alípio Borges, ainda recentemente recordadas pela Casa do Povo de Penacova.

Penacova tem vindo ao longo dos anos a inspirar muitos poetas e músicos. Uma recolha que seria interessante fazer. Desde já agradecemos todos os contributos nesse sentido.

(penacovaonline2@gmail.com)

13 junho 2019

A Capela de Santo António em Penacova (séc. XVII)



Capela de Santo António . Foto de A. Silva Calhau

A capela de Santo António é uma construção do séc. XVII que ao longo dos tempos foi sofrendo algumas modificações. Exteriormente, sobressai um alpendre de quatro colunas na frente e uma a meio de cada lado.

No interior, podemos observar uma campa, já muito deteriorada.  Tem uma  faixa envolvente e um brasão muito corroído. Apresenta uma inscrição que aponta para a data de 1621 e nos fornece outros elementos relativos à família da pessoa sepultada.
Transcrição do texto que consta na campa
Possui um retábulo dos séculos XVII-XVIII, com imagens de Santo António e S. Francisco, do mesmo período. O púlpito tem a forma circular. Uma imagem de pedra, assente numa mísula, representa o  Anjo da Anunciação. É do séc. XVI. Outra escultura, representa uma Virgem (séc. XVII-XVIII).

De registar ainda a existência de um cálice (prata), sem ornatos, com a seguinte inscrição no listel da base: “ESTE CÁLICE HE DA IRMANDADE DE SANTO ANTÓNIO FOI FEITO ERA D. 1664 a.”

Fonte: Inventário Artístico de Portugal, 1952

25 maio 2019

Os santeiros de Sazes



O Inventário Artístico de Portugal (volume relativo ao distrito de Coimbra, publicado em 1952) menciona  que a Igreja de Sazes tinha “muitas esculturas espalhadas pelos altares e arrecadações, obra do pároco, Padre António Abílio dos Santos”.

Assinatura do Pe António Abílio dos Santos
quando, em 1890, era pároco de Sazes

Na Exposição Distrital de 1884 pôde ser apreciado pelos visitantes uma imagem de S. João, “pequena escultura em madeira”, tendo como autor “o reverendo António Abílio dos Santos, cura na paróquia de Sazes”. A estatuária religiosa de Sazes adquirira já alguma projeção regional. É numa publicação que descreve aquele certame que se pode ler uma curiosa referência a esta arte tradicional arreigada naquela freguesia:
“Naquela pitoresca aldeia das vertentes ocidentais da serra do Bussaco é tradicional nos seus diretores espirituais a tendência para a estatuária. Durante muitas gerações ali tem existido, junto da singela e rústica igreja, uma modestíssima oficina de modelação e estátuas religiosas.”
A origem desta arte, poderíamos dizer indústria, estaria relacionada com o Convento do Bussaco: “Neste eremitério dos Carmelitas Descalços houve alguns monges que se dedicaram à arte escultural e que legaram àquele convento algumas obras de merecimento”.  Sazes fica muito próximo do Bussaco e, provavelmente, foram aqueles “frades-artistas”, ao visitarem com alguma assiduidade as aldeias circunvizinhas, a origem da indústria de imagens existente em Sazes e muito conhecida não só no concelho de Penacova mas também no de Mortágua e na região da Bairrada. [1]
Nestas terras “o prior de Sazes e o seu cura são conhecidos e apontados como artistas estimáveis, e as suas obras por lá figuram em muitas capelinhas, ermidas e paroquias.” Esta indústria de Sazes assumiu alguma dimensão e “as encomendas” passaram a ser muitas “ porque a obra agrada[va] ao consumidor e os preços [eram] modicíssimos”.
A arte terá passado de uns párocos para os outros: “Terminados os ofícios divinos, o pároco despe as vestes sacerdotais, adorna-se com a simpática blouse do artista, e ei-lo que nos surge um verdadeiro operário, modelando ou esculpindo as obras que lhe são encomendadas!”




[1]O sr. padre A. Abílio dos Santos esculpiu uma imagem do Senhor morto que se venera na Igreja de Sangalhos, próximo a Oliveira do Bairro, uma do Senhor crucificado na capela do cemitério de S. Martinho da Cortiça, concelho de Arganil, outra dita  na Igreja de Alvaiázere, outra de Nossa Senhora na capela do lugar de Monte-Novo, junto ao Bussaco, outra dita em uma capela do Souto, freguesia de Espinho, de Mortágua. É também autor de duas de Santo António, uma na Igreja da Brenha nas proximidades da Figueira da Foz, e outra n’uma capela próximo a Vale da Mó, concelho de Anadia, além de muitas outras em capelas e casas particulares.”- pormenoriza aquele documento que descreve a Exposição Distrital  de 1884.

