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25 abril 2024

Ecos do 25 de Abril na Imprensa Local


Falar em jornais de Penacova na década de setenta é falar do “Notícias de Penacova” que veio a lume em 1932 e suspendeu a publicação em finais de 1978, para não mais voltar.

Este periódico, em vésperas do 25 de Abril poucas notícias locais publicava, possivelmente por falta de colaboradores.

Começando a analisar em Janeiro de 1974, encontramos, por exemplo, a defesa da política ultramarina e da guerra colonial. Em Fevereiro ressalta uma crítica muito grande à ONU, associando-a a “uma feira de vaidades” ao mesmo tempo que censura as “políticas onusinas”. Ainda neste mesmo mês, é feita especial referência a discursos de Marcelo Caetano nos quais refere as “atoardas e calúnias” de “certa imprensa”. Sobre o regime, o mesmo afirma no jornal de 9 de Março que “a experiência Corporativa” é “um êxito” evidente. No jornal de 18 de Abril, meia dúzia de dias antes do 25 de Abril, é noticiada a visita de Américo Tomás às obras da Barragem da Aguieira.

A 23 de Março, citando-se um discurso do Ministro Moreira Baptista, salienta-se que os Governadores Civis devem evitar que “alguns eclesiásticos se façam eco de críticas destrutivas que com má-fé são postas a circular para combater a acção governativa, esquecendo-se que a sua missão na Terra deve ser somente evangélica e não política”. Neste particular, apesar de não ter sido notícia no jornal, como é evidente, dizia-se que o Padre António Veiga, pároco de Travanca, Oliveira e Almaça, com grandes preocupações sociais e culturais, chegara a ter informadores da PIDE a escutar as suas homilias.

Estranhamente (ou talvez não) o jornal que tem a data de 27 de Abril alheia-se por completo dos acontecimentos que estão na ordem do dia. Só a edição de 4 de Maio faz eco da Revolução, publicando fotografias de Costa Gomes e de António de Spínola. O editorial, intitulado “Mudança de Rumo” apresenta-se ainda muito cauteloso e desconfiado, indo rebuscar as convulsões da I República e apresentando o 28 de Maio de 1926 como o início de uma fase que “não obstante os naturais defeitos, manteve a paz e o sossego durante meio século e transformou completamente a fisionomia da Nação.” O autor do artigo duvida muito que os portugueses saibam usar a Liberdade e teme, mesmo, que “a emenda seja pior que o soneto.”

Nesta data, dá-se realce ao Manifesto do Movimento das Forças Armadas. O jornal seguinte virá a ser publicado só passados quinze dias, a 18 de Maio, dado que a edição do dia 11 não se publicou, por motivos logísticos, conforme foi comunicado. Neste 18 de Maio já não consta o nome de Joaquim de Oliveira Marques como director. Agora, é o Pároco de Penacova, João da Cruz Conceição, que assume a direcção. Joaquim de Oliveira Marques escreverá em 13 de Julho na pequena nota intitulada “Palavra de Despedida”, que saía porque “a vontade de no máximo 2% por cento da população do concelho” (…) elegera “novas autoridades“ que impuseram a sua saída.”

O 1º de Maio de 74 foi, também em Penacova, o dia em que o Povo “saiu à rua” de uma forma mais visível. A notícia de um ou outro episódio só virá a público no dia 18, como vimos. Relata o jornal que “muitas pessoas se concentraram no Terreiro (…) realizando-se em seguida uma sessão pública no Salão dos Paços do Concelho. Muitos democratas tomaram a palavra para enaltecer o Movimento de Libertação”.

Nesta sessão foi eleita “uma comissão para gerir os interesses do Município”. Comissão que integrava os seguintes nomes: “Fernando Ribeiro Dias, tesoureiro da Fazenda Pública, Manuel Ribeiro dos Santos (comerciante), Rui Castro Pita (engenheiro civil), Joaquim Manuel Sales Guedes Leitão (notário), José Marques de Sousa (proprietário ), Teófilo Luís Alves Marques da Silva ( professor liceal), Américo Simões (industrial ), Adelaide Simões (farmacêutica ), Artur José do Amaral (estudante de Direito ), Artur Manuel Sales Guedes Coimbra (médico), António Coimbra Soares (professor e comerciante) e António de Sousa (electricista).

Esta Comissão alargada, que tomou posse em 2 de Maio, elegeu por sua vez o Presidente e o Vice-Presidente, respectivamente, Teófilo Luís Alves Marques da Silva e António de Sousa. Esta tomada de posse contou com a presença do Presidente e Vice- Presidente cessantes, Álvaro Barbosa Ribeiro e Francisco José Azougado da Mata. Os mesmos declararam ter solicitado e obtido a exoneração dos seus cargos junto do Comandante da Região Militar de Coimbra”. Álvaro Barbosa Ribeiro, à época Deputado, acabaria por passados alguns dias ser detido e preso em Lisboa e Coimbra, acabando o processo por ser arquivado por falta de provas.

Ainda sobre este 1º de Maio no concelho de Penacova lê-se numa local de Lorvão que se tratou de “um dia inesquecível em que todo o povo saiu em massa à rua e com ele a Filarmónica, entoando o Hino Nacional.”

No dia 5 de Maio, domingo, foram em diversas freguesias escolhidos os elementos para presidirem às respectivas Juntas. Em Penacova e Lorvão tal acto teve lugar no dia 12. Em Penacova também neste dia foi eleita nova direcção da Casa do Povo. Por sua vez em Lorvão, realizou-se uma sessão pública na sede da Associação Recreativa Lorvanense com a presença de membros da Comissão Administrativa concelhia e de um representante do Movimento Democrático de Coimbra. Foi notória a presença de um grande número de pessoas, sublinhando o articulista que predominavam as mulheres da povoação de Lorvão que “por mais de uma vez interromperam a sessão”. De Friúmes chega a notícia que ali se deslocara uma sub-comissão da Câmara Municipal para numa “grandiosa reunião sondar se era da vontade do povo continuar a mesma Junta, o que acabou por suceder.”

Sabe-se que em S. Pedro de Alva igual procedimento se fez e com os mesmos resultados: manutenção da Junta.

Com a finalidade de “instruir o povo, esse povo unido, esse povo honesto” para ser “pormenorizadamente instruído acerca da nossa política nacional actual – escreve o correspondente do NP em Friúmes – havia sido marcada uma reunião para o dia 9 de Junho. Recorde-se que estas sessões de esclarecimento e dinamização cultural, assim designadas e geralmente orientadas por elementos do MFA, no nosso caso, por militares da Região Militar de Coimbra, tiveram lugar na maioria das freguesias. Por exemplo, em Penacova a 17 de Fevereiro de 1975, as ovações ao MFA ( O povo está com o MFA) estenderam-se até cerca das 3 horas da madrugada! Ainda na vila, a 18 de Maio, teve lugar durante a tarde mais uma sessão de “Dinamização Cultural” com a presença das Filarmónicas do Concelho, da Orquestra Típica Infantil de Penacova e a Banda de Música do Regimento de Serviços de Saúde. Houve também uma sessão de cinema na Casa do Povo, dado que devido à chuva o programa não pôde ser feito no exterior como estava previsto. Refere o jornal que a dinamização da população em ordem à participação do povo neste programa fora feita pelos 1ºos sargentos penacovenses, José Alvarinhas e José Alberto. Penacova, Friúmes, mas também Chelo. Aqui, no dia 8 de Maio, no Ginásio Recreativo, teve lugar uma “sessão de esclarecimento pelas Forças Armadas”.

Ilustrativo do ambiente que se viveu por estes tempos, recordemos o “assalto” à Casa das Enfermeiras em Lorvão, edifício do antigo Hospício e que agora apenas tinha duas pessoas a residir. Em Agosto de 75, depois de várias reuniões inconclusivas e manifestações populares como aquela que uns tempos antes reunira mais de mil pessoas e onde falaram diversos oradores, entre os quais um representante do MRPP, em defesa da ocupação do edifício para Casa do Povo, que funcionava em condições muito precárias. Neste Agosto o povo decide avançar, pôr os móveis na rua e tomar conta das instalações. Sobre este episódio, António Simões, ex-cozinheiro do hospital, recordará mais tarde, a 30 de Abril de 1998 ao jornal penacovense Nova Esperança, essa “manifestação popular onde o povo é que mais ordenou”. A Comissão Instaladora do Hospital reconheceu, resignada, que “o povo entusiasmado com o que ouvia na rádio e lia nos jornais, resolveu tomar uma atitude sem o seu consentimento”. No fim de contas “O Povo é quem mais ordena!”

