Carta apaixonada,
nem às
paredes confesso.
Hoje acordei diferente.
Depois da higiene matinal corri até a cozinha onde minha mulher já
tinha preparado meu pedaço de mão com manteiga, o leite pronto para ser
aquecido, me aguardando; ela sempre faz isso, como porque ela faz, não que tenha
fome pela manhã.
Dei-lhe um beijo de bom dia. Nossa, exclamou ela surpresa.
Pudera, foi um beijo diferente, um desses como não a beijava há
muito tempo ao cair da cama. De troca recebi um suspiro como há muito não
recebia.
Após o café fui para a varanda. Abri o jornal, folheei-o
desinteressadamente, nada nele me despertava; também, naquela manhã! Fechei-o.
Fui para o computador. Não quis saber de emails, de mensagens pelo Twitter
ou de notificações do Facebook. Busquei com certa ansiedade minha pasta com
músicas; preciosidades!
E, naquela manhã em que me acordei diferente, senti uma vontade louca
de ouvir Amália Rodrigues. Pus-me a escutar “Nem
às paredes confesso”.
Repeti a música sei lá quantas vezes, até que resolvi buscá-la em
vídeos na Internet, quem sabe alguém
tivesse postado uma interpretação. Infelizmente não tive sorte, encontrei
apenas alguns slide show.
Enfim, valeu.
Minha mulher chegou e me perguntou o
que se passava comigo, dei com os ombros. Ela comentou dizendo que eu acordara
apaixonado. Apenas ri comigo mesmo, o coração apertado ao ver somente ela e eu
em nossa casa, da mesma forma como chegamos após nos casarmos; somente nós e
muitos sonhos.
Os filhos! Bem, os filhos cresceram e se foram. Vieram os netos, mas
que também cresceram, que com seus afazeres, escola e atividades rarearam suas
visitas.
Agora, novamente, nós. Por isso devo ter acordado diferente, acredito
por ter, finalmente, me dado conta de
que, definitivamente, restamos ela e eu.
Por isso apenas para ela voltaram os meus beijos. Sem que tenha que
dizer para mais ninguém de quem eu gosto, digo só para ela; mas não contem para
ninguém!