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terça-feira, julho 09, 2024

Personalidades (5): Domingos de Lemos (1693-1753)

Foi no Colégio Jesuíta da Baía que Domingos de Lemos mais se notabilizou

Domingos de Lemos nasceu no ano de 1693 em Gondelim. Ao pesquisarmos nos livros de Registos Paroquiais encontramos o assento de baptismo de “Domingos, filho de Pedro Rodrigues (?) e de Antónia de Lemos”, baptizado a 27 de Maio de 1693. A tratar-se da mesma pessoa, o que pelo apelido Lemos da mãe parece ser, há um desfasamento nas datas, em relação à síntese biográfica inserida na obra “Artes e ofícios dos Jesuítas no Brasil (1549-1760)”, publicada em 1953, que refere o seguinte:

“LEMOS, Domingos de (1694-1753). Natural de Gondelim (Penacova), onde nasceu a 27 de Maio de 1694. Entrou na Companhia [de Jesus] na Baía, com 25 anos, a 13 de Julho de 1719 (Cat. de 1725). Farmacêutico («pharmacopola»). Já o devia ser quando entrou, porque em 1722 aparece no Colégio de Olinda no exercício do cargo. Em breve voltou para o Colégio da Baía e aí residia em 1732, com o qualificativo de «insigne» em sua arte. Em 1746 e 1748 tinha dois ajudantes, donde se infere a importância do Laboratório baiano e a sua categoria de mestre. Faleceu no mesmo Colégio da Baía, depois duma actividade ininterrupta de mais de 20 anos, a 7 de Fevereiro de 1753.”

A Companhia de Jesus, apesar de se ter dedicado desde a sua fundação principalmente ao trabalho missionário e educativo, também se evidenciou na actividade farmacêutica. As más condições sanitárias com que se depararam em terras do Brasil levaram os jesuítas a serem mais do que “médicos da alma” assumindo também a missão de serem “médicos do corpo”.

Os medicamentos “importados” da Europa, eram insuficientes. Assim, os Jesuítas procuraram muitos outros nas plantas autóctones, com a ajuda dos conhecimentos das populações indígenas. Passaram a cultivá-las e a aprofundar o seu estudo. Os colégios dos jesuítas tornaram-se, deste modo, detentores de um riquíssimo receituário particular, que incluía não só as fórmulas dos medicamentos, mas também os processos de preparação.


As boticas jesuíticas eram dependências especiais dos colégios, anexas às enfermarias. A elas se recorria quando as populações eram atingidas por epidemias ou quando ocorriam casos de calamidade pública. A botica do Colégio da Baía, onde Domingos de Lemos se evidenciou, revelou-se como a mais bem estruturada de todas as que existiam na rede jesuítica, tornando-se um centro distribuidor de medicamentos para as demais boticas dos colégios do Brasil. Da reunião dos saberes e medicamentos produzidos em cada Colégio resultou (em 1776) uma importante compilação (260 receitas) intitulada Colecção de várias receitas e segredos particulares da nossa Companhia de Portugal, da Índia, de Macau e do Brasil. Compostas e experimentadas pelos melhores médicos e boticários mais celebres que tem havido nestas Partes.

Estas receitas, prescritas para um grande número de doenças, demonstram o importante contributo dos Jesuítas, em especial o Colégio da Baía, na história da medicina brasileira. Quando este colégio foi saqueado e sequestrado em Julho de 1760, por ordem do Marquês de Pombal, o desembargador incumbido da acção judicial logo comunicou superiormente que havia feito as diligências necessárias para se apoderar da botica do Colégio e de algumas receitas particulares.

Pode Gondelim orgulhar-se de ter sido uma importante villa onde existiu um Paço que pelos anos de 984-985 estava na posse de netos de Munia Dias e Alvito Lucides1 e, ter sido também, morada de Príncipes2 e berço de figuras importantes da nossa história. A José Pereira Baião, figura insigne das Letras e da Oratória, podemos juntar Domingos de Lemos, um penacovense ilustre inteiramente desconhecido de muitos de nós.