Outros episódios poderiam ser recordados. Vamos referir por agora o célebre “Dia de Trabalho pela Nação”. Foi a 6 de outubro de 1974 que, sob proposta de Vasco Gonçalves e tendo a dispensa da Conferência Episcopal, foi pedido que as pessoas dedicassem um dia de trabalho voluntário a favor do País. Referiremos o caso de Travanca, Rebordosa, Chelo e Lorvão. Em Travanca a Junta de Freguesia lançou o apelo e muitas pessoas, incluindo o Pároco, lançaram mãos à obra e procederam ao arranjo do caminho que ligava o ramal da Igreja ao Cemitério. Na Rebordosa, a Juventude (dos 12 aos 23) deixou “as ruas num mimo”. Em Chelo, um grupo “constituído por pessoas que normalmente não pegam na enxada e na picareta “deu início às escavações para a construção de um fontenário”. Por fim, em Lorvão os jovens estudantes reuniram em grupos de trabalho e (…) limparam as ruas da povoação. Mas Lorvão não se ficou por aqui. As paliteiras juntaram-se em grupos fazendo o seu dia de trabalho. Como resultado da venda de palitos (…) recolheram, juntamente com ofertas de voluntários a quantia de 2.485 escudos, que entregaram para os Deficientes-Mutilados das Forças Armadas.

Como sabemos, foi Teófilo Luís Alves Marques da Silva, que desde 1971 era professor de História e Director do Ciclo Preparatório, que assumiu a presidência da Comissão Administrativa Provisória. Em entrevista ao Jornal de Penacova de 15/12/2002 dirá que “tal como um pouco por todo o país a revolução dos cravos foi recebida em Penacova com grande júbilo, pelo menos pelas pessoas com quem contactava no café, na pensão e nas ruas.” Recordará entre outros aspectos a falta gritante de estruturas e de verbas. Por vezes eram uns cerca de 1000 contos feitos na venda de madeira que conseguiam tapar os buracos maiores. Com mágoa recordará, igualmente, quando certo dia um grupo de pessoas quis invadir a Câmara e como nesse dia não estava, agrediram à bofetada o Eng. Castro Pita,”um homem de 60 anos que tanto deu à sua terra”. “Achavam que eu era um indivíduo perigoso, que tinha levado a Câmara à falência, etc… Por estas e por outras acabou por pedir a demissão. Em Agosto de 1975 a comissão fica demissionária. Vai-se manter até Abril de 76. Nesta data dá-se a demissão, agora em bloco. Perante isso foi nomeado para assegurar a presidência da Câmara até às primeiras eleições autárquicas de Dezembro de 76 , como gestor municipal, José Alberto Rodrigues Costa.

Para terminar detenhamo-nos na legenda que acompanhava um foto de Penacova oferecido ao jornal pelo sr. LuísCunha Menezes e publicada na edição de 18 de Maio de 1974:

“Que à pureza dos ares que invadem a nossa região se possam assemelhar os ventos da libertação que sacudiu o país a partir do 25 de Abril. Que a caminhada de Paz e a Liberdade iniciada pelas Forças Armadas, de mãos dadas com o povo, não se detenha até alcançar toda a terra portuguesa.”

David Almeida 

(Comunicação apresentada hoje na sessão solene das comemorações do 25 de Abril em Penacova)




11 março 2024

“Do Mondego: notas históricas e culturais”: um texto de Nelson Correia Borges


Recordamos a intervenção proferida pelo Professor Doutor Nelson Correia Borges no âmbito do Colóquio “Mondego Vivo” realizado em Penacova a 21-01-2012, quando se lutava contra a construção da Mini Hídrica na zona do Caneiro. Um dos muitos excelentes textos históricos e literários deste nosso insigne conterrâneo. 

“Do Mondego: notas históricas e culturais”

“O Mondego não é apenas o mais importante dos rios nascidos em Portugal. É também o mais português por ter sido cantado por quase todos os grandes poetas portugueses.

O lirismo de que impregna a paisagem mondeguina desperta em quem o contempla a vontade de ser poeta. Ninguém o pode ver sem com isso sentir prazer. A poesia portuguesa está cheia de páginas vibrantes e sentidas, gravadas de forma imorredoura por quantos o têm cantado desde Luís de Camões a António Nobre, desde Sá de Miranda a José Régio. Bernardim Ribeiro, António Ferreira, Almeida Garrett, João de Deus, Soares de Passos, Antero de Quental, Gonçalves Crespo, Teixeira de Pascoaes, Camilo Pessanha, Afonso Lopes Vieira, Eugénio de Castro, Afonso Duarte, Campos de Figueiredo, Manuel da Silva Gaio, Fausto Guedes Teixeira, António Homem de Melo, Alberto de Serpa, Alberto de Oliveira, José Freire de Serpa, Miguel Torga, Manuel Alegre e tantos mais, celebraram cada um à sua maneira, as “doces e claras águas”, “entre choupais murmurando”, “os saudosos campos”, o “cristalino curso”, “os salgueiros a cantar”, as “falas mais tristes” do “lânguido Mondego”.

Orlado de encostas verdejantes e campos férteis, de frondosos laranjais com pomos de ouro e olivedos verde cinza, de salgueiros pendentes e choupos buliçosos, as suas águas, ao passar, murmuram desde há séculos a canção da beleza que não passa.

O grego Estrabão já se lhe refere, designando-o por Muliades. Munda ou Monda lhe chamaram os romanos, enquanto o árabe Edrisi descreve o rio que banhava Colimbria, dando-lhe o nome poético e sonhador de Mondik. E já num documento de 946 do Mosteiro de Lorvão surge a forma Mondeco, bem próxima da atual. Mas, nem uns nem outros foram os padrinhos, pois que a raiz da palavra (Mond-) é seguramente pré-romana.

O Mondego, esse rio que dessedentou celtas, romanos, godos e mouros, foi também a linha fronteiriça entre a cruz e o crescente, ao tempo da reconquista, a linha estrema, pontilhada de fortalezas – Seia, Penacova, Coimbra, Montemor-o-Velho -, onde Afonso Henriques veio estabelecer a capital do seu jovem reino. Castelos roqueiros, de pedraria talhada, como o de Penacova, dominando altaneiro os meandros do rio desde as Fragas de Entre Penedos às lonjuras da Rebordosa e de Louredo. Castros de pedra seca e terra batida alinhados na margem esquerda, eram sentinelas vigilantes do tráfego fluvial e de fossados e razias feitos por gente da moirama. Dois deles são referidos na demarcação dos limites feita em 1105 entre os monges de Lorvão e os homens do castelo de Penacova: o Castro de Cima de Louredo e o Castro Retundo em frente do Caneiro. Foram refúgio de camponeses e marcas dominiais, juntamente com outras rústicas fortificações ao longo deste nosso rio, de que apenas restam topónimos como Cabeço da Pedra, Castelo Viegas, ou vestígios arruinados como Torre de Bera.

Pachorrento e remansoso, o poético Mondego, afirmou-se a razão de ser e vida de toda a região, no passado. Não admira que por aqui tivessem florescido povos luso romanos nas terras que são hoje Penacova, Lorvão, Cheira, Chelo e tantas outras… O peixe abundava e povoava as suas ribeiras. Lembremos que as monjas de Lorvão tinham o privilégio da exclusividade da captura de trutas na sua ribeira e recebiam lampreias como pagamento de foros pelo povo da Rebordosa.

Impetuoso e brutal nas cheias súbitas de outros tempos, semeou muitos desesperos por entre esperanças geradas em torno de si. Quem não se lembra dele, engolindo as casas baixas da Rebordosa, dominando as várzeas marginais, transportando no seu dorso tudo quanto encontrava pela frente, subindo às laranjeiras e roubando-lhes os frutos dourados, ou transformando a baixa de Coimbra numa cidade lacustre?

Quantas memórias carrega consigo este rio, hoje domesticado e quase ignorado, das populações ribeirinhas, da cidade que lhe deve quase tudo e hoje praticamente lhe vira as costas !?

Mas o Mondego é um dom de Deus, um espetáculo da natureza. No concelho de Penacova tem talvez a sua página mais bela. Logo a jusante da confluência com o Alva surge a garganta de Entre Penedos, a Livraria do Mondego, muralha silúrica que do Buçaco se prolonga para a Atalhada e que o Mondego cortou – e o IP3 quase destruiu. Então alarga-se o vale, até aí mais angustiado. O rio está na sua plenitude iniciando a ação de depósito: são as férteis várzeas de Penacova, cujo vetusto morro do castelo e as águas sussurrantes contornam. Carvoeira, Ronqueira, Rebordosa, Caneiro, são pitorescos povoados que devem a sua existência e o nome à faina fluvial. Raiva, Ronqueira, têm a ver com a torrente caudalosa em épocas de invernia. Carvoeira, com a matéria-prima que daqui enchia as carvoarias de Coimbra, transportada nas barcas serranas. Rebordosa e Louredo são nomes ligados à flora das suas margens… Caneiro, a paliçada que os monges de Lorvão mandaram colocar no rio para apanha de peixe.

