28 outubro 2012

Cartas Brasileiras IV: Amigo é pr'a essas coisas

 
São Paulo, 16 de outubro de 2012.
Caros penacovenses:

"Roda Vida", uma das  maravilhas compostas por Chico Buarque de Holanda, assim começa: "tem dias que a gente se sente como quem partiu ou morreu"; realmente, há dias que sentimos ter nosso mundo desmoronado, o verso é muita vezes usado quase que como uma expressão idiomática. Surge-me, uma indagação: haveria como escrever usando apenas expressões idiomáticas?
 Bem, como quem não arrisca não petisca, sabe-se é que em dia que se acorda com os pés de fora, o melhor que se faz é ficar à  sombra da bananeira, meter a cabeça nas nuvens pensando na morte da bezerra. Não é dia para aproveitar a boleia para acertar agulhas, nem que se sinta água pela barba!

 Calma, muita calma, afinal, o primeiro milho é dos pardais,  me dizia um amigo com muitos anos a virar frangos; não me lembro do nome dele, sou mesmo uma cabeça de alho chocho.
 Um dia  ele me viu com cara de caso, tentou entrar em meus problemas com pés de lã, foi logo dizendo:

 - Amigo, sacuda a água do capote e descalce a bota! Como viver assim!
 Mandei que fosse chatear o Camões, perdi a cabeça, pondo os pés na poça, indo aos arames com ele, afinal ele me parecia ter macaquinhos no sótão, sabia que estava de trombas. Do fundo do meu coração, jamais iria pregar uma peta ao meu amigo, e também nunca fui um troca-tintas. Ele tentou acalmar-se, por estar a fazer trinta por uma linha, que não via motivos para eu trepar nas paredes,  sentia que eu estava confundindo alhos por bugalhos. E amigo, disse-me, uma ajuda ou outro.

 Pura verdade, isso me fez lembrar do conjunto MPB-4 cantando uma música que fala de amizade;  bela poesia que faz uso de diversas expressões nos versos transformados em um diálogo entre amigos. 
"Amigo é pra essas coisas" (Sílvio da Silva Junior e Aldir Blanc

                 Salve! / Como é que vai? / Amigo, há quanto tempo! / Um ano ou mais…/ Posso sentar um pouco? /Faça o favor/ A vida é um dilema/ Nem sempre vale a pena…/ Pô…/ O que é que há?/ Rosa acabou comigo/ Meu Deus, por quê?/ Nem Deus sabe o motivo/ Deus é bom/ Mas não foi bom pra mim/ Todo amor um dia chega ao fim/ Triste/ É sempre assim/ Eu desejava um trago/ Garçom, mais dois/ Não sei quando eu lhe pago/ Se vê depois/ Estou desempregado/ Você está mais velho/ É/ Vida ruim/ Você está bem disposto/ Também sofri/ Mas não se vê no rosto/ Pode ser…/ Você foi mais feliz/ Dei mais sorte com a Beatriz/ Pois é/ Pra frente é que se anda/ Você se lembra dela?/ Não/  Lhe apresentei/ Minha memória é fogo!/ E o l´argent?/ Defendo algum no jogo/ E amanhã?/ Que bom se eu morresse!/ Prá quê, rapaz?/ Talvez Rosa sofresse/ Vá atrás!/ Na morte a gente esquece/ Mas no amor a gente fica em paz/ Adeus/ Toma mais um/ Já amolei bastante/ De jeito algum!/ Muito obrigado, amigo/ Não tem de que/ Por você ter me ouvido/ Amigo é prá essas coisas/ Tá…/ Tome um cabral/ Sua amizade basta/ Pode faltar/ O apreço não tem preço, eu vivo ao Deus dará.
Em agosto desse ano, com 68 anos faleceu um dos integrantes do conjunto,  António  José Waghabi Filho, mais conhecido por Magro, compositor e arranjador, foi o criador do arranjo de vozes que unia a voz de Chico Buarque às dos quatro jovens do MPB4 (Magro, Ruy, Aquiles e Miltinho) em "Roda Viva", canção defendida por eles defendida  no III Festival de Música Popular Brasileira, da TV Record. Também é dele o arranjo vocal da gravação original de "Cálice" (Gilberto Gil/ Chico Buarque), cantado por Chico e Milton Nascimento.
 