20 maio 2019

Grupo Etnográfico de Lorvão comemora 30º aniversário

A participação na missa dominical, seguida de actuação pública e de um almoço convívio, assinalou , ontem, o 30º Aniversário do Grupo Etnográfico de Lorvão (GEL). Durante o encontro, foi prestada homenagem a uma das fundadoras, D. Maria Fonseca. De acordo com os participantes “foram momentos de grande emoção, partilha, amizade e carinho”. 


O GEL tem a sua génese no "Grupo de Danças e Cantares de Lorvão" criado em 1989. Desde muito cedo surgiu a ideia da criação de um Grupo de Etnografia e Folclore com base num trabalho de pesquisa sobre a cultura local. A Associação Pró-Defesa do Mosteiro de Lorvão "apadrinhou" o grupo em 1990, não apenas por uma questão de enquadramento legal, mas também pelo reconhecimento do seu mérito. Neste processo foi adoptada a denominação "Grupo Etnográfico de Lorvão".

Fez a sua primeira apresentação em público em 6 de Maio de 1990 seguindo-se inúmeras actuações em Portugal e no estrangeiro bem como participações em programas televisivos. 

O estandarte, representa uma figura extraída de uma iluminura do «Apocalipse de Lorvão», que mostra aspectos de vários trabalhos agrícolas da região: cenas da vindima, da ceifa e do lagar de azeite. A moldura do mesmo está guarnecida com folhas de louro e palitos. 


O repertório compõe-se de danças e cantares recolhidas na Vila de Lorvão e serras de Aveleira, Roxo, Paradela e S. Mamede. Apresenta trajos dos finais de séc. XVIII - Criados do Convento, Devotos do Senhor dos Passos, Noivos, Paliteira de meados de séc.XVIII, Recoveira; Vendedor de Palitos; Ver-a-Deus, Meia-Senhora - e trajos do final de séc. XIX como Paliteiras, Trabalhos Agrícolas, Romeiros; Feirantes. O Toque é constituído por instrumentos Tradicionais, nomeadamente: A Viola Toeira, Cavaquinhos, Bandolim Português, Violões, Pandeiro e Ferrinhos. Os viras; os verdegaios, o malhão de Lorvão e outras, são as modas alegres e vivas que este grupo apresenta.


10 maio 2019

Notas para a história da indústria dos palitos em Lorvão

Pormenor de gravura da revista "ILUSTRAÇÃO PORTUGUESA"
(1913)


Existe muita bibliografia sobre a indústria dos palitos em Lorvão. Em 1916, a Revista “Arquivos da Universidade de Lisboa” publicou um extenso artigo de José Henrique de Azeredo Perdigão (1896-1993), estudante de Direito.

O artigo daquele que mais tarde viria a ser o 1º Presidente da Fundação Calouste Gulbenkian intitulava-se “A indústria em Portugal - Notas para um inquérito”. Ali se analisa o estado das indústrias em cada um dos distritos do continente e “ilhas adjacentes.”

Referindo-se ao distrito de Coimbra, começa por salientar que “não existem grandes fábricas, verificando-se sim “um grande desenvolvimento nas pequenas indústrias”.

A indústria algodoeira é considerada como “a única verdadeiramente notável” seguindo-se a moagem e o fabrico do papel (Góis, Lousã e Miranda do Corvo). As fábricas de serração de madeira, a metalurgia (fundições e serralharias), a cerâmica (Coimbra, Figueira da Foz, Lousã e Penacova) e a indústria do calçado completam a lista das actividades industriais mais significativas.

A análise do distrito de Coimbra, naquele estudo de Azeredo Perdigão, termina com a referência a Lorvão: “Entre as indústrias caseiras e rurais devemos citar a dos palitos, muito desenvolvida, especialmente em Penacova e Lorvão.” 

“Esta indústria que merece um pouco de estudo, exerce-se nos concelhos de Poiares, Coimbra e Penacova, sendo o principal centro de fabrico a aldeia de Lorvão. O trabalho é manual e só há pouco tempo ainda é que em Penacova se instalou uma fábrica de palitos que deve empregar 34 operários.”