E o Mondego lá segue em meandros, a contornar as atalaias poderosas dos montes marginais, por entre vertentes de pinheiros, eucaliptos e oliveiras, entremeados de urzes, tojo, giestas e rosmaninho, hoje em vias de desaparecer das nossas encostas… Aqui e ali recebe idílicas ribeiras, talvez as musas inspiradoras das Ribeiras do Mondego, do poeta seiscentista Elói de Sá Sotto Maior – Abarqueira, Lorvão, Arcos, Vale Bom -, ou riachos que no inverno chuvoso se despenham em rugidoras torrentes…

Mas o Mondego foi, principalmente, desde tempos imemoriais, uma importante via de comunicação. Por ele circularam pessoas, mercadorias, obras de arte, coisas simples, novidades, ideias… Nas suas águas, passaram jangadas de madeiras para construção. Assim foi com os imensos troncos de castanho vindos da Mata da Margaraça em carros de bois até ao Porto da Raiva, daí seguindo a estrada fluvial até Coimbra para serem esculpidos nas monumentais colunas barrocas do retábulo-mor da Sé Nova. Assim foi também com os toros de castanho vindos da mesma Mata da Margaraça para construir o dormitório do Mosteiro de Lorvão e com muitos outros lenhos necessários à vida do grande complexo monástico. Poderia este mosteiro ter alcançado a grandeza que teve sem o Rio Mondego? Talvez. Mas lá que ajudou, não há dúvida. As grandes obras, como as grades do coro, os toros de pau-preto para o cadeiral, a pedra de Ançã para as capelas do claustro, vieram em barcas até ao porto da Granja do Rio, donde seguiram para o recôndito vale, e muitas outras teriam feito o mesmo percurso.

O assoreamento progressivo foi reduzindo as possibilidades de navegação, exigindo barcos de pequeno porte: as barcas serranas, para as cargas, e as bateiras ou barcos do lavrador, mais móveis e utilitários.

Se o Sado, o Tejo, o Lima, o Douro ou a Ria de Aveiro acolheram as embarcações que se tornaram uma imagem de marca, o Mondego não lhes ficou atrás com as barcas serranas que ainda há mais de meio século lhe sulcavam as águas, com as suas largas velas dilatadas pelo vento. Eram barcos compridos e estreitos, de fundo chato, como uma grande canoa primitiva, desenvolvida e aperfeiçoada. Quando não havia vento, ou este era contrário, a navegação fazia-se à vara e muitas vezes à sirga, mas a complementação destes processos era frequentemente comum.

Outrora o trânsito no Mondego era intenso. Todo o sal e grande parte do peixe consumido no interior das Beiras eram transportados desde as salinas de Lavos e da barra de Buarcos até ao Porto da Raiva ou à Foz do Dão, donde os almocreves os levavam. Na descida do rio as barcas serranas traziam vinhos, batatas, frutos, madeiras, carvão, carqueja e os mais diversos produtos, como a roupa das lavadeiras ou os palitos, que se destinavam a Coimbra ou à exportação pelo porto da Figueira.

Passageiros aproveitavam as barcas para se deslocarem, sobretudo para a beira-mar durante a época estival.

Até a Bairrada tirava enorme proveito do tráfego fluvial, fazendo exportar os seus produtos agrícolas, principalmente os afamados vinhos, pelo Porto do Rol, na Vala de Ançã. Por aqui saíram também, em bruto, toneladas de pedras de Ançã, que chegaram tão longe quanto Santiago de Compostela.

No Verão todo o rio se agitava de vitalidade. Aqui e além eram as noras a chiar, vazando os alcatruzes para a rega das ínsuas. Os caneiros ou paliçadas de estacaria, que desviavam a água para elas, interrompiam por vezes a navegação, pelo que os barqueiros, ao aproximar-se, vinham gritando de longe: Ó da roda!..., para que lhes abrissem a passagem. Por todo o lado, as lavadeiras tagarelavam e pintalgavam as areias, de roupa estendida a corar. Às vezes metiam-se com os barqueiros, chacoteando-os com a dificuldade da passagem na Pedra Aguda. Mais além um pescador solitário concentrava as suas energias na captura de peixe em que o rio era fértil, com destaque para a apreciada lampreia. Acolá era uma azenha temporária, montada durante a estiagem, quando a água era pouca nas ribeiras e levadas.

E havia o prazer de gozar o rio, com tudo o que ele tinha para dar. Assim surgiram as praias fluviais de Coimbra, pelos anos 20 a 40 do século passado, sofisticadas, com passadiços, toldos, chapéus e piscina. À noite, deixaram memória as serenatas no Mondego, em barcas serranas, feitas por tricanas e futricas, que os estudantes, esses de há muito cantavam pelas suas margens fados e baladas, ao desafio com rouxinóis. Este costume das serenatas mondeguinas estendeu-se também a Penacova, já que as ligações à cidade eram imensas e naturais.

Hoje, reduzido à sua função primitiva, invadido pela vegetação marginal, disciplinado para bem da agricultura, mas muitas vezes ignorado pelos que se deviam preocupar com o desenvolvimento das suas potencialidades, e agora na eminência de sofrer mais uma agressão que o desfigurará, o Mondego continua a ter os seus amigos e fiéis admiradores, que continuam presos dos seus encantos e outros que durante o Verão o continuam a desfrutar.

E enquanto os povos das suas margens cantarem canções tradicionais, ele continuará a ser lembrado e vivido, pois em quase todas ele está presente, como elemento fundamental de uma cultura.”

“Do Mondego: notas históricas e culturais” 
Prof. Doutor Nelson Correia Borges intervenção proferida 
no âmbito do Colóquio “Mondego Vivo” Penacova, 21-01-2012

25 fevereiro 2024

Exposição sobre António José de Almeida no Palácio de Belém até 31 de Março


A primeira visita de um Chefe de Estado português ao Brasil, após a  independência daquele país, foi concretizada por António José de Almeida no contexto das Comemoraçöes do 1º Centenário da Independência, que ocorreram a 7 de Setembro de 1922.

Apesar de muitas contrariedades, principalmente relacionadas com a viagem por via marítima, que fizeram atrasar a data prevista para a chegada,  António José de Almeida manteve o sentido de Estado e acabou por ser recebido apoteoticamente por milhares de pessoas, tendo as entidades oficiais e civis lhe prestado significativas homenagens.

Os discursos de António José de Almeida arrebataram plateias, atestando, perante os brasileiros, a fama de grande orador. A viagem, observam alguns historiadores, ficou marcada, mais pelos afectos do que por reais proveitos políticos, já que do ponto de vista oficial apenas três tratados de pouca relevância foram assinados.

Esta viagem ao Brasil do Presidente António José de Almeida mereceu especial atenção do Museu da Presidência da República que desde Agosto tem patente uma exposição não apenas sobre a viagem em si, mas também sobre a Vida e a Obra do Estadista.

Cerca de 200 peças da coleção do Museu, mas também de museus nacionais e de colecionadores privados – algumas delas recebidas e expostas no Rio de Janeiro, há 100 anos –, trazem ao presente aquela «viagem gloriosa», lembrando também o percurso pessoal de António José de Almeida, desde a terra que o viu nascer, Vale da Vinha, em Penacova, até ao monumento que o homenageia, em Lisboa.

A exposição encerra no dia 31 de Março. Ainda está a tempo de a visitar. Já o fizemos e recomendamos vivamente.


























10 fevereiro 2024

Governadores Civis (4): Júlio Ernesto de Lima Duque (1859-1927)

GOVERNADORES CIVIS NATURAIS DE PENACOVA  

OU AO CONCELHO LIGADOS POR CASAMENTO

Foi Governador Civil de Évora de 26 de Junho de 1904 a 2 de Maio de 1905, 
mas a sua carreira política foi muito para além do desempenho deste cargo.

Júlio Ernesto de Lima Duque nasceu a 11 de Agosto de 1859, na freguesia de Chancelaria, concelho de Torres Novas. Era filho de José Gomes Duque e Otília Simpatia de Lima Duque.

A sua vida repartiu-se pelo concelho de Penacova onde casou e teve destacada intervenção política, por Coimbra onde estudou e fez carreira de militar - médico e por Lisboa onde teve assento no Congresso da República e foi Ministro. 

Casou em Penacova com Maria da Pureza Correia Leitão, filha do Conselheiro Alípio Leitão, no ano de 1888. Enviuvou muito cedo e casou uma segunda vez, em Coimbra (1907) com Isaura Carolina de Lima Duque, sua prima.

Estudou Medicina na Universidade de Coimbra, vindo a concluir o curso em 1886 indo logo exercer funções como facultativo do partido médico de Farinha Podre durante um curto espaço de tempo.

Pouco depois ingressou no Exército, na arma de artilharia, onde foi cirurgião - militar: tenente, 1889; capitão, 1897; major, 1911; tenente-coronel, 1911 e coronel em 1917. Passou à reserva em 1925. No início da carreira, prestou serviço em Moçambique. Ocupou o cargo de Inspector de Saúde junto da 5.ª Divisão. Foi Director do Hospital Militar de Coimbra e Presidente da Junta de Saúde daquela cidade.

