O lançamento de impostos tem, ao longo de todos os tempos e por toda a parte, gerado grandes revoltas e levantamentos populares. No nosso concelho, são conhecidas a “Revolta dos Sarreiros”, nos finais do século XIX e a “Revolta do Azeite” e a “Revolta dos Barqueiros”, em 1921, associadas ao imposto “Ad valorem”. Destes acontecimentos já o Penacova Online deu conta.
Hoje, vamos fazer referência a acontecimentos de inícios de 1918 que poderíamos intitular de "Tumultos dos Industriais" relacionados com o lançamento de colectas de contribuição industrial. Também, no contexto das graves carências alimentares durante a Guerra 1914-1918, trazemos aqui a notícia da "Revolta da Raiva". Estas duas ocorrências ficaram registadas no jornal "Ecos de S. Pedro de Alva".
"Com o deflagrar da Grande Guerra acentuaram-se as debilidades que o país apresentava no que respeitava à produção de bens alimentares, nomeadamente dos cereais. Os preços aumentaram, começaram a aparecer fenómenos de açambarcamento e de contrabando.
Por fim, depois do inverno de 1916-1917, a fome fez a sua aparição. Nesse inverno, os Aliados tinham reforçado o bloqueio à Alemanha, tendo esta reagido violentamente, coma guerra submarina no Atlântico, procurando cortar o abastecimento aos países aliados.
Em todo o lado faltavam matérias-primas e alimentos. Todos os países, beligerantes ou não, mergulharam no caos. Uns mais que outros, mas a maioria, como Portugal, sofreram uma grave crise de subsistências, inflação e fome, acompanhadas por uma crescente agitação operária e popular, greves, motins de rua, insurreições militares e revoluções." Cf. Arnold Arie Van Rossum, "A questão das subsistências no Porto, no período da Grande Guerra, 2011"
Transcrevemos as notícias publicadas por aquele jornal:
Subsistências 1917: Agitação popular na Raiva
O povo que luta com dificuldades para angariar os magros centavos para comprar milho, chegava à Raiva, onde esta região se costuma abastecer, e não o encontrava à venda.
Constando que naquela povoação havia multo milho armazenado e que se negava o venda ao público, para lhe darem outro destino, e não se sujeitarem ao preço da tabela, ultimamente decretada para todo o país, medida muito acertada, o povo da freguesia de Oliveira do Mondego foi ali e verificou que existiam mais de 10 000 alqueires! Os sinos da matriz, sinetas das capelas das freguesias do Oliveira, Travanca e S. Pedro d'Alva tocaram a rebate no dia 24 e 25 do mas findo, aparecendo na Raiva milhares de pessoas.
Para Oliveira foi uma imensidade de sacos sob a responsabilidade de pessoas idóneas, mas sem ser do acordo com o dono do milho, o que não achamos justo.
Porque facilitasse ao povo a venda do milho pelo preço da tabela e se o comerciante não concordasse, então usassem da violência em último extremo, porque a prudência foi sempre em todos os tempos uma “senhora” multo respeitada.
Qual o resultado?
Veio uma força de cavalaria e guarda Republicana, que fez conduzir outra vez as sacas com milho para a Raiva, com a promessa de ali ser vendido pelo preço da tabela na próxima quinta feira.
Concorreu também muito povo da freguesia de S. Pedro d'Alva com o digno regedor José Correia de Brito à frente, que pela sua prudência conduziu o povo de forma a mais uma vez provar que é ordeiro, tendo a felicidade de dar com um homem muito delicado, que comandava a força militar, evitando assim, quem sabe, muitas desgraças. Lamentamos sempre casos desta natureza, mas é bom que todos se compenetrem que o povo menos favorecido da sorte precisa auxílio e não que o explorem.
* * *
A propósito deste lamentável acontecimento, têm vindo a esta redacção muitas pessoas pedir que tornemos bem público o motivo do levantamento do povo, que deseja ser ordeiro, mas que não quer ser prejudicado como o foi no ano findo.
Que o povo dos lugares da Paredes e Raiva, foram os que mais sofreram com a falta e carestia do milho, tendo de procurar milho ou farinha a uma distância de 20 quilómetros, nas moendas do Feijoal, no concelho de Arganil. E quantas vezes ali foram e nem uma nem outra coisa traziam? E quanto valia o tempo perdido?
Todavia sabiam, que à porta lhe passavam centenares de carros de milho, que metiam em barcas e lá iam Mondego abaixo em direcção a Coimbra!
E para onde ia esse milho?
Despachado para as estações mais próximas do mar e dali era encaixotado e metido em navios como vidraça, e uma vez em Vigo, os açambarcadores recebiam por cada alqueire uma libra em ouro e lá ia para a Infame Alemanha!
É isto que o povo declara, e a ser assim, é um crime do alta traição e lesa pátria, estar a auxiliar-se quem nos está sugando o sangue, roubar-nos milhares de vidas e a cavar a nossa autonomia que tanto custou aos nossos antepassados.
Sendo assim, o povo tem razão; cremos que seja, porque o ano findo foi fértil em milho em todo país, que chegava e de sobra para o consumo do continente, sem precisar-se de o importar das nossas possessões.
Pertence ao Governo tomar medidas enérgicas, que o momento é terrível.
Tumulto
No dia 28 do mês de Dezembro findo, um grande número de pessoas das freguesias de Lorvão e Figueira, apresentaram-se na repartição de Finanças de Penacova, ao que parece, com o fim de reclamar perante o sr. Almeida e Sousa, digno secretário de finanças, contra o lançamento de algumas colectas de contribuição industrial.
Recebidos por sua ex. com toda a urbanidade, explicou-lhes a maneira legal do lançamento das referidas colectas e indicou-lhes o melhor modo de fazerem as suas reclamações, mas o povo fechando os ouvidos, partiram, à saída, os vidros duma porta da repartição.
Compareceu a Guarda Republicana e o sr. António Casimiro, digno secretário da administração, que conseguiram dispersar o grupo, sem haver felizmente desgraças a lamentar.
Se há movimentos populares que se justificam pelo fim que visam e pela ordem como são feitos, outro tanto não sucedeu com o actual, em que certamente os seus promotores se deixaram embarrilar por aqueles que os queriam explorar.
O povo deve organizar os seus movimentos com ordem e em defesa de causas justas, tendo em vista os interesses de todos.
Só deverá fazer uso da força, e então, ser enérgico, quando as suas justas e ordeiras reclamações não forem atendidas.
Se nas repartições do concelho há empregados atenciosos que sabem avaliar o esforço e trabalho do contribuinte, outro tanto não sucede com alguns, que além de escamotearem o povo ainda o tratam com maneiras bruscas e pouco atenciosas. Oxalá que estes aproveitem com o caso sucedido; que fiquem sabendo que o povo é soberano, que estão ali para o atender e tratar com urbanidade seja qual for a sua condição, por isso recebem do Estado os seus vencimentos, que o mesmo povo paga. "