quinta-feira, janeiro 19, 2023

"Basta que os penacovenses tenham a iniciativa dos suissos”




A longa teoria de estrangeiros que todos os anos percorre sistematicamente a Suissa, sob as tirânicas imposições dos Baedecker (1), dos Kook, e de outros Dracons das vilegiaturas (2), a par de excursões extremamente pitorescas, sofrem a desilusão de muitas ascensões e caminhadas que não valem o tempo que perderam.

Pode-se dizer que não há na Suissa um recanto de vale, uma dobra de terreno, um píncaro de monte que não seja visitado por milhares de forasteiros que, mal chega o verão, invadem por todos os lados este afortunado país e por ele se espalham numa ânsia de subir às suas montanhas, ou de bordejar nos seus lagos pelo simples prazer da vista, pela necessidade de fortalecer os pulmões ou de acalmar os nervos.

Mas em cada cantinho de vale, em cada socalco de terreno, assim como nos vértices das montanhas, esse vai-vem formidável de estrangeiros encontra sempre uma pousada, um albergue, uma hospedaria confortável, quando não depara com um desses grandiosos edifícios, que abundam na Suissa, tanto á beira dos lagos como nas regiões alpinas e que, sob os nomes de Palace Hotel, Grand Hotel, Kurhauss Hotel, proporcionam aos seus hóspedes, além de bom alojamento e boa comida, os atractivos dos seus hall sumptuosos e dos seus salões de festas onde se realizam bailes, concertos e soirées dramáticas que em alguns desses hotéis chegam a dar a ilusão de festas particulares elegantíssimas.

A Suissa, que explora como nenhum outro país a indústria das viagens entendeu que, antes do caminho de ferro, do funiculare até da própria estrada, quando se não podem fazer duas coisas ao mesmo tempo, é mister começar por construir o hotel…

Quantos hotéis teve e tem ainda a Suissa que apenas são acessíveis por estradas e até por simples caminhos, enquanto a tracção mecânica não pode ser estabelecida em condições económicas de provável êxito?…

O hotel, principalmente o bom, é muitas vezes a única razão de ser de algumas vilegiaturas suissas que tanto andam na voga!…

Porque em Portugal as hospedarias são na maioria más, as camas duras e o asseio escasso, e muitas vezes nem boas nem más existem, o estrangeiro, em geral, limita a Lisboa e seus arredores, as poucas viagens que faz ao nosso país, que, mesmo dos próprios portugueses, não é inteiramente conhecido.

Há distritos e até províncias onde, à excepção do viajante do comércio e dos funcionários civis ou militares que viajam por obrigação, raríssimos são os viajantes de recreio que se têm aventurado a ir até lá!

O próprio Minho, que é a província mais percorrida nas viagens de prazer, tem tanta aldeia formosa e mesmo vilas das mais pitorescas, que nós não conhecemos!...

Nestas condições ainda há poucos anos se encontrava uma das regiões mais encantadoras do distrito de Coimbra, a qual nem mesmo com as estradas do reino estava sequer ligada !

Referimo-nos à região de Penacova-Lorvão, nos contrafortes da Serra do Bussaco e na margem direita do Mondego.

O desleixo dos governos e as frequentes alternativas da política não permitiram ainda até hoje que fosse concluída a estrada do Bussaco a Penacova, nem tão pouco a que liga esta vila com Lorvão, que continua acessível apenas por uma íngreme e tortuosa ladeira!

Mas já se pode ir a Penacova por Coimbra e a estrada que lá nos conduz levará ali todos os estrangeiros que visitem Portugal, quando esta região estiver nas condições de os hospedar. Esta estrada por si só vale a viagem, quando o panorama que se goza em Penacova, do Penedo do Castro ou do Mirante Emygdio da Silva não sejam dos mais deslumbrantes que é dado contemplar aos que percorrem o mundo na demanda do pitoresco e do belo surpreendente !

A estrada de Coimbra a Penacova segue a margem direita do Mondego, cingindo- se tanto quanto possível ás ondulações da encosta e à linha caprichosa do talweg desse rio que percorre uma das regiões mais pitorescas e variadas, ora espraiando-se por campos feracissimos através de hortas e laranjais, ora apertado entre aprumados alcantis onde a vegetação nem sempre consegue ocultar os maciços de rocha que se destacam majestosos daquela paisagem luxuriante.

Essa estrada, que nem mesmo uma fita cinematográfica seria capaz de reproduzir, é com efeito um dos mais belos trechos do Portugal pitoresco e não conhecemos muitas que sob este aspecto se lhe avantagem na Europa dos touristes.

E’ no meio deste cenário deslumbrante e cheio de contrastes flagrantes, que surge a vila de Penacova, debruçada sobre o Mondego, que domina de grande altura, abrangendo por isso um vasto panorama em que os olhos se perdem extasiados num horizonte longínquo que serve de esfumada moldura a uma imensa paisagem, ora retalhada de pinhais ou sobrepujada de penedias que dão ao quadro uma tonalidade grave e austera, ora entrecortada de pomares, de vinhas e de milheirais, numa harmonia quase geométrica que é felizmente quebrada aqui e acolá, perto ou longe, inúmeras vezes, pela casaria branca das vilas, das aldeias e dos lugarejos que põe manchas alegres e dá vida e animação a esta grandiosa tela do maior e mais divino dos mestres - a Natureza! E através de todo esse tranquilo e ridente quadro descobre-se sempre o curso do poético Mondego, que ora veste o coturno trágico ao passar Entre Penedos, ora desliza na amenidade da paisagem coimbrã espraiando-se pelos campos a jusante de Penacova.

Uma vez ligada a Lorvão e ao Bussaco pelas estradas que estão em adiantada construção, Penacova fica ocupando o vértice de um triângulo de vilegiatura que há-de constituir um percurso de turismo obrigatório, dependendo apenas da edificação de um hotel simples e moderno a fixação dessas colónias ambulantes. . .

Não faltam para isso atractivos à linda vila, e não é de certo o menor deles a visita ao histórico mosteiro de Lorvão que fica a meia hora de distância, pelo ramal da estrada que está em construção.

Centro de numerosas excursões, como qualquer dos outros vértices do triângulo que tem por base Coimbra-Bussaco, a região penacovense pode ser um dia tão afamada como algumas estações da Suissa.

Basta para isso que os penacovenses tenham a iniciativa dos Suissos.

L. MANO


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(1) Karl Baedeker (Essen, 3 de novembro de 1801 — Koblenz, 4 de outubro de 1859, notação contemporânea: Karl Bædeker) foi um editor alemão e fundador do mundialmente famoso e ainda hoje publicado Guia de Viagem Baedeker.

 (2) Temporada que se passa fora da zona de habitação habitual, a banhos, no campo ou viajando, para descansar dos trabalhos habituais.






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