Foi Governador Civil de Évora de 26 de Junho de 1904 a 2 de Maio de 1905. Iniciara a vida política de âmbito nacional em 1898 como deputado do Partido Progressista pelo círculo de São Pedro do Sul. Foi ainda deputado pelos círculos de Penacova em 1899 e 1900; por Arganil em 1901; por Lamego em 1904 e por Viseu em 1905. Em 1910 ainda se candidatou por Arganil, mas a eleição não foi validada até ao 5 de Outubro.

Foi um poderoso influente eleitoral na região de Penacova e Poiares. Na fase final da Monarquia abandonou os progressistas e procurou o apoio de diversos partidos para acautelar a sua eleição e influência local. Após o 5 de Outubro manteve durante algum tempo os ideais monárquicos, tendo participado na revolução monárquica de 27 de Abril de 1913, em virtude da qual foi preso.

Posteriormente, aderiu à República e filiou-se no Partido Republicano Evolucionista. Foi dirigente concelhio em Penacova desta formação política fundada por António José de Almeida, sendo também presidente da Junta Distrital.

Mais tarde, alinhou na ala conservadora da República aderindo ao Partido Republicano Liberal (1919-1923) e depois ao Partido Republicano Nacionalista (1923).

Foi Presidente da Comissão Distrital de Coimbra do PRL e foi eleito membro substituto do Directório daquele partido em 1922.

Foi substituto do Directório e Presidente da Comissão Distrital de Coimbra do PRN em 1923. Em Dezembro esse ano fez parte do efémero «Directório Sombra» do PRN (grupo pró-Álvaro de Castro) e aderiu à facção dissidente liderada por aquele político, inscrevendo-se no Grupo Parlamentar de Acção Republicana.

Durante a República foi também Senador. Pela primeira vez em 1915-1917 por Leiria e em 1919-1921, representando Portalegre. Em 1921-1922, 1922-1925 e 1925-1926 voltou a ser Senador, desta vez por Viseu. Em 2 de Dezembro de 1922 foi eleito 2.º vice-presidente do Senado.

Foi ministro do Trabalho em quatro ocasiões: 19 de Julho a 20 de Novembro de 1920; 24 de Maio a 30 de Agosto de 1921; 30 de Agosto a 19 de Outubro de 1921 e 18 de Dezembro de 1923 a 6 de Julho de 1924.

Em 1901 foi um dos fundadores do Jornal de Penacova onde se destacou como articulista polémico. Teve uma vasta colaboração na imprensa, escrevendo em diversos jornais e revistas: Coimbra Médica, Revista Académica de Coimbra, Imparcial de Coimbra, Elvense, O Dia, Correio da Noite, Novidades, Jornal da Noite, Medicina Militar e A Província (jornal do Partido Evolucionista) do qual foi director.

As celeumas com o periódico A Folha de Penacova, jornal regenerador, atingiram por vezes foros de grande agressividade. A Folha chamou-lhe solípede, duque de copas, amigo de Peniche. Por essa época Lima Duque encetou intensa campanha pela destituição de Alfredo de Pratt, administrador concelhio, o que veio a suceder. De novo a A Folha contra-ataca e desmonta as ''jogadas'' da política local, de feição progressista.

S. Pedro de Alva, onde iniciou a sua carreira de médico, teve para com ele uma consideração especial. Em 1916, no jornal “Ecos de S. Pedro de Alva” é referido como ''ilustre amigo de S. Pedro de Alva'' e apontado como um dos grandes promotores, enquanto deputado, dum melhoramento há muito reivindicado: o Chafariz daquela localidade.

O seu pai, José Gomes Duque, foi dono da “Farmácia Duque” em Penacova e neste concelho ocupou o cargo de Administrador (1888) e Vice-Presidente da Câmara (1896).

Na Mata, na casa onde nasceu, encontra-se a seguinte lápide com os dizeres:

 "NESTA CASA NASCEU EM 11 DE AGOSTO DE 1859 O DR. LIMA DUQUE CORONEL MÉDICO JORNALISTA ORADOR PARLAMENTAR E MINISTRO HOMENAGEM DOS SEUS CONTERRÂNEOS NO CENTENÁRIO DO SEU NASCIMENTO 11 DE AGOSTO DE 1959"

Júlio Ernesto de Lima Duque faleceu na sua casa da Cumeada (zona da Av. Dias da Silva, em Coimbra) a 12 de Março de 1927.

07 janeiro 2024

Luís Pais Amante apresenta em Penacova "A Liberdade Actual em Poesias e Opiniões"


No próximo dia 20, a partir das 15 horas, o Centro Cultural de Penacova vai ser mais uma vez palco de um importante evento cultural e social: a apresentação da obra A Liberdade Actual [em Poesias e Opiniões], de Luís Pais Amante.

Este facto já seria suficientemente relevante para justificar a abertura das portas da Casa da Cultura do Município neste início de ano. Porém, o programa transcende o lançamento do livro. O evento apresenta-se como convite especial para uma tarde de Encontro e de Celebração, homenageando a produção literária de Luís Pais Amante no último decénio e, igualmente,  todo um trajecto de vida plena que já soma algumas décadas.

Diversos poemas que fazem parte da obra literária vão ser declamados e interpretados musicalmente. Em “palco” estarão os Grupos Corais de Penacova, Divo Canto e Vox et Communio, que se associarão a este momento muito especial para o autor, família e amigos: a celebração do 70º aniversário natalício. 

O programa, abrangente que é, vai ser coordenado pela Professora Ana Paula Campos. Vão intervir  Álvaro Coimbra, Presidente do Município de Penacova, David Almeida, autor do prefácio, Humberto Matias, músico e pintor, que dirá alguns poemas, Ana Marques Lito, que fará a apresentação deste livro de poesias e crónicas, e,  obviamente, o Autor.

A fechar a tarde de Convívio, depois de os grupos corais interpretarem As Heróicas de Fernando Lopes Graça, serão cantados os Parabéns, mimados por uma fatia de bolo de aniversário e brindados com uma taça de champanhe.

Sobre a obra agora apresentada é o próprio autor que, na "Nota ao Leitor", nos revela que a mesma “nasceu no período imediatamente subsequente aos picos maiores do louco (Covid 19)” e na sequência do livro Inquietude, o seu “Livro da Pandemia”.

“Se naquele se retratava a minha atitude pessoal perante o fenómeno que, naturalmente, teve influência na minha vida e nas vidas dos que me são mais próximos, neste retrata-se o que hoje assumo como a minha Liberdade [essa palavra sem preço]…” - sublinha o autor, acrescentando que este seu livro condensa as “expressões das vivências evolutivas” que “foram – religiosamente todas – publicadas pelo Jornal da [sua] terra Penacova Actual.”

“Obrigado Pedro Viseu! Obrigado Amigos do WhatsApp! Obrigado a quem leu, a quem comentou, a quem incentivou e a quem partilhou!” - faz questão de afirmar publicamente, acrescentando um apelo: “Homenageemos todos juntos esse fenómeno – que temos a sorte de ter na nossa terra –- da Imprensa Regional, em que exercer a Liberdade é possível, sempre com todo o respeito por opiniões contrárias e sempre admitindo que a nossa acaba onde começa a do outro.” Dirá mais adiante: “Sim, este Livro é a minha homenagem pessoal ao Penacova Actual; humilde, mas genuína."

“Os principais destinatários do conjunto destes textos (em poesias e opiniões) elaborados na lógica da Liberdade que tenta ser verdadeira, desprendida, simples, humilde…mas firme!” são, conforme nos revela, “os mais velhos, os mais doentes, os mais pobres, os desempregados, os sem abrigo, que é como quem diz os que vão deixando de acreditar em tudo e em todos.”

A obra, em si, tem dois capítulos: as Poesias e as Opiniões: “Ao contrário do que sempre aconteceu nas minhas obras anteriores, a escolha da distribuição dos escritos em si mesmos e destes pelos capítulos não teve possibilidade de existir, justamente porque estão aqui publicados todos os textos inseridos no Penacova Actual, post pandemia, até Maio de 2023, uma vez que sou Colaborador do Jornal e tenho muito orgulho nisso.” - explicita igualmente Luís Amante no seu texto introdutório.