http://www.youtube.com/watch?v=HRFw5u5wR4c (Gravação original de Roda Viva no festival)



22 outubro 2012

Nos 125 anos do padre Américo: as Colónias de Campo em S. Pedro de Alva e a origem das Casas do Gaiato

A "Casa da Colónia" em S. Pedro de Alva.
Aqui, o Padre Américo idealizou a Obra da Rua.
Américo Monteiro de Aguiar nasceu a 23 de
Outubro de 1887, faz amanhã 125 anos.
[Foto da casa e da placa: Alfredo Santos Fonseca]

Existe ainda hoje em S. Pedro de Alva, a velha "Casa da Colónia", na rua da Palmeira. Uma lápide na parede recorda que por ali passou o padre Américo e que também nessa casa funcionou a escola primária. De facto, de 1935 a 1939, ali funcionou uma Colónia de Férias de Campo promovida pelo fundador da Obra da Rua.
Américo Monteiro de Aguiar (nascido a 23 de Outubro de 1887) foi ordenado padre em 1929. Em 1932 o Bispo de Coimbra pede-lhe para orientar a "Sopa dos Pobres", acabada de criar. Desde logo começou a tomar contacto com a miséria que se vivia naquela cidade.
Certo dia, em 1935, foi convidado para vir a S. Pedro de Alva pregar(1). E foi aí que tudo começou. São palavras suas que a Revista Os Nossos Filhos publicou em 1944:
"Calhou ir a São-Pedro-de-Alva por aquele tempo pregar na igreja do povo ao povo. O Prior da Freguesia quer que eu vá mais ele visitar o edifício onde instalara uma escola nocturna. Era uma sala rasgada, com dependências anexas. Das amplas salas via-se pousar o céu na Serra do Caramulo e na Estrela gigante. Olhei as quebradas dos montes, mai-los campos em redor. Indaguei distâncias de água, índole do povo, facilidades de pão; e debrucei-me no peitoril da janela, a olhar...Vi o Beco do Moreno, a cama do artista doente, os quatro filhos sem pão. Não sei que me deu no peito, que o prior quis saber o que eu tinha! Uma paixão, exclamei: e falei à moda dos apaixonados que procuram o triunfo nos sacrifícioas e o êxito na verdade. Fiz uma descoberta no Beco-do-Moreno, disse: quero realizar aqui o meu pensamento, revelei. Ele disse-me que sim."
Passou-se isto em Maio de 1935 e logo em Agosto, 30 crianças pobres de Coimbra tiveram as suas primeiras férias no campo. As gentes de S. Pedro de Alva tiveram receio daqueles garotos da rua e temeram pelos seus bens.
No seu estilo simples e muito próprio, conta-nos  o Padre Américo:
 "Falava-se em S. Pedro de Alva na colónia aventura. O dedicado prior da freguesia preparou as coisas. O Dr. Coimbra, mandou fazer catres, mesas e mochos na fábrica da Estrela de Alva. O farmacêutico [que seria o Dr. Eduardo Pedro da Silva, velho republicano] dizia aos amigos da botica: que pena ser isto obra de um padre! À chegada, entrei na farmácia como quem vai indagar preços. Daí a nada, sabia-se no lugar do seu enorme espanto: ele não é como os outros padres! Ai! que se todos os padres fossem loucos, muita gente teria juizo! Seduzido pela verdade, ele forma na lista dos donativos e mais do que uma vez, durante a temporada das colónias, oferece o melhor da sua casa, ao garoto do tugúrio."
No entanto, quer de S. Pedro de Alva, quer das terras limítrofes (Paradela, Penacova, S. Martinho da Cortiça, Poiares) começam a chegar géneros e algum dinheiro.No segundo ano da Colónia a recepção foi ainda melhor:
 