Depois desta introdução seguem-se algumas notas estatísticas, afirmando-se que “na freguesia de Lorvão que deve ter 3 700 habitantes, há 2 220 operários paliteiros ; no concelho de Penacova devem ocupar-se nesta indústria 3.484 indivíduos; no concelho de Poiares, 540; no de Coimbra, 174; ao todo, 4 198 paliteiros, sendo 296 rapazes, 1.605 raparigas, 424 homens e 1 873 mulheres, o que nos revela uma grande preponderância nesta indústria caseira do trabalho feminino, o que aliás acontece com quási todas as outras”.

Ficamos a saber que um “operário destro” podia produzir, por dia, “ 50 palitos - flor ou 2000 marquezinhos, ou 2400 ordinários, ou 4000 maganos”, ganhando assim o” ínfimo salário de 120 ou 140 réis.”

Ao nível do distrito de Coimbra, o “valor económico da indústria paliteira” traduzia-se nos seguintes dados: “valor de maços produzidos: 10 656$00; valor da madeira empregada como matéria prima: 48 491 $00; lucros para os fabricantes: 146 522$00; lucros para o comerciante: 67 368$00; lucros para o fornecedor de madeiras: 16 911$79; lucros totais, ou riqueza que para a região representa a indústria paliteira: 230 801$79.”

Este documento da Universidade de Lisboa, publicado em 1916, sublinha que “uma das coisas mais curiosas que se verifica na região paliteira, é a existência do palito-moeda” pois, “como a maior parte das casas comerciais daqueles concelhos vendem palitos em quantidade, aceitam-nos em pagamento de géneros alimentícios e outros artigos.”


“O empacotamento ou se faz em embrulhos de papel que reunidos formam um maço, ou em pequenas caixas contendo aproximadamente 400 palitos. Há várias casas de empacotamento e exportação que compram os palitos à indústria doméstica e depois de aperfeiçoados os enviam para todo o país e até para o estrangeiro, sendo as Repúblicas Sul-Americanas um bom consumidor deste produto regional” – acrescenta ainda Azeredo Perdigão que não deixa de reconhecer as limitações deste seu trabalho perante a inexistência de “verdadeiras estatísticas industriais”. 


Indústria cerâmica nos finais do séc. XIX em Penacova


Nos finais do século XIX a actividade industrial em Penacova resumia-se a muito pouco. Recorde-se que ainda não existia a Cerâmica Estrela d’Alva pois só em 1904 iniciaria a sua laboração.

Por volta de 1915 apontavam-se como “bandeiras” da industrialização do concelho, a Estrela d’Alva, a Fábrica de Cal da Galiana e o Lagar de Vila Nova, tendo como principais investidores, respectivamente, Alípio Barbosa, Amândio Cabral e José Maria de Oliveira.

Nos inícios do século XX, encontramos na freguesia de Sazes pedreiras de mármore e de calcário. Na freguesia de Penacova a extração de cal preta de muito boa qualidade e também granito, para cantaria e mós. Granito igualmente explorado na freguesia de Friúmes. Há notícia do registo, na comarca de Penacova, de dez minas de metais preciosos, carvão, ferro e chumbo que, no entanto, não se encontravam em fase de exploração. De referir ainda as indústrias da cal, dos palitos, da madeira e da lenha, que detinham já algum peso no panorama concelhio.

A indústria cerâmica ocupava um lugar muito modesto. Como já referimos, a Fábrica da Estrela de Alva só alguns anos mais tarde iniciaria a sua laboração.  Um documento do Ministério das Obras Públicas, Comércio e Indústria intitulado “ESTUDO SOBRE O ESTADO ACTUAL DA INDÚSTRIA CERÂMICA”, publicado em 1905, apresenta, no entanto, três polos industriais neste sector: freguesias de Figueira de Lorvão, S. Pedro de Alva e Sazes. Em Figueira e em S. Pedro de Alva fabricava-se telha ordinária. Em Sazes, panelas e caçarolas.

É a parte do documento referente ao concelho de Penacova onde se faz um apanhado geral, com o número de oficinas e fornos, o pessoal empregado e o rendimento anual nas diferentes freguesias e no concelho que, a seguir, se transcreve (grafia actual). Publicamos também algumas das gravuras que integram aquela publicação.


Freguesia da Figueira de Lorvão

“Nesta freguesia e lugar da Sernelha existem 2 fornos de cozer telha ordinária. Em cada um dos fornos empregam-se o dono do forno, mais 2 operários, 2 trabalhadores e 1 rapariga. A duração do trabalho é desde abril a outubro. Os preços dos jornais são de 300 réis para os operários e 240 réis para os trabalhadores, as raparigas não vencem jornal por serem filhas dos donos dos fornos. O barro empregado é avermelhado e é explorado aos lados dos sítios onde estão os fornos, tem a plasticidade necessária para o fabrico a que é destinado, os utensílios empregados no fabrico são os usados nesta espécie de produtos. Não apresentam também novidade alguma. Cada forno produz anualmente 50 milheiros de telha, que vendem na própria freguesia e nas vizinhas a 5$500 réis (em média), sendo, portanto, o rendimento anual de cada forno 275$000 réis, ou 550$000 réis para os 2 fornos.”