1 - Cf. Manuel Luís Real: “O significado da basílica do Prazo (Vila Nova de Foz Côa), na alta Idade Média duriense”
2 - Aqui se terão criado, de acordo com o Portugal Renascido, os Príncipes de Leão, Ramiro e Bermudo.

segunda-feira, junho 26, 2023

Quem conta um conto aumenta um ponto


Um dia desses, pesquisando um assunto no Google, por acaso deparei-me com uma publicação de abril/2016 no blog Penacova Online, na qual David de Almeida ao escrever sobre Gondelim e a Lenda da Senhora da Moita, se referiu a um texto meu, no qual eu dizia terem os moradores enterrado os sagrados objetos quando da invasão moura.

Com a minha revisita ao texto publicado pude ler dois comentários. Um de 2021, onde no um leitor anônimo apontava erros na minha narrativa, pois que os escondidos haviam sido encontrados no oco de um carvalho, e não que estivessem enterrados. No comentário de 2022, do próprio bloguista, defendeu-me ele dizendo ter sido minha narrativa romanceada. Comentário que encerra perguntando: E quem sabe afinal?

Do que se tem de mais antigo registrado, e creio ser de onde se retira todo o contexto histórico, está corretíssimo o leitor anônimo: melhor teria sido se tivesse eu escrito simplesmente que esconderam a imagem, sem florear muito.

Frei Agostinho de Santa Maria, em sua obra Santuário Mariano e Histórias das Imagens Milagrosas de Nossa Senhora, publicada em 1721, no Tomo VII, Livro IV, Título XXIX, página 467, na busca de informações, sobre a imagem, esteve em Gondelim, lugar então com não mais que trinta vizinhos.

Deve ter podido conversar com todos. Falando sobre o que escutara dos moradores, registrou:

“…cujas notícias confesso as tive por frívolas, mas como não pude descobrir quem me
desse mais exatas, me acomodei a descrever o que pude achar”.
“… não é possível averiguar, que quando o bárbaro Almansor destruiu a Província de
Beira, no ano de 983, os cristãos de Gondelim, temerosos do diabólico furor,
despojaram a igreja de todas as coisas sagradas”.
“... esconderam a imagem e o sino em um bosque ou mata fechada”
“… passado aquele furioso tormento…esta fé dilatou por tantos anos, que mortos os
pais e filhos espalhados por lugares, se perderam a lembrança do escondido tesouro,
de sorte que os novos moradores de Gondelim já não tinham dela notícia, que aos
mouros havia sido ocultada e não permitiu tantos anos fosse achada”.

Escondida que fora em 983, com os mouros expulsos em 1492, se deduz ter sido mantida escondida por mais de 500 anos.

Quanto ao encontro extraordinário o frei escreveu:

“…nessa pois tradição os naturais, referida de pais para filhos que fora escondida
e achada milagrosamente, a imagem de Nossa Senhora da Moita metida em um
cavernoso tronco de carvalho...”.

Em 1712, o mesmo autor, de modo mais conciso, escrevera no Tomo IV, Livro 2, Título XCII, página 645:

“Os princípios e a origem dessa Santa Imagem se referem mais por tradição do que
escrituras…dizem os moradores e velhos daquele lugar, que os princípios dessa
imagem são de tempo imemoriais”.
“… porque dizem que assim ouviram dos seus antepassados, e a tradição conservam”.
“ …havia uma mata onde fora achada a Santa Imagem metida no tronco de
um carvalho…”.

Dessas obras extraí a passagem para o prefácio do meu romance, ainda não publicado. Para melhor deixá-lo, na revisão optarei pelos verbos utilizado pelo Frei Agostinho. 

Assim a imagem teria sido escondida e depois achada no tronco oco. Sem querer ferir suscetibilidades religiosas, até porque católico sou, o círio que não incluí entre os sagrados escondidos, caso o faça, ao serem encontrados, eu o manterei apagado, porque esse detalhe me parece um ponto que alguém aumentou ao contar o conto.

