Ao Professor Doutor Nelson Correia Borges devemos muito do que hoje se conhece e se preserva da história e da cultura do nosso concelho, em particular de Lorvão. Além dos importantes estudos académicos que desenvolveu, Nelson Correia Borges foi ao longo de muitos anos profícuo colaborador da imprensa local. É dos inícios dos anos sessenta do século passado o texto que, nesta quadra natalícia prestes a terminar, achamos pertinente e oportuno recordar.
A crónica começa assim:
“Antigamente, pela Natividade, em muitas terras do país era uso cantar-se e bailar-se nos templos ao som da gaita de foles, mais o tambor e a caixa. Em Lorvão só há memória de se ter dançado na igreja pela festa da Trasladação das Santas Rainhas, além da Moirisca que era em louvor de S. João ou S. Sebastião.
O Cancioneiro de Natal consta das Loas ao Menino Jesus, das Janeiras e dos Reis. Falar de todas elas numa crónica só, seria tentar «meter o Rossio na Betesga», por isso deixaremos as Loas para outra altura.
Chega o Ano Novo. Aqui entra calmamente, sem os bulícios, gritarias e estrondos das cidades. A nota principal da noite são as Janeiras cantadas de porta em porta. Formam-se ranchos de homens, de qualquer idade, que vagueiam pelo escuro das ruas, por vezes com um toque acompanhante, parando às portas de cada casa, pedindo as Janeiras e cantando em louvor do Menino Deus. Mas isto era noutros tempos, pois este costume tão típico está em vias de desaparecimento. Hoje só se cantam os «vivas» aos da casa, de qualquer forma e jeito, na mira daquilo que lhes podem dar. A descrição do nascimento do Menino Jesus, e mai'la Virgem Maria, vai pouco a pouco caindo no olvido, pois os que cantam as Janeiras não as sabem, e os que as sabem não as cantam. Ou talvez os primeiros se não queiram dar a essa maçada...
Para que de todo se não percam, vamos nestas colunas arquivar as Janeiras de Lorvão.
Ao que nos consta, para os lados de Penacova, canta-se também a mesma letra, mas com música diferente. As Janeiras de Lorvão, são, por conseguinte regionais, isto é, versão do que se canta (ou cantava) pelo concelho de Penacova.
Gravura publicada no NP pelo Natal de 1963
Reproduzimo-las tal qual as recebemos da tradição popular, sem qualquer artifício da nossa parte para as tornar mais coerentes:
Naquela noite ditosa
que ao mundo deu alegria,
nasceu o Divino Verbo
das entranhas de Maria.
Caminhando para Belém,
pra lá chegar com de dia;
quando ele lá chegou
já meia noite seria!
S. José foi buscar lume
pra aquecer a Virgem Maria,
quando S. José chegou,
já Jesus era nascido;
nasceu nuns pobres portais,
que nem uns paninhos tinha!
Lançou as mãos à cabeça.
Uma touca que trazia,
fê-la em quatro pedaços,
Menino de Deus cobria.
Veio um anjo do Céu à terra,
ricos panos lhe trazia:
uns eram bordados a oiro,
outros a cambraia fina!
Foi o anjo para o céu,
rezando uma Avé-Maria.
Lá no céu lhe perguntaram:
Como ficou lá Maria?
Maria lá ficou boa,
na sua sala recolhida,
que lhe fez o carpinteiro
com sua carpintaria,
mandado do Padre Eterno
para sempre à Virgem Maria!
Glória seja a Deus Pai,
e a Deus Filho também;
Glória ao Espírito Santo,
para todo o sempre. Amen.
A música repete-se de dois em dois versos, repetindo-se por sua vez as três primeiras sílabas do se-gundo verso. Repare-se que a parte final respeitante à resposta do anjo é alheia ao motivo natalício. Quanto a nós deve pertencer a outro romance e ter sido aqui enxertada, Como sucedeu noutros.
Seguem-se as quadras de elogio as da casa, das quais transcrevemos algumas:
Vivam os senhores desta casa,
mais os anos que desejam,
companhia de uma rosa,
que foram buscar à igreja!
Viva lá senhora Alice,
raminho de laranjeira;
cai-lhe a flor no regaço,
ai Jesus, que tão bem cheira!
Viva lá senhor José
quando põe o seu chapéu
e vem vindo. para a porta,
parece um anjo do céu!
Viva lá senhora Maria,
Raminho de alecrim:
é a flor mais bonita
que se criou no jardim!
Viva lá senhora Teresa,
raminho de salsa crua
na janela do seu quarto
bate o sol e bate a lua!
Depois há também as quadras pedinchonas. Pede-se salpicão ou chouriça, mas qualquer coisa se aceita, os da casa já sabem como é...
Viva lá senhor João
assentado na cortiça:
deite a faca ao fumeiro
e dê p’ra cá uma chouriça!
Viva lá o senhor António
assentado num esteirão:
deite a faca ao fumeiro,
dê pra cá um salpicão!
Passam a outra casa, depois de receberem, quando recebem, o prémio da cantoria, e voltam a repetir as mesmas quadras, mudando os nomes.. Geralmente o produto das Janeiras, ou dos Reis é consumido naquilo a que hoje chamamos «jantar de confraternização».
Nos Reis, ou melhor, Reises, como por aqui se diz, é aplicável tudo o que dissemos sobre as Janeiras. A mesma música e as mesmas quadras pedinchonas e elogiosas. Difere, como é lógico, a narrativa bíblica, que o povo parafraseou à sua maneira em quadras belas e ingénuas:
Nobre casa, honrada gente,
escutai, ouvi-lo-eis:
uma cantiga tão linda
que se canta pelos Reis!