 Freguesia de S. Pedro de Alva

“Nesta freguesia e lugar da Cruz do Souto existem 3 fornos de cozer telha ordinária, nos sítios denominados Cabecinho, Carvalhinho e Serra. Em cada um d’estes fornos trabalham permanentemente, durante os meses de laboração, agosto e setembro, 2 operários e 1 carreiro. Os preços dos jornais regulam por 280 réis para os operários  1$200 réis para o carreiro. O barro empregado é esbranquiçado, regularmente plástico e é explorado no sítio do Val do Grou, que fica á distancia de 500 metros aproximadamente dos 3 fornos. Os fornos, utensílios e processos de fabrico são precisamente iguais aos da Figueira de Lorvão. Cada forno produz anualmente 36 milheiros,ou 108 milheiros para os 3 fornos, que vendem a 4$000 réis na própria freguesia e nas vizinhas, sendo portanto o rendimento anual dos 3 fornos réis 432$000. Em Lufreu, lugar pertencente a esta freguesia, está-se montando uma fábrica a vapor para o fabrico de telha tipo marselhês, mas asua construção está ainda bastante atrasada. “

Freguesia de Sazes

 “Há 4 anos pouco mais ou menos veio de Molelos um oleiro com sua mulher, 3 filhos e 2 filhas, todos maiores, estabeleceram-se nesta freguesia para exercer a sua industria. Começaram fazendo as suas pesquisas à procura de barros e, conseguindo encontrá-los razoáveis, principiaram a fabricar louça preta pelo sistema de Molelos. Tem 3 rodas ou tornos de oleiro, um bocado de sola e outro de cana, únicos utensílios que empregam. Fabricam unicamente panelas e caçarolas. A louça é cozida em covas abertas no chão. De tempos a tempos desloca-se parte da família, andando por outras freguesias a fazer e cozer louça, isto é, são fabricantes de louça ambulantes. Desde que vêem que numa freguesia os seus produtos já não têm fácil venda, mudam-se para outra, até que passados 6 ou 8 meses de peregrinação regressam a Sazes, sede do seu estabelecimento. Não se pode fixar bem a produção e rendimento anual d’esta indústria, mas não se deve avaliar em menos de 200$5000 réis.”









05 maio 2019

Ponte do Alva (1908-1986)

A Ponte do Alva por alturas da inauguração
(foto cedida por Luís Calafate)

A nova ponte em construção, vendo-se ao fundo a antiga travessia.
(Foto publicada no NE em 1986)

Quem se recorda da Ponte do Alva? Foi no dia 2 de Janeiro de 1986 que terminou os seus dias. Eram 10 horas da manhã. Poucos segundos antes tinha passado o Expresso da Rodoviária com destino a Viseu, carregado de gente. Conta o jornal Nova Esperança que também um motociclista se salvou por pouco, graças a um furo no pneu que o fez parar antes de atravessar a ponte. Houve uma vítima mortal (um jovem da zona de Cantanhede) mas na sequência de trabalhos de desobstrução das estruturas (da velha e da nova ponte).

Na altura, as obras da nova ponte já estavam quase concluídas, o que permitiu que logo a 22 de Janeiro fosse aberta ao trânsito, evitando um maior transtorno com o desvio por Friúmes ou Poiares para apanhar a estrada da Beira ou pela Barragem da Raiva e Gondelim em direcção a Penacova. 

As obras da velha ponte foram lançadas em 1908, com a presença de José Maria de Oliveira Matos, deputado progressista pelo círculo de Arganil. Esta ponte terá mesmo sido designada por Ponte Oliveira Matos (a par da ponte de Penacova também com o nome de outro membro do Partido Progressista, Luciano de Castro). As obras só terão ficado concluídas passados mais de seis anos. Em 1914 ainda o Jornal de Penacova dizia que a ponte lá estava, "como um coreto sobre o rio", à espera que se fizesse "o encontro da margem direita”. 