P.T.JUVENAL SANTOS

https://archive.org/details/santuariomariano07sant_0

https://archive.org/details/santuariomariano04sant_0

quarta-feira, janeiro 17, 2018

Cartas brasileiras: a milagrosa imagem de Nossa Senhora da Moita (Gondelim)



Sabia eu do que contam, história ou lenda, mas, até então, não havia encontrado registro. Por sorte, ou o que mais possa ser, encontrei relatos em um livro publicado em 1712. 

Os princípios e origem desta Santa Imagem são mais por tradições do que por escrituras, são dos “ tempos imemoriais”, não se sabe o tempo do aparecimento. 

Contam, em um vale distante de Gondelim, a um “tiro de mosquete”, perto de uma ribeira que desagua no Mondego, havia uma mata de carvalhos muito fechada, com tojos, urzes, silvas, e outros matos semelhantes. Metida no tronco de um carvalho, encontrou-se a Imagem da Senhora, um sino, e uma campainha. Não se sabe quem foi o venturoso ou os venturosos que encontraram o tesouro, consta apenas que trouxeram a notícia, ou a ouviram de moradores de Gondelim para que fosse buscá-la.

Imagem que se venera em
 Gondelim-Penacova
Por não ter onde guardá-la, a colocaram na casa de algum venturoso Obede-Edom. Porém, dizem, a Senhora deveria gostar mesmo muito do lugar onde estava anteriormente, pois fugiu repetidas vezes para a mesma árvore, ou mata de carvalhos, para aquela tosca concha em que se manifestou. 

Os devotos de Gondelim não querendo mais contrariá-la, resolveram a edificar uma ermida junto ao lugar do seu aparecimento, e a colocaram no altar mor, no meio de um retábulo de madeira dourada, com “asseio assistida, conforme os cabedais, e possibilidades daqueles moradores, com ornamentos, e ornatos necessários para assim se dizer missa”. 

Tem mordomos anuais, que se elegem, e estes são os que festejam a Senhora, o que fazem na primeira Quarta-Feira depois da Páscoa, dia da sua manifestação. Neste dia é muito grande o concurso das romagens e nele concorrem várias procissões, é o dia dos perdões, assim chamam. 

A sagrada Imagem é uma escultura formada em pedra, a altura é pouco mais de dois palmos, tem sobre o braço esquerdo o Menino Deus, com as roupas formadas na mesma pedra; ambas as Imagens pela sua rara perfeição, dizem, só pode ser obra dos Anjos, por não haver entre os homens artífices capazes. 

A Imagem encontra-se sobre uma peanha de madeira dourada, e com umas roupas de seda, e desde que se manifestou nunca foi pintada, está em uma encarnação tão bela, e tão rica, que parece encarnada de poucos dias. 

Tem os enfermos grande fé e devoção na Santíssima Imagem, são inumeráveis os milagres, existindo na ermida muitas memórias oferecidas para perpetuar a lembrança das mercês, sem que os moradores tenham tido o cuidado de fazer os registros. 

Estes, os moradores e devotos, somente se contentam por tê-la por sua singular protetora, sendo a Senhora da Moita, e ela em si, com sua beleza e formosura é um contínuo milagre. 

Santuário Mariano e História das Imagens Milagrosas de Nossa Senhora... (Lisboa,1712)
Tomo IV Livro II Título XCII pg. 645 a 647



sábado, abril 02, 2016

Gondelim e a Lenda da Senhora da Moita

Imagem de N.Sª da Moita
(foto de Rosa Silva)

Gondelim, terra mencionada em documentos muito antigos, foi residência de importantes famílias nobres ainda antes da fundação de Portugal. O site da junta de freguesia de Penacova regista a Lenda que envolve a Senhora da Moita, cujos festejos em sua honra estão a decorrer neste fim de semana que se segue à Páscoa, como é tradição.

É também essa lenda da Senhora da Moita que o nosso colaborador das Cartas Brasileiras, reconta no livro que tem para publicação intitulado “Azulejos Portugueses - Lembranças e Mistérios”.

