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domingo, outubro 27, 2024

Ainda haverá resineiros?



Ainda há. Os resineiros não acabaram em Portugal, mas, pelos nosso lados, se há trinta ou quarenta anos ainda os víamos por aí na sua árdua tarefa, hoje em dia poucos vestígios prevalecerão nas nossas terras. Incêndios atrás de incêndios, invasão de eucaliptos e mimosas, mão-de-obra cada vez mais envelhecida, foram factores que para isso contribuíram.  

No entanto, e curiosamente, vimos há uns tempos na imprensa a notícia que a  Associação de Destiladores e Exploradores de Resina (Resipinus) e o Instituto da Conservação da Natureza e Florestas (ICNF) iam criar a “Academia do Resineiro”, na Marinha Grande e que ia ser aproveitado o apoio financeiro previsto no Plano de Recuperação e Resiliência, que contempla um programa (no âmbito da “Bioeconomia Sustentável”), designado por "Resineiros Vigilantes". São financiadas “acções de prevenção de incêndios, como a vigilância em espaços rurais no período crítico, sendo esta efetuada por resineiros em locais estratégicos”. Muito concretamente, falava-se na criação de vinte e seis equipas de vigilância em setenta e uma localidades do país, num trabalho que junta vinte e uma instituições. 

Não está, pois, “morta” a profissão, o ofício, de resineiro. 

No imaginário colectivo da nossa região (onde chegaram mesmo a existir as designadas “Zonas do Pinhal”,  enquanto sub-regiões estatísticas da Região Centro) perdura ainda a imagem dos resineiros (e também das resineiras) que calcorreavam os pinhais para exercerem um trabalho que nalgumas das suas fases era bastante duro.

No livro Trilho do Tempo – Etnografia do século XX ao redor de Almalaguês, de Arménio Simões, (2013), obra que acaba por referir  igualmente alguns aspectos relacionados com o nosso concelho, como o Lagar do Pisão, há uma passagem que nos fala precisamente da faina da resina. Escreve o Eng.º Arménio Simões, a propósito dos resineiros:

OS RESINEIROS 

"José Rodrigues, da povoação de Moinhos, era aos sessenta e sete anos, e na viragem do século, o último resineiro a calcorrear os pinhais das redondezas que, de lata e ferro na mão, ia adiando a arrumação definitiva das ferramentas de muitos anos de trabalho. Operando diariamente nos pinhais que alugava a cem escudos anuais por bica, nos arredores de Moinhos e Flor da Rosa, conseguia uma recolha de dez toneladas que vendia para uma fábrica de Alfarelos, após a década de setenta em que, anualmente, acumulava um aluguer de dez mil pinheiros a vinte e cinco escudos por bica, nos concelhos de Miranda do Corvo, Condeixa, Coimbra e Penacova, recolhendo cerca de cinquenta toneladas de resina. 

Da destilação da resina vegetal, resultava uma variedade considerável de produtos industriais como as tintas, vernizes, secantes, betumes, sabões, plastificantes, adesivos, aglutinantes, borrachas, óleos solúveis, óleos lubrificantes, linóleos, ceras, moldantes, detergentes, perfumes, cânforas sintéticas, papel celulóide, isolantes, insecticidas e explosivos. 

Portugal, como primeiro produtor e exportador europeu, chegou a exportar anualmente 75 000 toneladas de pez e 17 000 de aguarrás. 

O formato e a dimensão das feridas, o diâmetro dos troncos dos pinheiros virgens para a primeira sangria, o número de sangrias seguintes, (contínuas ou paralelas), a limpeza do pinhal após a época de exploração e o período a ela destinado, eram rigorosa e legalmente estabelecidos exceptuando os pinheiros destinados ao abate e, com designada resinagem, segundo a qual se podia aplicar um maior número de sangrias mediante deferimento do pedido da licença prévio, a qual era obrigatória para cada tipo e época de resinagem. As transgressões eram severamente punidas por multa.