Imagem  recolhida num documento (cedido por Luís Calafate )
datado de 1920  em que é possível saber que tinha 70 metros.
A Ponte do Alva representava, em termos de engenharia de construção, um dos primeiros exemplares de pontes construídas em Portugal com cimento armado. Foi construída pela empresa Moreira de Sá e Malevez[1], concessionária em Portugal do sistema de betão armado Hennebique. O cimento armado fora uma invenção do construtor francês Monnier, realizada por volta de 1860, ao embeber no cimento fios ou redes de aço aumentando-lhe, assim, a resistência. No entanto, para as construções de maior vulto foi preciso aperfeiçoar esta técnica. Tal foi conseguido em 1892 pelo engenheiro francês François Hennebique. 

A revista francesa na área da construção civil "Le Béton Armé", de 1908, refere esta obra tendo como concessionário, precisamente, “Moreira de Sá e Malevez”. O engenheiro responsável terá sido João Theophilo da Costa Goes. 

Por tudo isso, pena foi que tivesse desaparecido para sempre. Quem sabe, se tivesse tido obras de conservação ainda hoje poderia ser um caso de estudo no campo da engenharia e obras públicas, coexistindo com a actual ponte que serve o IP3. 



[1] Ainda há poucos anos, fomos contactados por um bisneto do Eng. Bernardo Moreira de Sá, Luís Calafate (Professor universitário) no sentido de obter informações sobre a velha Ponte do Alva (além das que já possuía e que amavelmente nos disponibilizou).

30 abril 2019

Afinal a Igreja caiu ou não caiu?


É voz corrente que o actual edifício da Igreja Matriz de S. Pedro de Alva é o resultado do “acrescentamento de uma mais pequena, do século XV, destruída pelo sismo de 1755.” Assim se pode ler no sítio web [1] da Junta de Freguesia.

Também o “Inventário Artístico de Portugal” [2], no volume dedicado ao distrito de Coimbra, da autoria de Virgílio Correia e A. Nogueira Gonçalves, refere que “o edifício actual pertence a duas épocas: a capela-mor ao segundo quartel do séc. XVI e o corpo da igreja à segunda metade do séc. XVIII, por ter desabado o da época quinhentista, com o terramoto de 1755”. Nogueira Gonçalves foi padre, professor e Conservador do Museu Machado de Castro, sucedendo a Virgílio Correia naquele cargo. O trabalho destes dois investigadores é reconhecido como sendo modelar. No entanto, contrariando estas afirmações, deparámo-nos, há tempos, com a existência de um documento datado de 1756 que poderá pôr em causa a tese da destruição parcial da igreja na sequência do terramoto.

No rescaldo do forte abalo sísmico ocorrido em 1755, D. José I - com a colaboração de Sebastião José de Carvalho e Melo - mandou fazer um inquérito para ser enviado a todos os párocos do reino. Essas INFORMAÇÕES DOS PÁROCOS DE DIVERSAS REGIÕES DO PAÍS RELATIVAS ÀS CONSEQUÊNCIAS DO TERRAMOTO DE 1755 encontram-se arquivadas na Torre do Tombo, em Lisboa. Nem todos os vigários responderam mas, naquele conjunto de documentos, encontra-se o relato do pároco de Farinha Podre onde, o mesmo, escreveu: “Não houve ruinas algumas ainda nos edifícios de maior grandeza, como esta Igreja (Padroado Real) que pelo levantado, e majestoso de seu arco cruzeiro e capela-mor excede as mais deste arcediagado, obra antiga, de que não há memória, e só tradição ser fundada pelos Templários.”

Mais à frente, reforça o facto de não ter havido danos materiais: “É esta freguesia povoada só de lugares ou aldeias em um sítio vulgarmente chamado Casconha e como o terramoto não causou mais abalo, que horror e espanto, não houve providência alguma imediata.”
 


O documento tem a data de 15 de Maio de 1756. Mais tarde, em 1758, foi lançado um novo questionário, onde, além de outras questões, se perguntava novamente se a freguesia havia “padecido” de alguma “ruina no terramoto de 1755” e, no caso de ter existido, em quê e se estavam reparados os danos. Ora, também neste documento, nada se refere quanto ao pretenso desabamento da Igreja, e nem sequer se responde à questão 26, que dizia respeito às consequências do terramoto.

Se tivesse havido tão significativo estrago na Igreja Matriz o que poderia ter levado o pároco a não o comunicar, passado apenas meio ano? Por outro lado, em que fontes se terão baseado os autores do Inventário Artístico? Ficam as perguntas.
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[1] http://www.uf-spaspm.pt/
[2] Inventário Artístico de Portugal-Distrito de Coimbra, de Vergílio Correia (reorganizado e completado por A. Nogueira Gonçalves publicado pela Academia Nacional de Belas Artes em 1952.