O manuscrito espelha o “quotidiano
de um habitante da região de Lorvão” que, entre 29 de Agosto de 1907 e 3 de
Janeiro de 1908, “regista num diário pessoal acções, eventos, quase nada de emoções.”
Não se sabe o autor mas “este
registo permite reconstituir parcialmente as tarefas com que se ocupa e parte
da sua rede de relações sociais, onde se destacam as que se associam à
Confraria das Almas. “
Alguém, em terras de Lorvão, registou,
numa segunda-feira, 2 de setembro de 1907, o seguinte:
«Reguei feijões e coives
concertei a porta do relogio puz a aza na tampa do forno, defolhei um pouco no
Valr.º da Boiça, armei os barrotes p.ª fazer palheiro arrumado á tulha etc Veio
o Ant.º que levou 18 mil rs para o j.º do Sr Duque».
“Ao longo dos meses que se seguem
vai desenvolver muitas outras actividades que lhe tomam as horas e consomem as
energias, mas que lhe merecem tal consideração que as deixa registadas em
breves apontamentos.”
Diz Guilhermina Mota que “este
diário pertence a um homem do campo, que assenta as minudências do seu dia a
dia, quer as tarefas desenvolvidas, quer os momentos de recreação e vagar.”
“Seja como for, quem redige tem
uma letra bem desenhada e uma exposição do pensamento ordenada e sintética que
aponta para alguém com mão habituada à pena. Cultivar a escrita, dominar a
disciplina do registo, sentir a necessidade de recordar o acontecido, tudo isto
nos mostra um perfil que não corresponde àquele que, no dealbar de novecentos,
se atribui ao campesinato, rústico, ignorante, incivilizado, muitas vezes
analfabeto.”
Quem seria este homem que
amanhava terras, que se ajeitava como
artesão, que também orientava obras de pedreiro, que movimentava dinheiro e, que
“surpreendentemente” - acentua aquela investigadora – sabia escrever?