A abertura de cada sangria era iniciada com uma ferramenta cortante designada de descarrascadeira, e terminada por outra que se designava de ferro de renovar

A descarrascadeira tinha uma lâmina lateral de dois gumes para cortar nos dois sentidos, e no lado oposto duas unhas espaçadas nove centímetros, com a qual se fazia a raspagem prévia da carrasca e, com as unhas, se traçar a largura das sangrias. 

O ferro de renovar, por sua vez, tinha uma lâmina em forma de "c" reto que servia para fazer as aberturas e as renovas das sangrias. 

Anteriormente à nova legislação que o aboliu, o ferro francês, ferramenta de lâmina curva e mais agressiva para as sangrias de que retirava grossas aparas que, após a passagem dos resineiros, as pessoas mais necessitadas as aproveitavam para lenha, ou os pezeiros para fazerem o pez. 

A renova era uma operação que, a cada cinco dias e sem ferir a camada subjacente, consistia em tirar ao pinheiro um pouco mais de casca para renovar a ferida sendo que, após o aparecimento do aplicador, um dispositivo com que nas sangrias se aplicava uma mistura de ácido sulfúrico com farinha de milho, lhe permitiu alargar o período dos respetivos cinco, para vinte dias entre cada renova. 

Após a abertura duma sangria, era usada urna outra ferramenta, igualmente cortante e de lâmina adequadamente curva, na qual se batia com um maço para se abrir um golpe onde inserir uma bica de lata que sobrepunha, segurava e enchia um púcaro de barro apoiado num prego sem cabeça espetado na madeira. 

Os tradicionais púcaros de barro vermelho, eram feitos em Miranda do Corvo, e caíram em desuso perante o aparecimento de outros feitos de plástico, mas de uso muito breve até quando substituídos por sacos de plástico de cujo sistema se simplificou o trabalho tradicional que consistia no esvaziamento periódico de todos os copos, um a um, usando urna espátula com que se esvaziavam para dentro dum recipiente apropriado e designado de “lata de colher” que, por sua vez, era esvaziada para os barris de transporte para a fábrica de destilação. 

Com os sacos de plástico, bastava colá-los à própria resina superficial e, quando cheios, substituídos e recolhidos a granel para a mesma lata tradicional. 

Após a época da resinagem e até final de Novembro, era estabelecido um prazo para a extração de todos os pregos e bicas, para o que se usava uma outra ferramenta também apropriada, o “saca bicas”, fazendo-se também o aproveitando da resina seca e acumulada ao longo da época, raspando-a para uma espécie de padiola feita com dois paus e uma serapilheira. 

A vida dum pinheiro, em condições normais de adaptabilidade e referente ao crescimento, longevidade e tempo de rendimento, de que a resina era um rendimento sazonalmente periódico e com tão importante significado para a economia doméstica, como as colheitas do milho, do vinho ou do azeite, e a madeira uma riqueza acrescentada para uma qualquer disponibilidade ocasional e, praticamente, sem despesas da manutenção de que também resultavam outras valiosas contrapartidas. 

A resinagem era limitada ao período compreendido entre o primeiro dia de Março e o último de Setembro, e desfasada do  período seguinte destinado à época da serração, a maioria dos profissionais tinha trabalho garantido durante todo o ano, como resineiro no verão e serrador no inverno. 

Para exercer a profissão de resineiro, era obrigatória uma formação adequada, adquirida em prestação de provas e comprovada pelo uso obrigatório do respectivo cartão.

quinta-feira, dezembro 21, 2023

O Lagar do Pisão (re)visitado por Arménio Simões no seu “Trilho do Tempo”


Em 2015 ao visitar a Feira Cultural de Coimbra detive-me num dos espaços onde a par da exposição de gaitas artesanais de cana se encontrava um à venda um curioso livro sobre memórias etnográficas. Tudo da autoria de Arménio Simões, um engenheiro reformado, com quem estabelecemos uma pequena conversa.

Sobre o livro, de acordo com o prefácio, trata-se de “um vasto e rigoroso testemunho, no qual as crendices, as alfaias, os engenhos, os processos relativos à moagem, são tratados com enorme fidelidade.”