Este livro, uma edição da Calçada das Letras, chancela da Letras em Marcha, tem como conteúdo:

I - POESIA
1. A Liberdade Actual; 2. Hoje fui ver o “Futsal”; 3. O Abril em tempo; 4. Guerra (em directo) e indignação; 5. Como “gostar” da nossa terra?; 6. As nossas Jéssicas; 7. Juventude: ainda as “Descobertas”; 8. Um “trio” no Galinheiro; 9. Liberdade; 10. Rosa de Porcelana; 11. Deixem de lhes lixar a Pensão!; 12. iPhone, o nosso melhor amigo; 13. Terra batida no Outono; 14. Homenagem aos Militares de Abril; 15. O Natal que sinto; 16. Lágrimas por Kherson; 17. Dia soalheiro; 18. O clarear da manhã; 19. O Céu da minha Terra; 20. O “galo” já não canta; 21. Um homem e a curva; 22. As cavadas 23. Pedrógão: o que se fez; 24. A incerteza; 25. Se calhar, adiantei-me; 26. O Dia do Pai; 27. Que orgulho ser do Roxo; 28. O silêncio;  29. A Confraria da Bifana; 30. Mães de Seda; 31. Lua de Vida; 32. Campeões; 33. As Afegãs; 34. Ser Criança no dia da Mulher; 35. O Fundo da Vila; 36. As Andorinhas; 37. O carrinho Bogdan; 38. David, o Professor Avô.

II - OPINIÕES
1. Democracia = Alternância; 2. Ai a “saúde”;! 3. SNS: como fazer omeletes sem ovos?; 4. O SNS e a ministra em fim de linha; 5. E Agora, António?; 6. Incêndios: esse flagelo!; 7. Santos Silva e o Chega e … vice versa; 8. Adeus Chalana!; 9. O “tinteiro” e o “mata borrão”; 10. Pronto! …é proibido parir; 11. Os Funcionários da Justiça e a Greve; 12. Os heróis de Putin serão mesmo os veteranos?; 13. Ai Timor!; 14. Valha-Lhe Deus, Senhor Professor; 15. Falemos, então, de sujidade…; 16. Conteúdos directos de um País torto; 17. Os aviões da TAP já não irão passear de BMW; 18. O Futebol, a hipocrisia e a Entourage; 19. Não só… mas Penacova está a ficar sem gente!; 20. Ajustados, ou alinhados? ; 21. Queremos respeito pelos Professores; 22. Não manchem as Jornadas Mundiais da Juventude; 23. Parabenizo a GNR; 24. Ai ACT, ACT!; 25. A Justiça tem de funcionar? ;26. O “Tinteiro” zangou-se!; 27. Senhor Rui, auto-estradas p'ra quê?; 28. Os Trabalhadores da Imprensa e da Comunicação; 29. A “Eutanásia” incompetente; 30. Como assim Lula?; 31. A “profissão” que Abril não queria; 32. O País em suspenso!

Dando uma espreitadela às “badanas” do livro, lemos, em relação às diversas obras anteriormente publicadas:

Estes poemas... representam a alma de quem sabe amar e esperar, que protege e que cuida com paixão.
Ana Marques Lito, in Poemas a recordar, 2012

O selo da responsabilidade social parece tê-lo cunhado desde sempre nas paisagens do Mondego que quer preservar... adivinham-se nestes poemas as paisagens, os aromas, as tradições e as épocas de um Portugal interior...refiro-me a Penacova, terra onde nasceu... É preciso conhecê-la e respirá-la através da mão do poeta.
Maria José Vera,  in prefácio do Livro Conexões

Palavra a palavra em comunicação secreta escreveu um amante o que lhe ia na alma: não há cultura sem afectos.
Joana Bonifácio, in Blog - O estranho mundo dos livros

Impossível de escrever aqui fielmente a revelação efectuada sobre todas as qualidades e virtudes... designadamente como excelente pessoa, experimentado e ilustre profissional, poeta talentoso.
Leonor, in Blog - Tudo e mais alguma coisa

É devido a este magnetismo natural, a esta incondicional paixão, que o autor deste livro (re)ergueu a sua casa...aquela que possui uma não menos nostálgica gárgula de feição medieval, virada para a Rua da Costa do Sol, lugar onde brincou, namorou e dançou no fecundo período da sua adolescência. Luís Pais Amante é o poeta da Casa Azul…
José Fernando Tavares, in prefácio de Penacova Intemporal

MAIS sobre o Autor: 


21 dezembro 2023

Governadores civis (3): Artur Ubaldo Correia de Sousa Leitão (1867-1906)


GOVERNADORES CIVIS NATURAIS DE PENACOVA 
OU AO CONCELHO LIGADOS POR CASAMENTO

Natural de Penacova. Bacharel em Direito. Foi Governador Civil de Leiria entre 1 de Janeiro de 1904 e 22 de Março de 1906.

Arthur Ubaldo Correia de Sousa Leitão nasceu no dia 8 de Fevereiro de 1867 em Penacova. Filho do Conselheiro Alípio de Oliveira de Sousa Leitão, advogado, e de Maria Puresa Correia de Almeida. Neto paterno de David Ubaldo da Silva Leitão e de Maria do Espírito Santo Sousa Almeida e materno de Joaquim Correia de Almeida e de Maria Rosa Mendes.

Estudou Direito em Coimbra, cuja Universidade frequentou a partir de 1887. Ainda estudante universitário ocupou o cargo de vice-presidente da Câmara, num dos mandatos de José António de Almeida. Ele próprio nos conta essa entrada na vida política num depoimento publicado no Jornal de Penacova aquando do falecimento, em 1901, daquele antigo Presidente, pai de António José de Almeida: “Posso bem dizer que entrei na vida pública pela sua mão. Ainda novo, quando estudante do 2º ano jurídico, fiz parte de uma Câmara da sua presidência. Senti então as responsabilidades d’um rapaz de vinte e um anos, que conhecia os códigos pela lombada” – recorda – “ Ao sentar-me pela primeira vez na minha cadeira de camarista, senti como que desabrochar a consciência que me impelia para o caminho do dever cívico e fazia então protestos de trabalhar, de ser útil à minha terra, de velar pelos seus interesses, por tudo enfim que pudesse concorrer para o enriquecimento de Penacova.”

Casou em 27 de Janeiro de 1892, na Capela de Vale de Açores, Mortágua, com Maria Piedade Gouveia Sousa (cuja irmã, Delfina Amália, havia casado no ano anterior com Joaquim António Tenreiro), filha de José de Gouveia d’Almeida e Sousa, bacharel.

Há notícia de que em 1901, na altura em que era Secretário da Penitenciária de Coimbra, foi eleito pela Câmara de Penacova para fazer parte do Conselho Distrital de Agricultura.

Também foi director do Jornal de Penacova, o primeiro periódico a ser publicado no nosso concelho tendo vindo a lume no dia 1 de Setembro de 1901.

Foi, no entanto, como Governador Civil de Leiria que mais se distinguiu. Ocupou o cargo entre 1 de Novembro de 1904 e 22 de Março de 1906. O deputado Oliveira Matos, na sessão da Câmara dos Deputados de 17 de Fevereiro de 1906, teceu-lhe rasgados elogios, enquanto homem, nobre e honrado e enquanto político, activo, leal e prestigiado. Esta intervenção de Oliveira Matos ocorrera no contexto do voto de pesar pelo falecimento recente de Alípio Leitão, antigo Deputado naquela Câmara.

Vítima de acidente de automóvel em Santa Comba Dão, o Conselheiro Artur Leitão, que residia em Vale de Remígio, faleceu no dia 18 de Maio de 1906, com apenas 39 anos de idade. Passado um ano da sua morte, foi homenageado pela Câmara Municipal, tendo sido colocado no Salão Nobre um retrato seu pintado pelo famoso pintor Eugénio Moreira, que na época vivia em Penacova. Que será feito desse quadro?

Ainda em 1908, aquando da homenagem a Oliveira Matos e do arranque das obras da Ponte do Alva, o Jornal de Penacova, num artigo assinado por Guedes Pessoa, recorda que Artur Leitão, ultrapassando mesmo questões familiares, intercedera junto de Luciano de Castro, primeiro-ministro e chefe do Partido Progressista, e conseguira também ter em Oliveira Matos um aliado, facto que muito contribuiu para que fosse possível concretizar grandes melhoramentos no concelho.

17 outubro 2023

António José de Almeida e a «viagem gloriosa» ao Brasil



Fonte do texto e imagens: Museu da Presidência

A viagem ao Brasil do Presidente António José de Almeida, em 1922, para participar nas comemorações dos 100 anos da sua independência, é motivo da exposição organizada pelo Museu da Presidência da República.

Cerca de 200 peças da coleção do Museu, mas também de museus nacionais e de colecionadores privados – algumas delas recebidas e expostas no Rio de Janeiro, há 100 anos –, trazem ao presente aquela «viagem gloriosa», lembrando também o percurso pessoal de António José de Almeida, desde a terra que o viu nascer, Vale da Vinha, em Penacova, até ao monumento que o homenageia, em Lisboa.
A exposição aberta ao público no Jardim da Cascata do Palácio de Belém recorda o momento alto do mandato presidencial que nem os imprevistos logísticos ofuscaram. Pela primeira vez desde que a corte portuguesa se mudara para o Brasil (1808 – 1821), um Chefe do Estado português visitava aquele país. Era o abraço fraterno ao país-irmão na comemoração do primeiro centenário da sua independência.
Veja a apresentação da exposição «António José de Almeida e a “viagem gloriosa” ao Brasil» e embarque connosco. De terça-feira a domingo; 10h00-13h00 (última entrada às 12h30) e 14h00-17h30 (última entrada às 17h00).