Paulo Santos faz-nos, um breve resumo: ”Idosa portuguesa retorna de sua primeira visita a Portugal, desde que imigrara para o Brasil na década de 30.” No voo de regresso àquele país senta-se ao lado de uma jovem “tripeira”, que pela primeira vez visita as Terras de Vera Cruz. “É durante a viagem que ela conta para a jovem passagens de sua vida, no Brasil, e parte dela, ainda na infância em uma aldeia de Penacova. Fala de suas aventuras e venturas, dos sonhos, das sombras, dos medos, dos encantos, dos mistérios.(...) A ficção “Azulejos portugueses” é uma viagem pela região de Penacova (Portugal), por seus lugares e tradições, no roteiro da protagonista, os encantos, as lembranças, segredos, dúvidas, angústias e alegrias; como a própria vida."

Mas, fiquemos então com a leitura de um excerto da referida obra onde se fala de Gondelim e da Lenda da Senhora da Moita:



Capela de Nossa Srª da Moita
(aguarela de Conceição Ribeiro para o livro
"Azulejos Portugueses")

“Foram para a Quinta, onde havia passado parte da infância. Apesar de serem uns minguados quilômetros, os olhos atentos absorvendo tudo, a inquietação crescendo. A primeira parada foi na capela.

Diante da igreja, as recordações vieram aos borbotões, as mulheres conversando, os homens rindo, as crianças correndo nas gostosas brincadeiras na porta da igreja ao término das missas dominicais. A avó assegurava, a imagem da capela era a mesma escondida pelos cristãos no tempo da invasão bárbara.(...) De acordo a tradição, os moradores ao perceberem estar próxima a invasão dos bárbaros, encontraram um meio de proteger a Santa. Pegaram uma trilha bem conhecida em um dos montes, e enterraram a imagem, com um sino, lá no alto, debaixo de uma moita vistosa.

O tempo passou e arrastou com ele os que haviam escondido a Santa. Felizmente, haviam contado para os filhos e netos. Todos sabiam qual era o monte, qual trilha tomar e em qual das moitas estava enterrada. A história foi passada oralmente para os descendentes.

Com o passar dos anos, os detalhes foram sendo omitidos, esquecidos, até ninguém mais saber em qual das moitas do monte a Santa tinha sido escondida. Quando os invasores foram finalmente expulsos, os habitantes desconheciam por completo a história da imagem enterrada, a tradição totalmente perdida.

Passadas centenas de anos, moradores caçando no meio da mata de um dos montes, ouviram o som do badalar de um sino, no meio do nada. Assustados fugiram, voltaram para a aldeia.

Relataram o inusitado, tinham um monte mal-assombrado. O acontecimento espalhou-se, rapidamente, de boca em boca, todos na aldeia ficaram sabendo, muitos não acreditaram, outros preferiram não duvidar, uns ficaram com medo.


Alguns daqueles homens, encorajados por companhias e armados, retornaram ao monte, e foram a um ponto no meio da mata de onde teria saído o som metálico e vibrante.

Dividiram o grupo em quatro, na direção dos pontos cardeais, saíram a procurar, embrenhando-se na mata. Os homens de um dos grupos, ao escutarem o barulho, entraram ainda mais na mata. Conforme caminhavam sentiam o som aumentar, a indicar estarem perto do local.

Aprontaram a maior gritaria. Os integrantes dos outros grupos, ao escutarem os pedidos de socorro, correram para acudir, chegaram esbaforidos.

Junto a uma enorme moita, cortaram o mato e cavaram. Encontraram um sino e ao desenterrá-lo, trouxeram a imagem de uma Santa. Admirados, ajoelhados, rezaram, e deram o nome de Nossa Senhora da Moita.”

Paulo de Tarso J. Santos nasceu em Barretos, São Paulo, em Julho de 1944. É funcionário aposentado do Banespa (antigo Banco do Estado de São Paulo), é licenciado em Matemática pelo Sedes Spientiae - PUC-SP. Em 2007, a Câmara Brasileira de Jovens Escritores editou o seu livro de ficção “Cinzas e Fumaça”. Foi cronista colaborador de “O Diário de Barretos” durante quase dez anos, com cerca de quinhentas publicações.