São chegados os três reis
da parte do Oriente,
visitar a Deus Menino,
Alto Deus Omnipotente.
Foram a casa de Herodes,
por ser o maior reinado:
que lhes ensinasse o caminho
donde Jesus era nado.
Herodes com seu malvado,
com seu perverso maligno,
foi ensinar os reis,
às avessas o caminho.
Os três reis como eram santos,
a estrela os foi seguindo.
A estrelinha se foi pôr
em cima de uma cabana.
A cabana era pequena,
não cabiam todos três;
adoraram Deus Menino
cada um por sua vez.
Ofereceram ao Menino:
oiro, mirra e incenso;
não lhe ofereceram mais nada,
porque Ele era o Deus Imenso!
Glória seja a Deus Pai
e a Deus Filho também;
glória ao Espírito Santo,
para todo o sempre. Amen.
A festa da Natividade, tão querida do povo português, originou um Cancioneiro de Natal, do qual oferecemos aos nossos leitores as Janeiras e os Reis das terras de Penacova, tal como se cantam em Lorvão.
«Vamos adorar o Deus Menino em Belém, entre os pastores!”
Reproduzimo-las tal qual as recebemos da tradição popular, sem qualquer artifício da nossa parte para as tornar mais coerentes:
Naquela noite ditosa
que ao mundo deu alegria,
nasceu o Divino Verbo
das entranhas de Maria.
Caminhando para Belém,
pra lá chegar com de dia;
quando ele lá chegou
já meia noite seria!
S. José foi buscar lume
pra aquecer a Virgem Maria,
quando S. José chegou,
já Jesus era nascido;
nasceu nuns pobres portais,
que nem uns paninhos tinha!
Lançou as mãos à cabeça.
Uma touca que trazia,
fê-la em quatro pedaços,
Menino de Deus cobria.
Veio um anjo do Céu à terra,
ricos panos lhe trazia:
uns eram bordados a oiro,
outros a cambraia fina!
Foi o anjo para o céu,
rezando uma Avé-Maria.
Lá no céu lhe perguntaram:
Como ficou lá Maria?
Maria lá ficou boa,
na sua sala recolhida,
que lhe fez o carpinteiro
com sua carpintaria,
mandado do Padre Eterno
para sempre à Virgem Maria!
Glória seja a Deus Pai,
e a Deus Filho também;
Glória ao Espírito Santo,
para todo o sempre. Amen.
A música repete-se de dois em dois versos, repetindo-se por sua vez as três primeiras sílabas do se-gundo verso. Repare-se que a parte final respeitante à resposta do anjo é alheia ao motivo natalício. Quanto a nós deve pertencer a outro romance e ter sido aqui enxertada, Como sucedeu noutros.
Seguem-se as quadras de elogio as da casa, das quais transcrevemos algumas:
Vivam os senhores desta casa,
mais os anos que desejam,
companhia de uma rosa,
que foram buscar à igreja!
Viva lá senhora Alice,
raminho de laranjeira;
cai-lhe a flor no regaço,
ai Jesus, que tão bem cheira!
Viva lá senhor José
quando põe o seu chapéu
e vem vindo. para a porta,
parece um anjo do céu!
Viva lá senhora Maria,
Raminho de alecrim:
é a flor mais bonita
que se criou no jardim!
Viva lá senhora Teresa,
raminho de salsa crua
na janela do seu quarto
bate o sol e bate a lua!
Depois há também as quadras pedinchonas. Pede-se salpicão ou chouriça, mas qualquer coisa se aceita, os da casa já sabem como é...
Viva lá senhor João
assentado na cortiça:
deite a faca ao fumeiro
e dê p’ra cá uma chouriça!
Viva lá o senhor António
assentado num esteirão:
deite a faca ao fumeiro,
dê pra cá um salpicão!
Passam a outra casa, depois de receberem, quando recebem, o prémio da cantoria, e voltam a repetir as mesmas quadras, mudando os nomes.. Geralmente o produto das Janeiras, ou dos Reis é consumido naquilo a que hoje chamamos «jantar de confraternização».
Nos Reis, ou melhor, Reises, como por aqui se diz, é aplicável tudo o que dissemos sobre as Janeiras. A mesma música e as mesmas quadras pedinchonas e elogiosas. Difere, como é lógico, a narrativa bíblica, que o povo parafraseou à sua maneira em quadras belas e ingénuas:
Nobre casa, honrada gente,
escutai, ouvi-lo-eis:
uma cantiga tão linda
que se canta pelos Reis!
São chegados os três reis
da parte do Oriente,
visitar a Deus Menino,
Alto Deus Omnipotente.
Foram a casa de Herodes,
por ser o maior reinado:
que lhes ensinasse o caminho
donde Jesus era nado.
Herodes com seu malvado,
com seu perverso maligno,
foi ensinar os reis,
às avessas o caminho.
Os três reis como eram santos,
a estrela os foi seguindo.
A estrelinha se foi pôr
em cima de uma cabana.
A cabana era pequena,
não cabiam todos três;
adoraram Deus Menino
cada um por sua vez.
Ofereceram ao Menino:
oiro, mirra e incenso;
não lhe ofereceram mais nada,
porque Ele era o Deus Imenso!
Glória seja a Deus Pai
e a Deus Filho também;
glória ao Espírito Santo,
para todo o sempre. Amen.
A festa da Natividade, tão querida do povo português, originou um Cancioneiro de Natal, do qual oferecemos aos nossos leitores as Janeiras e os Reis das terras de Penacova, tal como se cantam em Lorvão.
«Vamos adorar o Deus Menino em Belém, entre os pastores!”
10 de Dezembro de 1962
CORREIA BORGES
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