05 outubro 2023

Outubro de 1910: em toda a vila foi suspenso o trabalho, "pois que todos queriam pormenores do faustoso acontecimento"


O modo como Penacova recebeu a notícia da Revolução Republicana do 5 de Outubro de 1910 e reagiu nos dias subsequentes à mudança de regime e às profundas alterações que se verificaram na vida social e política ficou registado sobretudo nas páginas do Jornal de Penacova.

Durante muitos anos apenas as notícias publicadas neste periódico (edição de 8 de Outubro de 1910) eram do conhecimento de alguns penacovenses. No entanto, a imprensa local de feição republicana foi, nomeadamente durante as duas décadas que se seguiram, fazendo eco das inevitáveis repercussões nos órgãos autárquicos e na vida política em geral.

Outros periódicos locais (por exemplo Ecos de S. Pedro de Alva e A Voz de S. Pedro de Alva) nos fornecem um vasto conjunto de informações que nos permitem compreender melhor as dinâmicas duma época que tem como marca fundamental a mudança de regime político. Dados que podemos complementar com a análise das actas das sessões dos órgãos municipais e de outros documentos dispersos de carácter jurídico-administrativo.

Em Penacova, não foi propriamente no dia 5 de Outubro, ou melhor, do dia 6, quando a esta vila chegou a notícia, que o republicanismo se começou a afirmar. Também aqui, o ideário republicano vinha germinando há alguns anos. Ainda na vigência da Monarquia, em 1908, constitui-se a primeira Comissão Municipal Republicana e no dia 1 de Agosto de 1909 teve lugar um grandioso comício de em S. Pedro de Alva com milhares de participantes. Com a implantação da República as adesões ao Partido Republicano cresceram significativamente, fruto da militância dos núcleos de Penacova e de S. Pedro de Alva a que não era alheia a influência, por vezes discreta, de António José de Almeida que tinha no concelho um grupo de amigos e simpatizantes e uma tribuna privilegiada de propaganda e de mobilização: o Jornal de Penacova.

Logo após a implantação da República e durante os meses seguintes os militantes republicanos do concelho organizaram palestras em muitas aldeias, promoveram a constituição de comissões republicanas a nível de freguesia e dinamizaram e consolidaram os Centros Republicanos de Penacova e S. Pedro de Alva que já vinham do tempo da monarquia.

Vejamos alguns pormenores da notícia publicada por este jornal, dirigido por Amândio dos Santos Cabral:

''Viva a República Portuguesa! Está proclamada a República em Portugal - Novo Governo - o País adere com entusiasmo à República''
– foi com este título, a toda a largura da primeira página que o Jornal de Penacova de 8 de Outubro noticiou a revolução republicana.

Depois de relatar os acontecimentos em Lisboa, o jornal faz referência ao modo como a vila vivenciou este momento histórico:

“A notícia da Implantação da República em Portugal foi trazida a esta vila pelo nosso correligionário Joaquim Serra Cardoso, na quinta-feira, pelas 8 e meia horas da manhã. O nosso amigo tinha ido na véspera para Coimbra, e assim teve a honra de trazer em primeira mão a grata notícia. Logo ao chegar ao Ramal de Santo António, o nosso amigo soltou um estridente Viva a República que foi ouvido na vila o que fez com que o nosso director corresse ao seu encontro, dirigindo-se logo ao Largo Alberto Leitão, onde imediatamente se juntavam muitos cidadãos aclamando a República.”

E prossegue o relato:

“Pouco depois, uma comissão Republicana composta dos nossos correligionários dr. Rodolfo Pedro da Silva, dr. António Moncada, José Pedro Henriques, José Alves de Oliveira Coimbra e o nosso director percorreu a vila convidando os cidadãos para assistirem à proclamação da República nos Paços do Concelho, ao meio dia. “

A notícia fora anunciada por uma salva de 31 morteiros e grande número de foguetes. Imediatamente, ''foi suspenso o trabalho em toda a vila, pois que todos queriam pormenores do faustoso acontecimento.''

Conta-se, de seguida, o episódio da subida ao telhado da Câmara:

“Como as repartições da Câmara Municipal estivessem fechadas, o nosso director [Amândio dos Santos Cabral] subiu por uma escada ao telhado do edifício dos Paços do Concelho e ali, no meio de aclamações entusiásticas do povo, que se achava no largo, hasteou a bandeira vermelha e verde, augusto símbolo da pátria redimida, a qual foi saudada com entusiásticos vivas e por nova salva de 31 morteiros e inúmeros foguetes. Não pôde nesta ocasião lavrar-se auto de Aclamação, porque como atrás dizemos as repartições da Câmara estavam fechadas, não podendo assim, sem violência, haver-se o livro das actas das sessões. Ao meio dia da tarde apareceu nesta vila o nosso correligionário sr. Leonel Serra, a cavalo, e empunhando uma bandeira branca onde se lia – PAZ – acompanhado de muitos populares, que saudavam a República.”

Como sabemos, o auto não pôde ser lavrado no dia seis. Só no dia seguinte tal foi possível:

“Ontem, cerca das duas horas da tarde, na sala das sessões da Câmara, no meio do maior entusiasmo, foi lavrado o auto que noutro lugar publicamos, da aclamação da República, sendo logo assinado por todos os cidadãos presentes, levantando-se muitos vivas à República, à Pátria portuguesa, etc.”

De acordo com os relatos do jornal, apareceu pouco depois, no largo Alberto Leitão um ''numeroso grupo de correligionários da freguesia de S. Pedro de Alva que foi recebido no meio do maior entusiasmo, indo logo todos assinar o auto.

Em seguida, ''todos os cidadãos que estavam no Largo Alberto Leitão se dirigiram para a nossa redacção – conclui o Jornal de Penacova – fazendo-nos uma calorosa e penhorante manifestação, sendo-lhes aqui oferecida uma taça de champanhe, trocando-se numerosos brindes, sempre no meio do maior entusiasmo.''

O Jornal de Penacova esteve, assim, totalmente empenhado na dinâmica que naqueles dias se viveu. Em jeito de balanço e de apelo, escreve este semanário: ''Como os nossos leitores poderão verificar lendo os nomes que firmaram o auto de aclamação da República foram numerosas as adesões ao novo regime, e esperamos que aqueles que ainda não aderiram o façam brevemente, com o que rejubilaremos.''

Este jornal transcreve na íntegra o texto exarado no livro de Actas das Sessões da Câmara:

“Auto de aclamação da República Portuguesa no concelho de Penacova

Aos seis dias do mês de Outubro do ano de 1910 pelas 12 horas do dia, nesta vila de Penacova e no Largo Alberto Leitão, fronteiro aos Paços do Concelho, foi entusiasticamente aclamada a República Portuguesa, proclamada em Lisboa no dia cinco do corrente, e hasteada a bandeira republicana no edifício acima referido. E não podendo este auto ser lavrado logo após a aclamação, em virtude de estarem ausentes as autoridades administrativas deste concelho e fechadas as portas da câmara municipal sendo impossível, por isso, sem violência haver-se o competente livro das actas das sessões da mesma câmara, se lavra hoje, 7 do corrente, o presente Auto de Aclamação da República Portuguesa, que vai ser assinado pela Comissão Republicana Local, pelas pessoas que tomaram parte naquela manifestação e ainda pelas demais presentes a este acto que espontaneamente o queiram fazer. Depois de lido por mim, Alípio de Sousa Correia Leitão, secretário da Câmara que o escrevi.”

O documento é assinado por cerca de sessenta pessoas. A ordem aqui apresentada não corresponde à que se observa no original.