Analisando melhor a obra intitulada Trilho do tempo: etnografia do século XX ao redor de Almalaguês (2013) deparámo-nos com uma preciosa referência ao “Lagar do Pisão” (Lorvão) com fotografias extraordinárias e curiosas informações recolhidas junto do proprietário, Sr. Alípio Marques, que o autor oportunamente contactou. 

Ao falar dos lagares de azeite, escreve Arménio Simões: 

“Curiosamente, assim como o início do século XX coincidiu com o aparecimento do lagar movido por eletricidade e a morte lenta do de vara que se havia de prolongar até meados do século, o mesmo se havia de verificar na seguinte viragem com o aparecimento duma terceira geração de diferente tecnologia, diferindo pela morte súbita do lagar de prensas hidráulicas que até meados do século ainda manteve o tradicional sistema de separação do azeite por meio de tarefas onde se verificava que o azeite é como a verdade, vem sempre ao de cima, até quando substituído pelo sistema mecânico duma máquina centrifugadora.”

Depois de referir diversos exemplos da região de Almalaguês o autor faz uma incursão até à região de Penacova: 

“Em Lorvão, ano de 2011, no concelho de Penacova e por gentileza do Senhor Alípio, seu então proprietário, tivemos acesso a um exemplar de azenha e duas varas, ainda em razoável estado de conservação.



Tendo-o comprado como parte integrante dos terrenos que pertenceram ao mosteiro, e no culminar duma série de transmissões de propriedade que o levaram até ele, o Senhor Alípio começou por recuperá-lo e lhe dar uso durante algum tempo, e enquanto rentável, após o que se sucederam alguns anos de deteriorante inatividade até quando resolveu recuperá-lo como peça de estimativo valor museológico familiar, não obstante a própria longevidade de que anos o não impediam.

Conservando uma das duas grandes varas originais e feita de pinheiro manso, a outra, do lado esquerdo, mandou fazê-la em 1945, para o que usou um dos seus próprios eucaliptos com cerca de cinco toneladas e arrancado nas proximidades de onde demorou dois dias a percorrer uma distância de quinhentos metros, sobre dois eixos e puxado por duas juntas de bois, não obstante o acentuadamente favorável declive do terreno.” 

Estas informações, bem como o registo fotográfico (que será da primeira década deste século) vêm completar os elementos que nos aparecem em diversos escritos (por exemplo Patrimónios de Penacova, de Leitão Couto e David Almeida) e na página da Direcção Geral do Património Cultural / Sistema de Informação para o Património Arquitectónico).

É aí, sob o título “Conjunto Arquitectónico Rural de Pisão - Portugal, Coimbra, Penacova, Lorvão” que encontramos os dados oficiais sobre este património do nosso concelho, protegido legalmente (Portaria n.º 637/2010, DR, 2.ª série, n.º 164, de 24 de agosto 2010)  como CIP - Conjunto de Interesse Público.

O Lagar insere-se num conjunto mais alargado de arquitectura agrícola, que inclui também  um grupo de Azenhas, um  Forno de Cal e uma casa anexa de tipologia rural. 


Sublinha a DGPC “o particular significado a nível histórico-social e etno-tecnológico do conjunto”, dado que, à data ( 2011) o lagar de azeite conservava ainda “todo o equipamento essencial a um lagar de varas, sendo um exemplar tipológico que se salienta pela sua originalidade e raridade, assim como as azenhas, estando uma delas ainda em funcionamento.” Graças à sensibilidade cultural dos herdeiros do Sr. Alípio Marques o conjunto conhecido como Lagar do Pisão mantém ainda as características e o estado de conservação acima descrito.

Este espaço rural rural, situado num vale a Norte do Lorvão, tem uma “envolvente paisagística de grande beleza panorâmica” onde predominam “o riacho, que corre ao lado do lagar de azeite e azenha de menores dimensões, a casa frente à azenha destacada com forno de cal na encosta.” 

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Fontes:http://www.monumentos.gov.pt/Site/APP_PagesUser/SIPA.aspx?id=2663; Arménio Simões, Trilho do tempo: etnografia do século XX ao redor de Almalaguês