"A plateia, que duvidava do sucesso do ano anterior, começa agora a dar palmas e a dizer que sim; e já não tem medo que os garotos da rua assaltem as quintas (…) Aparecem donativos e palavras de encorajamento. Viu-se que a loucura do padre era simplesmente o arrojo de ter feito o que antes ninguém fizera."
Escreveu ainda Américo Monteiro de Aguiar, o "Pai Américo":  
"Não cai um passarinho do céu sem que o pai celeste o saiba - verdade eterna. Parece que fora pregar a S. Pedro de Alva, mas não: fui cimentar as bases do que depois se chamou e hoje é, Colónias de Campo do Garoto da Baixa."
"A ideia já não cabe na estreita casa de S. Pedro de Alva (…) Nem a ideia nem os rapazes cabiam na casa primitiva, onde nasceram os dentes da obra." 
E foi assim que em 1940 abriu a primeira Casa do Gaiato em Miranda do Corvo e a partir daí estendeu a sua missão social e caritativa a outros pontos do país.  
David Almeida
(1) Era Pároco de S. Pedro de Alva, o Pe José Augusto Ferreira Simões e Sousa.

20 outubro 2012

Lorvão celebra as Santas Rainhas Teresa e Sancha


Em 2007 foi publicada uma brochura de
32 páginas, tendo por base uma Conferência
proferida em Lorvão em Outubro de 2005.
Celebram-se amanhã em Lorvão as Festas das Santas Rainhas, Teresa e Sancha. Há cerca de oito séculos viveu-se grande alvoroço em Lorvão.
Depois de grande celeuma e discórdia, os monges da regra de S. Bento, que ali habitavam há séculos, foram "desalojados" para dar lugar às monjas da mesma congregação, sendo depois o mosteiro entregue a D. Teresa, filha de D. Sancho I.
Por sua vez, o nome de D. Sancha ficou ligado à fundação do Mosteiro de Celas, em Coimbra. Em 1705 foram beatificadas pelo Papa Clemente XI.
O programa de amanhã inclui, pelas 11.30, a tradicional Missa seguida de Procissão, com a presença da Real Irmandade de Santa Mafalda de Arouca. Às 15 horas realiza-se o espectáculo "Memórias da Nossa Terra" pelo Grupo Etnográfico local.



 


15 outubro 2012

Livro de António Catela "Tudo Num Momento" foi apresentado em Penacova


Foi apresentado no dia 13 de Outubro, no auditório do Centro Cultural de Penacova o livro de António Catela Tudo num Momento. Contou com a presença do Presidente da Câmara, Humberto Oliveira e a Vereadora da Cultura, Fernanda Veiga, bem os ex-presidentes do Município, Estácio Flórido e Maurício Marques. Presentes  também muitos amigos e familiares do autor. A cerimónia iniciou-se com um espaço musical e com a projecção de uma montagem em vídeo com fotografias biográficas do autor. Uma selecção das suas filhas, oferecida no dia em que, há um ano atrás, completou cinquenta anos de vida.  
Como o subtítulo do livro sugere, Tudo num Momento-do blog ao livro, engloba uma selecção de textos que desde 2007 foram sendo publicados no blogue com o mesmo nome. De acordo com o autor, esta obra vem "concretizar um sonho de menino nunca cumprido". A escrita, e em especial a escrita romântica, sempre foi a sua paixão. Conforme se pode ler no Prefácio e numa das Notas Introdutórias "recorrendo a pinceladas de cores fortes e expressivas, fala do Amor, da amizade, das relações, dos valores, de si próprio, da família e das (des)ilusões". Por outras palavras, o livro remete para "o melhor e o pior do quotidiano; os valores éticos, morais ou a falta deles; os sentimentos nobres, puros e belos que habitam o ser humano e, acima de tudo, a beleza de uma alma sonhadora" levando-nos a "questionar os nossos próprios sentimentos e a nossa forma de ser e de estar neste mundo."
António Manuel Teixeira Catela, nascido em Luanda em 1961, reside em S. Paio do Mondego onde preside, há 26 anos, à Junta de Freguesia. Pessoa empenhada também na vida associativa local.
Para o autor, este livro pretende "ser um tributo ao amor", a esse sentimento que "mais faz sofrer e alegrar o mundo", que "enlouquece, que faz chorar, que magoa, mas que também faz sorrir e sonhar".