Por ordem alfabética teríamos: Abílio Augusto Fernandes, Alberto Cabral de Nascimento Palma, Alípio Serra Cardoso, Amândio dos Santos Cabral, Américo Pinto Guedes, Aníbal Duarte de Vasconcelos, António Carlos Pereira Montenegro, António Casimiro Guedes Pessoa, António Correia da Silva, António Gomes Freire de Almeida e Silva, António Henriques Fonseca Júnior, António Joaquim Dias, António Lopes da Costa Carvalho, António Seiça Ferrer de Saldanha Moncada, Armando Alberto Pimentel, Athalyba Duarte Sousa, Augusto Ribeiro de Almeida, Carlos Mendes, Constantino António Carvalho, Daniel da Silva, Eduardo Pedro da Silva, Eduardo Silva, Fernando Miguel, Francisco Augusto Guedes, Francisco de Almeida Ventura, Francisco da Costa Gonçalves, Francisco Sousa Júnior, Heitor Ribeiro de Almeida, Henrique de Assumpção, Henrique Freire Garcez, Henrique Silva, João Augusto Simões Barreto, João Casimiro Guedes Pessoa, Joaquim Augusto de Carvalho, Joaquim Cabral Júnior, Joaquim Madeira Marques, Joaquim Pereira Castanheira, Joaquim Pita d’Eça Aguiar, Joaquim Serra Cardoso, José Alves de Oliveira Coimbra, José António de Almeida Júnior4, José Augusto Monteiro Júnior, José Augusto Ribeiro, José de Almeida Coimbra, José de Matos Vieira, José dos Santos Silva, José Maria Marques, José Maria Pereira Pimentel, José Pedro Henriques, José Ventura de Almeida, Leonel Lopes Serra, Luís Pereira de Paiva Pita, Manuel Maria Ralha, Manuel Correia da Silva, Manuel Maria Ferreira, Manuel Silva, Rodolfo Pedro da Silva, Roldolfo Silva, Silvério de Amaral Guedes e Urbano Ferreira da Natividade.

No dia 10 de Outubro a Câmara (presidida por Joaquim António da Silva Tenreiro) apresentou a demissão e declarou formalmente a adesão à República. Dois dias depois, tomou posse uma primeira Comissão Administrativa, encabeçada por Amândio dos Santos Cabral. O seu mandato teve curta duração porque, por imperativo legal, foi nomeada uma nova Comissão que tomou posse no dia 24 de Outubro, tendo como presidente António de Seiça Ferrer de Saldanha Moncada.

Recorde-se que até 1913 a governação municipal foi sendo legitimada por nomeação do Governo Civil. Só naquele ano se realizaram eleições para as Câmaras Municipais. Passou a existir um Senado Municipal e uma Comissão Executiva, mantendo-se a figura do Administrador Concelhio.

Fonte  / clique neste link  BNP 


20 agosto 2023

Emigração para o Brasil: a ida de penacovenses para Barretos (S. Paulo)


Recordar-se-ão os nossos leitores das interessantes “Crónicas Brasileiras”, assinadas por Paulo Santos e aqui publicadas em tempos. Recebemos agora mais um interessante trabalho seu sobre a emigração para o Brasil, onde nos relata a odisseia de algumas famílias penacovenses.  

Obrigado Paulo por esta partilha!

A IDA/VINDA DOS PENACOVENSES PARA BARRETOS (SP-Br)



O tempo passa e não perdoa, e quando nos damos conta, lá se foi quase uma década. Pois foi em 13/12/2013 que David de Almeida publicou em seu blog um texto meu sobre a migração de penaconvenses para o Brasil. https://penacovaonline2.blogspot.com/2013/

Faz parte da História, muitos europeus imigraram para o Brasil, durante aqueles dias difíceis porque passou a Europa. Alguns moradores da freguesia de Penacova seguiram o mesmo caminho.

Como os ascendentes da minha esposa (bisavós, avós maternos, paternos, pai e mãe) eram oriundos da freguesia de Penacova, isso me levou a “entrar de cabeça” na empreitada de saber um pouco mais sobre a aventura da travessia do Atlântico, encontrar os navios, descobrir as datas e onde desembarcaram os Batistas, D´Assumpção, Castanheiras e Feitor. Foi uma longa peregrinação pelos arquivos de registros de desembarque de passageiros, em documentos oferecidos pelo Governo Federal e pelo Governo do Estado de São Paulo. Os dados sobre os antepassados encontrei nos arquivos do museu do Tombo, disponibilizados pela Universidade de Coimbra.

Em uma dessas levas de imigrantes, em 22/04/1924, após cruzarem o Atlântico, a bordo do vapor GELRIA, desembarcaram no porto de Santos (São Paulo-Brasil) Maria Piedade, mãe e filho. Eles integravam o grupo de 721 imigrantes, na 3ª classe, de várias nacionalidades: 355 romenos, 136 tchecos eslovacos, 133 portugueses, 45 austríacos, 22 polacos, 17 alemães, 8 espanhóis, 3 turcos, 1 holandês e 1 húngaro. O pai, Eduardo Batista, tinha vindo alguns anos antes para preparar.

Pesquisas dos registros de batismo, nascimento e de casamento

As pesquisas foram feitas no site https://tombo.pt/ nos registros digitalizados efetuados pela Universidade de Coimbra. Iniciando pelo site do Tombo, busca-se a Região, pretendida, nela o Concelho, depois a Freguesia, por fim o período do ano que interessa, entre os disponíveis. Por exemplo, na Freguesia de Figueira de Lorvão há registros de “baptismo” no período de 1766-1911. E de casamento e de óbitos entre 1849-911. Nem sempre as caligrafias dos registros ajudam, ainda que muitas sejam maravilhosas. Postar fotos desses registros pode decepcionar, daí entender ser preferível disponibilizar os links, e apresentar pelo menos a imagem de um deles, para matar a curiosidade mais imediata.


 

Batistas & D´Assumpção

Eduardo Batista (25/03/1897 - 12/03/1945), nasceu em Carvalhal, batizado aos 17/04/1897, na igreja paroquial de Penacova, registro sob nº 25, páginas 10ª e 11ª, filho de Felicidade da Silva, neto materno de Francisco Lopes Loiro e Maria Benedicta. Faleceu em Barretos (SP-Br).
https://pesquisa.auc.uc.pt/viewer?id=42745&FileID=673870

Maria Piedade (16/03/1898 - 31/12/1963), nasceu Gondelim, batizada aos 9/04/1898, registro nº 26, página 23, na igreja paroquial de Penacova, filha de Maria Rosa d´Assumpção, neta materna de Maria Assumpção Peralta. Faleceu em Barretos (SP-Br).


https://pesquisa.auc.uc.pt/viewer?id=275704&FileID=1021086

Eduardo Batista e Maria Piedade d’Assunção se casaram no dia 5/04/1920, conforme registro n°12, do Registro Civil do Concelho de Penacova, página 17ª e 18ª.
https://pesquisa.auc.uc.pt/viewer?id=275887



Em Portugal, aos 25/09/1920 tiveram Eduardo Batista Filho.

Castanheira & Feitor


Manuel Rodrigues Castanheira (23/04/1906 - 7/05/1982), nasceu na Figueira, o assento de batismo nº 26, dia 2/05/1906, Igreja São João Baptista, da Figueira do Lorvão, Penacova, diocese de Coimbra, filho de António Rodrigues Castanheira e Maria do Rosário, neto paterno de Manuel Rodrigues Castanheira e Deolinda da Silva, maternos: José Simão e Maria do Rosário.

Maria Rodrigues Feitor (5/12/1907 - 12/09/1989), batismo em 25/12/1907, nº 52, Igreja São João Baptista, nasceu na Povoa, pais: Joaquim Rodrigues Feitor e Maria Pereira da Costa, neta paterna de António Rodrigues Feitor e Maria de Nossa Senhora, materna: João Rodrigues Valente e Rosaria de Nossa Senhora. Faleceu em Barretos (SP-Br).

Para ver o registro batismo/nascimento de Manuel basta clicar no link abaixo, deverá abrir na página 53, é o registro nº 26.

https://pesquisa.auc.uc.pt/viewer?id=275512&FileID=1137038

O de Maria, mesmo livro, página 90, registro nº 52, link:

https://pesquisa.auc.uc.pt/viewer?id=275512&FileID=113707


Manuel Castanheira e Maria Rodrigues Feitor casaram no dia 25/09/1926, no Registro Civil da Figueira, concelho de Penacova.


Em Portugal tiveram os filhos: Lucília (02/07/1927) e Horácio (04/03/1929)

No Brasil, Manuel Castanheira e Maria Rodrigues tiveram uma penca de filhos: Maria Terezinha, Armando, Zulmira e Izabel. Todos constituiram famílias, tiveram filhos, deram aos pais netos e alguns bisnetos

Relação de passageiros desembarcados no Rio de Janeiro e em Santos

Para encontrar as listas de passageiros utilizei fontes: para desembarque no porto Rio de Janeiro e outra no porto de Santos, respectivamente:

https://sian.an.gov.br/sianex/consulta/resultado_pesquisa_new.asp
http://www.arquivoestado.sp.gov.br/web/acervo/solicitacao_certidoes/lista_passageiros_pesquisa

Para pesquisar no site do Governo Federal é necessário criar conta e senha. Enquanto que nos arquivos do Governo do Estado de São Paulo é livre. Para pesquisar a lista de passageiros, basta usar um dos links, conforme o posto de desembarque, colocar o nome do navio e o ano, pelo menos uma dessas informações. Evidentemente, inserindo ambas ficará mais fácil a pesquisa. Se colocar o nome do navio e a data correta da chegada, ficará ainda mais fácil.


