No dia 8 de Abril, sábado de Aleluia, realizou-se em Penacova o “Enterro do Bacalhau”. Esta manifestação popular que durante muitos anos se fez na vila e que desde os inícios da década de trinta não tinha lugar começou, no ano passado, a ser reavivada graças à iniciativa das associações juvenis “Partículas Soltas” e “Vox et Communio”, tendo-se-lhe este ano juntado a associação musical “Sons do Mondego”.
O cortejo do “Enterro do Bacalhau” arrancou da Eirinha, desceu ao Terreiro (onde em frente a Câmara actuaram grupos de crianças), dirigiu-se à rua principal da vila, entre a Igreja e o largo de Cruzeiro (onde o “bacalhau” acabou por ser enterrado) com uma paragem no Largo de S. Francisco para a apresentação de um Teatro de Rua onde não faltou o humor, a sátira e a crítica social e política, traduzida nalgumas quadras com que o “bacalhau” se tentou defender das acusações que lhe foram dirigidas.
Sandra Henriques, encenadora do grupo de Teatro Partículas Soltas, escreveu na rede social Facebook, a propósito do evento deste ano o seguinte: “Uma vez mais saímos à rua para ver se, de alguma forma, agitamos e damos cor à nossa querida Vila de Penacova (...) E que bem acompanhados estivemos! De um lado os nossos 30 atores (miúdos e graúdos) acompanhados pelos familiares que largam os seus afazeres de Páscoa para virem fazer a festa connosco e mostrarem aos mais novos que é tão bom sermos livres! Do outro, o Vox et Communio com as suas vozes e a garra de se desafiarem constantemente num espírito de cooperação maravilhoso. De outro, a energia contagiante da Associação Musical Sons do Mondego, que era a peça que nos faltava.”
Esta tradição está ainda presente nos dias de hoje em muitos locais do país (Pampilhosa, Figueira da Foz, Góis, Soutocico, Peniche, Sesimbra, Laranjeiro, Barreiro, Rio de Mouro, Alenquer, Torres Novas, etc). Recorde-se que o Enterro do Bacalhau de Soutocico (Leiria) chegou mesmo a ser, em 2020, candidato às 7 Maravilhas da Cultura Popular. A condenação à pena capital e enterro do bacalhau, bem como todo o conjunto de rituais passou a integrar a cultura popular há longos anos atendendo a que durante os quarenta dias que vão do Carnaval à Páscoa a Igreja Católica impôs rigoroso jejum e completa abstinência de carne. Com isso, quando se chegava ao fim da Quaresma já o povo estava farto de comer bacalhau e de se privar de muitas coisas além da carne, por exemplo dos bailes e de tudo o que fosse divertimento.
Assim, o “enterro do bacalhau” passou a assumir-se como uma “tradição que tem lugar no Sábado de Aleluia para celebrar o fim das privações, incluindo as gastronómicas, que tinham lugar na Quaresma. Em geral, o julgamento do bacalhau é uma manifestação teatral que inclui também um cortejo fúnebre. Algumas das personagens que participam são o doutor juiz, os advogados, o oficial de diligências, o réu bacalhau e as testemunhas – salsa, alho, cebola, e vários temperos.” Há localidades - por exemplo Rio de Mouro (Sintra) - que fazem o “enterro do bacalhau”, não no Sábado de Aleluia, mas na Terça-Feira “gorda”, isto é no dia de Carnaval.
Em Penacova, temos notícia dos Cortejos em 1910, 1911 e 1932. Em 1932, a comissão que estava constituída não obteve autorização do Administrador Concelhio tendo surgido um outro grupo que, à última hora, acabou por organizar um cortejo alternativo na Segunda-Feira da Páscoa, com “figuras simbólicas e carros alegóricos”. Em 1910, de acordo com notícia no Jornal de Penacova “foi um verdadeiro sucesso o enterro do bacalhau que teve lugar nesta vila” na noite de Sábado de Aleluia. “A afluência do público ao funéreo e burlesco enterro foi extraordinária (…). O povinho ficou embasbacado ante o aparato para si estonteador e nunca antes visto na nossa terra”. Um autêntico “sucesso” para “um burgo, apático e podre a propósito de diversões.” Em 1911 repetiu-se e até se publicou um “jornal” satírico “A Espinha”. Uma preciosidade: quatro páginas cheias de humor e sarcasmo, como convinha nesta manifestação popular.
Fotografias de Carolina Sim:
Fotografias de PENACOVA ONLINE:
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