12 outubro 2012

Memória fotográfica: o Largo do Terreiro na primeira metade do século XX

O Largo Alberto Leitão (ou Largo do Terreiro) tinha por volta de 1909 uma série de eucaliptos que foram cortados e substituidos por outras árvores. Não existia Pérgola e no local dos actuais Paços do Concelho situava-se a Escola Conde de Ferreira. Em 1918 foi inaugurada a Pérgola Raul Lino e nos anos trinta construido o edifício da Câmara(que inicialmente se destinava a ser Casa do Povo).
Na década de 40/50 o espaço foi ajardinado (desenho do engº Castro Pita) mas por falta de dinheiro para manutenção acabou por ser "terraplanado" dando lugar ao inóspito largo que todos conhecemos até há poucos meses atrás...

Recorte de 1958, sobre o canteiro do Brasão do Concelho
que se vê numa das imagens acima

09 outubro 2012

"Tudo Num Momento" : livro de António Catela vai ser apresentado no próximo sábado

Sábado, dia 13 de Outubro, 16 horas, no Centro Cultural de Penacova

Cartas Brasileiras III

Sei lá!

“Sei lá” é uma das maneiras que temos para responder que não sabemos como é uma coisa qualquer. E por que é assim? Sei lá. E como começa uma carta? Sei lá! Algumas começam onde a anterior terminou. Por exemplo, em minha última que intitulei “Um rio para pescar” me fez desaguar em Paulinho da Viola, na maravilhosa “Foi um rio que passou em minha vinha”.

Pois é, mas antes desse hino de louvor e exaltação à Portela, ele havia composto “Sei lá Mangueira”, em parceira com Hermínio de Bello Carvalho. Dizem que a música havia sido composta para um show, mas o parceiro dele inscreveu a música em um festival; era o tempo dos festivais. A situação ficou ruim para Paulinho da Viola na comunidade portelense, criou-lhe certo embaraço, afinal, a Mangueira é uma das escolas de samba concorrente da Portela.  
 
Apenas para recordar, “Um rio que passou em minha vida” começa assim: Se um dia, meu coração for consultado, para saber se andou errado, vai ser difícil negar.
 
Não tendo como negar as maravilhas por ele cantadas sobre Mangueira, estaria se desculpando diante da comunidade da Portela? Quem sabe. Mas, por que se desculpar tendo composto duas obras primas da música brasileira!
 
Estação primeira de Mangueira, esse é o nome oficial da comunidade do morro; primeira porque é a primeira estação de trem (combóio) do subúrbio carioca, ou seja, da cidade do Rio de Janeiro. Azul e rosa são as cores da tradicional escola de samba.
 
Diz a música: “Vista assim do alto, mas parece um céu no chão, sei lá, em Mangueira a poesia feito mar se alastrou, e a beleza do lugar, para se entender, tem que se achar que a vida não é só isso que se vê, é um pouco mais, que os olhos não conseguem perceber, que as mãos não ousam tocar, e os pés recuam pisar. Sei lá não sei, sei lá não sei, sei lá se toda a beleza de que lhes falo sai tão somente do meu coração. Em Mangueira a poesia, no sobe desce constante, anda descalça ensinando um modo novo de a gente viver, de cantar, de sonhar, de sofrer. Sei lá não sei, sei lá não sei não, a Mangueira é tão grande que nem cabe explicação”.
 
Por que Mangueira parece o céu no chão? As casas iluminadas no morro criam a sensação, as luzes das casas as estrelas do céu. São casas simples, de gente humilde, daí porque a beleza do lugar para ser entendida tem que ser vista com outros olhos. Não podem buscar a riqueza, mas a beleza da comunidade. O desce e sobe da poesia é a vida daqueles que vivem no morro, um sobe e desce constante, muitos sem sapatos, descalços.
 
Enfim, fica mesmo difícil explicar a beleza daquele lugar, afinal a Mangueira é tão grande que nem cabe explicação; melhor mesmo é ver o vídeo.
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"Segue abaixo uma pequena mensagem  com a finalidade de deixar registrada a presença e a alegria de Cartas Brasileiras pelo lancamento do livro.



Ao Joaquim Leitão Couto e David Almeida os cumprimentos e felicitações pelo lançamento do livro, o qual, certamente, já se converte em mais um "Património de Penacova", referência e fonte de buscas e consultas sobre as riquezas do lugar; a comunidade penacovense, sem dúvida, reconhecera o valor de seus autores e a importância da obra."
P.T.Juvenal Santos