IDA/VINDA dos BATISTAS & Assumpção para o Brasil



Eduardo Batista veio para o Brasil no vapor, Zeelandia, de uma companhia holandesa. Desembarcou no dia 15/05/1922, no Rio de Janeiro. Veio sozinho, para preparar as condições para trazer a família, o destino, Barretos, uma cidade bem ao norte do estado de São Paulo, quase na divisa com o estado de Minas Gerais. Ele é p 349º na relação de passageiros.

http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_rjanrio_ol/0/rpv/prj/17898/br_rjanrio_ol_0_rpv_prj_17898_d0001de0001.pdf

Maria Piedade e Eduardo B Filho (3 anos) desembarcaram em Santos no dia 22/04/1924. Vieram no Vapor Gelria, da mesma companhia que o Zeelandia, passageiros 621º e 622º, foram para Barretos. http://www.arquivoestado.sp.gov.br/uploads/acervo/textual/mi_listavapores/BR_APESP_MI_LP_014226.pdf

No Brasil, Eduardo e Piedade tiveram outros filhos: Zulmira, Osmildo, José Batista, Arthur, Américo, Armando e Neide. Exceto Américo, os demais constituiram famílias, tiveram filhos e netos e bisentos.


IDA/VINDA dos Castanheiras & Feitor para o Brasil



Manuel R. Castanheira desembarcou, no porto de Santos, no dia 19/11/1928, veio pelo Vapor Sierra Morena, Companhia Alemã. De Santos, por viaférrea, passando por São Paulo, seguiu, para Barretos, cidade localizada norte do estado de São Paulo, distante uns 500 km (estado seria um distrito em Portugal). Veio também sozinho.

Em 6/03/1934, Maria Castanheira Feitor chegou a Santos, com Lucília (7 anos) e Horácio (5 anos), pelo Vapor Highland Brigade, do Correio Real Inglês. Foram para Barretos encontrar ao encontro de Manuel.

No Brasil, Manuel Castanheira e Maria tiveram mais filhos: Maria Terezinha, Armando, Zulmira e Izabel. Todos constituiram famílias, tiveram filhos, deram aos pais netos e alguns bisnetos

O casamento: Batista & Castanheira


Eduardo Batista Filho (25/09/1920 – 25/10/1984) que nascera em Gondelim (Penacova), que chegou ao Brasil em 22/04/1924, e foi para Barretos. Lucília Castanheira (2/07/1927 - 17/05/2020), que chegou ao Brasil em 6/03/1934 e que o destino a levou também para Barretos. Com tantas coincidências, não deve ter havido muita dificuldade para se conhecerem, tanto que se casaram aos 4/04/1944, em Barretos.

Tiveram: Marísia (1946), Marilda (1947), Marineide (1949, minha esposa) e José Eduardo (1954). Os filhos constituiram famílias, deram a eles lindos e maravilhos netos, dois dos quais levam meu sangue porque eu me casei com a filha caçula.

Assim vieram os antepassados do Concelho de Penacova, são esses os laços que nos unem a Figueira do Lorvão, Povoa, Gondelim e Carvalhal, lugares que ainda não conhecemos, mas que esperamos e desejamos conhecer.


LISTA DE PASSAGEIROS

Nem sempre as imagens baixadas das listas de passageiros ficam adequadas para publicação. É melhor serem vistas direto pelo link. Publicarei apenas uma para mostrar, as demais poderão ser vistas através dos links dos arquivos em PDF, ou até direto nos arquivos governamentais.

Eduardo Batista – desembarque no Rio de Janeiro - 15/09/1922 - Vapor Zeelandia, é o 349º da lista

http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_rjanrio_ol/0/rpv/prj/17898/br_rjanrio_ol_0_rpv_prj_17898_d0001de0001.pdf

Maria Piedade e Eduardo – desembarque em Santos - 22/04/1924 - Vapor Gelria, passageiros 621º e 622º.

Passageiros: 621º e 622º. http://www.arquivoestado.sp.gov.br/uploads/acervo/textual/mi_listavapores/BR_APESP_MI_LP_014226.pdf

Manuel Castanheira – desembarque em Santos - 19/11/1928 - Vapor Sierra Morena, é o passageiro 85º da 3ª classe http://www.arquivoestado.sp.gov.br/uploads/acervo/textual/mi_listavapores/BR_APESP_MI_LP_015090.pdf

Maria Rodrigues, Lucília e Horácio – desembarque em Santos – 5/3/1934 – Vapor Highland Brigade, passageiros 9º, 10º e 11º da 3ª classe

http://www.arquivoestado.sp.gov.br/uploads/acervo/textual/mi_listavapores/BR_APESP_MI_LP_023807.pdf


CURIOSIDADES E DÚVIDAS

Os registros, em parte, solucionaram as dúvidas existentes nas nossas famílias, quanto aos sobrenomes. Em parte, porque nos diversos registros (batismo, nascimento, casamento e listas de embarques), há divergência nas grafias.

d´Assumpção ou d´Assunção: No registro de batismo/nascimento, Maria Piedade consta como d´Assumpção. No registro de casamento aparece como d´Assunção, bem como na lista de passageiros, e no registro de Eduardo Filho. A conferir nos demais filhos do casal Eduardo e Maria Piedade.

Baptista ou Batista: em todos os documentos de Eduardo consta apenas Batista.

Feitor ou Feitora: Nos documentos portugueses consta Feitor, assim seria mesmo Maria Rodrigues Feitor antes de se casar com Manuel Rodrigues Castanheira.
 

MAPAS E DISTÂNCIAS


O Distrito de Coimbra tem 17 Concelhos: Arganil, Cantanhede, Coimbra, Condeixa-a-Nova, Figueira da Foz, Góis, Lousã, Mira, Miranda do Corvo, Montemor-o-Velho, Oliveira do Hospital, Pampilhosa da Serra, Penacova, Penela, Soure, Tábua e Vila Nova de Poiares.


Mapa de Portugal Continental e do Distrito de Coimbra. Penacova ao norte com a coloração azul mais claro.

Penacova tem 11 freguesias: Carvalho, Figueira de Lorvão, Friúmes, Lorvão, Oliveira do Mondego, Paradela, Penacova, S. Paio de Mondego, São Pedro de Alva, Sazes do Lorvão e Travanca do Mondego.

Obs: O Concelho de Penacova, que tem uma área total de 216,7km2 e, de acordo com os Resultados Preliminares dos Censos 2021, uma população de 13.119 habitantes, divide-se- desde 2013 - por 8 freguesias: Carvalho, Figueira de Lorvão, Lorvão, Penacova, Sazes do Lorvão, União das Freguesias de Friúmes e Paradela, União das Freguesias de Oliveira do Mondego e Travanca do Mondego e União das Freguesias de São Pedro de Alva e São Paio de Mondego

Algumas Distâncias (rodovias): Penacova/Gondelim: 12 km
Penacova/Coimbra: 30 km
Penacova/Figueira do Lorvão: 6,5 km
Penacova/Lisboa: 229 km
Lisboa/Santos (de avião): 7.968 km





Maria Piedade d´Assunção e Eduardo (621º e 622º)

Obs: aceito contribuições para eventuais equívocos.
Texto e grafismo: Paulo Santos

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NOTAS DA REDACÇÃO sobre causas da emigração e sobre o estado "patológico" da emigração portuguesa

“Na raiz da atitude de emigrar havia uma causa geoeconómica e social, mas, também, psicológica, familiar, política e, muitas vezes, de pressão demográfica. A falta de desenvolvimento do sector agrícola, agravada pela carência de e nas propriedades industriais, empurrava o grosso da população, maioritariamente masculina e dentro da faixa produtiva, que, numa penumbra vivenciada na subsistência de um salário de jornaleiro tão exíguo que roçava pelo mínimo indispensável ao seu parco sustento, o desejo de emigrar, sobretudo para o Brasil, no qual, o espírito alimentava o sonho de uma vida melhor.

Para a explicação do intenso movimento emigratório que se fez sentir no período em   questão, concorrem, igualmente, factores externos como a actuação das autoridades brasileiras na promoção de uma política de atracção de braços para fazer face à crescente necessidade de mão-de-obra que substitua o progressivo desmantelamento das estruturas esclavagistas e, ao mesmo tempo, explore um imenso território despovoado.”

In A emigração no concelho de Penacova através dos Registos de Passaportes (1870-1899), de Mário Jorge Martinho da Costa


“É certo que a emigração portuguesa tomou nos últimos anos caracteres realmente alarmantes, não por ela mesma, mas pelo que significava de destruição e quase morte no organismo económico da nação. Até há pouco tempo ainda nem sequer tínhamos um só tratado de comércio, que nos permitisse exportar os produtos da nossa agricultura que podem defender a nossa existência económica (…) a emigração portuguesa perderá dentro de poucos anos o seu aspecto doloroso, patológico, para assumir os caracteres de um fenómeno normal, eminentemente profícuo, e intimamente ligado, nas suas origens e funções, como no seu movimento, à própria vida da nação.”

Afonso Costa, O problema da emigração, 1911